Apelação Cível Nº 5022966-58.2021.4.04.9999/PR
RELATORA: Juíza Federal ELIANA PAGGIARIN MARINHO
APELANTE: LEOLINO JOSE DE SOUZA
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RELATÓRIO
Trata-se de apelação interposta em face de sentença que julgou improcedente o pedido de concessão de benefício assistencial à pessoa com deficiência, sob o fundamento de não ter sido preenchido o critério socioeconômico.
A parte autora interpôs recurso de apelação, sustentando, em síntese, que o benefício assistencial recebido por seu filho não pode ser computado na renda familiar.
Pede a reforma da sentença para que o benefício assistencial lhe seja concedido desde a data do requerimento administrativo.
Oportunizada a apresentação de contrarrazões, vieram os autos a esta Corte para julgamento.
É o relatório.
VOTO
Juízo de Admissibilidade
O apelo preenche os requisitos de admissibilidade.
Mérito
Benefício Assistencial
O benefício assistencial, previsto no art. 203, V, da Constituição Federal, e regulamentado pela Lei 8.742/1993, é devido ao idoso e à pessoa com deficiência que não têm condições de prover o próprio sustento ou de tê-lo provido pela própria família, de acordo com critérios previstos no art. 20 da lei referida.
Conceito de família
A partir da alteração promovida pela Lei 12.435/2011 na Lei Orgânica da Assistência Social, a família compreende o requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto (art. 20, § 1º).
Não obstante, faz-se necessária a verificação das peculiaridades do caso concreto para estipulação do grupo, em virtude do caráter absolutamente flexível que a formação de grupos familiares vem adquirindo ao longo dos tempos.
Deficiência
A avaliação atinente à incapacidade da pessoa com deficiência deve ser feita considerando mais do que as condições médico-biológicas do requerente, uma vez que o art. 20, § 2º, da Lei 8.742/1993, com a redação atribuída pela Lei 12.470/2011, passou a associar o conceito de incapacidade a "impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas".
Assim, a análise dos requisitos ao benefício deve alcançar fatores sociais, ambientais e familiares cuja influência seja tão negativa no desempenho da pessoa a ponto de impedir sua inserção na sociedade em igualdade de condições com os demais.
Deve-se ponderar a história de vida do requerente, seu contexto social e familiar, estabelecendo-se como premissa um conceito ampliado de incapacidade/deficiência, que traduz situação capaz de comprometer a funcionalidade do indivíduo na tentativa de prover o próprio sustento, quando não há também a possibilidade de tê-lo provido pelos seus familiares.
Ademais, o requisito da deficiência e o socioeconômico não devem ser considerados separadamente, mas tratados como aspectos integrantes e correlacionados de um mesmo pressuposto para a concessão do benefício de prestação continuada.
Aspecto Socioeconômico
O art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/1993, em sua redação original, estabelecia que se considerava hipossuficiente a pessoa com deficiência ou idoso cuja família possuísse renda per capita inferior a ¼ do salário mínimo.
O Supremo Tribunal Federal, ao analisar os recursos extraordinários 567.985 e 580.963, ambos submetidos à repercussão geral, reconheceu a inconstitucionalidade do art. 20, § 3º da Lei 8.742/1993, assim como do art. 34, parágrafo único, da Lei 10.741/2003 - Estatuto do Idoso.
No primeiro caso, o STF identificou a ocorrência de um processo de inconstitucionalização decorrente de notórias mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro), assentando, assim, que o critério econômico presente na LOAS não pode ser tomado como absoluto, cabendo a análise da situação de necessidade à luz das circunstâncias fáticas.
É dizer, o critério objetivo de ¼ do salário mínimo per capita - que orientou a análise dos benefícios assistenciais por vários anos - é mantido, sem excluir contudo, a análise subjetiva, caso a caso, dos aspectos socioeconômicos que cercam a subsistência da parte autora e de sua família.
No que tange ao art. 34, parágrafo único, do Estatuto do Idoso, o qual estabelece que o benefício assistencial já concedido a qualquer idoso membro da família "não será computado para os fins do cálculo da renda familiar per capita a que se refere a LOAS", entendeu a Suprema Corte a existência de violação ao princípio da isonomia.
Isso porque, o dispositivo legal aludido abriu exceção apenas para o recebimento de dois benefícios assistenciais por idosos, discriminando os portadores de deficiência e os idosos titulares de benefício previdenciário mínimo.
Assim, numa interpretação extensiva do referido artigo, eventual percepção de benefício previdenciário de valor mínimo por membro da família idoso ou inválido/deficiente deve, também, ser desconsiderado para fins de apuração da renda familiar.
Do Caso Concreto
A parte autora, nascida em 04/05/1955, formulou, em 29/03/2019, pedido administrativo de concessão de benefício assistencial à pessoa com deficiência (NB 704.094.623-9), indeferido sob o argumento do não atendimento do critério socioeconômico (Evento 1 - OUT5).
