APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº 5000243-16.2015.4.04.7005/PR
RELATOR | : | TAIS SCHILLING FERRAZ |
APELANTE | : | ARMINDA LAGOS DE SOUZA |
PROCURADOR | : | TIAGO VIEIRA SILVA (DPU) DPU207 |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
APELADO | : | OS MESMOS |
MPF | : | MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL |
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL AO IDOSO. REVISÃO DO ATO DE CONCESSÃO. CRITÉRIO ECONÔMICO.
O INSS pode fazer revisões administrativas, inclusive desconstituindo o ato concessório, acaso eivado na origem. Para tanto fica restrito ao prazo decadencial de 10 (dez) anos da data em que foi praticado.
A conclusão pela irregularidade do ato de concessão do benefício deve pautar-se em elementos concretos ou fatos novos, não bastando para tanto meros indícios ou a reavaliação de prova inicialmente considerada suficiente.
O benefício assistencial é devido à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família.
Em relação ao pressuposto econômico, o art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/1993 - LOAS estabelecia que seria considerada hipossuficiente a pessoa com deficiência ou idoso cuja família possuísse renda per capita inferior a ¼ do salário mínimo.
Entretanto, o Supremo Tribunal Federal, ao analisar os recursos extraordinários 567.985 e 580.963, ambos submetidos à repercussão geral, reconheceu a inconstitucionalidade do § 3º do art. 20 da Lei nº 8.742/1993, assim como do art. 34 da Lei 10.741/2003 - Estatuto do Idoso, permitindo que o requisito econômico, para fins de concessão do benefício assistencial, seja aferido caso a caso.
Condição socioeconômica de vulnerabilidade reconhecida. Benefício restabelecido.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 5a. Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento à remessa oficial e ao apelo do INSS, dar provimento à apelação da parte autora, determinando a imediata implantação do benefício, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 15 de março de 2016.
Juíza Federal Taís Schilling Ferraz
Relatora
Documento eletrônico assinado por Juíza Federal Taís Schilling Ferraz, Relatora, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 8090005v15 e, se solicitado, do código CRC 5BAA4E58. | |
Informações adicionais da assinatura: | |
Signatário (a): | Taís Schilling Ferraz |
Data e Hora: | 18/03/2016 18:14 |
APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº 5000243-16.2015.4.04.7005/PR
RELATOR | : | TAIS SCHILLING FERRAZ |
APELANTE | : | ARMINDA LAGOS DE SOUZA |
PROCURADOR | : | TIAGO VIEIRA SILVA (DPU) DPU207 |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
APELADO | : | OS MESMOS |
MPF | : | MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL |
RELATÓRIO
Trata-se de apelações da parte autora e da parte ré, além de remessa oficial, em ação ordinária ajuizada em 20-01-2015 contra o INSS - Instituto Nacional do Seguro Social -, objetivando o restabelecimento de benefício assistencial de amparo ao idoso (NB 520.712.963-1/88, DIB 20-03-2007), desde a cessação indevida, bem como a suspensão e posterior cancelamento de cobranças realizadas em virtude de suposta fraude no recebimento do benefício.
Foi deferida a antecipação dos efeitos da tutela para restabelecimento do benefício e sustada a cobrança dos valores (Evento3-DESPADEC1).
Perícia socioeconômica foi realizada em 04-02-2015 (Evento13-LAU1).
O juízo a quo proferiu sentença, julgando PARCIALMENTE PROCEDENTE a ação, a fim de declarar a inexigibilidade da restituição de valores pretendida pelo INSS, determinando na ocasião a imediata cessação do benefício assistencial NB 520712963, revogando a antecipação de tutela deferida (evento 3). Em face da sucumbência recíproca, considerou compensadas as custas e os honorários (art. 21).
O INSS apela, alegando que houve irregularidade na concessão do benefício, uma vez que a autora se encontrava casada e omitiu a renda do esposo. Em face de tal constatação foi aberto processo administrativo, com respeito ao contraditório e ampla defesa. Sustenta que o recebimento do benefício deve ser ressarcido, independentemente da boa-fé.
