APELAÇÃO CÍVEL Nº 5000108-58.2016.4.04.7202/SC
RELATOR | : | JORGE ANTONIO MAURIQUE |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
APELADO | : | NIVALDO RODRIGUES |
ADVOGADO | : | JULIANA TAFFAREL MORAIS |
MPF | : | MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL |
EMENTA
BENEFÍCIO ASSISTENCIAL A PESSOA COM DEFICIÊNCIA. VALORES RECEBIDOS INDEVIDAMENTE. AUSÊNCIA DE MÁ-FÉ DO SEGURADO. NATUREZA ALIMENTAR. RECEBIMENTO DE BOA-FÉ. DEVOLUÇÃO. DESCABIMENTO. DANO MORAL. INOCORRÊNCIA.
1. O benefício assistencial recebido de boa-fé não está sujeito à repetição de indébito, em razão de seu caráter alimentar. Hipótese em que não desconfigurados os pressupostos para a percepção do benefício, em que pese o breve desempenho de atividade remunerada por alguns períodos.
2. Deve ser prestigiada a evidente boa-fé do segurado e interpretados os preceitos legais aplicáveis à espécie com os temperamentos necessários a garantir a devida proteção do hipossuficiente, que não pode ficar jungido à contingência de ter de devolver valores que já foram consumidos.
3. A cobrança administrativa e judicial de benefício pago indevidamente, por si só, não implica direito à indenização por dano moral, cogitada somente quando demonstrada violação a direito subjetivo e efetivo abalo moral, em razão de procedimento abusivo ou ilegal por parte da Administração.
5. Incabível indenização por danos morais, porque não demonstrado abalo psíquico ou humilhação do segurado. Ao contrário, o prejuízo havido é de natureza patrimonial, estando recomposto pela decisão que reconhece o direito à restituição das parcelas descontadas do benefício.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Turma Regional suplementar de Santa Catarina do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Florianópolis, 14 de setembro de 2017.
Des. Federal JORGE ANTONIO MAURIQUE
Relator
Documento eletrônico assinado por Des. Federal JORGE ANTONIO MAURIQUE, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 9127312v9 e, se solicitado, do código CRC A15BCC17. | |
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 5000108-58.2016.4.04.7202/SC
RELATOR | : | JORGE ANTONIO MAURIQUE |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
APELADO | : | NIVALDO RODRIGUES |
ADVOGADO | : | JULIANA TAFFAREL MORAIS |
MPF | : | MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL |
RELATÓRIO
Trata-se de ação declaratória de inexistência de débito c/c danos morais ajuizada por Nivaldo Rodrigues em face do INSS, objetivando a cessação do desconto mensal de 30% efetuados em relação ao beneficio assistencial percebido pelo autor, NB nº 133.370.306-3, bem como a condenação da ré ao pagamento dos danos morais no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais).
A tutela de urgência foi deferida (ev. 15).
Devidamente processado o feito, sobreveio sentença nos seguintes termos (ev. 23):
Ante o exposto, julgo procedente o pedido formulado na inicial, resolvendo o mérito do processo, nos termos do artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil, para o fim de declarar indevidos os descontos efetuados no benefício assistencial do autor (NB 133.370.306-3), condenando ainda o INSS ao ressarcimento ao autor, dos valores que já foram objeto de desconto a título de ressarcimento, a serem apurados em liquidação de sentença.
Sobre os valores apurados, incidirá correção monetária, desde o vencimento de cada parcela, pelo INPC/IBGE (setembro/2006). Incidirão também juros de mora, à razão de 1% (um por cento) ao mês desde a citação.
Condeno também o INSS a pagar ao autor, a título de compensação por danos morais, a importância de R$ 10.000,00 (dez mil reais), corrigidos monetariamente a partir da data do evento danoso (início dos descontos - 13/05/2014), e juros moratórios de 1% (um por cento) ao mês, também desde a data do evento danoso (Súmula n. 54, do STJ).
Condeno ainda o réu, considerando a sucumbência mínima da autora, ao pagamento dos honorários advocatícios de sucumbência, estes fixados, nos termos do art. 85, § 2 e § 3°, do CPC, em 10% (dez por cento) sobre o valor dado à causa, devidamente corrigido pelo IPCA-E, desde a data da interposição da lide.
Registrada e publicada eletronicamente.
O INSS apela sustentando, em síntese, que os valores recebidos indevidamente devem ser devolvidos à autarquia previdenciária, não se podendo falar em irrepetibilidade dos valores com base na boa-fé.
Pugna, também, pela reforma da sentença no que tange à condenação ao pagamento de danos morais, haja vista a inexistência de ato ilícito e/ou prova da ocorrência de dano. Nesse sentido afirma, ainda, que o mero aborrecimento, caso ocorrido, não dá ensejo à indenização por danos morais. Na hipótese de ser mantida a condenação, requer a redução do quantum indenizatório, bem como a aplicação da SELIC como índice de atualização, nos termos do artigo CCB/2002.
O apelado apresentou contrarrazões.
É o relatório.
