Apelação Cível Nº 5014912-74.2019.4.04.9999/RS
RELATORA: Juíza Federal GISELE LEMKE
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: ALCINA GELBAR DA SILVA MACIEL
RELATÓRIO
Trata-se de ação ordinária ajuizada por Alcina Gelbar da Silva Maciel em face do INSS, em que requer a concessão de auxílio-doença ou de aposentadoria por invalidez em razão de patologias ortopédica e psiquiátrica. Narra na inicial que está incapacitada para o labor desde a DER (08/05/2013), não tendo condições de exercer o trabalho habitual como diarista.
No curso do processo, foi deferida a antecipação de tutela (evento 3, Despadec7) e houve a implantação do benefício (evento 3, Pet8).
O magistrado de origem, da Comarca de São Luiz Gonzaga/RS, proferiu sentença em 18/12/2018, confirmando a antecipação de tutela e julgando procedente o pedido, para determinar a implantação do benefício de aposentadoria por invalidez desde a DER (08/05/2013), condenando a autarquia ao pagamento das prestações vencidas corrigidas monetariamente pelo INPC e com juros de mora pelos índices de poupança a contar da citação. O INSS foi onerado ainda ao pagamento de custas processuais por metade e de honorários advocatícios de 10% das prestações vencidas até da data da sentença. O R. Juízo não fez referência a reexame necessário (evento 3, Sent28).
Conforme consta do CNIS, foi implantada a aposentadoria por invalidez.
Irresignada, a autarquia apelou, sustentando que as contribuições vertidas pela autora como segurada facultativa de baixa renda não foram validadas, porquanto não atendidos os requisitos inexistência de renda própria (ela é titular de pensão por morte) e de renda familiar inferior a dois salários mínimos. Assevera que, com isso, a requerente não detinha qualidade de segurada, tampouco preenchia o requisito da carência na DER, de modo que a o pedido deve ser julgado improcedente. Caso mantido o decisum, requer que a DIB seja fixada na data da juntada do laudo pericial, que seja aplicado o disposto no art. 1º-F da Lei 9.494/97 no que tange à correção monetária, a isenção das custas processuais e o prequestionamento da matéria debatida na petição recursal (evento 3, Apelação 30).
Com contrarrazões (evento 3, Contraz31), os autos vieram a esta Corte para julgamento.
VOTO
Trata-se de apelação do INSS.
Auxílio-doença e aposentadoria por invalidez
Requisitos - Os requisitos para a concessão dos benefícios acima requeridos são os seguintes: (a) qualidade de segurado do requerente (artigo 15 da LBPS); (b) cumprimento da carência de 12 contribuições mensais, prevista no art. 25, I, da Lei 8.213/91 e art. 24 c/c o art. 27-A da LBPS; (c) superveniência de moléstia incapacitante para o desenvolvimento de atividade laboral que garanta a subsistência; e (d) caráter permanente da incapacidade (para o caso da aposentadoria por invalidez) ou temporário (para o caso do auxílio-doença).
Em se tratando de aposentadoria por invalidez ou auxílio-doença o julgador firma a sua convicção, em regra, por meio da prova pericial, porquanto o profissional de medicina é que possui as melhores condições técnicas para avaliar a existência de incapacidade da parte requerente, classificando-a como parcial ou total e/ou permanente ou temporária.
Nesse sentido, traz-se a lição de José Antonio Savaris:
O laudo técnico pericial, reconhecidamente a mais relevante prova nas ações previdenciárias por incapacidade, deve conter, pelo menos: as queixas do periciando; a história ocupacional do trabalhador; a história clínica e exame clínico (registrando dados observados nos diversos aparelhos, órgãos e segmentos examinados, sinais, sintomas e resultados de testes realizados); os principais resultados e provas diagnósticas (registrar exames realizados com as respectivas datas e resultados); o provável diagnóstico (com referência à natureza e localização da lesão); o significado dos exames complementares em que apoiou suas convicções; as consequências do desempenho de atividade profissional à saúde do periciando. (Direito Processual Previdenciário: Curitiba, Alteridade Editora, 2016, p. 274).
Cabível ressaltar-se, ainda, que a natureza da incapacidade, a privar o segurado do exercício de todo e qualquer trabalho, deve ser avaliada conforme as circunstâncias do caso concreto. Isso porque não se pode olvidar que fatores relevantes - como a faixa etária da postulante e o grau de escolaridade, dentre outros - sejam essenciais para a constatação do impedimento laboral.
Doença preexistente - Importa referir que não será devido o auxílio-doença ou a aposentadoria por invalidez ao segurado que se filiar ao RGPS já portador de doença ou da lesão invocada como causa para o benefício, salvo quando a incapacidade sobrevier por motivo de progressão ou agravamento da enfermidade, conforme disposto na Lei 8.213/91, no art. 42, § 2º (aposentadoria por invalidez) e no art. 59, § único (auxílio-doença).
Carência - Conforme já referido, os benefícios por incapacidade exigem cumprimento de período de carência de 12 contribuições mensais (art. 25, I, e 24 da Lei 8.213/91).
