Apelação Cível Nº 5006851-62.2018.4.04.7122/RS
RELATOR: Juiz Federal ALTAIR ANTONIO GREGORIO
APELANTE: MAURICIO RAMOS DOS SANTOS (AUTOR)
ADVOGADO: LUCIANA PEREIRA DA COSTA
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
RELATÓRIO
Cuida-se de apelação de sentença publicada em 15/10/2018 na qual o juízo a quo extinguiu o feito sem julgamento de mérito, lançando o seguinte dispositivo:
Ante o exposto, extingo o processo sem exame do mérito com fundamento no art. 485, I e VI, combinado com art. 330, III, ambos do Código de Processo Civil.
Preenchidos os requisitos legais, concedo à parte autora o benefício da gratuidade judiciária.
Tendo em conta os critérios dos incisos I a IV do § 2º do artigo 85 do NCPC, inexistindo por ora motivo a ensejar diferenciado tratamento e majoração do percentual, condeno a parte autora a pagar honorários advocatícios em favor da parte ré fixados no percentual mínimo de cada uma das faixas de valor no § 3° daquele preceito, aplicando-se a evolução tratada no § 5º, a incidir sobre o valor da causa atualizado pelo IPCA-E (inciso III do § 4º c/c § 6º do art. 85), suspendendo-se a exigibilidade da verba, deferida a gratuidade de justiça. Fica a parte autora, ainda, responsável pelo pagamento das custas processuais, aplicando-se, aqui também, o art. 98 do NCPC.
Na hipótese de interposição de recurso de apelação, voltem-me conclusos para juízo de retratação, nos termos do § 7º, do art. 485, do CPC.
Sentença publicada e registrada eletronicamente. Intimem-se.
Com o trânsito em julgado, dê-se baixa e arquivem-se.
A parte autora insurgiu-se contra a sentença, requerendo a sua reforma por não ter dado causa ao indeferimento administrativo, na medida em que cumpridas as exigências legais.
Processado o feito, vieram os autos a esta Corte para julgamento.
É o relatório.
VOTO
Do Direito Intertemporal
Aprecia-se o presente recurso sob a vigência da Lei n.º 13.105/15, o novo Código de Processo Civil, sendo necessário obviar, diante dos princípios constitucionais da irretroatividade e da imediatidade da lei processual, expressamente adotados no art. 14, inc. II e 1.046, caput do referido diploma processual e diante do princípio tempus regit actum, segundo o qual cada ato processual deve ser analisado segundo a lei vigente à época de sua realização, que considero adequada a aplicação da Teoria dos Atos Processuais Isolados para a solução de aparente antinomia entre as normas possivelmente aplicáveis.
Assim sendo, explicito a lei aplicável segundo o critério supra descrito. Será considerada aplicável a lei da data:
(a) do ajuizamento da ação, para a verificação dos pressupostos processuais e das condições da ação;
(b) da citação (em razão do surgimento do ônus de defesa), para a determinação do procedimento adequado à resposta do réu, inclusive quanto a seus efeitos;
(c) do despacho que admitir ou determinar a produção probatória, para o procedimento a ser adotado, inclusive no que diz respeito à existência de cerceamento de defesa;
(d) da publicação da sentença (entendida esta como o momento em que é entregue em cartório ou em que é tornado público o resultado do julgamento), para fins de verificação dos requisitos de admissibilidade dos recursos, de seus efeitos, da sujeição da decisão à remessa necessária, da aplicabilidade das disposições relativas aos honorários advocatícios, bem como de sua majoração em grau recursal.
Recebimento do recurso
Importa referir que a apelação deve ser conhecida, por ser própria, regular e tempestiva.
Preliminar de Interesse de Agir e Prévio Requerimento Administrativo
O Supremo Tribunal Federal, em sede de repercussão geral, assentou entendimento sobre a matéria, nos autos do RE 631240/MG, no sentido da indispensabilidade do prévio requerimento administrativo de benefício previdenciário como pressuposto para que se possa acionar legitimamente o Poder Judiciário, ressaltando ser prescindível o exaurimento daquela esfera.
O Relator do RE 631240, Ministro Luís Roberto Barroso, dividiu as ações previdenciárias em dois grupos, quais sejam:
(i) demandas que pretendem obter uma prestação ou vantagem inteiramente nova ao patrimônio jurídico do autor (concessão de benefício, averbação de tempo de serviço e respectiva certidão, etc.); e
(ii) ações que visam ao melhoramento ou à proteção de vantagem já concedida ao demandante (pedidos de revisão, conversão de benefício em modalidades mais vantajosa, restabelecimento, manutenção, etc.).
