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PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. INCAPACIDADE MÁ-FÉ CARACTERIZADA. TRF4. 5003634-68.2018.4.04.7103...

Data da publicação: 20/07/2021, 07:01:00

EMENTA: PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. INCAPACIDADE MÁ-FÉ CARACTERIZADA. 1.O benefício assistencial é devido à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família. 2. Benefício assistencial auferido indevidamente em razão de omissão de fato ou declaração falsas prestadas pelo benef´ciário e que induziram o INSS à concessão do benefício, autoriza a devolução dos valores recebidos, porque caracterizada a má-fé. 3. Recurso da parte autora improvido. (TRF4, AC 5003634-68.2018.4.04.7103, SEXTA TURMA, Relator JULIO GUILHERME BEREZOSKI SCHATTSCHNEIDER, juntado aos autos em 12/07/2021)

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5003634-68.2018.4.04.7103/RS

RELATOR: Juiz Federal JULIO GUILHERME BEREZOSKI SCHATTSCHNEIDER

APELANTE: BRUNO DANIEL PEREIRA FRANDALOZZO (AUTOR)

ADVOGADO: GRACIELA FIGUEIREDO ANTUNES PRUDENCIO (OAB RS038185)

APELANTE: MARIA ESTELITA MELO PEREIRA (AUTOR)

ADVOGADO: GRACIELA FIGUEIREDO ANTUNES PRUDENCIO (OAB RS038185)

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)

MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

RELATÓRIO

Trata-se de apelação em face de sentença prolatada em 17-7-2019, na vigência do NCPC que julgou o pedido de benefício assistencial, cujo dispositivo reproduzo a seguir:

Ante o exposto, julgo IMPROCEDENTE o pedido. As partes são isentas de custas (art. 4, I e II da Lei 9.289/96). Condeno a parte autora ao pagamento de honorários advocatícios, que fixo em 10% sobre o valor atualizado da causa. Resta suspensa a exigibilidade, diante da gratuidade judiciária. Publicação e registro eletrônicos. Intimem-se.

Inconformada, sustentou, em síntese, que os autores que a cobrança do INSS é indevida pois não comprovada má-fé, tendo em vista que receberam ambos os benefícios por erro administrativo, já que por mais de 6 anos o INSS realizou o pagamento, sendo a autarquia mais capacitada que um cidadão para saber quando o benefício é devido ou não (evento 51 – RecIno1).

Pugnou pela reforma da sentença, pelo provimento do pedido inicial.

Oportunizada as contrarrazões, vieram os autos para esta Corte para julgamento.

O Ministério Público Federal opinou pelo provimento da apelação.

É o relatório.

VOTO

Juízo de admissibilidade

A apelação preenche os requisitos legais de admissibilidade.

Benefício de prestação continuada ao idoso e ao deficiente (LOAS)

A Constituição Federal de 1988 dispôs em seu artigo 203:

Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente da contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:

(...)

V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.

A regulamentação desse dispositivo constitucional veio com a Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993, denominada Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), que, em seu artigo 20, passou a especificar as condições para a concessão do benefício, no valor de um salário mínimo mensal, à pessoa com deficiência e ao idoso com 70 anos ou mais comprovadamente carentes.

Após as alterações promovidas pelas Leis nº 9.720, de 30 de novembro de 1998, e nº 10.741, de 1º de outubro de 2003 (Estatuto do Idoso), relativas à redução do critério etário para 67 e 65 anos, respectivamente, sobrevieram as Leis nº 12.435, de 06 de julho de 2011, e nº 12.470, de 31 de agosto de 2011, as quais conferiram ao aludido artigo 20, da LOAS, a seguinte redação, ora em vigor:

Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011)

(...)

Portanto, o direito ao benefício assistencial pressupõe o preenchimento dos seguintes requisitos:

1.a) idoso (assim considerado aquele com 65 anos ou mais, a partir de 1º de janeiro de 2004, data da entrada em vigor do Estatuto do Idoso) ou

1.b) condição de deficiente (incapacidade para o trabalho e para a vida independente, conforme redação original do artigo 20, da LOAS, e, após as alterações da Lei nº 12.470, de 31-10-2011, tratar-se de pessoa com impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas) ;

2) Situação de risco social (ausência de meios para, dignamente, prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família).

