Apelação Cível Nº 5074796-98.2019.4.04.7100/RS
RELATORA: Juíza Federal ELIANA PAGGIARIN MARINHO
APELANTE: GABRIEL MARINI LISBOA (AUTOR)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
RELATÓRIO
Trata-se de apelação interposta em face de sentença de improcedência do pedido de restabelecimento de benefício previdenciário por incapacidade cessado em 30/09/2014, sob o fundamento de que a incapacidade comprovada em juízo teve início somente em 01/05/2016, indicando o acerto da decisão administrativa que cessou o auxílio por incapacidade temporária.
A parte autora recorre defendendo seu direito ao restabelecimento do benefício ou, alternativamente, a concessão de um novo benefício a contar da DII fixada pela perícia médica (01/05/2016).
Apresentadas as contrarrazões, vieram os autos a esta Corte para julgamento.
É o relatório.
VOTO
Juízo de Admissibilidade
O apelo preenche os requisitos de admissibilidade.
Mérito
O benefício de auxílio por incapacidade temporária (antigo auxílio-doença) está previsto no art. 59 da Lei 8.213-1991, sendo devido ao segurado que ficar incapacitado para o seu trabalho ou para a sua atividade habitual por mais de 15 (quinze) dias consecutivos.
De outro lado, o benefício da aposentadoria por incapacidade permanente (antiga aposentadoria por invalidez), é previsto no art. 42 do mesmo diploma legal, quando o segurado for considerado incapaz de modo permanente para sua atividade habitual e insusceptível de reabilitação para o exercício de outra atividade que lhe garanta a subsistência, sendo pago enquanto permanecer nesta condição.
Pelas disposições contidas nas normas referidas, a diferença entre os dois benefícios diz respeito ao grau de incapacidade laboral do segurado. Quando a incapacidade para as atividades habituais for temporária, o segurado tem direito ao benefício de auxílio por incapacidade temporária; sendo incapaz definitivamente para desenvolver qualquer atividade laborativa que lhe garanta a subsistência, o segurado é considerado inválido e tem direito à aposentadoria por incapacidade permanente.
Para a concessão dos referidos benefícios são exigidas, além da comprovação da incapacidade: (a) a qualidade de segurado quando do início da incapacidade, não podendo esta ser pré-existente à sua filiação ou reingresso, (b) a carência em número de contribuições mensais, na forma do art. 25, I da Lei 8.213/1991, ressalvadas as hipóteses de isenção previstas no art. 26 da mesma norma.
Do Caso Concreto
Não há, nestes autos, discussão acerca da qualidade de segurado ou do cumprimento da carência necessária à concessão do benefício, restringindo-se a lide recursal à existência (ou não) de incapacidade para o trabalho.
Segundo consta, o autor, 33 anos de idade, está vinculado ao RGPS na condição de empregado (vendedor de eletromésticos). Pretende o restabelecimento de benefício mantido de 27/06/2014 a 30/09/2014.
Nas ações que envolvem a pretensão de concessão de benefício por incapacidade, o julgador firma sua convicção, de regra, por meio da prova pericial. Todavia, tal prova não se reveste de valor absoluto, sendo possível afastá-la, fundamentadamente, se uma das partes apresentar elementos probatórios consistentes que conduzam a juízo de convicção diverso da conclusão do perito judicial, ou se, apesar da conclusão final deste, a própria perícia trouxer elementos que a contradigam.
Ainda, a análise da incapacidade do segurado para a percepção de benefício por incapacidade não pode ater-se apenas à enfermidade apontada, devendo levar em consideração todas as circunstâncias pessoais (físicas, psicológicas e sociais) que cercam o ambiente vivenciado pelo requerente do benefício.
No presente caso, a perita concluiu que o segurado encontra-se inapto para o trabalho. Do laudo (evento 35 - LAUDOPERIC1, processo originário), extrai-se:
Conclusão: com incapacidade temporária
- Justificativa: O autor tem 31 anos de idade e apresenta diagnóstico de esquizofrenia desde 2011, com quadro que necessitou de internação em 2016.
Relata tratamento médico particular mensalmente, fazendo uso de risperidona.
Ao exame apresenta-se em bom estado geral, embotado e referindo ouvir vozes. Entendo que há amplas margens terapêuticas a serem exploradas, sugiro que procure o CAPS de sua região para poder ser incluído em atendimentos multidisciplinares, para além dos ajustes terapêuticos realizados com medicação. Porém há que pontuar-se que estes também apresentam ampla margem de manejo, inclusive dos sintomas negativos presentes.
- DII - Data provável de início da incapacidade: 01/05/2016
- Justificativa: Conforme internação em psiquiatria.