E concluiu o Ministro afirmando que: "no primeiro grupo, como regra, exige-se a demonstração de que o interessado já levou sua pretensão ao conhecimento da Autarquia e não obteve a resposta desejada", sendo que a falta de prévio requerimento administrativo de concessão deve implicar na extinção do processo judicial sem resolução de mérito, por ausência de interesse de agir; "no segundo grupo, precisamente porque já houve a inauguração da relação entre o beneficiário e a Previdência, não se faz necessário, de forma geral, que o autor provoque novamente o INSS para ingressar em juízo." Importante menção fez ainda o Relator aos casos em que o entendimento da Autarquia for notoriamente contrário à pretensão do interessado, salientando não ser exigível o prévio requerimento administrativo, todavia assegurou não se enquadrarem aqui os casos em que se pretende obter benefício para trabalhador informal.
Considerando a existência de inúmeros processos judiciais em que o INSS é demandado, o STF fixou uma fórmula de transição a ser aplicável a todas as ações ajuizadas até a data do julgamento da repercussão geral, que consiste em:
a) nas ações ajuizadas no âmbito de Juizado Itinerante, a falta do prévio requerimento administrativo não implicará na extinção do feito sem julgamento de mérito;
b) nas ações em que o INSS tiver apresentado contestação de mérito, estará caracterizado o interesse de agir pela resistência à pretensão, implicando na possibilidade de julgamento do mérito, independentemente do prévio requerimento administrativo;
c) nas demais ações em que ausente o requerimento administrativo, o feito será baixado em diligência ao Juízo de primeiro grau, onde permanecerá sobrestado, a fim de intimar o autor a dar entrada no pedido administrativo em até 30 (trinta) dias, sob pena de extinção do processo por falta de interesse de agir. Comprovada a postulação administrativa, o Juiz intimará o INSS para se manifestar acerca do pedido em até 90 (noventa) dias. Nos casos do item 'C', se o pedido for acolhido administrativamente ou não puder ter o seu mérito analisado devido a razões imputáveis ao próprio requerente (ex: não comparecimento à perícia ou à entrevista), extingue-se a ação. Por outro lado, se negado o pedido, estará caracterizado o interesse de agir e o feito deverá prosseguir. Em qualquer caso, a análise quanto à subsistência da necessidade do provimento jurisdicional deverá ser feita pelo Juiz.
No precedente, restou definido, por fim, que "tanto a análise administrativa quanto a judicial deverão levar em conta a data do início da ação como data da entrada do requerimento, para todos os efeitos legais."
No caso dos autos, não se pode aplicar a fórmula de transição, visto que a ação foi ajuizada após o julgamento da repercussão geral (03/09/2014).
No entanto, diferentemente do indicado pela sentença, a parte autora não deu causa ao indeferimento administrativo por não ter cumprido as exigências da autarquia.
Ora, a partir da documentação exigida pelo ente autárquico evidencia-se a existência de prévio requerimento administrativo, bem como de documentos acerca a deficiência do autor, sua identificação e da composição de sua renda familiar. É o que se tira da apreciação do procedimento administrativo relativos ao benefício postulado (evento 16, PROCADM3), ainda que o INSS tenha considerado tais documentos insuficientes.
Aliás, das exigências colhe-se:
-Apresentar Declaração Sobre a composição da renda e grupo familiar - MAURICIO RAMOS DOS SANTOS
- Apresentar Carteira de Identidade (Registro Geral) do componente familiar
Observa-se que a carteira de identidade do autor Maurício se encontra anexada (evento 16, PROCADM3, p. 6 e 7) bem como a do irmão que com ele convive (evento 16, PROCADM3, p. 19). A declaração de composição da renda e do grupo familiar consta do evento 16, PROCADM3, p. 4 e 5.
Portanto, havendo prévio requerimento administrativo e documentos para a apreciação do pedido de benefício assistencial, não há se falar em carência de ação por falta de interesse de agir, mesmo que a documentação tenha sido considerada insuficiente pelo INSS, na medida em que o exaurimento da via administrativa não constitui pressuposto para a propositura de ação previdenciária, como sobredito.
