Apelação Cível Nº 5008772-87.2020.4.04.9999/PR
RELATOR: Desembargador Federal LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: OSVALDO DA SILVA DE OLIVEIRA
RELATÓRIO
Trata-se de ação em que a parte autora pretende a concessão de benefício assistencial à pessoa deficiente, a contar da data do requerimento administrativo, formulado em 10/04/2018.
Sentenciando em 24/03/2020, o MM. Juiz julgou procedente o pedido, nos seguintes termos:
Em face do exposto, com base no art. 487, I, do CPC, julgo procedente o pedido para condenar o INSS a:
a) conceder ao autor o benefício assistencial - LOAS -, a contar do requerimento administrativo formulado em 10/04/2018 (seq. 21.3, fls. 32 – data da entrada), no valor de um salário mínimo legal mensal; e
b) pagar à parte autora (mediante RPV ou precatório) as prestações vencidas do benefício desde 10/04/2018 até sua implantação, a serem apuradas após o trânsito em julgado, nos termos da fundamentação. Nesse sentido: TRF4, AC 5031235-28.2017.4.04.9999, Turma Regional Suplementar do PR, Relator Fernando Quadros da Silva, j. em 22/11/2018.
As parcelas atrasadas serão atualizadas pelo IPCA-E a contar de cada vencimento e acrescidas de juros de mora nos termos do art. 1º F, da Lei 8.494/97, desde a citação.
Considerando que se trata de alimentar, bem como o perigo de dano ante a miserabilidade da parte e ausência de renda própria, defiro, com base no art. 300 do CPC, a tutela de urgência e determino a intimação do INSS para que, no prazo de 45 dias, implante o benefício ora concedido, sob pena de multa por descumprimento. Intime-se o INSS.
Condeno o INSS ao pagamento das custas processuais – Súmula n. 20 do TRF4 - e dos honorários advocatícios de sucumbência, que restam fixados em 10% sobre o valor da condenação, nos termos do artigo 85, §3º, I, do NCPC, excluídas as parcelas vincendas, a teor da Súmula 111 do STJ.
Inaplicávela remessa necessária, eis que o valor da condenação, mesmo ilíquido, não supera 1.000 salários mínimos (art. 496, §3º, I, do CPC). Nesse sentido o TRF4 ao afirmar que “a Divisão de Cálculos Judiciais deste TRF4 informou que, para que uma condenação previdenciária atingisse o valor de 1.000 salários mínimos, necessário seria que a RMI fosse fixada no valor teto dos benefícios previdenciários, bem como abrangesse um período de 10 (dez) anos entre a DIB e a prolação da sentença. 3. Considerando tal critério, é possível concluir com segurança que o proveito econômico desta ação não atinge o patamar estabelecido de mil salários mínimos (art. 496, § 3º, I, do NCPC), impondo-se não conhecer da remessa necessária” (...) (TRF4, AC 5008478-82.2014.404.7206, SEXTA TURMA, Relator Ézio Teixeira, juntado aos autos em 24/03/2017).
Apela o INSS, requerendo a reforma da sentença, afirmando que o autor não preenche o requisito da incapacidade, com base nas conclusões do laudo pericial. Ressalta que o fato de o autor ser portador de HIV não enseja imediatamente a concessão do benefício.
Apresentadas as contrarrazões, vieram os autos a esta Corte.
É o relatório.
VOTO
BENEFÍCIO ASSISTENCIAL
O benefício assistencial encontra-se previsto no art. 203, inciso V, da Constituição Federal e regulamentado pelo artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pelas Leis nº 12.435, de 06/07/2011, e nº 12.470, de 31/08/2011.
O direito ao benefício assistencial pressupõe o preenchimento dos seguintes requisitos: (a) condição de deficiente (incapacidade para o trabalho e para a vida independente, de acordo com a redação original do art. 20 da LOAS, ou impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir a participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, conforme redação atual do referido dispositivo) ou de idoso (nesse caso, considerando-se, desde 1º de janeiro de 2004, a idade de 65 anos); e (b) situação de risco social (estado de miserabilidade, hipossuficiência econômica ou situação de desamparo) da parte autora e de sua família.
Saliente-se, por oportuno, que a incapacidade para a vida independente a que se refere a Lei nº 8.742/93, na redação original, deve ser interpretada de forma a garantir o benefício assistencial a uma maior gama possível de pessoas com deficiência, consoante pacífica jurisprudência do STJ (v.g. STJ, 5ª Turma, RESP 360.202/AL, Rel. Min. Gilson Dipp, DJU de 01-07-2002) e desta Corte (v.g. AC n. 2002.71.04.000395-5/RS, 6ª Turma, Rel. Des. Federal João Batista Pinto Silveira, DJU de 19-04-2006).
Desse modo, a delimitação da incapacidade para a vida independente deve observar os seguintes aspectos: (a) não se exige que a pessoa possua uma vida vegetativa ou seja incapaz de se locomover; (b) não significa incapacidade para as atividades básicas do ser humano, tais como alimentar-se, fazer a higiene pessoal e vestir-se sozinho; (c) não impõe a incapacidade de se expressar ou se comunicar; e (d) não pressupõe dependência total de terceiros.
