Apelação Cível Nº 5028714-76.2018.4.04.9999/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: MARENITA CARNEIRO
RELATÓRIO
O Instituto Nacional do Seguro Social interpôs apelação em face de sentença que julgou parcialmente procedente o pedido para concessão de auxílio-doença com conversão em aposentadoria por invalidez em favor da parte autora, desde a data de entrada do requerimento administrativo (DER), condenando-o, ainda, ao pagamento das parcelas em atraso, corrigidas com juros, bem como ao pagamento de honorários advocatícios, arbitrados em 10% sobre as parcelas vencidas até a data da sentença (Ev. 3, SENT14).
Sustentou que a sentença merece reforma, pois a parte autora não detinha qualidade de segurado na data de início de incapacidade (DII) fixada pelo perito (Ev. 3, APELAÇÃO19).
Com contrarrazões e sem remessa necessária, subiram os autos a este Tribunal.
VOTO
Do benefício por incapacidade
Conforme o disposto no art. 59 da Lei n.º 8.213/91, o auxílio-doença é devido ao segurado que, havendo cumprido o período de carência, salvo as exceções legalmente previstas, ficar incapacitado para o seu trabalho ou para a sua atividade habitual por mais de 15 (quinze) dias consecutivos. A aposentadoria por invalidez, por sua vez, será concedida ao segurado que, uma vez cumprido, quando for o caso, a carência exigida, for considerado incapaz e insuscetível de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência, sendo-lhe pago enquanto permanecer nesta condição, nos termos do 42 da Lei de Benefícios da Previdência Social.
A lei de regência estabelece, ainda, que para a concessão dos benefícios em questão se exige o cumprimento da carência correspondente à 12 (doze) contribuições mensais (art. 25), salvo nos casos legalmente previstos.
Na eventualidade de ocorrer a cessação do recolhimento das contribuições exigidas, prevê o art. 15 da Lei nº 8.213/91 um período de graça, prorrogando-se, por assim dizer, a qualidade de segurado durante determinado período. Decorrido o período de graça, o que acarreta na perda da qualidade de segurado, as contribuições anteriores poderão ser computadas para efeito de carência. Exige-se, contudo, um mínimo de 1/3 do número de contribuições exigidas para o cumprimento da carência definida para o benefício a ser requerido, conforme se extrai da leitura do art. 24 da Lei nº 8.213/91. Dessa forma, cessado o vínculo, eventuais contribuições anteriores à perda da condição de segurado somente poderão ser computadas se cumpridos mais quatro meses.
É importante destacar que o pressuposto para a concessão de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez, é a existência de incapacidade (temporária ou total) para o trabalho. Isso quer dizer que não basta estar o segurado acometido de doença grave ou lesão, mas sim, demonstrar que sua incapacidade para o labor decorre delas.
De outra parte, tratando-se de doença ou lesão anterior à filiação ao Regime Geral de Previdência Social, não será conferido o direito à aposentadoria por invalidez/auxílio-doença, salvo quando a incapacidade sobrevier por motivo de progressão ou agravamento da doença ou lesão (§ 2º do art. 42).
Em resumo, a concessão de benefícios por incapacidade pressupõe a demonstração dos seguintes requisitos: a) a qualidade de segurado; b) cumprimento do prazo de carência de 12 (doze) contribuições mensais (quando exigível); c) incapacidade para o trabalho de caráter permanente (aposentadoria por invalidez) ou temporária (auxílio-doença).
No mais, deve ser ressaltado que, conforme jurisprudência dominante, nas ações em que se objetiva a concessão de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez o julgador firma seu convencimento, de regra, através da prova pericial. Nesse sentido:
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ OU AUXÍLIO-DOENÇA. INCAPACIDADE. AUSÊNCIA DE PERÍCIA MÉDICA. BAIXA DOS AUTOS À ORIGEM. REABERTURA DE INSTRUÇÃO. REALIZAÇÃO DE LAUDO. 1. Nas ações em que se objetiva a aposentadoria por invalidez ou auxílio-doença, o julgador firma seu convencimento, via de regra, com base na prova pericial. 2. Inexistindo prova pericial em caso no qual se faz necessária para a solução do litígio, reabre-se a instrução processual para que se realiza laudo judicial. 3. Sentença anulada para determinar a reabertura da instrução processual e a realização de perícia médica (TRF4ª, AC n.º 0009064-12.2010.404.9999/RS; Des. Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira; DJ de 27/08/2010).
Quanto a isso, José Antônio Savaris, em sua obra "Direito Processual Previdenciário", 03ª ed., Juruá, 2011, p. 239, leciona que "a prova decisiva nos processos em que se discute a existência ou persistência da incapacidade para o trabalho é, em regra, a prova pericial realizada em juízo compreendida, então, à luz da realidade de vida do segurado".