O juízo de origem julgou o pedido improcedente com a seguinte fundamentação:
Com relação ao critério da incapacidade, foi realizada perícia médica judicial (evento 63.1), onde o perito afirmou: “o autor com quadro de lombalgia crônica, com limitação da mobilidade da coluna lombar associada a quadro de doença obstrutiva crônica de pulmão, portanto sem condições de trabalho em caráter definitivo na função habitual. ”
Concluindo, portanto, que o perito confirmou a incapacidade para exercer atividades habituais. Da análise do conjunto probatório, percebe-se que restou comprovado o requisito da deficiência, previsto no § 2º do art. 20 da Lei nº 8.742-93.
Quanto ao requisito econômico para a concessão do benefício - quer ao deficiente quer ao idoso -, consistente na exigência de que a renda familiar per capita seja inferior a ¼ do salário mínimo (§ 3º do art. 20).
A avaliação social (evento 43.1), relatou que: “(...) Sr. Leolino José de Souza nascido em 04/05/1955, 65 anos de idade, analfabeto funcional, casado com a Sra. Jandira Bueno de Souza nascida em 07/11/1969, 51 anos de idade (...) com eles reside o adolescente Lucas Bueno dos Santos (19) anos pessoa com deficiência (...) a renda familiar é referente é referente ao BPC (Benefício de Prestação Continuada) do filho do casal, o adolescente Lucas, no valor de 1 (um) salário mínimo. ”
Deste modo, considerando que a o autor, sua esposa e seu filho possuem como renda mensal o valor de um salário mínimo, não há como ser reconhecido o direito da parte autora em relação ao benefício pleiteado, uma vez que não preenche o requisito econômico necessário para tal.
Assim sendo, conforme depreende-se no presente caso, a parte autora não cumpre com os requisitos cumulativos do art. 20, §3º, da Lei nº 8742/93.
[...] (Evento 71 - SENT1)
Quanto ao impedimento de longo prazo, reporto-me aos argumentos da sentença. Registro, ademais, que no curso da ação a parte autora completou 65 anos de idade, cumprindo também o requisito etário para acesso ao amparo assistencial pretendido.
Resta saber do preenchimento do requisito socioeconômico.
Consoante relatório psicossocial realizado em 08/09/2020, o núcleo familiar do autor é composto por ele, sua esposa Jandira Bueno de Souza e um de seus filhos, Lucas Bueno dos Santos. A renda familiar consiste no valor de um salário mínimo decorrente do benefício assistencial à pessoa com deficiência recebido pelo filho Lucas. Não há informação acerca de outra fonte de recursos (Evento 43 - OUT1).
Vale registrar que referido laudo não foi realizado com visita à residência do requerente, já que em mais de uma oportunidade não foi encontrado em casa. No entanto, traz informações a respeito da inexistência de qualquer tipo de rendimentos formais recebidos pelo autor e registrados no CADÚnico.
Conforme já observado, com base na interpretação extensiva do parágrafo único do art. 34 do Estatuto do Idoso, qualquer benefício assistencial recebido por outro membro da família deve ser descartado do cômputo da renda familiar.
Portanto, no caso concreto, de acordo com o conjunto probatório formado, a renda familiar é nula, de modo que foi atendido o critério do art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993, o que conduz à presunção de miserabilidade da parte autora.
Observo, no entanto, que na instrução do processo administrativo foi realizada, para análise do requisito socioeconômico, atualização do CADÚnico dos três integrantes do grupo familiar. Naquela ocasião, o autor declaru rendimentos próprios, relativos à realização de serviços informais, na ordem de R$ 800,00 mensais (evento 1, OUTROS6, p. 28).
Diante de tal informação, não é possível o deferimento do amparo assistencial desde a data do requerimento administrativo, já que o autor possuía, na época, rendimentos próprios.
Assim, é possível afirmar, com segurança, que apenas a partir do laudo realizado em 08/09/2020 a renda familiar era nula, nos termos acima expostos. Ao que tudo indica, em algum momento entre a DER e o referido estudo, o autor deixou de exercer atividade laborativa, possivelmente por conta de sua incapacidade.
Destarte, deve ser concedido o benefício assistencial à parte autora desde 08/09/2020, na condição de idoso (completou 65 anos de idade em 04/05/2020)
Correção Monetária e Juros
Em relação aos benefícios assistenciais, a atualização monetária das parcelas vencidas deve observar o IPCA-E a partir de 2001, em razão do entendimento firmado pelo STF no julgamento do Tema 810 e da tese firmada pelo STJ no Tema 905.
Quanto aos juros de mora, entre 29/06/2009 e 08/12/2021, haverá a incidência, uma única vez, até o efetivo pagamento, do índice oficial aplicado à caderneta de poupança, por força da Lei 11.960/2009, que alterou o art. 1º-F da Lei 9.494/97, conforme decidido pelo Pretório Excelso no RE 870.947 (Tema STF 810).
