Apelação Cível Nº 5011307-23.2019.4.04.9999/PR
RELATOR: Desembargador Federal LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: MARIA JOANA CORREIA
RELATÓRIO
Trata-se de ação em que a parte autora pretende a concessão de benefício assistencial à pessoa deficiente, a contar da data do requerimento administrativo, formulado em 06/11/2017.
Sentenciando em 18/03/2019, a MMa. Juíza julgou improcedente o pedido por não considerar preenchido o requisito da incapacidade, baseando-se nas conclusões do laudo pericial. Condena a parte autora ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, fixados em R$500,00, com exigibilidade suspensa em decorrência da concessão de justiça gratuita.
Apela a parte autora, requerendo a reforma da sentença, afirmando que a sua incapacidade foi comprovada pelo perito médico, em resposta aos quesitos apresentados. Eventualmente, requer a realização de nova perícia com médico especialista na área de sua efermidade.
Manifestada a ciência pelo INSS, vieram os autos a esta Corte.
É o relatório.
VOTO
BENEFÍCIO ASSISTENCIAL
O benefício assistencial encontra-se previsto no art. 203, inciso V, da Constituição Federal e regulamentado pelo artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pelas Leis nº 12.435, de 06/07/2011, e nº 12.470, de 31/08/2011.
O direito ao benefício assistencial pressupõe o preenchimento dos seguintes requisitos: (a) condição de deficiente (incapacidade para o trabalho e para a vida independente, de acordo com a redação original do art. 20 da LOAS, ou impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir a participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, conforme redação atual do referido dispositivo) ou de idoso (nesse caso, considerando-se, desde 1º de janeiro de 2004, a idade de 65 anos); e (b) situação de risco social (estado de miserabilidade, hipossuficiência econômica ou situação de desamparo) da parte autora e de sua família.
Saliente-se, por oportuno, que a incapacidade para a vida independente a que se refere a Lei nº 8.742/93, na redação original, deve ser interpretada de forma a garantir o benefício assistencial a uma maior gama possível de pessoas com deficiência, consoante pacífica jurisprudência do STJ (v.g. STJ, 5ª Turma, RESP 360.202/AL, Rel. Min. Gilson Dipp, DJU de 01-07-2002) e desta Corte (v.g. AC n. 2002.71.04.000395-5/RS, 6ª Turma, Rel. Des. Federal João Batista Pinto Silveira, DJU de 19-04-2006).
Desse modo, a delimitação da incapacidade para a vida independente deve observar os seguintes aspectos: (a) não se exige que a pessoa possua uma vida vegetativa ou seja incapaz de se locomover; (b) não significa incapacidade para as atividades básicas do ser humano, tais como alimentar-se, fazer a higiene pessoal e vestir-se sozinho; (c) não impõe a incapacidade de se expressar ou se comunicar; e (d) não pressupõe dependência total de terceiros.
No que diz respeito ao requisito econômico, cabe ressaltar que o Superior Tribunal de Justiça admitiu, em sede de Recurso Repetitivo, a possibilidade de demonstração da condição de miserabilidade por outros meios de prova, quando a renda per capita familiar fosse superior a ¼ do salário mínimo (REsp 1112557/MG, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, 3ª Seção, DJe 20/11/2009). Posteriormente, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, ao julgar, em 18/04/2013, a Reclamação nº 4374 e o Recurso Extraordinário nº 567985, este com repercussão geral, reconheceu e declarou, incidenter tantum, a inconstitucionalidade do parágrafo 3º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93 (LOAS), por considerar que o critério ali previsto - ser a renda familiar mensal per capita inferior a um quarto do salário mínimo - está defasado para caracterizar a situação de miserabilidade.
Assim, forçoso reconhecer que as despesas necessárias ao cuidado da parte autora como decorrentes de compra de medicamentos, alimentação especial, fraldas descartáveis, tratamento médico, psicológico e fisioterápico, podem ser levadas em consideração na análise da condição de miserabilidade da família da parte demandante.
A propósito, a eventual percepção de recursos do Programa Bolsa Família, que, segundo consta no site do Ministério do Desenvolvimento Social e de Combate à Fome (http://www.mds.gov.br/bolsafamilia/), destina-se à "transferência direta de renda que beneficia famílias em situação de pobreza e de extrema pobreza em todo o País" e "tem como foco de atuação os 16 milhões de brasileiros com renda familiar per capita inferior a R$ 70,00 mensais, e está baseado na garantia de renda, inclusão produtiva e no acesso aos serviços públicos", não só não impede a percepção do benefício assistencial do art. 203, V, da Constituição Federal, como constitui prova indiciária acima de qualquer dúvida razoável de que a unidade familiar se encontra em situação de grave risco social.