A parte autora, por sua vez, recorre, afirmando ser pessoa idosa e não auferir renda. Mesmo que a filha fosse considerada como do núcleo familiar, recebe benefício assistencial à pessoa portadora de deficiência, sendo que tal benefício não pode ser computado no cálculo da renda per capita. Argumenta que a razão para o afastamento da condição de miserabilidade pelo magistrado, aparência da moradia, conforme fotos juntadas ao laudo social, não pode prevalecer, visto que possui o essencial. Quanto ao veículo mencionado pela Juíza de primeiro grau, este pertence ao neto da recorrente, que reside em um imóvel que não tem garagem e por isso o guarda na casa de sua avó, consoante informado no laudo supramencionado, não havendo razão, portanto, para levá-lo em consideração quando da análise das condições em que vive a requerente. Argumenta que ficou evidenciado no documento do Evento 13 que vive em imóvel separado de sua filha, ainda que dentro do mesmo lote, o que demonstra que possuem núcleos familiares distintos. Aduz que, eventuais ajudas dos filhos não têm o condão de influenciar sua condição social. Requer o imediato restabelecimento do benefício, com multa coercitiva.
O Ministério Público Federal opina pelo provimento do reexame necessário e da apelação da parte autora, bem como o desprovimento do recurso do INSS.
É o relatório.
VOTO
Do reexame necessário
Cabe conhecer da remessa oficial, uma vez que não há condenação em valor certo, afastada, por isso, a incidência do § 2º do art. 475 do Código de Processo Civil.
Do benefício assistencial devido à pessoa idosa:
À época do requerimento administrativo (20-03-2007), anteriormente às alterações promovidas na Lei nº 8.742/1993 pela Lei 12.435/2011, os critérios de concessão do benefício assistencial estavam assim dispostos:
Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de 1 (um) salário mínimo mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso com 70 (setenta) anos ou mais e que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família.
§ 1o Para os efeitos do disposto no caput, entende-se como família o conjunto de pessoas elencadas no art. 16 da Lei no 8.213, de 24 de julho de 1991, desde que vivam sob o mesmo teto.
§ 2º Para efeito de concessão deste benefício, a pessoa portadora de deficiência é aquela incapacitada para a vida independente e para o trabalho.
§ 3º Considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa portadora de deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo.
§ 4º O benefício de que trata este artigo não pode ser acumulado pelo beneficiário com qualquer outro no âmbito da seguridade social ou de outro regime, salvo o da assistência médica.
§ 5º A situação de internado não prejudica o direito do idoso ou do portador de deficiência ao benefício.
§ 6o A concessão do benefício ficará sujeita a exame médico pericial e laudo realizados pelos serviços de perícia médica do Instituto Nacional do Seguro Social - INSS.
(...)
Art. 38. A idade prevista no art. 20 desta Lei reduzir-se-á para sessenta e sete anos a partir de 1o de janeiro de 1998.
Os critérios de concessão do benefício assistencial quando da cessação do benefício estão previstos na Lei nº 8.742/1993, com a redação dada pela Lei 12.435/2011, que assim dispõe:
Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.
§ 1o Para os efeitos do disposto no caput, a família é composta pelo requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.
§ 2o Para efeito de concessão deste benefício, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.
§ 3o Considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo.
§ 4o O benefício de que trata este artigo não pode ser acumulado pelo beneficiário com qualquer outro no âmbito da seguridade social ou de outro regime, salvo os da assistência médica e da pensão especial de natureza indenizatória.
§ 5o A condição de acolhimento em instituições de longa permanência não prejudica o direito do idoso ou da pessoa com deficiência ao benefício de prestação continuada.
§ 6º A concessão do benefício ficará sujeita à avaliação da deficiência e do grau de impedimento de que trata o § 2o, composta por avaliação médica e avaliação social realizadas por médicos peritos e por assistentes sociais do Instituto Nacional de Seguro Social - INSS.
§ 7o Na hipótese de não existirem serviços no município de residência do beneficiário, fica assegurado, na forma prevista em regulamento, o seu encaminhamento ao município mais próximo que contar com tal estrutura.
§ 8o A renda familiar mensal a que se refere o § 3o deverá ser declarada pelo requerente ou seu representante legal, sujeitando-se aos demais procedimentos previstos no regulamento para o deferimento do pedido.
§ 9º A remuneração da pessoa com deficiência na condição de aprendiz não será considerada para fins do cálculo a que se refere o § 3o deste artigo.
§ 10. Considera-se impedimento de longo prazo, para os fins do § 2o deste artigo, aquele que produza efeitos pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos.