Requisito etário

Tratando-se de benefício requerido na vigência do Estatuto do Idoso, é considerada idosa a pessoa com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família. O requisito é objetivo, ou seja, comprovado o atributo etário, a análise do requisito incapacitante é desnecessária, bastando apenas verificar a situação de vulnerabilidade socioeconômica a que submetido o idoso.

Condição de deficiente

Mister salientar, por oportuno, que a incapacidade para a vida independente a que se refere a Lei 8.742/93, na redação original, deve ser interpretada de forma a garantir o benefício assistencial a uma maior gama possível de pessoas com deficiência, consoante pacífica jurisprudência do STJ (v.g. STJ, 5ª Turma, RESP 360.202/AL, Rel. Min. Gilson Dipp, DJU de 01-07-2002) e desta Corte (v.g. AC n. 2002.71.04.000395-5/RS, 6ª Turma, Rel. Des. Federal João Batista Pinto Silveira, DJU de 19-04-2006).

Desse modo, a incapacidade para a vida independente:

a) não exige que a pessoa possua uma vida vegetativa ou seja incapaz de se locomover;

b) não significa incapacidade para as atividades básicas do ser humano, tais como alimentar-se, fazer a higiene pessoal e vestir-se sozinho;

c) não impõe a incapacidade de se expressar ou se comunicar; e

d) não pressupõe dependência total de terceiros.

Situação de risco social

Tendo em vista a inconstitucionalidade dos artigos 20, § 3º, da Lei 8.742/1993 e do artigo 34, § único, da Lei 10.741/2003, reconhecida no julgamento dos REs 567985 e 580963 em 18.04.2013, a miserabilidade para fins de benefício assistencial deve ser verificada em cada caso concreto.

Nesse sentido, os cuidados necessários com a parte autora, em decorrência de sua deficiência, incapacidade ou avançada idade, que acarretarem gastos - notadamente com medicamentos, alimentação especial, fraldas descartáveis, tratamento médico, psicológico e fisioterápico, entre outros -, configuram despesas a ser consideradas na análise da condição de risco social da família do demandante (TRF4, APELREEX 5002022-24.2011.404.7012, Sexta Turma, Relator p/ Acórdão Celso Kipper, juntado aos autos em 27/06/2013).

A jurisprudência desta Corte Regional, bem como do Superior Tribunal de Justiça, é pacífica no sentido de que qualquer benefício de valor mínimo recebido por idoso de 65 anos ou mais (salvo quando recebido por força de deficiência, quando então o requisito etário é afastado) deve ser excluído da apuração da renda familiar, bem como essa renda mínima não é o único critério a balizar a concessão do benefício, devendo ser examinado juntamente com outros meios de aferição do estado de miserabilidade, hipossuficiência econômica ou situação de desamparo do autor e de sua família (Pet n.º 7203/PE - 3ª Seção - Unânime - Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura - DJe 11-10-2011; TRF4 - AC n.º 0019220-88.2012.404.9999 - 6ª T. - unânime - Rel. Des. Celso Kipper - D.E. 22-03-2013; REsp n.º 1112557/MG - 3ª Seção - unânime - Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho - DJe 20-11-2009).

Também, o fato de a parte autora ser beneficiária e perceber renda proveniente do Programa Bolsa Família, não só não impede a percepção do benefício assistencial do art. 203, V, da Constituição Federal, como constitui forte indicativo de que a unidade familiar encontra-se em situação de risco social (TRF4, APELREEX 2009.71.99.006237-1, Sexta Turma, Relator p/ Acórdão Celso Kipper, D.E. 07/10/2014).

Logo, em linhas gerais, para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, a situação de risco social a que se encontra exposta a pessoa idosa ou portadora de deficiência e sua família deve ser analisada em cada caso concreto (TRF4, EINF 0016689-58.2014.404.9999, Terceira Seção, Relator Ricardo Teixeira do Valle Pereira, D.E. 29/05/2015).

Fixados os parâmetros de valoração da prova, passo ao exame da situação específica dos autos.

Com efeito, entendo que as questões controvertidas foram devidamente analisadas na sentença, cujos fundamentos acolho e adoto como razão de decidir, merecendo transcrição (evento 45, SENT1):

(...)

Do pedido declaratório de inexigibilidade do débito

De acordo com a prova documental, o autor Bruno Daniel Pereira Frandalozzo recebeu o benefício de amparo assistencial ao portador de deficiência - LOAS nº 87/551.252.730-0 no período de 04/05/2012 a 15/10/2018.