- Caso a DII seja posterior à DER/DCB, houve outro(s) período(s) de incapacidade entre a DER/DCB e a DII atual? A DII é anterior ou concomitante à DER/DCB
- Data provável de recuperação da capacidade: 29/09/2021
- A recuperação da capacidade laboral depende da realização de procedimento cirúrgico? NÃO
- O(a) examinado(a) apresenta transtorno relacionado ao uso de substância(s) psicoativa(s) (ébrio habitual e/ou viciado em drogas ilícitas) ou está impossibilitado de exprimir sua vontade em razão de causa transitória ou permanente? NÃO
Como se percebe, o laudo não aponta incapacidade desde a DCB do auxílio por incapacidade temporária deferido administrativamente (30/09/2014), porém indica que a parte autora está inapta para o trabalho habitual desde 01/05/2016, ou seja, desde a data de sua internação na Clínica São José, por problemas psiquiátricos (esquizofrenia paranóide).
Não obstante a importância da prova técnica, o caráter da incapacidade deve ser avaliado conforme as circunstâncias do caso concreto. O julgador não está adstrito à literalidade do laudo técnico, sendo-lhe facultada ampla e livre avaliação da prova.
No caso dos autos, considerando a natureza da doença e seu histórico de progressão, aliada à documentação médica anexada à inicial, tenho que ficou suficientemente comprovada a persistência do quadro incapacitante desde a cessação do benefício deferido administrativamente.
Assim, demonstrada a presença de incapacidade laboral do recorrente, faz jus ao restabelecimento do benefício de auxílio por incapacidade temporária, desde 30/09/2014.
Dos Consectários Legais
A atualização monetária das parcelas vencidas deve observar o INPC no que se refere ao período compreendido entre 11-08-2006 e 08-12-2021, conforme deliberação do STJ no julgamento do Tema 905 (REsp 1.495.146 - MG, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DE 02-03-2018), inalterado após a conclusão do julgamento, pelo Plenário do STF, de todos os EDs opostos ao RE 870.947 (Tema 810 da repercussão geral), pois rejeitada a modulação dos efeitos da decisão de mérito.
Quanto aos juros de mora, entre 29-06-2009 e 08-12-2021, haverá a incidência, uma única vez, até o efetivo pagamento, do índice oficial aplicado à caderneta de poupança, por força da Lei 11.960/2009, que alterou o art. 1º-F da Lei 9.494/97, conforme decidido pelo Pretório Excelso no RE 870.947 (Tema STF 810).
A partir de 09-12-2021, para fins de atualização monetária e juros de mora, impõe-se a observância do artigo 3º da Emenda Constitucional 113/2021, segundo o qual, "nas discussões e nas condenações que envolvam a Fazenda Pública, independentemente de sua natureza e para fins de atualização monetária, de remuneração do capital e de compensação da mora, inclusive do precatório, haverá a incidência, uma única vez, até o efetivo pagamento, do índice da taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (SELIC), acumulado mensalmente".
Honorários Sucumbenciais
Modificada a solução da lide, pagará o INSS honorários advocatícios fixados em 10% do valor das parcelas vencidas até a data do acórdão (Súmulas 111 do Superior Tribunal de Justiça e 76 do Tribunal Regional Federal da 4ª Região).
Registro, por oportuno, que o CPC/2015 não inovou nas regras que justificaram a tradicional jurisprudência sobre o termo final da base de cálculo dos honorários nas ações previdenciárias, havendo compatibilidade entre ambos.
Honorários Periciais
Deve o INSS suportar o pagamento dos valores fixados a título de honorários periciais. Caso tal despesa processual tenha sido antecipada pela administração da Justiça Federal, o pagamento dos honorários periciais será realizado mediante reembolso, de acordo com o art. 32 da Resolução 305/2014, do Conselho da Justiça Federal.
Custas processuais
O INSS é isento do pagamento das custas na Justiça Federal, nos termos do art. 4º, I, a Lei 9289/1996.
Da Tutela Específica
Considerando a eficácia mandamental dos provimentos fundados nos arts. 497 e 536 do CPC, quando dirigidos à Administração Pública, e tendo em vista que a presente decisão não está sujeita, em princípio, a recurso com efeito suspensivo, determino o cumprimento do acórdão no tocante ao restabelecimento do benefício da parte autora, especialmente diante do seu caráter alimentar e da necessidade de efetivação imediata dos direitos sociais fundamentais.
Prequestionamento
No que concerne ao prequestionamento, tendo sido a matéria analisada, não há qualquer óbice, ao menos por esse ângulo, à interposição de recursos aos tribunais superiores.