A Lei nº 10.741, de 1º-10-2003 - Estatuto do Idoso -, por sua vez, em complemento à LOAS, dispõe:
Art. 34. Aos idosos, a partir de 65 (sessenta e cinco) anos, que não possuam meios para prover sua subsistência, nem de tê-la provida por sua família, é assegurado o benefício mensal de 1 (um) salário-mínimo, nos termos da Lei Orgânica da Assistência Social - Loas.
Parágrafo único. O benefício já concedido a qualquer membro da família nos termos do caput não será computado para os fins do cálculo da renda familiar per capita a que se refere a Loas.
Assim, em conclusão, o benefício assistencial é devido à pessoa idosa, ou seja, maior de 65 (sessenta e cinco anos), integrante de grupo familiar em situação de miserabilidade.
Do conceito de família:
Inicialmente, para fins de amparo assistencial, o conceito de família compreendia o requerente do benefício, o cônjuge, a companheira, o companheiro e o filho não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido, os pais e o irmão não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido.
A partir da alteração promovida pela Lei nº 12.435/2011 na Lei Orgânica da Assistência Social, ou seja, quando da cessação administrativa do benefício, o conceito de família passou a compreender: o requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.
Da condição socioeconômica:
Em relação ao critério econômico, o art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/1993, estabelecia que se considerava hipossuficiente a pessoa com deficiência ou idoso cuja família possuísse renda per capita inferior a ¼ do salário mínimo.
Contudo, o Superior Tribunal de Justiça, por sua Terceira Seção, ao apreciar recurso especial representativo de controvérsia, relativizou o critério estabelecido pelo referido dispositivo legal. Entendeu que, diante do compromisso constitucional com a dignidade da pessoa humana, "a limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se comprovar que a pessoa não possui outros meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade, ou seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita inferior a ¼ do salário mínimo" (REsp n. 1.112.557/MG, rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Terceira Seção, j. 28/10/2009, DJ 20/11/2009).
Além disso, o STJ, órgão ao qual compete a uniformização da interpretação da lei federal, acrescentou, no julgado citado, que "em âmbito judicial vige o princípio do livre convencimento motivado do juiz (art. 131 do CPC) e não o sistema de tarifação legal de provas, motivo pelo qual essa delimitação do valor da renda familiar per capita não deve ser tida como único meio de prova da condição de miserabilidade do beneficiado".
Como se percebe, o entendimento da Corte Superior consolidou-se no sentido de que é possível a aferição da miserabilidade do deficiente ou do idoso por outros meios, ainda que não observado estritamente o critério da renda familiar per capita previsto no § 3º do art. 20 da Lei nº 8.742/1993.
Nesse sentido, são flexíveis os critérios de reconhecimento da miserabilidade.
Mais recentemente, o Supremo Tribunal Federal, ao analisar os recursos extraordinários 567.985 e 580.963, ambos submetidos à repercussão geral, reconheceu a inconstitucionalidade do § 3º do art. 20 da Lei nº 8.742/1993 - LOAS, assim como do art. 34 da Lei 10.741/2003 - Estatuto do Idoso.
Deve ser salientado, ainda, no que toca ao requisito miserabilidade, que o Supremo Tribunal Federal, na mesma ocasião, declarou a inconstitucionalidade do parágrafo único do artigo 34 da Lei 10.741/03 (Estatuto do Idoso), o qual estabelece que o benefício assistencial já concedido a qualquer idoso membro da família "não será computado para os fins do cálculo da renda familiar per capita a que se refere a LOAS". Segundo entendeu o Supremo Tribunal Federal, o parágrafo único do artigo 34 da Lei 10.741/03 violou o princípio da isonomia. Isso porque abriu exceção para o recebimento de dois benefícios assistenciais por idosos, mas não permitiu a percepção conjunta de benefício de idoso com o de deficiente ou de qualquer outro previdenciário. Assim, incorreu o legislador em equívoco, pois, tratando-se de situações idênticas, deveria ser possível a exclusão do cômputo do benefício, independentemente de sua origem.