A partir de 09/12/2021, para fins de atualização monetária e juros de mora, impõe-se a observância do artigo 3º da Emenda Constitucional 113/2021, segundo o qual, "nas discussões e nas condenações que envolvam a Fazenda Pública, independentemente de sua natureza e para fins de atualização monetária, de remuneração do capital e de compensação da mora, inclusive do precatório, haverá a incidência, uma única vez, até o efetivo pagamento, do índice da taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (SELIC), acumulado mensalmente".
Honorários Sucumbenciais
Modificada a solução da lide, pagará o INSS honorários advocatícios fixados em 10% do valor das parcelas vencidas até a data do acórdão (Súmulas 111 do Superior Tribunal de Justiça e 76 do Tribunal Regional Federal da 4ª Região).
Da Tutela Específica
Tendo em vista o disposto no art. 497 do CPC e a circunstância de que os recursos excepcionais, em regra, não possuem efeito suspensivo, fica determinado ao INSS o imediato cumprimento deste julgado, mediante implementação da renda mensal do beneficiário.
Requisite a Secretaria desta Turma, à Central Especializada de Análise de Benefícios - Demandas Judiciais (CEAB-DJ-INSS-SR3), o cumprimento desta decisão e a comprovação nos presentes autos, no prazo de 20 dias úteis:
Dados para cumprimento: (X) Concessão ( ) Restabelecimento ( ) Revisão | |
NB | 704.094.623-9 - BPC ao idoso |
DIB | 08/09/2020 |
DIP | No primeiro dia do mês da implantação da revisão |
DCB | |
RMI / RM | a apurar |
Observações |
Prequestionamento
No que concerne ao prequestionamento, tendo sido a matéria analisada, não há qualquer óbice, ao menos por esse ângulo, à interposição de recursos aos tribunais superiores.
Conclusão
Dado parcial provimento ao recurso da parte autora, para conceder a ela benefício assistencial de prestação continuada, na condição de idoso, a partir de 08/09/2020.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por dar parcial provimento à apelação da parte autora.
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Apelação Cível Nº 5022966-58.2021.4.04.9999/PR
RELATORA: Juíza Federal ELIANA PAGGIARIN MARINHO
APELANTE: LEOLINO JOSE DE SOUZA
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. DEFICIENTE. IMPEDIMENTOS DE LONGO PRAZO. COMPROVAÇÃO. CONDIÇÃO DE IDOSO SUPERVENIENTE. CRITÉRIO SOCIOECONÔMICO. COMPROVAÇÃO.
1. O benefício assistencial, previsto no art. 203, inciso V, da Constituição Federal, e regulamentado pela Lei 8.742/1993, é devido ao idoso (idade superior a 65 anos) e à pessoa com deficiência que não têm condições de prover o próprio sustento ou de tê-lo provido pela própria família.
2. A prova produzida demonstrou que os problemas de saúde da parte autora efetivamente a impedem de participar plena e efetivamente na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, bem como que os impedimentos envolvidos são de longo prazo (de duração superior a dois anos), configurando-se, portanto, a deficiência, nos termos do art. 20, §§2º e 10, da Lei 8.472/1993.
3. Conforme interpretação extensiva do art. 34, parágrafo único, do Estatuto do Idoso, não apenas o benefício assistencial já concedido a qualquer idoso membro da família, como qualquer benefício previdenciário de valor mínimo recebido por membro da família idoso ou inválido/deficiente deve ser desconsiderado para fins de cálculo da renda familiar per capita a que se refere a LOAS.
4. Deve-se excluir do cômputo da renda familiar o benefício assistencial à pessoa com deficiência recebido pelo filho da parte autora, pelo que restou atendido o critério do art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993, o que conduz à presunção de miserabilidade.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 11ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação da parte autora, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Florianópolis, 18 de novembro de 2022.
Documento eletrônico assinado por ELIANA PAGGIARIN MARINHO, Juíza Federal Convocada, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40003582782v6 e do código CRC 9e044297.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 10/11/2022 A 18/11/2022
Apelação Cível Nº 5022966-58.2021.4.04.9999/PR
RELATORA: Juíza Federal ELIANA PAGGIARIN MARINHO
PRESIDENTE: Desembargador Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ
APELANTE: LEOLINO JOSE DE SOUZA
ADVOGADO(A): REGINALDO GONSALVES DE OLIVEIRA (OAB PR084233)
ADVOGADO(A): Anderson Jose Bittencourt (OAB PR048143)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 10/11/2022, às 00:00, a 18/11/2022, às 16:00, na sequência 195, disponibilizada no DE de 27/10/2022.
Certifico que a 11ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 11ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO DA PARTE AUTORA.
RELATORA DO ACÓRDÃO: Juíza Federal ELIANA PAGGIARIN MARINHO
Votante: Juíza Federal ELIANA PAGGIARIN MARINHO
Votante: Juiz Federal HERMES SIEDLER DA CONCEIÇÃO JÚNIOR
Votante: Juiz Federal FRANCISCO DONIZETE GOMES
LIGIA FUHRMANN GONCALVES DE OLIVEIRA
Secretária
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