Por fim, é importante ressaltar que, tratando-se de controvérsia cuja solução dependa de prova técnica, o juiz só poderá recusar a conclusão do laudo na eventualidade de motivo relevante constante dos autos, uma vez que o perito judicial encontra-se em posição equidistante das partes, mostrando-se, portanto imparcial e com mais credibilidade. Nesse sentido, os julgados desta Corte: APELAÇÃO CÍVEL Nº 5013417-82.2012.404.7107, 5ª TURMA, Des. Federal RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA, POR UNANIMIDADE, JUNTADO AOS AUTOS EM 05/04/2013 e APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº 5007389-38.2011.404.7009, 6ª TURMA, Des. Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA, POR UNANIMIDADE, JUNTADO AOS AUTOS EM 04/02/2013.
CASO CONCRETO
No caso em comento, controverte-se acerca da qualidade de segurado quando da data de início de incapacidade. No caso sob exame, foi realizada perícia médica na autora, em 01 de fevereiro de 2017, a fim de que fosse esclarecido o seu estado de saúde e a sua capacidade laborativa, concluindo o perito pela incapacidade temporária para o exercício de suas atividades habituais (Ev. 3, LAUDPERI10).
Nesse contexto, o perito judicial, especialista em Ortopedia e Traumatologia, constatou que a autora apresenta diagnóstico de Osteartrose de coluna lombar (CID M 54.5). Destacam-se as seguintes respostas aos quesitos (Ev. 3, LAUDPERI10):
(Quesito nº 7.1. do INSS): Qual a data do início da doença? Com base em que documentos tal informação é prestada?
Resposta: Possui patologia de longa data; tais patologias são degenerativas e não existe como precisar o seu início; segundo a autora os sintomas incapacitantes agravaram em 08/2016, sendo que este perito considera a data do início da incapacidade.
(Quesito nº 11 do INSS): Caso seja comprovada a incapacidade temporária da parte autora. em que data provavelmente estará capacitada para retornar às suas atividades laborais (data previsível de cessação da incapacidade)? Justifique.
Resposta: Sim. 12 meses.
Destaque-se que o perito judicial detém o conhecimento científico necessário ao exame do segurado, ficando ao seu cargo a análise dos exames laboratoriais ou físicos para exarar o seu diagnóstico. A desconsideração do laudo pericial somente se justificaria com base em robusto contexto probatório, constituído por exames que sejam seguramente indicativos da incapacidade para o exercício de atividade laborativa e que coloque, efetivamente, em dúvida a conclusão do expert do juízo.
Embora o julgador não esteja adstrito à perícia judicial, é inquestionável que, tratando-se de controvérsia cuja solução dependa de prova técnica, o juiz só poderá recusar a conclusão do laudo se houver motivo relevante, uma vez que o perito judicial se encontra em posição equidistante das partes, mostrando-se imparcial e com mais credibilidade. Dessa forma, a prova em sentido contrário ao laudo judicial, para prevalecer, deve ser suficientemente robusta e convincente, o que não ocorreu no presente caso. Fora juntado apenas um atestado médico datado de junho de 2011, posterior à DER (05.2011) e alguns exames conforme Ev. 3, ANEXOS PET4, fl.12. Há atestado de novembro de 2012 e novembro de 2013, fls. 21 e 11, respectivamente.
Além disso, a existência de patologia ou lesão nem sempre significa incapacidade para o trabalho. Doença e incapacidade podem coincidir ou não, dependendo da gravidade da moléstia, das atividades inerentes ao exercício laboral e da sujeição e resposta ao tratamento indicado.
Portanto, deve ser prestigiada a data de início de incapacidade (DII) fixada pelo perito judicial, qual seja, agosto de 2016. Contudo, conforme consulta ao Cadastro Nacional de Informações Sociais (CNIS), o último período de contribuições com vínculo empregatício ocorreu de 10.12.2012 a 18.01.2013 e, após, houve recolhimento como contribuinte individual de 01.04.2013 a 31.01.2014. Dessa forma, há que ser analisada a qualidade de segurado na DII.
Nesse contexto, o artigo 15 da Lei nº 8.213/91 disciplina os casos em que é mantida a qualidade de segurado, independentemente de contribuições. De acordo com o inciso II desse mesmo artigo, a qualidade de segurado é mantida até 12 meses após a cessação das contribuições para o segurado que deixar de exercer atividade remunerada abrangida pela Previdência Social ou estiver suspenso ou licenciado sem remuneração.
O artigo 15, § 2º, da Lei nº 8.213/91 prevê a ampliação desse prazo, com o acréscimo de outros 12 meses, no caso de segurado desempregado, desde que comprovada essa situação pelo registro no órgão próprio do Ministério do Trabalho e da Previdência Social.
Nesse sentido, cite-se os seguintes dispositivos, in verbis:
Art. 15. Mantém a qualidade de segurado, independentemente de contribuições:
(...)
II - até 12 (doze) meses após a cessação das contribuições, o segurado que deixar de exercer atividade remunerada abrangida pela Previdência Social ou estiver suspenso ou licenciado sem remuneração;
(...)