Este Tribunal, a propósito, já vinha decidindo no sentido da desconsideração da interpretação restritiva do artigo 34, parágrafo único, do Estatuto do Idoso, como se percebe dos seguintes precedentes: Apelação Cível 5001120-20.2010.404.7202, 6ª. Turma, Relator Luís Alberto D'Azevedo Aurvalle; Apelação Cível 5000629-13.2010.404.7202, 5ª. Turma, Relator Ricardo Teixeira do Valle Pereira; AC 0012386-06.2011.404.9999, 5ª Turma, Relator Rogério Favreto.
Reconhecida a inconstitucionalidade do critério objetivo para aferição do requisito econômico do benefício assistencial, em regime de repercussão geral, cabe ao julgador, na análise do caso concreto, identificar o estado de miserabilidade da parte autora e de sua família. De registrar que esta Corte, ainda que por outros fundamentos, vinha adotando uma maior flexibilização nos casos em que a renda per capita superava o limite estabelecido no art. 20, § 3º, da LOAS, agora dispensável enquanto parâmetro objetivo de aferição da renda familiar.
Em conclusão, o benefício assistencial destina-se àquelas pessoas que se encontram em situação de elevada pobreza por não possuírem meios para prover sua subsistência, nem de tê-la provida por sua família, ainda que a renda familiar per capita venha a ser considerada como meio de prova desta situação.
Do caso concreto:
Não há controvérsia a respeito de a autora haver preenchido o requisito etário à época do requerimento, restando analisar se o processo administrativo levado a efeito pelo INSS, para o fim de revisar a concessão relativamente ao requisito socioeconômico se justificava.
O INSS pode fazer revisões administrativas, inclusive desconstituindo o ato concessório, acaso eivado na origem. Para tanto fica restrito ao prazo decadencial de 10 (dez) anos da data em que foi praticado. Obviamente, se a concessão equivocada ocorrer por conseqüência de fraude, não estará o INSS restrito a tal prazo.
A conclusão pela irregularidade do ato de concessão do benefício deve pautar-se em elementos concretos, não bastando para tanto meros indícios.
Mais do que isso, não pode ser determinado por uma mera iniciativa de revalorar a prova anteriormente produzida e considerada suficiente. A mudança de interpretação quanto ao conjunto probatório não enseja a revogação. Apenas fatos novos ou a demonstração de que houve fraude na concessão é que podem ensejar o cancelamento. E o ônus da prova, aqui, será do INSS.
Transcrevo trecho da sentença, como razões de decidir, em que o juízo singular analisa com propriedade se a autora convivia com Euclides Alves de Souza, à época da concessão do benefício assistencial, motivo único alegado pelo INSS para cessação da benesse, conforme segue:
"No caso em tela, a princípio, autora demonstrou todos os requisitos legais necessários, tendo-lhe sido concedido o benefício assistencial NB 520712963 com início em 20/03/2007. Ocorre que, passados mais de oito anos, o INSS promoveu o cancelamento do referido amparo e a cobrança dos valores pagas, haja vista ter constatado a existência um benefício de aposentadoria senhor Euclides Alves de Souza, marido da requerente.
Conforme se observa no processo administrativo que culminou na concessão e no posterior cancelamento da benesse (evento 19), a requerente foi regulamente intimada para apresentar defesa, ocasião em que se manifestou informando estar separada do senhor Euclides Alves de Souza há mais de 10 (dez) anos e que somente solicitou o benefício previdenciário após este fato, alegações que reiterou na presente ação. Contudo, o INSS entendeu que a defesa administrativa apresentada não teve o condão de inovar em nada, cancelando o benefício.
Assim sendo, verifico que a controvérsia reside principalmente sobre a separação da autora e do senhor Euclides Alves de Souza, haja vista que a própria existência do benefício de aposentadoria deste não é combatida.
Pois bem, neste ponto, entendo que foi equivocada a decisão do INSS, uma vez que não oportunizou à requerente a necessária dilação probatória, limitando-se a desconsiderar os relevantes argumentos ventilados pela defesa, presumindo de forma abusiva que o benefício de aposentadoria recebido pelo senhor Euclides Alves de Souza seria um impeditivo ao gozo do benefício assistencial da autora. Não se olvida que o ato da autarquia ré se trata de um ato administrativo, com todos os seus atributos peculiares. Entretanto, para que seja validada a presunção de veracidade capaz de inverter o ônus da prova em favor da Administração, o ato deve estar embasado em premissas minimamente razoáveis. Ao tomar ciência de que a autora é separada de fato do senhor Euclides Alves de Souza, o mínimo que o INSS deveria ter feito era apurar in loco a informação, antes de simplesmente ignorar as alegações da demandante.
