Apelação Cível Nº 5033805-84.2017.4.04.9999/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
APELANTE: MARILENE ZAVODINI DIAS
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RELATÓRIO
Marilene Zavodini Dias ajuizou ação ordinária em face do Instituto Nacional do Seguro social, objetivando o restabelecimento de auxílio-doença ou concessão de aposentadoria por invalidez. Sustentou que é portadora de artrite reumatóide, osteopenia com fratura, DEPOC [sic], fibromialgia e depressão, o que a impede, desde o ano de 2012, de seguir trabalhando como atendente de enfermagem, serviços gerais, empregada doméstica, caseira e cuidadora de idosos. Registrou que foi beneficiária de auxílio-doença no período compreendido entre 26 de dezembro de 2014 e 28 de fevereiro de 2015 (NB 155.023.856-3), cessado em virtude da alta programada, bem como que sofre com os sintomas das doenças acima mencionadas desde 2007, sendo que em 2012 o quadro se agravou a ponto de não conseguir mais trabalhar. Com a inicial (Evento 3 - INIC2), juntou documentos (Evento 3 - ANEXOS PET4).
Após instrução do feito, sobreveio sentença de improcedência, ao argumento de que não ficou comprovada a alegada incapacidade para o trabalho. Em face da sucumbência, restou a parte autora condenada ao pagamento de custas e honorários, fixados em R$ 800,00 (oitocentos reais), suspensa a exigibilidade em face da concessão da gratuidade da justiça (Evento 3 - SENT27).
Inconformada, a parte autora recorreu, alegando que há necessidade de confecção de novo laudo pericial, preferencialmente por psiquiatra ou reumatologista, destacando que a profissão a qual se dedicou a vida toda não foi a de vendedora de panos de prato na rua, conforme constou do laudo, atividade por ela desempenhada apenas para poder sobreviver, já que não consegue mais, desde 2012, exercer as atividades que sempre desempenhou, uma vez que todas exigem esforço braçal. Registrou que tal aspecto não foi devidamente analisado pelo perito, que partiu do pressuposto de que a atividade habitual era apenas a de vendedora de panos de pratos na rua, o que não corresponde à verdade e deve ser melhor analisado por outro médico em face das limitações que visivelmente apresenta. Ao final, requereu a complementação da prova pericial ou a nomeação de novo perito, com o retorno dos autos à origem, ou, alternativamente, o restabelecimento do auxílio-doença ou concessão de aposentadoria por invalidez (Evento 3 - APELAÇÃO28). Juntou atestado médico a fim de comprovar o agravamento do quadro incapacitante (Evento 3 - ATESTMED29).
O INSS não apresentou contrarrazões. Subiram os autos a este Tribunal.
Solicito a inclusão em pauta para julgamento.
VOTO
Benefício por incapacidade
O art. 59 da Lei n.º 8.213/91 estabelece que o auxílio-doença será devido ao segurado que, havendo cumprido, quando for o caso, o período de carência exigido na referida lei, ficar incapacitado para o seu trabalho ou para a sua atividade habitual por mais de 15 (quinze) dias consecutivos.
Por sua vez, o art. 42 da Lei nº 8.213/91 estabelece que a aposentadoria por invalidez será concedida ao segurado que, tendo cumprido, quando for o caso, a carência exigida, for considerado incapaz e insuscetível de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência.
A Lei nº 8.213/91 estabelece que, para a concessão dos benefícios em questão, deve ser cumprida a carência correspondente a 12 (doze) contribuições mensais (art. 25), que é dispensada nos casos legalmente previstos (art. 26, II, da Lei nº 8.213/91).