§ 1º O prazo do inciso II será prorrogado para até 24 (vinte e quatro) meses se o segurado já tiver pago mais de 120 (cento e vinte) contribuições mensais sem interrupção que acarrete a perda da qualidade de segurado.
§ 2º Os prazos do inciso II ou do § 1º serão acrescidos de 12 (doze) meses para o segurado desempregado, desde que comprovada essa situação pelo registro no órgão próprio do Ministério do Trabalho e da Previdência Social.
§ 3º Durante os prazos deste artigo, o segurado conserva todos os seus direitos perante a Previdência Social.
§ 4º A perda da qualidade de segurado ocorrerá no dia seguinte ao do término do prazo fixado no Plano de Custeio da Seguridade Social para recolhimento da contribuição referente ao mês imediatamente posterior ao do final dos prazos fixados neste artigo e seus parágrafos.
Em agosto de 2016, data de início de incapacidade fixada pelo perito, a autora não detinha a qualidade de segurado, uma vez que não está caracterizada a hipótese do artigo 15, §1º. Dessa forma, assiste razão o INSS, devendo ser reformada a sentença para que seja julgado improcedente o pedido de concessão de auxílio-doença com conversão em aposentadoria por invalidez. No entanto, é indevida a devolução de valores recebido a título de benefício, uma vez que recebidos de boa-fé.
Inversão dos ônus da sucumbência
Diante do resultado do julgamento, invertem-se os ônus da sucumbência.
Pagará a parte autora as custas e despesas processuais, bem como honorários advocatícios ao apelante. Considerando o disposto no §11 do artigo 85 do CPC, majora-se o percentual para 15% (quinze por cento) sobre o valor atualizado da causa.
No entanto, permanece suspensa a exigibilidade da referida verba em razão da gratuidade de justiça, cumprindo ao credor no prazo assinalado no § 3º do artigo 98 do CPC, comprovar que deixou de existir a situação de insuficiência de recursos que justificou a concessão da benesse.
Dispositivo
Em face do que foi dito, voto no sentido de dar provimento à apelação.
Documento eletrônico assinado por ADRIANE BATTISTI, Juíza Federal Convocada, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40001039572v39 e do código CRC e7861d4a.Informações adicionais da assinatura:
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Apelação Cível Nº 5028714-76.2018.4.04.9999/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: MARENITA CARNEIRO
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-DOENÇA / APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. LAUDO PERICIAL. INCAPACIDADE DEMONSTRADA. FALTA DE QUALIDADE DE SEGURADO. HONORÁRIOS.
1. De modo geral, o direito à aposentadoria por invalidez e ao auxílio-doença pressupõe a presença de três requisitos: (1) qualidade de segurado ao tempo de início da incapacidade, (2) carência de 12 (doze) contribuições mensais, ressalvadas as situações previstas no art. 26, II, da Lei nº 8.213/91, e (3) especificamente, a observação quanto à existência de incapacidade impeditiva para o trabalho habitual em momento posterior ao ingresso no RGPS, aceitando-se, contudo, a decorrente de doença precedente, desde que agravada após o ingresso no RGPS, nos termos do art. 42, §2º, e art. 59, parágrafo único, ambos da Lei nº 8.213.
2. A desconsideração do laudo somente se justifica por significativo contexto probatório contraposto à conclusão do perito judicial, constituído por exames que sejam seguramente indicativos da incapacidade para o exercício de atividade laborativa.
3. Embora presente o requisito da incapacidade laboral, incabível a concessão de benefício por incapacidade diante da falta de qualidade de segurado.
4. Honorários advocatícios majorados (art. 85, §11, CPC).
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar provimento à apelação, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 14 de maio de 2019.
Documento eletrônico assinado por ADRIANE BATTISTI, Juíza Federal Convocada, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40001039573v5 e do código CRC 6108e9a4.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 14/05/2019
Apelação Cível Nº 5028714-76.2018.4.04.9999/RS
RELATORA: Juíza Federal ADRIANE BATTISTI
PRESIDENTE: Juiz Federal ALTAIR ANTONIO GREGORIO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: MARENITA CARNEIRO
ADVOGADO: HEITOR VICENTE ORO (OAB RS035976)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 14/05/2019, na sequência 74, disponibilizada no DE de 26/04/2019.
Certifico que a 5ª Turma , ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A 5ª TURMA , DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PROVIMENTO À APELAÇÃO.
RELATORA DO ACÓRDÃO: Juíza Federal ADRIANE BATTISTI
Votante: Juíza Federal ADRIANE BATTISTI
Votante: Juíza Federal GISELE LEMKE
Votante: Juiz Federal ALTAIR ANTONIO GREGORIO
PAULO ROBERTO DO AMARAL NUNES
Secretário
Conferência de autenticidade emitida em 07/07/2020 11:36:30.