Penso que o laudo social juntado aos autos (evento 13) é suficiente para demonstrar que a requerente efetivamente não convive com o senhor Euclides Alves de Souza há muito tempo, mais especificamente há cerca de 10 (dez) anos. Isso porque não havia qualquer indício da presença do senhor Euclides Alves de Souza na localidade onde a requerente vive, bem como porque todos os entrevistados confirmaram a citada separação." (grifei)
Vê-se, pois, que o INSS não se desincumbiu do ônus que lhe cabia, se desejava demonstrar que houve fraude ou mudança no contexto fático. Fundamentou apenas em indícios sua conclusão pela irregularidade da concessão do benefício por não preenchido o requisito socioeconômico.
Não restou comprovada a capacidade da autora de prover-se adequadamente, mesmo com o auxílio de terceiros.
O amparo de terceiros, apurado no laudo social, em que restou descrito que a demandante conta com o auxílio de três dos quatro filhos e de um sobrinho, gozando até mesmo de plano de saúde particular, não é motivo suficiente para que lhe seja retirada a benesse, até porque não fazem parte da mesma unidade familiar.
O estudo social (Evento13-LAU1), realizado em 04-02-2015, informa que a requerente mora sozinha, em imóvel residencial localizado nos fundos, enquanto sua filha reside no imóvel da frente.
A filha da demandante recebe benefício de prestação continuada por depressão e problemas na coluna, mas afirma que, quando esporadicamente está bem, sai para vender roupas e produtos de limpeza, do que aufere R$ 200,00 por mês.
Entendeu a assistente social como relevantes as seguintes informações:
"No momento da visita domiciliar a autora cozinhava na casa de sua filha, ao ser questionada quanto as refeições se estas eram realizadas em conjunto, a mesma verbalizou que "às vezes sim e às vezes não" "afirmando que residia no imóvel dos fundos". Foi verificado se havia mantimentos no armário e na geladeira, bem como, se as roupas da autora estavam armazenadas no roupeiro do imóvel dos fundos e foi constatado que sim."
De todo o exposto, conclui-se que a autora reside sozinha, compondo somente ela o núcleo familiar, e não possui renda própria.
Quanto às condições de moradia, não há razões, pela descrição da residência da autora (casa dos fundos) feita pela assistente social, para o indeferimento do benefício.
Mesmo que fosse considerada a família como a autora e sua filha, ainda assim a renda seria considerada nula, na medida em que a filha recebe benefício assistencial, o qual não pode ser computado para aferição da renda per capita.
Reconhecido, pois, o direito ao benefício, frente às circunstâncias que cercam a realidade econômica do grupo social.
Dessa forma, comprovada a presença de ambos os requisitos, deve ser reformada a sentença a fim de restabelecer o benefício assistencial ao idoso desde a data do cancelamento administrativo (06/08/2014), observada a prescrição qüinqüenal, as parcelas já recebidas a título de antecipação de tutela.
CONSECTÁRIOS E PROVIMENTOS FINAIS
Correção monetária e juros moratórios
Correção monetária
A correção monetária, segundo o entendimento consolidado na 3ª Seção deste TRF4, incidirá a contar do vencimento de cada prestação e será calculada pelos índices oficiais e aceitos na jurisprudência, quais sejam:
- ORTN (10/64 a 02/86, Lei nº 4.257/64);
- OTN (03/86 a 01/89, Decreto-Lei nº 2.284/86);
- BTN (02/89 a 02/91, Lei nº 7.777/89);
- INPC (03/91 a 12/92, Lei nº 8.213/91);
- IRSM (01/93 a 02/94, Lei nº 8.542/92);
- URV (03 a06/94, Lei nº 8.880/94);
- IPC-r (07/94 a 06/95, Lei nº 8.880/94);
- INPC (07/95 a 04/96, MP nº 1.053/95);
- IGP-DI (05/96 a 03/2006, art. 10 da Lei n.º 9.711/98, combinado com o art. 20, §§5º e 6º, da Lei n.º 8.880/94);
- INPC (de 04/2006 a 29/06/2009, conforme o art. 31 da Lei n.º 10.741/03, combinado com a Lei n.º 11.430/06, precedida da MP n.º 316, de 11/08/2006, que acrescentou o art. 41-A à Lei n.º 8.213/91).
