Apelação Cível Nº 5056215-35.2019.4.04.7100/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
APELANTE: LUIZA ROLDAO DE SOUZA (AUTOR)
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
APELADO: OS MESMOS
RELATÓRIO
Luiza Roldão e o Instituto Nacional do Seguro Social interpuseram recursos de apelação em face de sentença que julgou parcialmente procedente o pedido para concessão de auxílio-doença, em favor da parte autora, desde o ajuizamento da ação (28/08/2020) até 31/12/2020, condenando a autarquia ao pagamento das parcelas corrigidas e com juros e dos honorários periciais. Em face da sucumbência recíproca, condenou ambas as partes ao pagamento de metade das custas processuais e de honorários advocatícios, arbitrados em 10% sobre 50% do valor das parcelas vencidas até a data da sentença. A exigibilidade em relação à parte autora foi suspensa por ser beneficiária da justiça gratuita (Evento 40).
Sustentou em preliminar, que houve cerceamento de defesa, pois requereu a realização de perícia médica com psiquiatra, o que foi indeferido pelo magistrado a quo, razão pela qual postulou a anulação da sentença para a complementação da perícia. No mérito, argumentou que faz jus à concessão de benefício por incapacidade desde a data de entrada do requuerimento administrativo, pois, além de ser portadora do vírus HIV, também sofre de patologias psiquiátricas. Registrou que o julgador deve observar não só o teor do laudo pericial como também o conjunto probatório e as condições pessoais do requerente. Por fim, requereu a anulação da sentença com a realização de nova perícia ou, subsidiariamente, a concessão do benefício por incapacidade desde o requerimento administrativo (Evento 47).
O INSS, por sua vez, argumentou que a autora não detinha qualidade de segurada na data de início da incapacidade fixada pelo perito judicial, de modo que não faz jus ao benefício (Evento 51).
Com contrarrazões, subiram os autos.
VOTO
Benefício por incapacidade
O art. 59 da Lei n.º 8.213/91 estabelece que o auxílio-doença será devido ao segurado que, havendo cumprido, quando for o caso, o período de carência exigido na referida lei, ficar incapacitado para o seu trabalho ou para a sua atividade habitual por mais de 15 (quinze) dias consecutivos.
Por sua vez, o art. 42 da Lei nº 8.213/91 estabelece que a aposentadoria por invalidez será concedida ao segurado que, tendo cumprido, quando for o caso, a carência exigida, for considerado incapaz e insuscetível de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência.
A Lei nº 8.213/91 estabelece que, para a concessão dos benefícios em questão, deve ser cumprida a carência correspondente a 12 (doze) contribuições mensais (art. 25), que é dispensada nos casos legalmente previstos (art. 26, II, da Lei nº 8.213/91).
O fato de a incapacidade temporária ser total ou parcial para fins de concessão do auxílio-doença não interfere na concessão desse benefício, uma vez que, por incapacidade parcial, deve-se entender aquela que prejudica o desenvolvimento de alguma das atividades laborativas habituais do segurado. No mesmo sentido, assim já decidiu o e. STJ, verbis:
RECURSO ESPECIAL. PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-DOENÇA. INCAPACIDADE PARCIAL PARA O TRABALHO HABITUAL. 1. É devido o auxílio-doença ao segurado considerado parcialmente incapaz para o trabalho, mas suscetível de reabilitação profissional para o exercício de outras atividades laborais. 2. Recurso improvido. (STJ, REsp 501267 / SP, rel. Ministro HAMILTON CARVALHIDO, T6 - SEXTA TURMA, DJ 28/06/2004 p. 427)
Por fim, a diferença entre os dois benefícios restou esclarecida consoante excerto doutrinário abaixo colacionado, verbis:
"A diferença, comparativamente à aposentadoria por invalidez, repousa na circunstância de que para a obtenção de auxílio-doença basta a incapacidade para o trabalho ou atividade habitual do segurado, enquanto para a aposentadoria por invalidez exige-se a incapacidade total, para qualquer atividade que garanta a subsistência. Tanto é assim que, exercendo o segurado mais de uma atividade e ficando incapacitado para apenas uma delas, o auxílio-doença será concedido em relação à atividade para a qual o segurado estiver incapacitado, considerando-se para efeito de carência somente as contribuições relativas a essa atividade (RPS, art. 71, § 1º) (in ROCHA, Daniel Machado da. BALTAZAR JÚNIOR, José Paulo. Comentários à Lei de Benefícios da Previdência Social. 15. ed. rev., atual. e ampl. - São Paulo: Atlas, 2017)
De modo geral, o acesso aos benefícios previdenciários de aposentadoria por invalidez e de auxílio-doença pressupõe a presença de 3 requisitos: (1) qualidade de segurado ao tempo de início da incapacidade, (2) carência de 12 contribuições mensais, salvo as hipóteses previstas no art. 26, II, da Lei nº 8.213/91, que dispensam o prazo de carência, e (3) requisito específico, relacionado à existência de incapacidade impeditiva para o labor habitual em momento posterior ao ingresso no RGPS, aceitando-se, contudo, a derivada de doença anterior, desde que agravada após o ingresso no RGPS, nos termos do art. 42, § 2º, e art. 59, parágrafo único, ambos da Lei nº 8.213/91.