No que diz respeito ao requisito econômico, cabe ressaltar que o Superior Tribunal de Justiça admitiu, em sede de Recurso Repetitivo, a possibilidade de demonstração da condição de miserabilidade por outros meios de prova, quando a renda per capita familiar fosse superior a ¼ do salário mínimo (REsp 1112557/MG, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, 3ª Seção, DJe 20/11/2009). Posteriormente, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, ao julgar, em 18/04/2013, a Reclamação nº 4374 e o Recurso Extraordinário nº 567985, este com repercussão geral, reconheceu e declarou, incidenter tantum, a inconstitucionalidade do parágrafo 3º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93 (LOAS), por considerar que o critério ali previsto - ser a renda familiar mensal per capita inferior a um quarto do salário mínimo - está defasado para caracterizar a situação de miserabilidade.
Assim, forçoso reconhecer que as despesas necessárias ao cuidado da parte autora como decorrentes de compra de medicamentos, alimentação especial, fraldas descartáveis, tratamento médico, psicológico e fisioterápico, podem ser levadas em consideração na análise da condição de miserabilidade da família da parte demandante.
A propósito, a eventual percepção de recursos do Programa Bolsa Família, que, segundo consta no site do Ministério do Desenvolvimento Social e de Combate à Fome (http://www.mds.gov.br/bolsafamilia/), destina-se à "transferência direta de renda que beneficia famílias em situação de pobreza e de extrema pobreza em todo o País" e "tem como foco de atuação os 16 milhões de brasileiros com renda familiar per capita inferior a R$ 70,00 mensais, e está baseado na garantia de renda, inclusão produtiva e no acesso aos serviços públicos", não só não impede a percepção do benefício assistencial do art. 203, V, da Constituição Federal, como constitui prova indiciária acima de qualquer dúvida razoável de que a unidade familiar se encontra em situação de grave risco social.
Registre-se, ainda, que deverá ser excluído do cálculo da renda familiar per capita o valor auferido por idoso com 65 anos ou mais a título de benefício assistencial ou benefício previdenciário de renda mínima, conforme o decidido pelo STF, no julgamento do Recurso Extraordinário 580.963/PR, em 17/04/2013, com repercussão geral.
Também deverá ser desconsiderado o benefício previdenciário de valor superior ao mínimo, até o limite de um salário mínimo, bem como o valor auferido a título de benefício previdenciário por incapacidade ou assistencial em razão de deficiência, independentemente de idade (EIAC nº 2004.04.01.017568-9/PR, 3ª Seção, Relator Juiz Federal JOÃO BATISTA LAZZARI, unânime, D.E. de 20/07/2009).
Ressalte-se que tal pessoa, em decorrência da exclusão de sua renda, também não será considerada na composição familiar, para efeito do cálculo da renda per capita.
CASO CONCRETO
No presente caso, o autor requer a concessão de benefício assistencial à pessoa com deficiência. Sua incapacidade laborativa é o ponto controvertido; passo, portanto, à sua análise.
De acordo com o laudo pericial apresentado em mov. 56, o autor é portador de doença pulmonar obstrutiva crônica com infecção respiratória aguda do trato respiratório inferior, lumbago com ciática, dor lombar baixa, dor articular e HIV. Apesar de o perito ter concluído pela capacidade do autor, o juiz considerou preenchido esse requisito, em razão das suas características pessoais e sociais.
O fato de ser portador do vírus HIV pode ensejar a concessão de benefício assistencial pelos fatores estigmatizantes da doença, porém, essa, por si só, não presume incapacidade laborativa. O entendimento da Turma Nacional de Uniformização da 4ª Região, expresso na Súmula 78, consignando que Comprovado que o requerente de benefício é portador do vírus HIV, cabe ao julgador verificar as condições pessoais, sociais, econômicas e culturais, de forma a analisar a incapacidade em sentido amplo, em face da elevada estigmatização social da doença.
Da análise das informações constantes nos autos, verifico que o autor está sem conseguir um emprego desde 2009, possui ensino fundamental incompleto e vive em uma situação econômica precária e de risco social. Além das doenças acima referidas, ele é hipertenso, diabético e possui asma. Consta no laudo econômico que com o passar do tempo, as doenças foram se agravando, impossibilitando cada vez mais seu ingresso no mercado de trabalho.
Os atestados e prontuários constantes em movs. 1.8 e 1.9 demonstram que o autor se encontra em tratamento há anos e deve evitar atividades que requeiram esforços físicos e esforços repetitivos.
Apesar de que o fato de portar HIV não gera uma presunção de incapacidade imediata, entendo que restou comprovado nos autos que o autor não se encontra em igualdade de condições com as demais pessoas. Levando em conta os impedimentos para a realização de atividades pesadas, sua baixa escolaridade, condição econômica de extrema vulnerabilidade, idade relativamente avançada para iniciar no mercado de trabalho após anos afastado e condição de saúde fragilizada, verifico que deve ser considerado como satisfeito o requisito da incapacidade.