- TR (a partir de 30/06/2009, conforme art. 1º-F da Lei9.494/97, com a redação dada pelo art. 5º da Lei 11.960/2009).
O Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento das ADIs 4.357 e 4.425, declarou a inconstitucionalidade por arrastamento do art. 1º-F da Lei 9.494/97, com a redação dada pelo art. 5º da Lei 11.960/2009, afastando a utilização da TR como fator de correção monetária dos débitos judiciais da Fazenda Pública, relativamente ao período entre a respectiva inscrição em precatório e o efetivo pagamento.
Em consequência dessa decisão, e tendo presente a sua ratio, a 3ª Seção desta Corte vinha adotando, para fins de atualização dos débitos judiciais da Fazenda Pública, a sistemática anterior à Lei nº 11.960/2009, o que significava, nos termos da legislação então vigente, apurar-se a correção monetária segundo a variação do INPC, salvo no período subsequente à inscrição em precatório, quando se determinava a utilização do IPCA-E.
Entretanto, a questão da constitucionalidade do uso da TR como índice de atualização das condenações judiciais da Fazenda Pública, no período antes da inscrição do débito em precatório, teve sua repercussão geral reconhecida no RE 870.947, e aguarda pronunciamento de mérito do STF. A relevância e a transcendência da matéria foram reconhecidas especialmente em razão das interpretações que vinham ocorrendo nas demais instâncias quanto à abrangência do julgamento nas ADIs 4.357 e 4.425.
Recentemente, em sucessivas reclamações, a Suprema Corte vem afirmando que no julgamento das ADIs em referência a questão constitucional decidida restringiu-se à inaplicabilidade da TR ao período de tramitação dos precatórios, de forma que a decisão de inconstitucionalidade por arrastamento foi limitada à pertinência lógica entre o art. 100, § 12, da CRFB e o artigo 1º-F da Lei 9.494/97, na redação dada pelo art. 5º da Lei 11.960/2009. Em consequência, as reclamações vêm sendo acolhidas, assegurando-se que, ao menos até que sobrevenha decisão específica do STF, seja aplicada a legislação em referência na atualização das condenações impostas à Fazenda Pública, salvo após inscrição em precatório. Os pronunciamentos sinalizam, inclusive, para eventual modulação de efeitos, acaso sobrevenha decisão mais ampla quanto à inconstitucionalidade do uso da TR para correção dos débitos judiciais da Fazenda Pública (Rcl 19.050, Rel. Min. Roberto Barroso; Rcl 21.147, Rel. Min. Cármen Lúcia; Rcl 19.095, Rel. Min. Gilmar Mendes).
Em tais condições, com o objetivo de guardar coerência com os mais recentes posicionamentos do STF sobre o tema, e para prevenir a necessidade de futuro sobrestamento dos feitos apenas em razão dos consectários, a melhor solução a ser adotada, por ora, é orientar para aplicação do critério de atualização estabelecido no art. 1º-F da Lei 9.494/97, na redação da Lei n. 11.960/2009.
Este entendimento não obsta a que o juízo de execução observe, quando da liquidação e atualização das condenações impostas ao INSS, o que vier a ser decidido pelo STF em regime de repercussão geral, bem como eventual regramento de transição que sobrevenha em sede de modulação de efeitos.
Juros de mora
Até 29-06-2009 os juros de mora, apurados a contar da data da citação, devem ser fixados à taxa de 1% ao mês, com base no art. 3º do Decreto-Lei n. 2.322/87, aplicável analogicamente aos benefícios pagos com atraso, tendo em vista o seu caráter eminentemente alimentar, consoante firme entendimento consagrado na jurisprudência do STJ e na Súmula 75 desta Corte.
A partir de então, deve haver incidência dos juros, uma única vez, até o efetivo pagamento do débito, segundo o índice oficial de remuneração básica aplicado à caderneta de poupança, nos termos estabelecidos no art. 1º-F, da Lei 9.494/97, na redação da Lei 11.960/2009. Os juros devem ser calculados sem capitalização, tendo em vista que o dispositivo determina que os índices devem ser aplicados "uma única vez" e porque a capitalização, no direito brasileiro, pressupõe expressa autorização legal (STJ, 5ª Turma, AgRg no Ag 1211604/SP, Rel. Min. Laurita Vaz).