A par disto, a genitora passou a receber, a partir de 07/04/2012 benefício de pensão pela morte do segurado Guido Frandalozzo NB 21/155.080.689-8, com RMI estabelecida em valor superior ao do salário mínimo, importando na superação do limite de 1/4 do salário mínimo per capta, sendo declarado indevido o amparo concedido ao filho, já que houve alteração da condição financeira, e a superação da necessidade do benefício.

Instada, a parte autora declarou que não requer o restabelecimento do benefício, já que pretender ingressar no mercado de trabalho, em vaga destinada a portadores de deficiência física (evento 06).

A parte autora alega que o benefício foi recebido de boa-fé.

Em se tratando de análise acerca da repetibilidade de débitos previdenciários e assistenciais deve-se investigar se a atuação ocorreu de acordo com a boa-fé objetiva, ou seja, se a confiança quanto à correção do pagamento pode ser tida como legítima. Essa é a linha interpretativa adotada pelo Superior Tribunal de Justiça em situações análogas:

PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. REGIME GERAL DE PREVIDÊNCIA SOCIAL. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. RECEBIMENTO VIA ANTECIPAÇÃO DE TUTELA POSTERIORMENTE REVOGADA. DEVOLUÇÃO. REALINHAMENTO JURISPRUDENCIAL. HIPÓTESE ANÁLOGA. SERVIDOR PÚBLICO. CRITÉRIOS. CARÁTER ALIMENTAR E BOA-FÉ OBJETIVA. NATUREZA PRECÁRIA DA DECISÃO. RESSARCIMENTO DEVIDO. DESCONTO EM FOLHA. PARÂMETROS.
1. Trata-se, na hipótese, de constatar se há o dever de o segurado da Previdência Social devolver valores de benefício previdenciário recebidos por força de antecipação de tutela (art. 273 do CPC) posteriormente revogada.
2. Historicamente, a jurisprudência do STJ fundamenta-se no princípio da irrepetibilidade dos alimentos para isentar os segurados do RGPS de restituir valores obtidos por antecipação de tutela que posteriormente é revogada.
3. Essa construção derivou da aplicação do citado princípio em Ações Rescisórias julgadas procedentes para cassar decisão rescindenda que concedeu benefício previdenciário, que, por conseguinte, adveio da construção pretoriana acerca da prestação alimentícia do direito de família. A propósito: REsp 728.728/RS, Rel. Ministro José Arnaldo da Fonseca, Quinta Turma, DJ 9.5.2005.
4. Já a jurisprudência que cuida da devolução de valores percebidos indevidamente por servidores públicos evoluiu para considerar não apenas o caráter alimentar da verba, mas também a boa-fé objetiva envolvida in casu.
5. O elemento que evidencia a boa-fé objetiva no caso é a "legítima confiança ou justificada expectativa, que o beneficiário adquire, de que valores recebidos são legais e de que integraram em definitivo o seu patrimônio" (AgRg no REsp 1.263.480/CE, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 9.9.2011, grifei). Na mesma linha quanto à imposição de devolução de valores relativos a servidor público: AgRg no AREsp 40.007/SC, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, DJe 16.4.2012; EDcl nos EDcl no REsp 1.241.909/SC, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, Primeira Turma, DJe 15.9.2011; AgRg no REsp 1.332.763/CE, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 28.8.2012; AgRg no REsp 639.544/PR, Rel. Ministra Alderita Ramos de Oliveira (Desembargador Convocada do TJ/PE), Sexta Turma, DJe 29.4.2013; AgRg no REsp 1.177.349/ES, Rel. Ministro Gilson Dipp, Quinta Turma, DJe 1º.8.2012; AgRg no RMS 23.746/SC, Rel. Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, DJe 14.3.2011.
6. Tal compreensão foi validada pela Primeira Seção em julgado sob o rito do art. 543-C do CPC, em situação na qual se debateu a devolução de valores pagos por erro administrativo: "quando a Administração Pública interpreta erroneamente uma lei, resultando em pagamento indevido ao servidor, cria-se uma falsa expectativa de que os valores recebidos são legais e definitivos, impedindo, assim, que ocorra desconto dos mesmos, ante a boa-fé do servidor público." (REsp 1.244.182/PB, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Seção, DJe 19.10.2012, grifei).
7. Não há dúvida de que os provimentos oriundos de antecipação de tutela (art. 273 do CPC) preenchem o requisito da boa-fé subjetiva, isto é, enquanto o segurado os obteve existia legitimidade jurídica, apesar de precária.
8. Do ponto de vista objetivo, por sua vez, inviável falar na percepção, pelo segurado, da definitividade do pagamento recebido via tutela antecipatória, não havendo o titular do direito precário como pressupor a incorporação irreversível da verba ao seu patrimônio.
9. Segundo o art. 3º da LINDB, "ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece", o que induz à premissa de que o caráter precário das decisões judiciais liminares é de conhecimento inescusável (art. 273 do CPC).
10. Dentro de uma escala axiológica, mostra-se desproporcional o Poder Judiciário desautorizar a reposição do principal ao Erário em situações como a dos autos, enquanto se permite que o próprio segurado tome empréstimos e consigne descontos em folha pagando, além do principal, juros remuneratórios a instituições financeiras.
11. À luz do princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF) e considerando o dever do segurado de devolver os valores obtidos por força de antecipação de tutela posteriormente revogada, devem ser observados os seguintes parâmetros para o ressarcimento: a) a execução de sentença declaratória do direito deverá ser promovida; b) liquidado e incontroverso o crédito executado, o INSS poderá fazer o desconto em folha de até 10% da remuneração dos benefícios previdenciários em manutenção até a satisfação do crédito, adotado por simetria com o percentual aplicado aos servidores públicos (art. 46, § 1º, da Lei 8.213/1991.
12. Recurso Especial provido. (STJ, REsp 1384418/SC, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 12/06/2013, DJe 30/08/2013)

ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. VALORES RECEBIDOS INDEVIDAMENTE POR FORÇA DE DECISÃO JUDICIAL NÃO DEFINITIVA. REFORMA DA DECISÃO EM RECURSO ESPECIAL. CRITÉRIOS PARA IDENTIFICAÇÃO DA BOA-FÉ OBJETIVA. INEXISTÊNCIA DE COMPORTAMENTO AMPARADO PELO DIREITO NO CASO CONCRETO. POSSIBILIDADE DE RESTITUIÇÃO DOS VALORES ART. 46 DA LEI N. 8.112/90. NÃO APLICABILIDADE DA SÚMULA 7/STJ.
1. O art. 46 da Lei n. 8.112/90 prevê a possibilidade de restituição dos valores pagos indevidamente aos servidores públicos. Trata-se de disposição legal expressa, não declarada inconstitucional e, portanto, plenamente válida.
2. Esta regra, contudo, tem sido interpretada pela jurisprudência com alguns temperamentos, mormente em decorrência de princípios gerais do direito, como a boa-fé. A aplicação desse postulado, por vezes, tem impedido que valores pagos indevidamente sejam devolvidos.
3. A boa-fé não deve ser aferida no real estado anímico do sujeito, mas sim naquilo que ele exterioriza. Em bom vernáculo, para concluir se o agente estava ou não de boa-fé, torna-se necessário analisar se o seu comportamento foi leal, ético, ou se havia justificativa amparada no direito. Busca-se, segundo a doutrina, a chamada boa-fé objetiva.
4. Na análise de casos similares, o Superior Tribunal de Justiça tem considerado, ainda que implicitamente, um elemento fático como decisivo na identificação da boa-fé do servidor. Trata-se da legítima confiança ou justificada expectativa, que o beneficiário adquire, de que valores recebidos são legais e de que integraram em definitivo o seu patrimônio.
5. É por esse motivo que, segundo esta Corte Superior, os valores recebidos indevidamente, em razão de erro cometido pela Administração Pública ou em decorrência de decisão judicial transitada em julgado e posteriormente reformada em ação rescisória, não devem ser restituídos ao erário. Em ambas as situações, eventual utilização dos recursos por parte dos servidores para a satisfação das necessidades materiais e alimentares é plenamente justificada.
Objetivamente, a fruição do que foi recebido indevidamente está acobertada pela boa-fé, que, por sua vez, é consequência da legítima confiança de que os valores integraram em definitivo o patrimônio do beneficiário.
6. Situação diferente - e por isso a jurisprudência do STJ permite a restituição - ocorre quando os valores são pagos aos servidores em decorrência de decisão judicial de característica precária ou não definitiva. Aqui não há presunção de definitividade e, se houve confiança neste sentido, esta não era legítima, ou seja, não era amparada pelo direito.
7. Se não havia razão para que o servidor confiasse que os recursos recebidos integraram em definitivo o seu patrimônio, qualquer ato de disposição desses valores, ainda que para fins alimentares, salvo situações emergenciais e excepcionais, não pode estar acobertado pela boa-fé, já que, é princípio basilar, tanto na ética quanto no direito, ninguém pode dispor do que não possui.
8. No caso dos autos, os valores que foram pagos aos servidores não são decorrência de erro de cálculo efetuado pela administração, mas sim de decisão judicial que ainda não havia transitado em julgado, e que foi posteriormente reformada. Ademais, em nenhum momento houve concordância da administração com a quantia que foi paga, o que demonstra que sempre houve controvérsia a respeito da titularidade.
9. Se os agravantes utilizaram desses valores, sem possuir a legítima confiança de que lhes pertenciam, não há como identificar a boa-fé objetiva nessa conduta. Portanto, sendo a decisão judicial final desfavorável aos servidores, a devolução do que foi pago indevidamente se faz possível, nos termos do art. 46 da Lei n.
8.112/90.
10. Vale ressaltar que concluir pela ausência de boa-fé objetiva dos agravantes não implica em violação da Súmula 7/STJ, pois em nenhum momento se negou ou alterou os fatos que foram consignados pela instância ordinária, eles apenas sofreram uma nova qualificação jurídica.
Agravo regimental improvido. (STJ, AgRg no REsp 1263480/CE, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 01/09/2011, DJe 09/09/2011)

