Apelação Cível Nº 5017462-42.2019.4.04.9999/PR
RELATOR: Desembargador Federal MÁRCIO ANTONIO ROCHA
APELANTE: MARIA DE FATIMA SILVEIRA ANACLETO
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RELATÓRIO
A parte autora ajuizou ação contra o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), pleiteando a concessão de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez desde a Data de Entrada do Requerimento na via administrativa (DER 18/10/2012).
Processado o feito, sobreveio sentença, publicada em 22/03/2019, por meio da qual o Juízo a quo julgou o pedido nos seguintes termos (ev. 101):
3. DISPOSITIVO
Ante o exposto, julgo improcedente por falta de comprovação da alegada incapacidade os pedidos formulados na exordial, resolvendo o mérito a teor do art. 487, inciso I, do Código de Processo Civil. Condeno a parte autora ao pagamento de custas e despesas processuais, bem como de honorários advocatícios ora fixados em 10% do valor da causa, tendo em vista a baixa complexidade da demanda e o que dispõe o art. 85, §2º, do CPC. Suspendo a exigibilidade das verbas acima referidas (custas e despesas processuais/honorários advocatícios), uma vez que restou concedida a demandante o benefício da assistência judiciária gratuita (CPC, art. 98, §3º). PUBLIQUE-SE. REGISTRE-SE. INTIME-SE. Decorrido o prazo recursal e transitando em julgado a presente sentença, dê-se baixa na distribuição e arquivem-se os autos.
Em suas razões recursais (ev. 107), a parte autora requer a reforma da sentença, sustentando, em síntese, que comprovou por meio de documentos médicos a sua incapacidade laborativa, fazendo jus, portanto, ao recebimento do benefício buscado nestes autos.
Sem contrarrazões, vieram os autos a esta Corte.
É o relatório.
Peço dia para julgamento.
VOTO
Aposentadoria por Invalidez/Auxílio-Doença
A concessão de benefícios por incapacidade laboral está prevista nos artigos 42 e 59 da Lei nº 8.213/91, verbis:
Art. 42. A aposentadoria por invalidez, uma vez cumprida, quando for o caso, a carência exigida, será devida ao segurado que, estando ou não em gozo de auxílio-doença, for considerado incapaz e insusceptível de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência, e ser-lhe-á paga enquanto permanecer nesta condição.
Art. 59. O auxílio-doença será devido ao segurado que, havendo cumprido, quando for o caso, o período de carência exigido nesta Lei, ficar incapacitado para o seu trabalho ou para a sua atividade habitual por mais de 15 dias consecutivos.
Extraem-se, da leitura dos dispositivos acima transcritos, que são três os requisitos para a concessão dos benefícios por incapacidade: 1) a qualidade de segurado; 2) o cumprimento do período de carência de 12 contribuições mensais, e 3) a incapacidade para o trabalho, de caráter permanente (aposentadoria por invalidez) ou temporário (auxílio-doença).
Tendo em vista que a aposentadoria por invalidez pressupõe incapacidade total e permanente, cabe ao juízo se cercar de todos os meios de prova acessíveis e necessários para análise das condições de saúde do requerente, mormente com a realização de perícia médica.
Aos casos em que a incapacidade for temporária, ainda que total ou parcial, caberá a concessão de auxílio-doença, que posteriormente será convertido em aposentadoria por invalidez (se sobrevier incapacidade total e permanente), auxílio-acidente (se a incapacidade temporária for extinta e o segurado restar com sequela permanente que reduza sua capacidade laborativa) ou extinto (com a cura do segurado).