Registre-se, ainda, que deverá ser excluído do cálculo da renda familiar per capita o valor auferido por idoso com 65 anos ou mais a título de benefício assistencial ou benefício previdenciário de renda mínima, conforme o decidido pelo STF, no julgamento do Recurso Extraordinário 580.963/PR, em 17/04/2013, com repercussão geral.
Também deverá ser desconsiderado o benefício previdenciário de valor superior ao mínimo, até o limite de um salário mínimo, bem como o valor auferido a título de benefício previdenciário por incapacidade ou assistencial em razão de deficiência, independentemente de idade (EIAC nº 2004.04.01.017568-9/PR, 3ª Seção, Relator Juiz Federal JOÃO BATISTA LAZZARI, unânime, D.E. de 20/07/2009).
Ressalte-se que tal pessoa, em decorrência da exclusão de sua renda, também não será considerada na composição familiar, para efeito do cálculo da renda per capita.
CASO CONCRETO
No presente caso, a parte autora requer a concessão de benefício assistencial à pessoa com deficiência. Sua incapacidade é o ponto controvertido nos autos.
De acordo com o laudo pericial apresentado em mov. 36, a autora queixa-se de dor na altura da coluna vertebral, própria de sua idade, tendo apresentado exames datados de 29/08/2017. Consta que ela não encontra-se incapacitada para todos os tipos de atividades remuneradas, apenas deve evitar atividades que demandem esforço físico acentuado.
Não possui limitações para atividades sociais tampouco para sua rotina diária. Quanto à mobilidade, apresenta-se em condições normais para mudança e manutenção da posição do corpo e para caminhadas, não necessitando de auxílio de equipamentos ou de pessoas. Quanto a esforços físicos, as limitações que possui são próprias e condizentes com a sua idade, segundo o perito.
Há controvérsia no laudo quanto à incapacidade de longo prazo ou não da autora, motivo pelo qual o perito foi intimado para esclarecer sobre as respostas apresentadas nos primeiros quesitos apresentados. Ele, então, afirma que:
A perícia médica realizada em 24 de agosto de 2.018 teve como elementos de sustentação para sua efetivaconclusão o exame clínico (anamnese e exame físico) na pericianda e exames de imagem anexados na descrição do ato pericial, além de informações prestadas pela mesma.
Esclareço que a deficiência constatada na periciada foi caracterizada como moderada, sem contudo impedí-la de exercer atividade laborativa que garanta seu sustento.
Concluindo, a interpretação do ITEM 01 da perícia foi "SIM" caracterizando deficiência, porém no próprio item 01 durante o comentário da resposta houve o cuidado no sentido de descaracterizar a possível interpretação de impedimentos de longo prazo para o exercício laboral uma vez que não há deficiência grave ou incapacitante para o trabalho. Por consequência o item "02" torna-se interpretável com o NÃO (a deficiência não implica em impedimentos de longo prazo - mais de 2 anos)
Pelas conclusões obtidas pelo perito, não vejo como considerar preenchido o requisito da incapacidade, visto que a autora apresenta limitações não incapacitantes, próprias de sua idade. Ressalto que os resultados apresentados nos exames trazidos pela requerente também não demonstram incapacidade laborativa. Não tendo preenchido esse requisito, resta prejudicada a análise da situação econômica da autora.
Quanto ao pedido eventual de realização de nova perícia, entendo que, nos termos do art. 370 do CPC, o juiz ou o Tribunal podem indeferir as provas que entendam desnecessárias à instrução do processo, as diligências inúteis ou as meramente protelatórias, na medida em que a prova se destina ao seu convencimento. Portanto, se o magistrado se dá por munido de suficientes elementos de convicção, tem ele o poder de indeferir a produção de outras provas que entender desnecessárias.
Nesse sentido, já decidiu este Tribunal:
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. ANULAÇÃO DA SENTENÇA. DESNECESSIDADE DE NOVA PERÍCIA COM ESPECIALISTA. PESSOA COM DEFICIÊNCIA. NÃO COMPROVAÇÃO DA INCAPACIDADE. 1. O direito ao benefício assistencial pressupõe o preenchimento dos seguintes requisitos: condição de deficiente (incapacidade para o trabalho e para a vida independente, consoante a redação original do art. 20, da LOAS, ou impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir a participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, consoante a redação atual do referido dispositivo) ou idoso (assim considerado aquele com 65 anos ou mais, a partir de 1º de janeiro de 2004, data da entrada em vigor da Lei nº 10.741/2003 - Estatuto do Idoso) e situação de risco social (ausência de meios para a parte autora, dignamente, prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família). 2. O artigo 12 da Lei n. 10.259/01 não exige especialista para elaboração de laudo técnico. Os quesitos respondidos pelo Sr. Perito restaram devidamente esclarecidos e as respostas se mostraram coerentes, conclusivas e hábeis à formação da convicção do magistrado acerca da ausência de doença incapacitante. 3. Não há necessidade de designação de nova perícia quando o Juízo concluir pela suficiência de provas para julgar a causa. 4. Não comprovada a condição de pessoa com deficiência, é indevida a concessão do benefício assistencial. (TRF4, AC5020028-66.2016.404.9999, Turma Regional suplementar do Paraná, Rel. Des. Federal Amaury Chaves de Athayde, 30.11.2017) - grifado.