VOTO
Devolução de valores recebidos de boa-fé pelo segurado. Cuida-se de ação de ação declaratória de inexistência de débito c/c danos morais ajuizada por Nivaldo Rodrigues em face do INSS, objetivando a imediata suspensão do desconto mensal incidente em seu benefício previdenciário.
Narra o autor que o INSS constatou que durante o período em que percebeu o benefício assistencial exerceu em alguns momentos atividades remuneradas, determinando o recebimento indevido do benefício.
Arguiu que não sabia que estava impedido de exercer atividade laborativa enquanto estivesse em gozo de benefício assistencial e não foi informado pelo INSS em momento algum acerca de tal fato.
Referiu que agiu de boa-fé, e por tal circunstância não está obrigado a restituir o valor recebido durante os mencionados períodos.
Defendeu, ainda, a responsabilidade do INSS, que recebeu os valores relativos às contribuições recolhidas pelas empresas, mesmo sabendo que o autor estava em gozo de benefício assistencial.
Pois bem. Compulsando os autos, verifica-se que o INSS identificou irregularidade no recebimento de benefício assistencial nos períodos de 10/05/2007 a 06/07/2007; 10/06/2008 a 28/01/2009; 17/05/2010 a 15/07/2010 e 18/05/2011 a 22/11/2012, haja vista o auferimento de renda por parte do segurado pelo exercício de atividade laborativa nestes períodos.
Contudo, não há no processo administrativo de apuração de irregularidade qualquer indício de que o autor haja recebido de má-fé os valores que o INSS pretende repetir. Em realidade, conforme salientou o magistrado sentenciante, in verbis:
Refira-se que o INSS não apresentou nenhuma comprovação de que o autor, diga-se, com transtornos mentais, tinha conhecimento acerca da impossibilidade de recebimento de renda por exercício de qualquer atividade laborativa.
O autor é pessoa humilde, com transtornos mentais e sem grau de escolaridade comprovada nos autos.
Se buscasse agir de má-fé, com certeza pediria para não ser efetuado o recolhimento das contribuições pelo empregador ou mesmo exerceria atividade que permitisse omitir recolhimentos.
Observa-se que não houve má-fé por parte da parte autora no recebimento do beneficio assistencial concomitantemente à atividade laborativa. Ademais, tampouco restou descaracterizado o direito ao benefício percebido, porquanto as deficiências pessoais que ensejaram seu deferimento não restaram superadas. Nesse contexto, deve ser prestigiada a evidente boa-fé do beneficiário e interpretados os preceitos legais aplicáveis à espécie com os temperamentos necessários a garantir a devida proteção do hipossuficiente, que não pode ficar jungido à contingência de ter de devolver valores que já foram consumidos.
A parte autora, portanto, não deve ser compelida a devolver os valores percebidos de boa-fé. Nessa linha, o seguinte precedente do Supremo Tribunal Federal, proferido posteriormente ao julgamento do REsp 1416294/RS pelo STJ:
DIREITO PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. NATUREZA ALIMENTAR. RECEBIMENTO DE BOA-FÉ EM DECORRÊNCIA DE DECISÃO JUDICIAL. TUTELA ANTECIPADA REVOGADA. DEVOLUÇÃO.
1. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal já assentou que o benefício previdenciário recebido de boa-fé pelo segurado, em decorrência de decisão judicial, não está sujeito à repetição de indébito, em razão de seu caráter alimentar. Precedentes.
2. Decisão judicial que reconhece a impossibilidade de descontos dos valores indevidamente recebidos pelo segurado não implica declaração de inconstitucionalidade do art. 115 da Lei nº 8.213/1991. Precedentes.
3. Agravo regimental a que se nega provimento.
(ARE 734242 AgR/DF, Relator Min. Roberto Barroso, Primeira Turma, DJe de 08-09-2015)
Logo, a sentença não comporta reparos.
Dos danos morais. Com relação ao pedido de indenização por danos morais, merece reforma a sentença recorrida, porque não demonstrado abalo psíquico ou humilhação. Ao contrário, o prejuízo havido pelo segurado é de natureza patrimonial, estando recomposto pela decisão que ora reconhece o direito à restituição das parcelas descontadas do benefício.
Ademais, a cobrança administrativa e judicial de benefício pago indevidamente, por si só, não implica direito à indenização por dano moral, cogitada somente quando demonstrada violação a direito subjetivo e efetivo abalo moral, em razão de procedimento abusivo ou ilegal por parte da Administração.
O que sobressai dos autos é que o INSS seguiu as normas procedimentais que regem sua conduta na esfera administrativa, facultando ao segurado o direito de contraditório e ampla defesa. Ademais, a parte autora não realizou qualquer prova de que sofreu prejuízo de ordem moral.
