Apelação Cível Nº 5014987-50.2018.4.04.9999/RS
RELATORA: Juíza Federal TAIS SCHILLING FERRAZ
APELANTE: ADELI SPIECKERT
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RELATÓRIO
Trata-se de apelação interposta contra sentença que julgou improcedente pedido de auxílio-doença, condenando a parte autora em honorários de R$800,00, suspensa a exigibilidade em virtude da gratuidade da justiça.
A parte autora apelou alegando, preliminarmente, cerceamento de defesa pela não realização de perícia cardiológica. No mérito, sustentou que restou comprovada incapacidade desde a DER (09/12/11).
Sem contrarrazões, subiram os autos ao Tribunal para julgamento.
É o relatório.
VOTO
Juízo de admissibilidade
O apelo preenche os requisitos de admissibilidade.
Benefício por incapacidade
Conforme o disposto no art. 59 da Lei n.º 8.213/91, o auxílio-doença é devido ao segurado que, havendo cumprido o período de carência, salvo as exceções legalmente previstas, ficar incapacitado para o seu trabalho ou para a sua atividade habitual por mais de 15 (quinze) dias consecutivos.
A aposentadoria por invalidez, por sua vez, será concedida ao segurado que, uma vez cumprida, quando for o caso, a carência exigida, for considerado incapaz e insuscetível de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência, sendo-lhe paga enquanto permanecer nessa condição, nos termos do art. 42 da Lei de Benefícios da Previdência Social.
A lei de regência estabelece que a carência exigida para a obtenção desses benefícios é de 12 (doze) contribuições mensais (art. 25, I), salvo nos casos legalmente previstos.
Em sendo a incapacidade anterior à filiação ao RGPS, ou à recuperação da condição de segurado, resulta afastada a cobertura previdenciária (art. 42, §2º e art. 59, §1º).
Caso concreto
O autor, agricultor, nascido em 16/06/65, ajuizou ação em 05/12/13, objetivando a concessão de auxílio-doença desde 09/12/11 (NB5492276189), em razão de epilepsia.
Há anotação, na capa do processo, de óbito do autor em 14/05/18.
- Incapacidade
A prova pericial é fundamental nos casos de benefício por incapacidade e tem como função elucidar os fatos trazidos ao processo. Submete-se ao princípio do contraditório, oportunizando-se, como no caso dos autos, a participação das partes na sua produção e a manifestação sobre os dados e conclusões técnicas apresentadas. Não importa, por outro lado, que seu resultado não atenda à expectativa de um dos demandantes ou mesmo de ambos, porque se destina a colher elementos necessários à formação do convencimento do juízo, ao qual incumbe decidir sobre a sua realização e eventual complementação e, posteriormente, apreciar seu poder de esclarecimento dos fatos, cotejando a perícia com os demais elementos carreados ao processo.
O juiz não está adstrito ao laudo pericial, nos termos do art. 479 do CPC, mas se entender por não acolher as conclusões do perito, à luz dos demais elementos presentes nos autos, deverá indicar os motivos que o levam a entendimento diverso.
Durante a instrução processual, em 14/08/14, foi realizada perícia médica pelo Dr. Paulo Carvalho Canto, otorrinolaringologista, que atestou incapacidade parcial e temporária, decorrente de epilepsia, passível de controle com tratamento adequado.
Da perícia, extrai-se (laudoperici14):
1) Epilepsia, CID G40;
2) Patologia não controlada adequadamente por medicação anti-convulsivante, pode determinar sequelas graves, porém periciado faz uso de medicação correta e tem apresentado crises convulsivas benignas tipo pequeno mal, muito eventualmente. Não há impedimento para exposição racional ao sol;
3) Parcial;
4) Temporária;
5) O quadro clinico sem uso permanente da medicação poderá agravar-se;
6) Os exames médicos apresentados, EEG 2005, 2009 e 2014 mostram atividade epileptogênica, caracterizando limitação laboral;
7) Periciado poderá ter controle satisfatório da patologia apresentada com observação estrita de tratamento anti-convulsivante prescrito;
8) A reabilitação ou troca de atividade poderá ser considerada por equipe multidisciplinar: neuro, clínico, psicólogo e assistente social;
9) A conclusão do perito baseou-se no acompanhamento já de longa data de quadros semelhantes de epilepsia 'benigna com uso correto de medicação e acompanhamento médico especializado permanente;
10) A genese da patologia epileptogênica não tem comprovação de origem congênita, sendo distúrbio eletroencefalográfico decorrente de fatores desconhecidos e variáveis conforme a faixa etária;
11) Não existe consolidação permanente garantida de epilepsia apenas controle medicamentoso efetivo.