Havendo perda da qualidade de segurado, as contribuições anteriores poderão ser computadas para fins de carência, exigindo-se um número variável de novas contribuições a partir da refiliação ao sistema, conforme a evolução legislativa:
a) de 20/07/2005 a 07/07/2016, quatro contribuições; b) de 08/07/2016 a 04/11/2016, doze contribuições; c) de 05/11/2016 e 05/01/2017, quatro contribuições; d) de 06/01/2017 e 26/06/2017, doze contribuições; e) de 27/06/2017 a 17/01/2019, seis contribuições; f) de 18/01/2019 a 17/06/2019, doze contribuições; e g) a partir 18/06/2019, seis contribuições.
Controvérsia dos autos
A controvérsia recursal cinge-se à comprovação da qualidade de segurada e ao preenchimento do requisito da carência. Subsidiariamente, engloba o termo inicial do benefício, a correção monetária aplicável às prestações vencidas e as custas processuais.
Caso concreto
A parte autora, nascida em 27/08/1943, aos 69 anos de idade protocolou pedido administrativo de auxílio-doença em 08/05/2013, indeferido ante parecer contrário da perícia médica (evento 3, AnexosPet4, p. 15).
A presente ação foi ajuizada em 17/12/2013.
Incapacidade
A partir da perícia médica realizada nestes autos em 19/08/2017 pelo psiquiatra Joanas de Miranda Pês, é possível obter os seguintes dados (evento 3, LaudoPeric23):
- enfermidade (CID): depressão maior - F32.2;
- incapacidade: total e permanente;
- data de início da doença: não informada;
- data de início da incapacidade: não tem como precisar, visto que não apresentados documentos anteriores;
- idade na data do laudo: 74 anos.
Segundo o expert, a autora apresentava doença crônica recorrente, que gerava incapacidade laborativa total e permanente. No entanto, não era possível precisar o termo inicial da incapacidade. Mencionou que a requerente informou fazer tratamento regular, porém, não levou qualquer documento comprobatório ao exame.
Com a inicial, juntou um atestado sem data, tampouco assinatura e carimbo, referindo que ela apresentava dores crônicas nas costas que a impossibilitam de realizar atividades normais (evento 3, AnexosPet4, p. 22-23).
Em 04/2014, colacionou atestado emitido pelo médico José Carlos de Moraes Simões, sem data, o qual refere que a autora apresentava dores crônicas nas costas devido a osteoartrose e depressão, o que a impossibilitava de realizar as atividades normais e de trabalhar (evento 3, Pet6, p. 2).
Logo, não havendo provas de que havia incapacidade na DER (05/2013), conclui-se que resta comprovada a inaptidão para o labor tão somente em 08/2017 (data da perícia).
Qualidade de segurada
Consta no CNIS que a demandante ingressou no RGPS em 01/2012, a partir de quando passou a verter contribuições como segurada facultativa, no período de 01/2012 a 03/2013, contribuições estas pendentes de análise.
Para o segurado facultativo ter direito ao enquadramento como de baixa renda e, consequentemente, recolher contribuição previdenciária com alíquota de 5% (cinco por cento) sobre o salário mínimo, é necessário preencher os seguintes requisitos, conforme disposto no art. 21, § 2º, II, "b" e § 4º da Lei 8.212/91: a) não possuir renda própria; b) dedicar-se exclusivamente ao serviço doméstico no âmbito de sua residência; e c) pertencer à família de baixa renda (inscrita no CadÚnico, com renda mensal máxima de dois salários mínimos).
O preenchimento de tais requisitos é indispensável para a validação das contribuições vertidas, conforme precedentes desta Corte:
PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-DOENÇA/APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. CONTRIBUINTE FACULTATIVO DE BAIXA RENDA. EXISTÊNCIA DE RENDA PRÓPRIA. IMPOSSIBILIDADE DE VALIDAÇÃO DAS CONTRIBUIÇÕES.HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. 1. Constitui óbice à validação das contribuições vertidas sob alíquota reduzida prevista no art. 21, §2º, II, da Lei 8.212/91, o recebimento, pela pretendente, de renda própria 2. Não tendo sido comprovada a condição de segurada, pela insuficiência das contribuições, não há direito à concessão de benefício por incapacidade. 3. Verba honorária majorada, por força do comando inserto no art. 85 do NCPC, cuja exigibilidade resta suspensa em razão da concessão da AJG. (TRF4, AC 5026508-26.2017.4.04.9999, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DO PR, Relator LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO, juntado aos autos em 09/10/2018)
PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-RECLUSÃO. QUALIDADE DE SEGURADO. CONTRIBUINTE FACULTATIVO DE BAIXA RENDA. VALIDAÇÃO DOS RECOLHIMENTOS. SISTEMÁTICA DE ATUALIZAÇÃO DO PASSIVO. TEMA Nº 810 DO STF. REFORMATIO IN PEJUS. COISA JULGADA MATERIAL, OFENSA. NÃO OCORRÊNCIA. 1. O segurado facultativo de baixa renda não prescinde da validação das contribuições vertidas à Previdência Social nessa qualidade, para configurar a qualidade de segurado, porquanto existem requisitos a serem preenchidos, na forma do § 4º do art. 21 da Lei n. 8.212/91. 2. Apresentadas cópia das guias de recolhimento de contribuinte facultativo de baixa renda, além do preenchimento de outros requisitos legais, é de ser deferido o benefício de auxílio-reclusão ao dependente de segurada reclusa. 3. Sistemática de atualização do passivo observará a decisão do STF consubstanciada no seu Tema nº 810. Procedimento que não implica reformatio in pejus ou ofensa à coisa julgada material. (TRF4, AC 0013482-17.2015.4.04.9999, QUINTA TURMA, Relator LUIZ CARLOS CANALLI, D.E. 04/04/2018)
No processo administrativo para concessão do benefício, foi verificado o não preenchimento dos requisitos para enquadramento na modalidade de segurado facultativo de baixa renda, porquanto a autora detinha renda própria (evento 3, AnexosPet4, p. 16 e 18), decorrente de pensão por morte. com DIB 11/12/2011 (evento 3, AnexosPet4, p. 10).