A especialidade médica não é uma condição indispensável à realização de perícias. Somente seria necessário a realização de nova perícia caso existisse dúvida razoável sobre o estado de saúde da autora ou que o perito declarasse expressamente a impossibilidade de conclusão dos trabalhos por falta de conhecimento técnico, hipótese não configurada nos autos.
No caso em tela, há no laudo pericial informações suficientes para que se conclua a respeito da situação de saúde da requerente, pois o perito responde todos os quesitos e esclarece todas as questões importantes para a solução do caso
O fato de a prova técnica ter culminado em resultado desfavorável à autora não configura razão suficiente à determinação de novo exame pericial com especialista.
Pelas razões expostas, mantenho a sentença de improcedência do pedido.
CONSECTÁRIOS DA SUCUMBÊNCIA
HONORÁRIOS RECURSAIS
Incide, no caso, a sistemática de fixação de honorários advocatícios prevista no art. 85 do NCPC, porquanto a sentença foi proferida após 18/03/2016 (data da vigência do CPC definida pelo Pleno do STJ em 02/04/2016).
Aplica-se, portanto, em razão da atuação do advogado da autarquia em sede de apelação, o comando do §11 do referido artigo, que determina a majoração dos honorários fixados anteriormente, pelo trabalho adicional realizado em grau recursal, observando, conforme o caso, o disposto nos §§ 2º a 6º e os limites estabelecidos nos §§ 2º e 3º do art. 85.
Confirmada a sentença no mérito, majoro a verba honorária, elevando-a de R$500,00 (quinhentos reais) para R$750,00 (setecentos e cinquenta reais), considerando as variáveis dos incisos I a IV do § 2º do artigo 85 do CPC, cuja exigibilidade fica suspensa em face daconcessão de gratuidade da justiça.
PREQUESTIONAMENTO
Restam prequestionados, para fins de acesso às instâncias recursais superiores, os dispositivos legais e constitucionais elencados pelas partes.
CONCLUSÃO
Apelação da parte autora improvida, honorários majorados.
DISPOSITIVO
Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação.
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Apelação Cível Nº 5011307-23.2019.4.04.9999/PR
RELATOR: Desembargador Federal LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: MARIA JOANA CORREIA
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL à pessoa com deficiência. REQUISITOS NÃO ATENDIDOS. nova perícia com especialista. desnecessidade. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.
1. O direito ao benefício assistencial pressupõe o preenchimento dos seguintes requisitos: a) condição de deficiente (incapacidade para o trabalho e para a vida independente, de acordo com a redação original do artigo 20 da LOAS, ou impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir a participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, conforme redação atual do referido dispositivo) ou idoso (neste caso, considerando-se, desde 1º de janeiro de 2004, a idade de 65 anos); e b) situação de risco social (estado de miserabilidade, hipossuficiência econômica ou situação de desamparo) da parte autora e de sua família.
2. Não comprovada a existência de restrição atual capaz de impedir a efetiva participação social da parte autora no meio em que se encontra inserida, é de ser indeferido o pedido de concessão de benefício de amparo social ao deficiente.
3. A especialidade médica não é uma condição indispensável à realização de perícias. Somente seria necessária a realização de nova perícia caso existisse dúvida razoável sobre o estado de saúde da parte autora ou que o perito declarasse expressamente a impossibilidade de conclusão dos trabalhos por falta de conhecimento técnico.
4. Verba honorária majorada em razão do comando inserto no § 11 do art. 85 do CPC/2015.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia Turma Regional Suplementar do Paraná do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Curitiba, 05 de maio de 2020.
Documento eletrônico assinado por LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40001643623v4 e do código CRC be5064c0.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO Virtual DE 27/04/2020 A 05/05/2020
Apelação Cível Nº 5011307-23.2019.4.04.9999/PR
RELATOR: Desembargador Federal LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO
PRESIDENTE: Desembargador Federal FERNANDO QUADROS DA SILVA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: MARIA JOANA CORREIA
ADVOGADO: RENATA POSSENTI (OAB PR060438)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 27/04/2020, às 00:00, a 05/05/2020, às 16:00, na sequência 250, disponibilizada no DE de 15/04/2020.
Certifico que a Turma Regional suplementar do Paraná, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DO PARANÁ DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO
Votante: Desembargador Federal LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO
Votante: Desembargador Federal MÁRCIO ANTONIO ROCHA
Votante: Desembargador Federal FERNANDO QUADROS DA SILVA
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