O fato de a incapacidade temporária ser total ou parcial para fins de concessão do auxílio-doença não interfere na concessão desse benefício, uma vez que, por incapacidade parcial, deve-se entender aquela que prejudica o desenvolvimento de alguma das atividades laborativas habituais do segurado. No mesmo sentido, assim já decidiu o e. STJ, verbis:
RECURSO ESPECIAL. PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-DOENÇA. INCAPACIDADE PARCIAL PARA O TRABALHO HABITUAL. 1. É devido o auxílio-doença ao segurado considerado parcialmente incapaz para o trabalho, mas suscetível de reabilitação profissional para o exercício de outras atividades laborais. 2. Recurso improvido. (STJ, REsp 501267 / SP, rel. Ministro HAMILTON CARVALHIDO, T6 - SEXTA TURMA, DJ 28/06/2004 p. 427)
Por fim, a diferença entre os dois benefícios restou esclarecida consoante excerto doutrinário abaixo colacionado, verbis:
"A diferença, comparativamente à aposentadoria por invalidez, repousa na circunstância de que para a obtenção de auxílio-doença basta a incapacidade para o trabalho ou atividade habitual do segurado, enquanto para a aposentadoria por invalidez exige-se a incapacidade total, para qualquer atividade que garanta a subsistência. Tanto é assim que, exercendo o segurado mais de uma atividade e ficando incapacitado para apenas uma delas, o auxílio-doença será concedido em relação à atividade para a qual o segurado estiver incapacitado, considerando-se para efeito de carência somente as contribuições relativas a essa atividade (RPS, art. 71, § 1º) (in ROCHA, Daniel Machado da. BALTAZAR JÚNIOR, José Paulo. Comentários à Lei de Benefícios da Previdência Social. 15. ed. rev., atual. e ampl. - São Paulo: Atlas, 2017)
De modo geral, o acesso aos benefícios previdenciários de aposentadoria por invalidez e de auxílio-doença pressupõe a presença de 3 requisitos: (1) qualidade de segurado ao tempo de início da incapacidade, (2) carência de 12 contribuições mensais, salvo as hipóteses previstas no art. 26, II, da Lei nº 8.213/91, que dispensam o prazo de carência, e (3) requisito específico, relacionado à existência de incapacidade impeditiva para o labor habitual em momento posterior ao ingresso no RGPS, aceitando-se, contudo, a derivada de doença anterior, desde que agravada após o ingresso no RGPS, nos termos do art. 42, § 2º, e art. 59, parágrafo único, ambos da Lei nº 8.213/91.
Caso concreto
A matéria devolvida a este Tribunal diz respeito às moléstias apresentadas pela autora, se a incapacitam para suas atividades de trabalho habituais e, em caso positvio, em que grau.
Conforme laudo pericial anexado ao Evento 3 (LAUDPERI22), a autora é portadora de Osteoartrose erosiva (M15.4) e Fibromialigia (M.79.7), esclarecendo desde já o perito que não porta critérios (DSM-5) para o diagnóstico de Depressão Maior em atividade, ou quaisquer transtornos do humor. Prosseguindo, consta do corpo do laudo que a ocupação da parte autora seria Vendedora de Panos de Pratos na Rua, e que, para tal atividade, não haveria incapacidade. Confira-se:
9) A continuidade do desempenho das mesmas atividades exercidas anterionnente pela autora (essencialmente braçais, diga-se) pode trazer algum agravamento ao quadro?
Não há evidências que o trabalho consciencioso como vendedora de panos de prato possa piorar o quadro de degeneração por osteoartrose das articulações de mãos, ou complique quadro fibromiálgico vigente.
[...]
13) Queira o Senhor Perito Judicial identificar e discriminar as atividades desempenhadas pelo periciado no exercício de sua(s) ocupação(ões) laborativa(s) habitual(is) formal(is) e informal(is), bem como, codifica-la(s) pela CLASSIFICAÇÃO BRASILEIRA DE OCUPAÇÕES-2002 publicada pelo Ministério do Trabalho e Emprego -MET, e caracteriza-la(s) quanto à jornada de trabalho, se há sistema de escalas e turnos, períodos de repouso intra-jornada, sazonalidade da produção, esclarecendo em que fonte de dados fundamentou-se.
R. 5243-05 - Vendedor ambulante Paciente vende panos de prato. Sem sazonalidade. Sem alternância de turnos. Trabalho e descansos programados de acordo com condição física e disposição do periciado. Dados baseados em entrevista pericial.