Quanto ao período de carência (número mínimo de contribuições mensais indispensáveis para que o beneficiário faça jus ao benefício), estabelece o artigo 25 da Lei de Benefícios da Previdência Social:
Art. 25. A concessão das prestações pecuniárias do Regime Geral de Previdência Social depende dos seguintes períodos de carência:
I - auxílio-doença e aposentadoria por invalidez: 12 contribuições mensais;
Na hipótese de ocorrer a cessação do recolhimento das contribuições, prevê o artigo 15 da Lei nº 8.213/91 o denominado "período de graça", que permite a prorrogação da qualidade de segurado durante um determinado lapso temporal:
Art. 15. Mantém a qualidade de segurado, independentemente de contribuições:
I - sem limite de prazo, quem está em gozo de benefício;
II - até 12 (doze) meses após a cessação das contribuições, o segurado que deixar de exercer atividade remunerada abrangida pela Previdência Social ou estiver suspenso ou licenciado sem remuneração;
III - até 12 (doze) meses após cessar a segregação, o segurado acometido de doença de segregação compulsória;
IV - até 12 (doze) meses após o livramento, o segurado retido ou recluso;
V - até 3 (três) meses após o licenciamento, o segurado incorporado às Forças Armadas para prestar serviço militar;
VI - até 6 (seis) meses após a cessação das contribuições, o segurado facultativo.
1º O prazo do inciso II será prorrogado para até 24 (vinte e quatro) meses se o segurado já tiver pago mais de 120 (cento e vinte) contribuições mensais sem interrupção que acarrete a perda da qualidade de segurado.
2º Os prazos do inciso II ou do § 1º serão acrescidos de 12 (doze) meses para o segurado desempregado, desde que comprovada essa situação pelo registro no órgão próprio do Ministério do Trabalho e da Previdência Social.
3º Durante os prazos deste artigo, o segurado conserva todos os seus direitos perante a Previdência Social.
4º A perda da qualidade de segurado ocorrerá no dia seguinte ao do término do prazo fixado no Plano de Custeio da Seguridade Social para recolhimento da contribuição referente ao mês imediatamente posterior ao do final dos prazos fixados neste artigo e seus parágrafos.
Decorrido o período de graça, as contribuições anteriores à perda da qualidade de segurado somente serão computadas para efeitos de carência depois que o segurado contar, a partir da nova filiação à Previdência Social, conforme o caso, com, no mínimo, 1/3 (um terço) do número de contribuições exigidas para o cumprimento da carência definida para o benefício a ser requerido (ao tempo da vigência do art. 24, § único, da Lei 8.213/91) ou metade daquele número de contribuições (nos termos do art. 27-A da Lei n.º 8.213/91, incluído pela Lei nº 13.457, de 27.06.2017, e com a redação atual dada pela Lei nº 13.846, de 18.06.2019).
A concessão dos benefícios de auxílio-doença e aposentadoria por invalidez pressupõe a averiguação, por meio de exame médico-pericial, da incapacidade para o exercício de atividade que garanta a subsistência do segurado, e terá vigência enquanto essa condição persistir. Ainda, não obstante a importância da prova técnica, o caráter da limitação deve ser avaliado conforme as circunstâncias do caso concreto. Isso porque não se pode olvidar de que fatores relevantes - como a faixa etária do requerente, seu grau de escolaridade e sua qualificação profissional, assim como outros - são essenciais para a constatação do impedimento laboral e efetivação da proteção previdenciária.
Dispõe, outrossim, a Lei nº 8.213/91 que a doença ou lesão de que o segurado já era portador ao filiar-se ao Regime Geral de Previdência Social não lhe conferirá direito ao benefício, salvo quando a incapacidade sobrevier por motivo de progressão ou agravamento da doença ou lesão.
Caso Concreto
A parte autora, segurada especial, nascida em 13/08/1968, residente e domiciliada em Pinhalão/PR, pede o benefício previdenciário de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez alegando encontrar-se incapacitada para as atividades laborativas.
A sentença julgou improcedente o pedido entendendo que a parte autora não demonstrou a incapacidade laborativa para as suas atividades habituais, conforme trecho a seguir transcrito:
1.1. Da Incapacidade
Buscando esclarecimentos quanto ao atual quadro de saúde da parte autora, foi realizada perícia médica por perito judicial (mov. 42.1).
Segundo o perito, não foi possível realizar a perícia por não ser a autora capaz de relatar histórico, tendo solicitado prontuário médico e declaração de psiquiatra/neurologista para diagnóstico de patologia base.
