Apelação/Remessa Necessária Nº 5016577-28.2019.4.04.9999/SC
RELATOR: Desembargador Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: ROSELETE FLORES KRZEWINSKI
ADVOGADO: MOACIR EVALDO HELLINGER (OAB SC007103)
RELATÓRIO
Trata-se de apelação interposta pelo INSS contra sentença que julgou procedente o pedido da autora, condenando-a a conceder o benefício de auxílio-doença desde 02/04/2018.
Alega o INSS não ser necessária a reabilitação profissional, pois o perito foi categórico em afirmar que a incapacidade cessaria em 22/02/2019. Sustenta, ainda, que na data indicada pelo perito como de início da incapacidade a parte autora não mais ostentava a qualidade de segurada. Requer a improcedência do pedido ou, subsidiariamente, a aplicação da TR como índice de correção monetária e a isenção de custas judiciais.
Com contrarrazões, vieram os autos conclusos.
É o relatório.
VOTO
Remessa necessária
A remessa necessária é regida pela lei vigente na data da publicação da sentença (STJ, REsp 1689664/RN, 2ª Turma, Rel. Ministro Herman Benjamin, DJe 16/10/2017).
Na data da publicação da sentença, o Código de Processo Civil de 2015 assim dispunha sobre seu cabimento:
Art. 496. Está sujeita ao duplo grau de jurisdição, não produzindo efeito senão depois de confirmada pelo tribunal, a sentença:
I – proferida contra a União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e suas respectivas autarquias e fundações de direito público;
(...)
§ 3º Não se aplica o disposto neste artigo quando a condenação ou o proveito econômico obtido na causa for de valor certo e líquido inferior a:
I – 1.000 (mil) salários mínimos para a União e as respectivas autarquias e fundações de direito público.
(...)
§ 4º Também não se aplica o disposto neste artigo quando a sentença estiver fundada em:
I – súmula de tribunal superior;
II – acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de recursos repetitivos;
III – entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência;
IV – entendimento coincidente com orientação vinculante firmada no âmbito administrativo do próprio ente público, consolidada em manifestação, parecer ou súmula administrativa.
Como visto, a regra geral é no sentido de que as sentenças proferidas contra as autarquias federais (caso do Instituto Nacional do Seguro Social – INSS) estão sujeitas ao duplo grau de jurisdição.
As exceções a essa regra geral estão previstas nos parágrafos 3º e 4º do artigo 496 do Código de Processo Civil.
Cumpre verificar se o presente caso está abrangido pela regra geral, ou por alguma de suas exceções.
Ora, considerando-se a quantidade de prestações mensais a cargo do Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, vencidas até a data da prolação da sentença, e o fato de que os benefícios previdenciários continuados estão sujeitos a um teto (Lei nº 8.213/91, artigo 33), no presente caso é possível estimar, de plano, que o valor da condenação não ultrapassa o patamar de 1.000 (um mil) salários mínimos.
Logo, descabe a remessa necessária (Código de Processo Civil, artigo 496, § 3º).
Premissas
Trata-se de demanda previdenciária na qual a parte autora objetiva a concessão de AUXÍLIO-DOENÇA, previsto no artigo 59 da Lei nº 8.213/91, ou APOSENTADORIA POR INVALIDEZ, regulado pelo artigo 42 da Lei nº 8.213/91.
São quatro os requisitos para a concessão desses benefícios por incapacidade: a) qualidade de segurado do requerente (artigo 15 da LBPS); b) cumprimento da carência de 12 contribuições mensais prevista no artigo 25, I, da LBPS; c) superveniência de moléstia incapacitante para o desenvolvimento de atividade laboral que garanta a subsistência; d) caráter permanente da incapacidade (para o caso da aposentadoria por invalidez) ou temporário (para o caso do auxílio-doença).
Cabe salientar que os benefícios de auxílio-doença e aposentadoria por invalidez são fungíveis, sendo facultado ao julgador (e, diga-se, à Administração), conforme a espécie de incapacidade constatada, conceder um deles, ainda que o pedido tenha sido limitado ao outro. Dessa forma, o deferimento do amparo nesses moldes não configura julgamento ultra ou extra petita. Por outro lado, tratando-se de benefício por incapacidade, o julgador firma a sua convicção, via de regra, por meio da prova pericial.