Analisando os autos, todavia, percebe-se que a autora, antes de ser acometida pelas doenças acima especificadas, exercia outras funções (vide CTPS - Evento 3 - ANEXOS PET4, fls. 3/5), sendo que apenas a útlima foi a de vendedora de panos de prato, o que, de fato, não exige esforço braçal, diferentemente de todas as outras, a saber: atendente de enfermagem, serviços gerais, empregada doméstica, caseira e cuidadora de idosos (declaradas na petição inicial) e doméstica, caseira, cuidadora de idosos (elencadas na apelação).
Deve-se destacar que antes da prolação da sentença, ou seja, ainda durante a instrução processual, a causídica apresentou petição nos autos chamando atenção para tal aspecto (Evento 3 - PET23), elencando no corpo da petição, de maneira clara, as atividades habituais da autora que deveriam ser levadas em consideração pelo perito para fins de verificação da incapacidade.
Conforme elencado nas razões do recurso, a autora somente começou a vender panos de pratos na rua porque não conseguia mais realizar serviços braçais, e isso, segundo diz, a partir do ano de 2012, o que é verossímel na medida em que seu grau de instrução é o Ensino Fundamental Incompleto, bem como pelas atividades anotadas em sua CTPS.
Demais disso, consta de dois atestados anexados à peça incial que a autora sofre de artrite reumatóide (Evento 3 - ANEXOS PET4, fls. 38 e 61), situação que não foi analisada pelo perito. E, mesmo que fosse, teria sido verificada a incapacidade para a ocupação de vendedora de panos de pratos, e não para serviços braçais, ou seja, embora o laudo esteja detalhado e tenha elementos suficientes, a questão de fundo remanesce: para que tipos de atividades estaria a autora apta, já que sua função habitual não é a que consta do laudo e norteou todo o trabalho da perícia.
Assim, há evidente necessidade de repetição do exame pericial, e desta feita preferencialmente por médico reumatologista, a fim de que analise o quadro de moléstias apresentados pela autora e decline nos autos se está incapacitada de exercer as atividades averbadas em sua CTPS e citadas neste voto, e, em caso positivo, em que grau. Não há necessidade, todavia, de se realizar perícia com psiquiatra, uma vez que o expert já manifestou a ausência de evidências de depressão, conforme acima transcrito, bem como porque não há prova nos autos nesse sentido.
O conjunto probatório é farto no sentido de demonstrar que as enfermidades vêm de longa data, conforme consta do próprio laudo, bem como que há mais de uma doença a convergir para o quadro mórbido, sendo necessário, por isso, que se analise minudentemente até que ponto elas incapacitam a autora e, principalmente, se ainda pode voltar ao trabalho (que envolva serviço braçal).
Trata-se, portanto, de laudo que não se presta a embasar a decisão a ser proferida por este órgão julgador, situação que demanda a confecção de outra perícia, e desta feita preferencialmente por reumatologista, considerando a possibilidade de estar acometida, também, por artrite reumatóide.