Nesse sentido:
PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO ORIUNDA DE APOSENTADORIA POR IDADE. DESCONTO DOS VALORES PAGOS A MAIOR. CARÁTER ALIMENTAR DAS PRESTAÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. DANO MORAL. COMPETÊNCIA FEDERAL. DESCABIMENTO. 1. Esta Corte vem se manifestando no sentido da impossibilidade de repetição dos valores recebidos de boa-fé pelo segurado, dado o caráter alimentar das prestações previdenciárias, sendo relativizadas as normas dos arts. 115, II, da Lei nº 8.213/91, e 154, § 3º, do Decreto nº 3.048/99. 2. Hipótese em que, diante do princípio da irrepetibilidade ou da não-devolução dos alimentos, deve ser afastada a cobrança dos valores determinada pela autarquia. 3. É a Justiça Federal competente para julgar o pedido de dano moral, cumulado com o pedido de suspensão de desconto indevido em benefício previdenciário. 4. Hipótese na qual não se cogita de danos morais, visto que não há nenhuma comprovação nos autos de prejuízo de ordem moral à parte autora. (TRF4, AC 5012675-35.2013.404.7200, Quinta Turma, Relator p/ Acórdão Ricardo Teixeira do Valle Pereira, juntado aos autos em 07/04/2014)
PREVIDENCIÁRIO. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. IMPROPRIEDADE. AGRAVO RETIDO. REALIZAÇÃO DE PERÍCIA MÉDICA. IMPROPRIEDADE. INDEFERIMENTO DE PROVA. POSSIBILIDADE. I. Incabível indenização por dano moral em razão do indevido cancelamento de benefício previdenciário, pois não possui o ato administrativo, de regra, o condão de provocar danos morais ao segurado. Precedentes. II. A perícia médica administrativa desfavorável, por si só, não enseja o reconhecimento de ilicitude, pois a incapacidade não é uma constatação óbvia, permitindo a existência de opiniões médicas divergentes. II. Se o magistrado se dá por munido de suficientes elementos de convicção, tem ele o poder de indeferir a produção de prova que entender desnecessária. (TRF4, AC 5009238-22.2014.404.7112, QUINTA TURMA, Relator ROGERIO FAVRETO, juntado aos autos em 15/06/2016)
RESPONSABILIDADE CIVIL. DANO MORAL. INDEFERIMENTO DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. DEFERIMENTO POR MEDIDA JUDICIAL. O indeferimento do benefício previdenciário, na via administrativa, por si só, não implica direito à indenização, ainda que venha a ser restabelecido judicialmente. Isso porque a administração age no exercício de sua função pública, dentro dos limites da lei de regência e pelo conjunto probatório apresentado pelo segurado. Assim, uma vez que não apresentado erro flagrante no processo administrativo que indeferiu o benefício, tem-se que a autarquia cumpriu com sua função. (TRF4, AC 5005852-08.2014.404.7007, QUARTA TURMA, Relator CANDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR, juntado aos autos em 10/06/2016)
Destarte, reformo a sentença no ponto para afastar o pagamento de indenização por danos morais.
Da atualização monetária. Afastada a condenação da recorrente ao pagamento da indenização por danos morais, resta prejudicado o apelo no tópico referente à atualização monetária do quantum indenizatório.
Dos honorários advocatícios. Reformada em parte a sentença, devem ambas as partes arcar com o pagamento dos honorários advocatícios, sem a possibilidade de compensação, conforme disposto no novo Código de Processo Civil.
Os honorários advocatícios devidos pelo INSS devem ser fixados em 10% sobre o valor da condenação, excluídas as parcelas vincendas, observando-se a Súmula 76 desta Corte: "Os honorários advocatícios, nas ações previdenciárias, devem incidir somente sobre as parcelas vencidas até a data da sentença de procedência ou do acórdão que reforme a sentença de improcedência".
A parte autora, a seu turno, resta condenada ao pagamento de honorários advocatícios ao INSS, estes no montante de 10% sobre o valor pleiteado à título de danos morais, restando suspensa a exigibilidade em razão do benefício da justiça gratuita concedida.
Ante o exposto, voto por dar parcial provimento à apelação.
Des. Federal JORGE ANTONIO MAURIQUE
Relator
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 14/09/2017
APELAÇÃO CÍVEL Nº 5000108-58.2016.4.04.7202/SC
ORIGEM: SC 50001085820164047202
RELATOR | : | Des. Federal JORGE ANTONIO MAURIQUE |
PRESIDENTE | : | Paulo Afonso Brum Vaz |
PROCURADOR | : | Fábio Nesi Venzon |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
APELADO | : | NIVALDO RODRIGUES |
ADVOGADO | : | JULIANA TAFFAREL MORAIS |
MPF | : | MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL |
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 14/09/2017, na seqüência 1027, disponibilizada no DE de 28/08/2017, da qual foi intimado(a) INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) Turma Regional suplementar de Santa Catarina, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU DAR PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO.
RELATOR ACÓRDÃO | : | Des. Federal JORGE ANTONIO MAURIQUE |
VOTANTE(S) | : | Des. Federal JORGE ANTONIO MAURIQUE |
: | Des. Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ | |
: | Des. Federal CELSO KIPPER |
Ana Carolina Gamba Bernardes
Secretária
Documento eletrônico assinado por Ana Carolina Gamba Bernardes, Secretária, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 9179206v1 e, se solicitado, do código CRC 3F576053. | |
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