Ocorre que, o indeferimento administrativo, objeto da presente demanda, não trata de doenças psiquiátricas, não havendo portanto, pretensão resistida por parte da Autarquia Previdenciária.
Dessa forma, foi determinada a suspenção do feito, a fim de que a parte autora deduza seu pedido na esfera administrativa (mov. 73.1).
Contudo, a parte autora alega não haver necessidade de um novo requerimento administrativo, alegando que tal exigência já foi realizada (mov. 85.1).
Ademais, o único documento médico juntado (mov. 79.2) encontra-se ilegível, não há identificação do nome da parte autora, nem sequer assinatura de médico responsável com carimbo do CRM.
Portanto, a parte autora não desincumbiu o ônus que lhe competia, ou seja, não provou incapacidade decorrente de qualquer doença.
Destarte, não estando preenchido o requisito da incapacidade laboral, ficam prejudicadas a análise dos demais requisitos (qualidade de segurado e carência), pois a concessão do benefício por incapacidade depende do preenchimento cumulativo de todos requisitos, de modo que, em não sendo preenchidos quaisquer deles, o pedido deve ser julgado improcedente.
Verifico, no entanto, que a autora alega que a sua doença incapacitante é de origem psiquiátrica, patologia que não fundamentou o pedido administrativo NB 5537977270, com DER em 18/10/2012.
Note-se que, a apelante, mesmo tendo sido provocada pelo juízo de primeiro grau a apresentar requerimento administrativo de concessão do benefício de auxílio-doença, com fundamento na doença psiquiátrica, recusou-se a formular novo pedido administrativo, alegando que já teria preenchido esta exigência.
Evidencia-se, assim, que a parte autora desonerou-se do ônus que lhe cabia, a teor do art. 373, I, do CPC, qual seja: comprovar que informou a Administração do surgimento de nova doença, a qual justificaria a concessão do benefício de auxílio-doença em seu favor.
Diante disso, uma vez que a alegada incapacidade advém de doença diversa da que amparou o referido pedido administrativo, não há razão que justifique a concessão do benefício em sede judicial, pois resta configurada a falta de interesse de agir da demandante. Neste sentido:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. PROCESSUAL CIVIL. AUXÍLIO-DOENÇA. DOENÇA SUPERVENIENTE. MODIFICAÇÃO DA CAUSA DE PEDIR. DESCABIMENTO. AUSÊNCIA DE PRÉVIO REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO E DE INTERESSE PROCESSUAL. Não havendo correlação entre a incapacidade originariamente alegada com a doença superveniente, ou seja, não se tratando de hipótese em que a modificação do quadro de saúde no decorrer da ação se deu pelo agravamento da situação inicial ou, até mesmo, pelo desencadeamento de nova doença mas, esta, proveniente das mesmas causas, resta configurada situação fática diversa daquela que ensejou o pedido administrativo bem como o ajuizamento da demanda, em evidente modificação da causa de pedir remota que, nesses termos, deve ser primeiramente submetida ao crivo da Administração, sob pena de ausência de interesse processual. (TRF4, AG 5040682-98.2016.4.04.0000, QUINTA TURMA, Relator ROGERIO FAVRETO, juntado aos autos em 16/12/2016)
Ressalto que ao Poder Judiciário não é permitido substituir a Administração Pública no desempenho de suas atribuições, de maneira que somente após o indeferimento administrativo é que nasce para a parte autora o interesse processual, consubstanciado na necessidade (indispensabilidade) da tutela jurisdicional.
Assim, sem ter havido pedido administrativo para recebimento de benefício previdenciário em razão da doença psiquiátrica, só se pode falar em desconhecimento da parte ré e não em resistência, de modo que não se aperfeiçoa a lide, em virtude da falta de interesse processual.
Dessa forma, forçoso reconhecer a ausência de interesse de agir, configurada na falta de pretensão resistida, impondo-se, assim, a extinção do processo sem julgamento de mérito, com fundamento no art. 485, VI do CPC, devendo a sentença de primeira instância ser reformada tão somente para extinguir o feito sem julgamento de mérito.