De qualquer sorte, o caráter da incapacidade, a privar o segurado do exercício de todo e qualquer trabalho, deve ser avaliado conforme as particularidades do caso concreto. Isso porque existem circunstâncias que influenciam na constatação do impedimento laboral (v.g.: faixa etária do requerente, grau de escolaridade, tipo de atividade e o próprio contexto sócio-econômico em que inserido o autor da ação).
Caso concreto
A perícia judicial, realizada em 06/07/2018, pelo Dr. Guilherme Hausen, Médico do Trabalho, apontou que a autora, nascida em 30/08/1968 (atualmente com 51 anos), agricultora, é portadora de I34.0 - Insuficiência (da valva) mitral, I36.1 - Insuficiência (da valva) tricúspide não-reumática, I50.9 - Insuficiência cardíaca não especificada, I25.8 - Outras formas de doença isquêmica crônica do coração, I27.9 - Cardiopatia pulmonar não especificada).
Concluiu o perito que a autora está temporariamente incapacitada para o exercício de qualquer atividade laborativa desde 01/02/2018 devendo ficar afastada de suas atividades até 22/02/2019.
Como se pode observar, o laudo pericial é categórico quanto à incapacidade temporária da autora para o exercício de suas atividades laborais, fazendo jus ao benefício de auxílio-doença.
Alega o INSS que a autora perdeu a qualidade de segurada.
A autora requereu o benefício de auxílio-doença NB 6218220277 em 01/02/2018, o qual restou indeferido por perda da qualidade de segurada (evento 2 - OUT12).
Sucede que a autora, em 02/04/2018, requereu a concessão de novo auxílio-doença (NB 6225473169), o qual lhe foi concedido na qualidade de segurada especial rural (evento 2 - OUT62).
Portanto, em face desse reconhecimento, não há que falar em ausência da qualidade de segurada.
Insurge-se o INSS, também, contra o fato de o juízo a quo ter condicionado a cessação do benefício ao procedimento de reabilitação profissional.
No ponto, cabe ressaltar que a incapacidade da autora é temporária, havendo possibilidade de recuperação para o exercício da atividade laborativa habitual, não havendo falar, por ora, em necessidade de reabilitação profissional.
Merece, pois, provimento a apelação no ponto.
Correção monetária
O INSS alegou que, desconhecidos ainda os limites objetivos e temporais da decisão do STF no RE nº 870.947/SE, a Taxa Referencial (TR) deverá continuar a ser utilizada, no presente caso, para a atualização monetária das prestações vencidas a partir de 29.06.2009.
A correção monetária das parcelas vencidas dos benefícios previdenciários deve ser calculada conforme a variação dos seguintes índices:
- IGP-DI, de 05/96 a 03/2006 (artigo 10 da Lei nº 9.711/98, combinado com o artigo 20, §§ 5º e 6º, da Lei nº 8.880/94);
- INPC, a partir de 09/2006 (artigo 41-A da Lei nº 8.213/91, na redação da Lei nº 11.430/06, precedida da MP nº 316, de 11/08/06, e artigo 31 da Lei nº 10.741/03, que determina a aplicação do índice de reajustamento dos benefícios do RGPS às parcelas pagas em atraso).
A utilização da TR como índice de correção monetária dos débitos judiciais da Fazenda Pública, que fora prevista na Lei nº 11.960/09, que introduziu o artigo 1º-F na Lei nº 9.494/97, foi afastada pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do Tema 810, através do RE nº 870947, com repercussão geral, o que restou confirmado, no julgamento de embargos de declaração por aquela Corte, sem qualquer modulação de efeitos.
O precedente do Supremo Tribunal Federal é aplicável desde logo, uma vez que, nos termos da decisão do Relator, a pendência do julgamento dos embargos de declaração é que motivava a suspensão nacional dos processos.