Como tais contribuições (não validadas) são as únicas vertidas pela autora ao RGPS, ela não detinha qualidade de segurada nem preenchia o requisito da carência na DER (05/2013) e na DII (08/2017).
Provido o apelo da autarquia, para julgar improcedente o pedido, revogando-se a tutela antecipada concedida.
Honorários sucumbenciais
Condenada a parte autora ao pagamento de custas processuais e de honorários advocatícios de 10% do valor da condenação. Exigibilidade suspensa em virtude da concessão de gratuidade da justiça.
Conclusão
Provido o recurso da autarquia, para julgar improcedente o pedido veiculado na inicial, revogando-se a tutela antecipada concedida.
Condenada a parte autora ao pagamento de custas processuais e de honorários advocatícios de 10% do valor da condenação. Exigibilidade suspensa em virtude da concessão de gratuidade da justiça.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por dar provimento à apelação do INSS.
Documento eletrônico assinado por GISELE LEMKE, Juíza Federal Convocada, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40001888075v11 e do código CRC a3bddc31.Informações adicionais da assinatura:
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Apelação Cível Nº 5014912-74.2019.4.04.9999/RS
RELATORA: Juíza Federal GISELE LEMKE
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: ALCINA GELBAR DA SILVA MACIEL
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-DOENÇA. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. REQUISITOS. INCAPACIDADE. QUALIDADE DE SEGURADO. PERÍODO DE CARÊNCIA. segurado facultativo de baixa renda. validação das contribuições. renda própria. impossibilidade. honorários sucumbenciais.
1. São três os requisitos para a concessão dos benefícios por incapacidade: a) a qualidade de segurado; b) o cumprimento do período de carência de 12 contribuições mensais; c) a incapacidade para o trabalho, de caráter permanente (aposentadoria por invalidez) ou temporária (auxílio-doença).
2. A concessão dos benefícios de auxílio-doença e aposentadoria por invalidez pressupõe a averiguação da incapacidade para o exercício de atividade que garanta a subsistência do segurado, e terá vigência enquanto permanecer ele nessa condição. No entanto, não se admite que a doença geradora da incapacidade seja preexistente à filiação ao RGPS, salvo quando a incapacidade sobrevier por motivo de progressão ou agravamento da enfermidade,conforme os arts. 42, § 2º, e 59, § único da Lei 8.213/91.
3. O recebimento de renda própria impede a validação das contribuições vertidas na condição de segurado facultativo de baixa renda, nos termos do art. 21, § 2º, II, da Lei 8.212/91.
4. Não comprovada a qualidade de segurada e o preenchimento do requisito da carência, é de ser julgado improcedente o pedido.
5. Condenada a parte autora ao pagamento de custas processuais e de honorários advocatícios de 10% do valor da condenação. Exigibilidade suspensa em virtude da concessão de gratuidade da justiça.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar provimento à apelação do INSS, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 04 de agosto de 2020.
Documento eletrônico assinado por GISELE LEMKE, Juíza Federal Convocada, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40001888076v3 e do código CRC 5f524399.Informações adicionais da assinatura:
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Data e Hora: 4/8/2020, às 18:29:7
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO Virtual DE 28/07/2020 A 04/08/2020
Apelação Cível Nº 5014912-74.2019.4.04.9999/RS
RELATORA: Juíza Federal GISELE LEMKE
PRESIDENTE: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
PROCURADOR(A): PAULO GILBERTO COGO LEIVAS
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: ALCINA GELBAR DA SILVA MACIEL
ADVOGADO: LORENI TEREZINHA WOLKMER (OAB RS030020)
ADVOGADO: MAURO ANTONIO SPEROTTO VOLKMER (OAB RS030018)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 28/07/2020, às 00:00, a 04/08/2020, às 14:00, na sequência 89, disponibilizada no DE de 17/07/2020.
Certifico que a 5ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 5ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DO INSS.
RELATORA DO ACÓRDÃO: Juíza Federal GISELE LEMKE
Votante: Juíza Federal GISELE LEMKE
Votante: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
Votante: Juiz Federal ALTAIR ANTONIO GREGORIO
LIDICE PEÑA THOMAZ
Secretária
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