Quanto ao ponto, esta Corte já vinha entendendo que no julgamento das ADIs 4.357 e 4.425 não houvera pronunciamento de inconstitucionalidade sobre o critério de incidência dos juros de mora previsto na legislação em referência.
Esta interpretação foi, agora, chancelada, pois no exame do recurso extraordinário 870.947, o STF reconheceu repercussão geral não apenas à questão constitucional pertinente ao regime de atualização monetária das condenações judiciais da Fazenda Pública, mas também à controvérsia pertinente aos juros de mora incidentes.
Em tendo havido a citação já sob a vigência das novas normas, inaplicáveis as disposições do Decreto-lei 2.322/87, incidindo apenas os juros da caderneta de poupança, sem capitalização.
Honorários advocatícios:
Os honorários advocatícios são devidos à taxa 10% sobre as prestações vencidas até a data da decisão de total procedência (acórdão), nos termos das Súmulas n.º 76 do Tribunal Regional e n.º 111 do Superior Tribunal de Justiça.
Custas processuais
O INSS é isento do pagamento das custas processuais quando demandado no Foro Federal (art. 4º, I, da Lei n.º 9.289/96).
Tutela específica - implantação do benefício:
Considerando a eficácia mandamental dos provimentos fundados no art. 461 do CPC, quando dirigidos à Administração Pública, e tendo em vista que a presente decisão não está sujeita, em princípio, a recurso com efeito suspensivo (TRF4, 3ª Seção, Questão de Ordem na AC n. 2002.71.00.050349-7/RS, Rel. para o acórdão Des. Federal Celso Kipper, julgado em 09/08/2007), determino o cumprimento do acórdão no tocante à implantação do benefício da parte autora, a ser efetivada em 45 dias, especialmente diante do caráter alimentar e da necessidade de efetivação imediata dos direitos sociais fundamentais, sob pena de multa diária no valor de R$ 100,00.
Conclusão:
À vista do provimento do recurso da parte autora, alterada a sentença para julgar procedente o pedido, determinando o restabelecimento do benefício assistencial (NB 520.712.963-1/88) desde o indevido cancelamento, descontadas as parcelas já recebidas a título de antecipação de tutela.
Prequestionamento
Restam prequestionados, para fins de acesso às instâncias recursais superiores, os dispositivos legais e constitucionais elencados pelas partes, cuja incidência restou superada pelas próprias razões de decidir.
Dispositivo:
Ante o exposto, voto por negar provimento à remessa oficial e ao apelo do INSS, dar provimento à apelação da parte autora, determinando a imediata implantação do benefício.
Juíza Federal Taís Schilling Ferraz
Relatora
Documento eletrônico assinado por Juíza Federal Taís Schilling Ferraz, Relatora, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 8090004v12 e, se solicitado, do código CRC BDF8FD00. | |
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Data e Hora: | 18/03/2016 18:14 |
EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 15/03/2016
APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº 5000243-16.2015.4.04.7005/PR
ORIGEM: PR 50002431620154047005
RELATOR | : | Juiza Federal TAÍS SCHILLING FERRAZ |
PRESIDENTE | : | Paulo Afonso Brum Vaz |
PROCURADOR | : | Dr. Claudio Dutra Fontella |
APELANTE | : | ARMINDA LAGOS DE SOUZA |
PROCURADOR | : | TIAGO VIEIRA SILVA (DPU) DPU207 |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
APELADO | : | OS MESMOS |
MPF | : | MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL |
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 15/03/2016, na seqüência 587, disponibilizada no DE de 25/02/2016, da qual foi intimado(a) INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, a DEFENSORIA PÚBLICA e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) 5ª TURMA, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU NEGAR PROVIMENTO À REMESSA OFICIAL E AO APELO DO INSS, DAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DA PARTE AUTORA, DETERMINANDO A IMEDIATA IMPLANTAÇÃO DO BENEFÍCIO.
RELATOR ACÓRDÃO | : | Juiza Federal TAÍS SCHILLING FERRAZ |
VOTANTE(S) | : | Juiza Federal TAÍS SCHILLING FERRAZ |
: | Des. Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ | |
: | Des. Federal ROGERIO FAVRETO |
Lídice Peña Thomaz
Secretária de Turma
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