A propósito, colaciono os seguintes precedentes desta Corte:
PROCESSUAL CIVIL. INTERESSE DE AGIR. ANULAÇÃO DA SENTENÇA. REABERTURA DA INSTRUÇÃO. PERICIAL JUDICIAL. 1. Havendo requerimento administrativo e apresentação de prova do tempo especial, ainda que considerada insuficiente pelo INSS, não há falar em falta de interesse processual. 2. Anulada a sentença e determinada a reabertura da instrução, para realização de perícia judicial, uma vez que o feito não se encontra maduro para julgamento. (AC n. 5020096-94.2013.404.7000, 6ª Turma, Rel. DEs. Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA, D.E. 04/12/2015)
PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. CARÊNCIA DE AÇÃO. INTERESSE DE AGIR. EXAURIMENTO DA VIA ADMINISTRATIVA. DESNECESSIDADE. O exaurimento da via administrativa não é condição para a propositura de ação de natureza previdenciária. (AC n. 0009732-41.2014.404.9999, 6ª Turma, Rel. Des. Federal CELSO KIPPER, D.E. 16/06/2015)
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA ESPECIAL. TEMPO DE SERVIÇO ESPECIAL. INTERESSE DE AGIR.EXAURIMENTO DA VIA ADMINISTRATIVA. DESNECESSIDADE. 1. Não há dizer em carência de ação por falta de prévio requerimento administrativo, uma vez que tal documento encontra-se anexado aos autos, caracterizando a pretensão resistida e, consequentemente, o interesse processual da parte autora. 2. Carência de ação não configurada. (AC n. 0024810-75.2014.404.9999, 5ª Turma, Rel. Des. Federal RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA, D.E. 02/06/2015)
Deste modo, reconheço a existência do interesse de agir da parte autora, afastando a carência de ação que motivou a extinção do feito.
A considerar que não se angularizou a demanda, não pode prosseguir o julgamento nesta Corte, a teor do art. 1.013 do CPC, motivo pelo qual merece provimento a apelação para anular a sentença e determinar o regular prosseguimento do feito.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por dar provimento ao recurso da parte autora, para anular a sentença e determinar o regular prosseguimento do feito.
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Apelação Cível Nº 5006851-62.2018.4.04.7122/RS
RELATOR: Juiz Federal ALTAIR ANTONIO GREGORIO
APELANTE: MAURICIO RAMOS DOS SANTOS (AUTOR)
ADVOGADO: LUCIANA PEREIRA DA COSTA
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. PRÉVIO REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. REPERCUSSÃO GERAL. RE 631240. INTERESSE DE AGIR. CONFIGURADO.
Em face do julgamento do RE 631240, em sede de repercussão geral, o Supremo Tribunal Federal assentou entendimento no sentido da indispensabilidade do prévio requerimento administrativo de benefício previdenciário como pressuposto para que se possa acionar legitimamente o Poder Judiciário, ressaltando ser prescindível o exaurimento daquela esfera. Caso em que formulado requerimento administrativo, indeferido por insuficiência da prova documental.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar provimento à apelação da parte autora, para anular a sentença e determinar o regular prosseguimento do feito, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 16 de julho de 2019.
Documento eletrônico assinado por ALTAIR ANTONIO GREGORIO, Juiz Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40001209715v4 e do código CRC d3237ade.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO Ordinária DE 16/07/2019
Apelação Cível Nº 5006851-62.2018.4.04.7122/RS
RELATOR: Juiz Federal ALTAIR ANTONIO GREGORIO
PRESIDENTE: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
PROCURADOR(A): ADRIANA ZAWADA MELO
APELANTE: MAURICIO RAMOS DOS SANTOS (AUTOR)
ADVOGADO: LUCIANA PEREIRA DA COSTA
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Ordinária do dia 16/07/2019, na sequência 171, disponibilizada no DE de 28/06/2019.
Certifico que a 5ª Turma , ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 5ª TURMA , DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DA PARTE AUTORA, PARA ANULAR A SENTENÇA E DETERMINAR O REGULAR PROSSEGUIMENTO DO FEITO.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Juiz Federal ALTAIR ANTONIO GREGORIO
Votante: Juiz Federal ALTAIR ANTONIO GREGORIO
Votante: Juíza Federal GISELE LEMKE
Votante: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
LIDICE PEÑA THOMAZ
Secretária
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