No julgamento do Tema 905, através do REsp nº 1.495146, e interpretando o julgamento do Supremo Tribunal Federal, o Superior Tribunal de Justiça definiu quais os índices que se aplicariam em substituição à TR, concluindo que aos benefícios assistenciais deveria ser utilizado o IPCA-E, conforme decidiu a Suprema Corte no recurso representativo da controvérsia, e que, aos previdenciários, voltaria a ser aplicável o INPC, uma vez que a inconstitucionalidade reconhecida restabeleceu a validade e os efeitos da legislação anterior, que determinava a adoção deste último índice.
Ainda que o Superior Tribunal de Justiça não tenha levantado a suspensão dos efeitos da tese que firmou no julgamento do Tema 905, nada obsta a utilização dos respectivos argumentos como razões de decidir, uma vez que bem explicitam os critérios atualizatórios a partir da natureza dos benefícios ( assistencial ou previdenciária).
A conjugação dos precedentes dos tribunais superiores resulta, assim, na aplicação do INPC aos benefícios previdenciários a partir de setembro de 2006.
Importante ter presente, para a adequada compreensão do eventual impacto sobre os créditos dos segurados, que os índices em referência, INPC e IPCA-E, tiveram variação muito próxima no período de julho de 2009 (data em que começou a vigorar a TR) até setembro de 2019, quando julgados os embargos de declaração no RE 870947 pelo Supremo Tribunal Federal (IPCA-E: 76,77%; INPC: 75,11%), de forma que a adoção de um ou outro índice nas decisões judiciais já proferidas não produzirá diferenças significativas sobre o valor da condenação.
Neste sentido, destaca-se o seguinte precedente deste Tribunal: APELRE nº 5019145-17.2019.4.04.9999, Sexta Turma, Rel. Juíza Federal Taís Schilling Ferraz, juntado aos autos em 18/12/19.
Sendo assim, não é cabível, conforme requer o INSS, a aplicação da TR para correção monetária das parcelas vencidas, devendo ser mantidos os critérios indicados na sentença.
Custas processuais
O INSS está isento do pagamento das custas e emolumentos na Justiça Estadual de Santa Catarina, nos termos do § 1º do artigo 33 da LCE nº 156/97, com redação dada pela LCE nº 729/2018.
Reformada a sentença no ponto.
Honorários recursais
Tendo em vista o parcial provimento da apelação, não é cabível a fixação de honorários recursais.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por dar parcial provimento à apelação.
Documento eletrônico assinado por SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40001510998v18 e do código CRC c6c12c42.Informações adicionais da assinatura:
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Apelação/Remessa Necessária Nº 5016577-28.2019.4.04.9999/SC
RELATOR: Desembargador Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: ROSELETE FLORES KRZEWINSKI
ADVOGADO: MOACIR EVALDO HELLINGER (OAB SC007103)
EMENTA
Previdenciário. auxílio-doença. incapacidade temporária para o trabalho. reabilitação profissional. custas processuais.
1. Comprovada a incapacidade temporária da autora para o trabalho habitual, é devido o auxílio-doença.
2. Havendo possibilidade de recuperação para o exercício da atividade laborativa habitual, não há necessidade de reabilitação profissional.
3. O INSS está isento do pagamento das custas e emolumentos na Justiça Estadual de Santa Catarina, nos termos do § 1º do artigo 33 da LCE nº 156/97, com redação dada pela LCE nº 729/2018.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia Turma Regional Suplementar de Santa Catarina do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Florianópolis, 18 de fevereiro de 2020.
Documento eletrônico assinado por SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40001510999v7 e do código CRC 0054a8c2.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO Ordinária DE 18/02/2020
Apelação/Remessa Necessária Nº 5016577-28.2019.4.04.9999/SC
RELATOR: Desembargador Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ
PRESIDENTE: Desembargador Federal CELSO KIPPER
PROCURADOR(A): WALDIR ALVES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: ROSELETE FLORES KRZEWINSKI
ADVOGADO: MOACIR EVALDO HELLINGER (OAB SC007103)
Certifico que este processo foi incluído no 1º Aditamento da Sessão Ordinária do dia 18/02/2020, na sequência 1100, disponibilizada no DE de 03/02/2020.
Certifico que a Turma Regional suplementar de Santa Catarina, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DE SANTA CATARINA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ
Votante: Desembargador Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ
Votante: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
Votante: Desembargador Federal CELSO KIPPER
ANA CAROLINA GAMBA BERNARDES
Secretária
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