Conclusão
Recurso da parte autora provido, para condenar o INSS a:
a) restabelecer à parte autora o benefício de auxílio por incapacidade temporária cessado em 30/09/2014, mantendo-o pelo prazo mínimo de 60 dias a partir da implantação, de forma a permitir o pedido de prorrogação, se for o caso; e
b) pagar à parte autora as percelas vencidas, respeitada a prescrição quinquenal, descontados eventuais valores recebidos, seja em razão de tutela antecipada ou de outro benefício auferido, legalmente inacumulável.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por dar provimento à apelação da parte autora e determinar o restabelecimento do beenfício, via CEAB-DJ.
Documento eletrônico assinado por ELIANA PAGGIARIN MARINHO, Juíza Federal Convocada, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40003497611v37 e do código CRC 0dd4b945.Informações adicionais da assinatura:
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Apelação Cível Nº 5074796-98.2019.4.04.7100/RS
RELATORA: Juíza Federal ELIANA PAGGIARIN MARINHO
APELANTE: GABRIEL MARINI LISBOA (AUTOR)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO POR INCAPACIDADE TEMPORÁRIA. APOSENTADORIA POR INCAPACIDADE PERMANENTE. LAUDO PERICIAL. CAPACIDADE POSTERIOR À CESSAÇÃO. DOCUMENTAÇÃO MÉDICA. CIRCUNTÂNCIAS PESSOAIS. LIVRE AVALIAÇÃO DA PROVA. RESTABELECIMENTO. CESSAÇÃO. TEMA 246 DA tnu.
1. Nas ações que envolvem a pretensão de concessão de benefício por incapacidade, o julgador firma sua convicção, de regra, por meio da prova pericial. Todavia, tal prova não se reveste de valor absoluto, sendo possível afastá-la, fundamentadamente, se uma das partes apresentar elementos probatórios consistentes que conduzam a juízo de convicção diverso da conclusão do perito judicial, ou se, apesar da conclusão final deste, a própria perícia trouxer elementos que a contradigam.
2. Ainda, a análise da incapacidade do segurado para a percepção de benefício por incapacidade não pode ater-se apenas à enfermidade apontada, devendo levar em consideração todas as circunstâncias pessoais (físicas, psicológicas e sociais) que cercam o ambiente vivenciado pelo requerente do benefício.
3. Não obstante a importância da prova técnica, o caráter da incapacidade deve ser avaliado conforme as circunstâncias do caso concreto. O julgador não está adstrito à literalidade do laudo técnico, sendo-lhe facultada ampla e livre avaliação da prova.
3. No caso dos autos, considerando a natureza da doença e seu histórico de progressão, aliada à documentação médica anexada à inicial, restou suficientemente comprovada a persistência do quadro incapacitante desde a cessação do benefício deferido administrativamente, que deverá ser mantido pelo prazo mínimo de 60 dias a partir da implantação, de forma a permitir o pedido de prorrogação, se for o caso.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 11ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar provimento à apelação da parte autora e determinar o restabelecimento do beenfício, via CEAB-DJ, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Florianópolis, 19 de outubro de 2022.
Documento eletrônico assinado por ELIANA PAGGIARIN MARINHO, Juíza Federal Convocada, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40003497612v10 e do código CRC 7f878be7.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 11/10/2022 A 19/10/2022
Apelação Cível Nº 5074796-98.2019.4.04.7100/RS
RELATORA: Juíza Federal ELIANA PAGGIARIN MARINHO
PRESIDENTE: Desembargador Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ
PROCURADOR(A): WALDIR ALVES
APELANTE: GABRIEL MARINI LISBOA (AUTOR)
ADVOGADO: ADEMIR LEMOS DE FIGUEIREDO (OAB RS060062)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 11/10/2022, às 00:00, a 19/10/2022, às 16:00, na sequência 210, disponibilizada no DE de 30/09/2022.
Certifico que a 11ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 11ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DA PARTE AUTORA E DETERMINAR O RESTABELECIMENTO DO BEENFÍCIO, VIA CEAB-DJ.
RELATORA DO ACÓRDÃO: Juíza Federal ELIANA PAGGIARIN MARINHO
Votante: Juíza Federal ELIANA PAGGIARIN MARINHO
Votante: Juiz Federal HERMES SIEDLER DA CONCEIÇÃO JÚNIOR
Votante: Juiz Federal FRANCISCO DONIZETE GOMES
LIGIA FUHRMANN GONCALVES DE OLIVEIRA
Secretária
Conferência de autenticidade emitida em 27/10/2022 04:01:12.