Respostas quesitos lNSS:
1) Não;
2) 49 anos;
3) Agricultor;
4) Permance na agriculura;
5) Periciado apresenta Epilepsia, CID G40
6- Trata-se da doença alegada;
6) Não;
7) A condição clínica atual determina limitação de atividade laborativa;
8) Trata-se de patologia desenvolvida ao longo do tempo;
9) Sem condições de precisar data do inicio da limitação, porém superior há doze meses;
10) Foram apresentados eletroencefalogramas;
11) A conclusão do perito baseou-se em exame clínico e na análise do exame apresentado;
12) Não há possibilidade de imprecisão diagnóstica; Faz uso permanente de amato, gardenal e fenitoina. Não tem indicação cirurgia A patologia é passível de melhora com tratamento adequado;
13) Nao;
14) Não;
15) A patologia limita a atividade laboral;
16) Parcial e temporariamente incapaz;
18) Não;
19) Não.
Em sede de perícia complementar, respondeu aos quesitos do INSS:
1) A condição limitativa laboral apresentada pelo períciado é aquela relacionada ao individuo que faz uso permanente de medicação anticonvulsivante, no caso, topiramato, fenitoína e gardenal. Não existe incapacidade permanente, apenas limitação a atividades de natureza potencialmente perigosa, manuseio de equipamentos potencialmente cortantes e equipamentos agrícolas autopropulsados,
2) Superior a 12 meses;
3) Patologia apresentada está controlada medicamentosamente, porém limita parcialmente a atividade exercida.
A parte autora impugnou o laudo por ser inconclusivo e por não ter sido realizado por perito especialista na área.
Dessa forma, foi nomeado o perito especialista em neurologia, Dr. Carlos Kusmik.
Em 05/10/16, foi realizada nova perícia (oficioC30), na qual o perito atestou não decorrer incapacidade em virtude da epilepsia, que se encontrava controlada pelo uso de fenobarbital. Relatou ser a epilepsia a queixa do autor, que mencionou ter crises de um a dois meses. Afirmou que eventuais limitações ao trabalho são relativas ao labor com máquinas ou ferramentas, como colheitadeiras ou trator, em face de possível queda ou perda de controle, risco semelhante ao de motorista, para o que está habilitado (carteira de motorista AB feita em 08/04/16, com validade até abr/21). Referiu, ainda, o perito ser necessário o acompanhamento com especialista e eventual ajuste de dose de medicação, sendo que a usada é pequena. Afirmou que os exames apresentados comprovam história de epilepsia, mas não comprovam frequencia ou intensidade para justificar incapacidade ou comprometimento cognitivo secundário. Referiu que o autor relatou sofrer da doença desde os vinte e oito anos de idade, além de usar medicamentos para hipertensão e colesterol alto, os quais não lembra nome nem dosagem. Afirmou, ainda, não ter havido agravamento da patologia e nem possibilidade de piora com exposição ao sol. Referiu, ainda, que a hipertensão e a hipercolesterolemia são eram incapacitantes e constatou obesidade severa.
Os quesitos complementares apresentados pelo autor foram assim respondidos:
Há risco de agravamento da doença do autor caso permaneça laborando na agricultura?
Resposta: Não. Saliento que a queixa do Periciado não implica negar a doença epilepsia, conforme relato do periciado. No entanto, tal patologia não inviabiliza sua capacidade Iaborativa conforme já relatado no laudo pericial prévio, mantendo as limitações que já ƒoram citadas no documento, ratificando as demais respostas.
Há risco de o autor adquirir sequelas em decorrência do trabalho na agricultura? Resposta: Não.
Quesito 3:0 autor corre risco de vida em virtude da doença?
Em caso de vir a ter uma convulsão ao trabalhar em alturas ou fazendo mergulho subaquático, ou ainda dirigindo veículo com carga perigosa, há risco de vida sim. Não é o caso do Periciado, que não realiza alpinismo ou atividades similares. O risco de vida que o Periciado sofre são iguais a qualquer outra pessoa que, por exemplo, tropece e caia no chão. Tal risco decorrente da epilepsia não inviabiliza sua capacidade laborativa.
Cumpre ressaltar que o perito judicial é o profissional de confiança do juízo, cujo compromisso é examinar a parte com imparcialidade. Embora o juiz não fique adstrito às conclusões do perito, a prova em sentido contrário ao laudo judicial, para prevalecer, deve ser suficientemente robusta e convincente, o que não ocorreu no presente feito.