Assim, restando incontroverso o requisito econômico e pelas razões expostas, deve ser mantida a sentença a quo de concessão do benefício desde a DER.
CONSECTÁRIOS DA SUCUMBÊNCIA
HONORÁRIOS RECURSAIS
Incide, no caso, a sistemática de fixação de honorários advocatícios prevista no art. 85 do CPC, porquanto a sentença foi proferida após 18/03/2016 (data da vigência do CPC definida pelo Pleno do STJ em 02/04/2016).
Aplica-se, portanto, em razão da atuação do advogado da parte em sede de apelação, o comando do §11 do referido artigo, que determina a majoração dos honorários fixados anteriormente, pelo trabalho adicional realizado em grau recursal, observando, conforme o caso, o disposto nos §§ 2º a 6º e os limites estabelecidos nos §§ 2º e 3º do art. 85.
Confirmada a sentença no mérito, majoro a verba honorária, elevando-a de 10% para 15% (quinze por cento) sobre as parcelas vencidas até a data da sentença (Súmula 76 do TRF4), considerando as variáveis dos incisos I a IV do § 2º do artigo 85 do CPC.
CUSTAS PROCESSUAIS
O INSS é isento do pagamento de custas processuais quando demandado no Foro Federal (art. 4º, I, da Lei nº 9.289/96). Contudo, essa isenção não se aplica quando se tratar de demanda ajuizada perante a Justiça Estadual do Paraná (Súmula 20 do TRF4).
ANTECIPAÇÃO DA TUTELA
Confirmado o direito ao benefício, resta mantida a antecipação dos efeitos da tutela concedida pelo juízo de origem.
PREQUESTIONAMENTO
Restam prequestionados, para fins de acesso às instâncias recursais superiores, os dispositivos legais e constitucionais elencados pelas partes.
CONCLUSÃO
Apelação do INSS improvida, honorários majorados.
DISPOSITIVO
Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação.
Documento eletrônico assinado por LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40002130174v10 e do código CRC dcef0622.Informações adicionais da assinatura:
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Apelação Cível Nº 5008772-87.2020.4.04.9999/PR
RELATOR: Desembargador Federal LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: OSVALDO DA SILVA DE OLIVEIRA
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL à pessoa com deficiência. REQUISITOS ATENDIDOS. portador de hiv. súmula 78 do TNU 4ª região. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. antecipação de tutela.
1. O direito ao benefício assistencial pressupõe o preenchimento dos seguintes requisitos: a) condição de deficiente (incapacidade para o trabalho e para a vida independente, de acordo com a redação original do artigo 20 da LOAS, ou impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir a participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, conforme redação atual do referido dispositivo) ou idoso (neste caso, considerando-se, desde 1º de janeiro de 2004, a idade de 65 anos); e b) situação de risco social (estado de miserabilidade, hipossuficiência econômica ou situação de desamparo) da parte autora e de sua família.
2. O entendimento da Turma Nacional de Uniformização da 4ª Região, expresso na Súmula 78, consignando que Comprovado que o requerente de benefício é portador do vírus HIV, cabe ao julgador verificar as condições pessoais, sociais, econômicas e culturais, de forma a analisar a incapacidade em sentido amplo, em face da elevada estigmatização social da doença.
3. Comprovada a existência de restrição atual capaz de impedir a efetiva participação social da parte autora no meio em que se encontra inserida, é de ser deferido o pedido de concessão de benefício de amparo social ao deficiente.
4. Verba honorária majorada em razão do comando inserto no § 11 do art. 85 do CPC/2015.
5. Confirmado o direito ao benefício, resta mantida a antecipação dos efeitos da tutela concedida pelo juízo de origem.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia Turma Regional Suplementar do Paraná do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Curitiba, 10 de novembro de 2020.
Documento eletrônico assinado por LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40002130175v5 e do código CRC ae292381.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO Virtual DE 03/11/2020 A 10/11/2020
Apelação Cível Nº 5008772-87.2020.4.04.9999/PR
RELATOR: Desembargador Federal LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO
PRESIDENTE: Desembargador Federal FERNANDO QUADROS DA SILVA
PROCURADOR(A): SERGIO CRUZ ARENHART
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: OSVALDO DA SILVA DE OLIVEIRA
ADVOGADO: FABIANA FELIPE GERALDI REZENDE (OAB PR031824)
ADVOGADO: ELIZABETE NISIHARA (OAB PR030142)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 03/11/2020, às 00:00, a 10/11/2020, às 16:00, na sequência 218, disponibilizada no DE de 21/10/2020.
Certifico que a Turma Regional suplementar do Paraná, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DO PARANÁ DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO
Votante: Desembargador Federal LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO
Votante: Desembargador Federal FERNANDO QUADROS DA SILVA
Votante: Desembargador Federal MÁRCIO ANTONIO ROCHA
SUZANA ROESSING
Secretária
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