Prejudicada, portanto, a análise do mérito do recurso da parte autora, ante a extinção do feito, sem julgamento do mérito.
Isto posto, resta prejudicado o recurso da parte autora. Reformo, de ofício, a sentença de primeira instância, para extinguir o feito sem julgamento de mérito, a teor do art. 485, VI, do CPC, conforme fundamentado acima.
Honorários Advocatícios
Mantida a sucumbência da parte autora, majoro a verba honorária, elevando-a de 10% para 15% sobre o valor atualizado da causa, cuja exigibilidade fica suspensa em face do benefício da gratuidade da justiça.
Custas
Inexigibilidade temporária também das custas, em face do benefício da assistência judiciária gratuita em favor da parte autora.
Prequestionamento
Objetivando possibilitar o acesso das partes às Instâncias Superiores, considero prequestionadas as matérias constitucionais e/ou legais suscitadas nos autos, conquanto não referidos expressamente os respectivos artigos na fundamentação do voto, nos termos do art. 1.025 do Código de Processo Civil.
Conclusão
- apelação: prejudicada;
- de ofício: extinto o feito sem julgamento de mérito, ante a falta de interesse de agir da requerente.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por extinguir o feito sem resolução do mérito, ante a falta de interesse de agir da parte autora e dar por prejudicada a apelação.
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Apelação Cível Nº 5017462-42.2019.4.04.9999/PR
RELATOR: Desembargador Federal MÁRCIO ANTONIO ROCHA
APELANTE: MARIA DE FATIMA SILVEIRA ANACLETO
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-DOENÇA. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. INCAPACIDADE LABORAL. DOENÇA DIVERSA DA APONTADO NO REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. AUSÊNCIA DE INTERESSE DE AGIR. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM JULGAMENTO DE MÉRITO.
1. São três os requisitos para a concessão dos benefícios previdenciários por incapacidade: 1) a qualidade de segurado; 2) o cumprimento do período de carência, salvo nos casos excepcionados por lei; 3) a incapacidade para o trabalho, de caráter permanente (aposentadoria por invalidez) ou temporário (auxílio-doença).
2. Se a incapacidade laboral alegada em juízo é superveniente e diversa daquela que fundamentou o pedido administrativo, verifica-se a falta de interesse processual da parte autora.
3. Reconhecimento da ausência de interesse de agir, configurada na falta de pretensão resistida, impondo-se, assim, a extinção do processo sem julgamento de mérito, com fundamento no art. 485, VI do Código de Processo Civil.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia Turma Regional Suplementar do Paraná do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, extinguir o feito sem resolução do mérito, ante a falta de interesse de agir da parte autora e dar por prejudicada a apelação, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Curitiba, 14 de julho de 2020.
Documento eletrônico assinado por MÁRCIO ANTÔNIO ROCHA, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40001815409v3 e do código CRC 676975de.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO Virtual DE 07/07/2020 A 14/07/2020
Apelação Cível Nº 5017462-42.2019.4.04.9999/PR
RELATOR: Desembargador Federal MÁRCIO ANTONIO ROCHA
PRESIDENTE: Desembargador Federal FERNANDO QUADROS DA SILVA
APELANTE: MARIA DE FATIMA SILVEIRA ANACLETO
ADVOGADO: GEMERSON JUNIOR DA SILVA (OAB PR043976)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 07/07/2020, às 00:00, a 14/07/2020, às 16:00, na sequência 1178, disponibilizada no DE de 26/06/2020.
Certifico que a Turma Regional suplementar do Paraná, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DO PARANÁ DECIDIU, POR UNANIMIDADE, EXTINGUIR O FEITO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO, ANTE A FALTA DE INTERESSE DE AGIR DA PARTE AUTORA E DAR POR PREJUDICADA A APELAÇÃO.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal MÁRCIO ANTONIO ROCHA
Votante: Desembargador Federal MÁRCIO ANTONIO ROCHA
Votante: Desembargador Federal LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO
Votante: Desembargador Federal FERNANDO QUADROS DA SILVA
Conferência de autenticidade emitida em 24/07/2020 04:59:51.