Caso concreto
Conforme consta do laudo pericial (Evento 23), a autora, hoje com 42 anos de idade (nascida em 26/05/1978), faxineira, relatou à perita que:
há seis meses vem apresentando quadro de dores articulares em todo o corpo - ainda não iniciou nenhum tipo de investigação.
Usuária de crack, álcool e cocaína - em remissão há 6 meses. Atualmente internada em fazenda para reabilitação. Não faz acompanhamento com psiquiatra no momento. Refere quadro de dependência química após diagnóstico de HIV.
Diagnóstico de tuberculose há aproximadamente 6 meses - em tratamento no Posto da Cruzeiro.
Diagnóstico de HIV em 2011, após quadro de emagrecimento. Nunca fez tratamento até então. Refere ter iniciado tratamento recentemente, também no posto da Cruzeiro.
O diagnóstico foi de Doença pelo vírus da imunodeficiência humana [HIV] não especificada (CID B24), Doença pelo HIV resultando em infecções micobacterianas (CID B20.0) e Transtornos mentais e comportamentais devidos ao uso de múltiplas drogas e ao uso de outras substâncias psicoativas (CID F19). Após avaliação física e análise da documentação médica complementar apresentada, a expert concluiu que a autora estava incapacitada, de forma total e temporária, desde maio de 2019, em decorrência da tuberculose. A data provável de recuperação da capacidade laborativa foi fixada em dezembro de 2020.
A autora requereu a homologação do laudo pericial e a realização de perícia com especialista em psiquiatria (Evento 26).
O MM. Juiz condicionou a realização da perícia em psiquiatria à comprovação do adiantamento, pela parte autora, dos honorários periciais (Eventos 30 e 35). A autora argumentou ser beneficiária da assistência judiciária gratuita, e, assim, requereu a desistência da perícia médica, face à impossibilidade de arcar com as despesas processuais (Evento 38).
Esclarece-se que a responsabilidade pelo pagamento dos honorários periciais é da parte sucumbente na pretensão objeto da perícia. Na hipótese de se estar diante de beneficiária da justiça gratuita, considerando principalmente o princípio constitucional de acesso dos cidadãos ao Poder Judiciário e o dever do Estado de prestar assistência judiciária integral e gratuita às pessoas carentes (incisos XXXV, LV e LXXIV do artigo 5º da CF/88), o adiantamento pode ser atribuído a ente Estatal ou fundo criado para tal desiderato.
Apenas no momento em que já se exauriu a instrução e se está diante de provimento de cognição exauriente, mesmo que sujeita a recurso, é que a parte sucumbente deve arcar com tais ônus decorrentes da própria sucumbência. Ainda assim, os efeitos dessa eventual condenação ficariam suspensos em relação à demandante por ser beneficiária da justiça gratuita.
De fato, a perita não analisou as patologias não relacionadas à área de infectologia, sua especialidade. A expert, inclusive, mencionou a necessidade de realização de exame por perito especialista em psiquiatria.
Com efeito, a petição inicial elenca, além dos problemas relacionados ao vírus HIV, patologias de cunho psiquiátrico, que sequer foram analisadas pelo juízo quando da prolação da sentença porque somente foi realizada perícia por especialista em infectologia.
Não há, todavia, maiores detalhes no teor do laudo pericial que permitam uma análise efetiva a fim de embasar a presente decisão, motivo pelo qual a parte autora necessita ser examinada por especialista em psiquiatria.
Deve-se destacar que a realização de nova perícia é recomendada quando a matéria não parecer ao juiz suficientemente esclarecida, conforme autoriza o art. 480, caput, do CPC; ou seja, havendo de novo exame médico, cabível a anulação da sentença e a reabertura da instrução processual.