Sendo assim, diante da necessidade de realização de outra perícia, dou provimento ao apelo e anulo a sentença, determinando ao juízo primevo a reabertura da instrução processual, com imediata nomeação de perito, a fim de que diga se a incapacidade existe e, em caso positivo, se é definitiva ou temporária, respondendo a todos os quesitos já apresentados pelas partes e pelo juízo, bem como os que serão porventura apresentados, caso necessário. Deverá fazer constar do laudo, ainda, tudo o que entender pertinente ao bom julgamento da lide, atento não só à última atividade desempenhada pela autora, mas também a todas as anotadas em sua CTPS. No mesmo sentido, transcrevo o seguintes precedentes:
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ/AUXÍLIO-DOENÇA. LAUDO PERICIAL INSUFICIENTE. SENTENÇA ANULADA. 1. Quando a perícia judicial não cumpre os pressupostos mínimos de idoneidade da prova técnica, ela é produzida, na verdade, de maneira a furtar do magistrado o poder de decisão. 2. Hipótese em que foi anulada a sentença e reaberta a instrução para a realização de nova prova pericial por médico especialista. (TRF4, APELAÇÃO CÍVEL Nº 0017026-76.2016.404.9999, Turma Regional suplementar de Santa Catarina, Des. Federal JORGE ANTONIO MAURIQUE, POR UNANIMIDADE, D.E. 27/09/2017, PUBLICAÇÃO EM 28/09/2017)
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. SENTENÇA ANULADA. REABERTURA PARA PRODUÇÃO DE NOVO LAUDO MÉDICO PERICIAL. CERCEAMENTO DE DEFESA. Insuficiente a perícia médica, elemento essencial para a verificação da incapacidade da postulante ao benefício de prestação continuada, determinada a anulação da sentença, com a reabertura da instrução para que seja produzido novo laudo médico pericial, com levantamento detalhado da moléstia, a ser elaborado por médico especialista, bem como as demais provas que as partes entenderem pertinentes. (TRF4, APELAÇÃO CÍVEL Nº 0019515-91.2013.404.9999, 5ª TURMA, Des. Federal ROGERIO FAVRETO, POR UNANIMIDADE, D.E. 28/01/2014, PUBLICAÇÃO EM 29/01/2014)
Dispositivo
Ante o exposto, voto no sentido de dar provimento ao apelo da parte autora para anular a sentença e determinar a reabertura da instrução, nos termos do voto.
Documento eletrônico assinado por OSNI CARDOSO FILHO, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40000534164v16 e do código CRC a88e8fad.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): OSNI CARDOSO FILHO
Data e Hora: 18/7/2018, às 14:12:13
Conferência de autenticidade emitida em 07/07/2020 18:44:52.
Apelação Cível Nº 5033805-84.2017.4.04.9999/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
APELANTE: MARILENE ZAVODINI DIAS
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-DOENÇA. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. NECESSIDADE DE NOVA PERÍCIA. ATIVIDADE HABITUAL DIVERSA DA ATIVIDADE CONSIDERADA NO LAUDO PARA FINS DE VERIFICAÇÃO DA INCAPACIDADE. CASO CONCRETO. COMPLEXIDADE DAS MOLÉSTIAS. ESPECIALISTA EM REUMATOLOGIA. SENTENÇA ANULADA. REABERTURA DA INSTRUÇÃO PROCESSUAL.
1. Constatado equívoco no laudo pericial em relação à atividade habitual exercida pela parte autora, que não se confunde com a última atividade efetivamente exercida, deve-se renovar a prova, preferencialmente com médico especialista.
2. Havendo atestados médicos comprovando doenças de origem reumatológica (artrite reumatóide), a perícia deve-se dar, preferencialmente, por médico reumatologista.
3. Sentença anulada, determinando-se o retorno dos autos à origem para reabertura da instrução processual.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, decidiu dar provimento ao apelo da parte autora para anular a sentença e determinar a reabertura da instrução, nos termos do voto, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 17 de julho de 2018.
Documento eletrônico assinado por OSNI CARDOSO FILHO, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40000534165v4 e do código CRC 3e897c6e.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): OSNI CARDOSO FILHO
Data e Hora: 18/7/2018, às 14:12:13
Conferência de autenticidade emitida em 07/07/2020 18:44:52.
EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 17/07/2018
Apelação Cível Nº 5033805-84.2017.4.04.9999/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
PRESIDENTE: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
APELANTE: MARILENE ZAVODINI DIAS
ADVOGADO: IRACILDO BINICHESKI
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 17/07/2018, na seqüência 76, disponibilizada no DE de 29/06/2018.
Certifico que a 5ª Turma , ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A 5ª Turma , por unanimidade, decidiu dar provimento ao apelo da parte autora para anular a sentença e determinar a reabertura da instrução, nos termos do voto.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
Votante: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
Votante: Juiz Federal ALTAIR ANTONIO GREGORIO
Votante: Juíza Federal LUCIANE MERLIN CLÈVE KRAVETZ
Conferência de autenticidade emitida em 07/07/2020 18:44:52.