Não basta que a verba alimentar tenha sido recebida pelo segurado de boa-fé (em sua acepção subjetiva). Deve-se verificar, ainda, a legítima confiança ou justificada expectativa de que os valores recebidos são legais e de que integraram em definitivo o seu patrimônio.

Este não é o caso dos autos.

Como se vê dos autos, a autora Maria Estelita, na condição de representante legal do autor Bruno, requereu a concessão do benefício de amparo assistencial na data de 04/05/2012, declarando não possui qualquer renda familiar (evento 13, PROCADM2, pg. 03), sendo o benefício concedido em 18/05/2012.

Após isto, passados quatro dias da data da concessão do amparo assistencial, em 22/05/2012, a autora Maria Estelita requereu a concessão do benefício de pensão pela morte do segurado Guido Frandalozzo, falecido já em 07/04/2012, sendo este deferido desde a data do óbito, em valor aproximado de 1,5 salários mínimos.

Observe-se que Maria Estelita requereu o benefício de pensão apenas em seu favor, omitindo o pedido em relação ao filho menor Bruno, porquanto este já recebia amparo assistencial.

A alegação de eventual desconhecimento por parte da autora quanto à irregularidade da situação não se justifica e não possui o condão de legitimar a sua conduta, uma vez que diz respeito, exclusivamente, à caracterização de boa-fé em sua acepção subjetiva.

Em resumo, a autora somente requereu o benefício de pensão por morte após a concessão do amparo assistencial ao filho, e exclusivamente e seu favor, omitindo o pedido em relação ao autor Bruno, já que a concessão de cota-parte na pensão implicaria no cancelamento do amparo assistencial.

Além disso, nos termos do parágrafo único do artigo 48 do Decreto 6.214/07, o beneficiário e seus familiares estão obrigados a informar ao INSS a superação das necessidades que deram origem à concessão do benefício:

Art. 48. O pagamento do benefício cessa:

I - no momento em que forem superadas as condições que lhe deram origem;

(...)

Parágrafo único. O beneficiário ou seus familiares são obrigados a informar ao INSS a ocorrência das situações descritas nos incisos I a III do caput.

A autora Maria Estelita em momento algum informou a concessão da pensão por morte no processo administrativo do amparo assistencial, contrariando a norma acima reproduzida.

Além disto, a sucessão de atos indica que a autora detinha conhecimento dos requisitos necessários para a concessão de ambos os benefício, protelando o requerimento da pensão por morte até data posterior a concessão do amparo assistencial e a requerendo exclusivamente em seu favor, com a intenção de cumular o recebimento de ambos os benefícios.

Para a alegada inércia da parte autora não é possível atribuir a condição de boa-fé objetiva. Pelo contrário, o desenrolar dos eventos indica que a autora procedeu de forma consciente, induzindo o INSS em erro, a fim de receber os dois benefícios, o que sabia ser indevido.

Portanto, está correto o ato administrativo de imputação de débito.

(...)

A parte autora, sustentou que a sentença merece ser reformada.