Veja-se que a segunda perícia não diverge da primeira que, apesar de referir incapacidade parcial e temporária, esclareceu, na sequência, tratar-se de limitação para atividades que envolvessem o uso e manuseio de equipamentos ou instrumentos que oferecessem risco em caso de crise convulsiva. E, considerando, que o segurado especial em regime de economia familiar, como é o caso do autor, não faz uso frequente de maquinários ou outros equipamentos que possam, em caso de crise convulsiva, oferecer risco à saúde própria ou de outrem, conclui-se que a limitação não impacta na realização de suas atividades habituais.
Ademais, constam, dos autos, apenas: - um exame médico de 30/03/11, indicando anormalidade epileptogênica fronto-temporal direita; - atestado médico do sistema único de saúde municipal, de 05/11/11, informando estar o autor em tratamento para epilepsia, porém sem menção à incapacidade; - atestado de 06/02/12, encaminhando ao INSS em razão de G-41.9 (estado de mal epléptico não especificado) e G43.9 (enxaqueca não especificada). Tais documentos, além de não serem contemporâneos à perícia, não indicam incapacidade, não tendo, portanto, o condão de infirmar as perícias realizadas nos autos.
Portanto, relativamente à epilepsia, não restou comprovada incapacidade.
Por outro lado, houve menção, pelo periciando, no exame de 05/10/16, de uso de medicação para pressão alta e colesterol, tendo o perito neurologista afastado incapacidade decorrente desse quadro. Ademais, segundo consulta CNIS e Plenus, o autor formulou novo pedido administrativo, tendo recebido auxílio-doença de 18/09/17 a 30/11/17 (NB6201723700) em decorrência de I25 (doença isquêmica crônica do coração). Assim, em que pese inexista, nestes autos, nenhum documento relativo à patologia do coração, considerando o recebimento de benefício em decorrência de doença cardiológica e o óbito do autor no curso do processo, acolhe-se a alegação de cerceamento de defesa. Com efeito, o perito especializado na moléstia, à vista de documentos comprobatórios da patologia cardíaca, poderá avaliar eventual incapacidade, sua extensão e duração.
Provido em parte o apelo, anulando-se a sentença para realização de perícia cardiológica.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por dar parcial provimento à apelação.
Documento eletrônico assinado por TAIS SCHILLING FERRAZ, Juíza Relatora, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40001829495v30 e do código CRC 890b35e4.Informações adicionais da assinatura:
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Apelação Cível Nº 5014987-50.2018.4.04.9999/RS
RELATORA: Juíza Federal TAIS SCHILLING FERRAZ
APELANTE: ADELI SPIECKERT
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-DOENÇA. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. INCAPACIDADE NÃO COMPROVADA. DOENÇA DIVERSA. NECESSIDADE DE PERÍCIA ESPECIALIZADA. REABERTURA DA INSTRUÇÃO.
1. Tratando-se de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez, o Julgador firma sua convicção, via de regra, por meio da prova pericial.
2. Tendo o laudo médico oficial concluído pela inexistência de incapacidade para o exercício de atividades laborais habituais, decorrente do quadro de epilepsia, e não havendo prova substancial em contrário, não há direito ao auxílio-doença ou à aposentadoria por invalidez em virtude dessa doença.
3. Por outro lado, considerando o recebimento de benefício posterior em decorrência de doença cardiológica e o óbito do autor no curso do processo, acolhe-se a alegação de cerceamento de defesa, devendo ser reaberta a instrução, para que perito especializado na moléstia, à vista de documentos comprobatórios, avalie eventual incapacidade, sua extensão e duração.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 01 de julho de 2020.
Documento eletrônico assinado por TAIS SCHILLING FERRAZ, Juíza Relatora, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40001829496v3 e do código CRC 31f821fe.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO Virtual DE 24/06/2020 A 01/07/2020
Apelação Cível Nº 5014987-50.2018.4.04.9999/RS
RELATORA: Juíza Federal TAIS SCHILLING FERRAZ
PRESIDENTE: Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
APELANTE: ADELI SPIECKERT
ADVOGADO: LUCAS SCHWAB HORST (OAB RS090170)
ADVOGADO: SIDO HORST (OAB RS057661)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 24/06/2020, às 00:00, a 01/07/2020, às 14:00, na sequência 276, disponibilizada no DE de 15/06/2020.
Certifico que a 6ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 6ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO.
RELATORA DO ACÓRDÃO: Juíza Federal TAIS SCHILLING FERRAZ
Votante: Juíza Federal TAIS SCHILLING FERRAZ
Votante: Juiz Federal JULIO GUILHERME BEREZOSKI SCHATTSCHNEIDER
Votante: Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
Conferência de autenticidade emitida em 07/07/2020 16:11:22.