Sendo assim, a fim de que se possa ter certeza das condições de saúde da autora, é imprescindível que venha aos autos laudo médico realizado por psiquiatra, motivo pelo qual a sentença deve ser anulada para retorno dos autos à origem e reabertura da instrução processual. Nesse sentido:
PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-DOENÇA. PRELIMINAR DE CERCEAMENTO DE DEFESA. PROVA PERICIAL POR ESPECIALISTA EM ORTOPEDIA/TRAUMATOLOGIA E PSIQUIATRIA. ANULAÇÃO. 1. Cabe ao magistrado determinar de ofício a realização de perícia médica para comprovar a incapacidade, nos termos do artigo 370 do NCPC. 2.Considerados todos os aspectos que envolvem a presente ação, acolhe-se a preliminar de cerceamanto de defesa, devendo a sentença ser anulada e remetidos os autos à vara de origem, para a reabertura da fase instrutória, com a realização de perícia ortopédica e psiquiátrica, tendo em vista a necessidade de avaliação da real condição física e psicológica da parte autora. 2. Apelação parcialmente provida para anular a sentença, com a determinação de reabertura da fase instrutória para a realização de nova prova pericial. (TRF4, AC 5068730-09.2017.4.04.9999, QUINTA TURMA, Relator para Acórdão ALTAIR ANTONIO GREGÓRIO, juntado aos autos em 08/08/2018)
PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-DOENÇA. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. LAUDO INSUFICIENTE. CASO CONCRETO. COMPLEXIDADE DA MOLÉSTIA. SENTENÇA ANULADA. REABERTURA DA INSTRUÇÃO PROCESSUAL. 1. Constatada a necessidade de perícia por médico especialista em neurologia, deve ser anulada a sentença a fim de possibilitar a reabertura da instrução. 2. Sentença anulada de ofício, determinando-se o retorno dos autos à origem para reabertura da instrução processual. Prejudicado o julgamento da apelação. (TRF4, AC 5009761-64.2018.4.04.9999, QUINTA TURMA, Relator OSNI CARDOSO FILHO, juntado aos autos em 11/09/2018)
PREVIDENCIÁRIO. LAUDO PERICIAL. INDICAÇÃO DE NOVA PERÍCIA EM REUMATOLOGIA. SENTENÇA ANULADA. 1. Caso em que a expert sugeriu a realização de nova perícia na área de reumatologia. 2. A sentença deve ser anulada para a reabertura da instrução processual com a realização de uma nova perícia na especialidade de reumatologia. (TRF4, AC 5015820-33.2017.4.04.7112, QUINTA TURMA, Relatora GISELE LEMKE, juntado aos autos em 04/09/2018)
Dispositivo
Em face do que foi dito, voto por dar provimento à apelação da parte autora para anular a sentença, determinando o retorno dos autos à origem para realização de novo exame pericial, nos termos da fundamentação, ficando prejudicado, por ora, o julgamento das apelações.
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Apelação Cível Nº 5056215-35.2019.4.04.7100/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
APELANTE: LUIZA ROLDAO DE SOUZA (AUTOR)
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
APELADO: OS MESMOS
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-DOENÇA. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. NECESSIDADE DE NOVA PERÍCIA por especialista em psiquiatria. SENTENÇA ANULADA. REABERTURA DA INSTRUÇÃO PROCESSUAL.
1. A realização de nova perícia é recomendada quando a matéria não parecer ao juiz suficientemente esclarecida (art. 480, caput, do CPC). Havendo necessidade de novo exame médico por especialista no tipo de moléstia apresentada, cabível a anulação da sentença e a reabertura da instrução processual.
2. Sentença anulada, com determinação de retorno dos autos à origem para reabertura da instrução processual destinada à realização de nova perícia médica, por especialista em psiquiatria.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar provimento à apelação da parte autora para anular a sentença, determinando o retorno dos autos à origem para realização de novo exame pericial, ficando prejudicado, por ora, o julgamento das apelações, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 22 de setembro de 2020.
Documento eletrônico assinado por OSNI CARDOSO FILHO, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40002034071v3 e do código CRC 639d5b90.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO Virtual DE 14/09/2020 A 22/09/2020
Apelação Cível Nº 5056215-35.2019.4.04.7100/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
PRESIDENTE: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
PROCURADOR(A): JOÃO HELIOFAR DE JESUS VILLAR
APELANTE: LUIZA ROLDAO DE SOUZA (AUTOR)
ADVOGADO: LUCIANA PEREIRA DA COSTA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
APELADO: OS MESMOS
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 14/09/2020, às 00:00, a 22/09/2020, às 14:00, na sequência 104, disponibilizada no DE de 02/09/2020.
Certifico que a 5ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 5ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DA PARTE AUTORA PARA ANULAR A SENTENÇA, DETERMINANDO O RETORNO DOS AUTOS À ORIGEM PARA REALIZAÇÃO DE NOVO EXAME PERICIAL, FICANDO PREJUDICADO, POR ORA, O JULGAMENTO DAS APELAÇÕES.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
Votante: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
Votante: Juiz Federal ALTAIR ANTONIO GREGORIO
Votante: Juíza Federal ELIANA PAGGIARIN MARINHO
LIDICE PEÑA THOMAZ
Secretária
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