Sem embargo, não obstante as alegações de existência de boa fé da parte autora na realização dos pedidos, a conduta ao requerer a pensão por morte, demonstra entendimento diverso, eis que a autora somente requereu o benefício de pensão por morte após a concessão do amparo assistencial ao filho, não incluindo o filho, pois este já estava titulando o benefício assistencial.

Assim, a decisão recorrida merece ser mantida hígida, pois está em sintonia com o entendimento deste Regional.

Honorários advocatícios

Tendo em vista que a sentença foi publicada sob a égide do novo CPC, este regramento é aplicável quanto à sucumbência.

No tocante ao cabimento da majoração da verba honorária, conforme previsão do §11 do art. 85 do CPC/2015, assim decidiu a Segunda Seção do STJ, no julgamento do AgInt nos EREsp nº 1.539.725-DF (DJe de 19-10-2017):

É devida a majoração da verba honorária sucumbencial, na forma do art. 85, §11, do CPC/2015, quando estiverem presentes os seguintes requisitos, simultaneamente:

a) vigência do CPC/2015 quando da publicação da decisão recorrida, ou seja, ela deve ter sido publicada a partir de 18/03/2016;

b) não conhecimento integralmente ou desprovimento do recurso, monocraticamente ou pelo órgão colegiado competente;

c) existência de condenação da parte recorrente ao pagamento de honorários desde a origem no feito em que interposto o recurso.

No caso concreto, estão preenchidos todos os requisitos acima elencados, sendo devida, portanto, a majoração da verba honorária.

Assim, impõe-se a majoração dos honorários advocatícios em 50%; no entanto, suspensa a exigibilidade, eis que litiga sob o pálio da AJG.

Conclusão

Negado provimento à apelação, eis que não comprovado que a parte autora recebeu o benefício de boa-fé.

Dispositivo

Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação.



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Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5003634-68.2018.4.04.7103/RS

RELATOR: Juiz Federal JULIO GUILHERME BEREZOSKI SCHATTSCHNEIDER

APELANTE: BRUNO DANIEL PEREIRA FRANDALOZZO (AUTOR)

ADVOGADO: GRACIELA FIGUEIREDO ANTUNES PRUDENCIO (OAB RS038185)

APELANTE: MARIA ESTELITA MELO PEREIRA (AUTOR)

ADVOGADO: GRACIELA FIGUEIREDO ANTUNES PRUDENCIO (OAB RS038185)

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)

MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

EMENTA

PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. INCAPACIDADE MÁ-FÉ CARACTERIZADA.

1.O benefício assistencial é devido à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família.

2. Benefício assistencial auferido indevidamente em razão de omissão de fato ou declaração falsas prestadas pelo benef´ciário e que induziram o INSS à concessão do benefício, autoriza a devolução dos valores recebidos, porque caracterizada a má-fé.

3. Recurso da parte autora improvido.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 07 de julho de 2021.



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Poder Judiciário
Tribunal Regional Federal da 4ª Região

EXTRATO DE ATA DA SESSÃO Telepresencial DE 07/07/2021

Apelação Cível Nº 5003634-68.2018.4.04.7103/RS

RELATOR: Juiz Federal JULIO GUILHERME BEREZOSKI SCHATTSCHNEIDER

PRESIDENTE: Desembargadora Federal TAIS SCHILLING FERRAZ

PROCURADOR(A): MARCUS VINICIUS AGUIAR MACEDO

APELANTE: BRUNO DANIEL PEREIRA FRANDALOZZO (AUTOR)

ADVOGADO: GRACIELA FIGUEIREDO ANTUNES PRUDENCIO (OAB RS038185)

APELANTE: MARIA ESTELITA MELO PEREIRA (AUTOR)

ADVOGADO: GRACIELA FIGUEIREDO ANTUNES PRUDENCIO (OAB RS038185)

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)

MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Telepresencial do dia 07/07/2021, na sequência 1049, disponibilizada no DE de 28/06/2021.

Certifico que a 6ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:

A 6ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO.

RELATOR DO ACÓRDÃO: Juiz Federal JULIO GUILHERME BEREZOSKI SCHATTSCHNEIDER

Votante: Juiz Federal JULIO GUILHERME BEREZOSKI SCHATTSCHNEIDER

Votante: Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA

Votante: Desembargadora Federal TAIS SCHILLING FERRAZ

PAULO ROBERTO DO AMARAL NUNES

Secretário



Conferência de autenticidade emitida em 20/07/2021 04:00:59.

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