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BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. RECEBIMENTO INDEVIDO. ERRO ADMINISTRATIVO. BOA-FÉ. IRREPETIBILIDADE. TRF4. 5002674-36.2023.4.04.7007...

Data da publicação: 07/08/2024, 07:01:16

EMENTA: BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. RECEBIMENTO INDEVIDO. ERRO ADMINISTRATIVO. BOA-FÉ. IRREPETIBILIDADE. Não havendo má-fé do segurado ou beneficiário no recebimento indevido de benefício na via administrativa, decorrente de má aplicação de norma jurídica, interpretação equivocada ou erro da Administração, não cabe a devolução dos valores, considerando a natureza alimentar e o recebimento de boa-fé. (TRF4, AC 5002674-36.2023.4.04.7007, DÉCIMA TURMA, Relator MÁRCIO ANTÔNIO ROCHA, juntado aos autos em 31/07/2024)

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5002674-36.2023.4.04.7007/PR

RELATOR: Desembargador Federal MÁRCIO ANTONIO ROCHA

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)

APELADO: IVONEI GOMES DOS PASSOS (Civilmente Incapaz - Art. 110, 8.213/91) (AUTOR)

REPRESENTANTE LEGAL DO APELADO: ZENIR SOUZA GOMES DOS PASSOS (Cônjuge, pai, mãe, tutor, curador ou herdeiro necessário) (AUTOR)

RELATÓRIO

Trata-se de ação ajuizada pela parte autora em face do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), objetivando o restabelecimento do benefício assistencial à pessoa com deficiência e a declaração de inexigibilidade de todas as prestações pretéritas recebidas a título do benefício 106.450.113-0.

Durante a instrução foi realizada perícia médica (evento 58, LAUDOPERIC1), bem como laudo de avaliação social (evento 23, LAUDO_SOC_ECON1).

Foi proferida sentença cujo dispositivo tem o seguinte teor (evento 75, SENT1):

(...)

Ante o exposto, conforme o exposto no art. 487, I, do CPC, resolvo o mérito, e julgo procedente em parte o pedido para determinar a cessação de quaisquer procedimentos de cobrança dos valores em atraso apurados pelo INSS em decorrência da percepção do benefício assistencial NB 87/106.450.113-0​​​​​​, declarando os valores inexigíveis.

Diante da declaração apresentada, defiro a gratuidade da justiça em prol da parte autora.

Considerando a sucumbência recíproca, aplicando à hipótese o artigo 86 do CPC, distribuindo-se igualmente, na proporção de 50% (cinquenta por cento) para cada parte (art. 86 do CPC), os honorários advocatícios, sendo vedada sua compensação, nos termos do artigo 85, §14, Código de Processo Civil.

A metade das custas é devida pela parte autora. Em virtude da gratuidade de justiça deferida à parte autora, declaro suspensa a exigibilidade de tais verbas nos termos do §3º artigo 98 do Código de Processo Civil.

O INSS está isento de custas quando demandado na Justiça Federal, nos termos do art. 4º, inciso I, da Lei n. 9.289/1996.

Os honorários periciais deverão ser restituídos pelo réu em favor do Tribunal, nos termos do disposto no § 1º do art. 12 da Lei n. 10.259/2001.

Sentença não sujeita ao reexame necessário na forma do art. 496, § 3º, I, do Código de Processo Civil, uma vez que o valor da condenação, embora ilíquido, é mensurável por simples cálculo aritmético e claramente é inferior a 1.000 (mil) salários-mínimos.

Sentença publicada e registrada eletronicamente. Intime-se.

Havendo interposição de recurso de apelação, dê-se vista ao apelado para oferecimento de contrarrazões no prazo legal, e, ao final, remetam-se os autos ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região.

Após a liquidação do julgado e expedida a requisição de pagamento, se for o caso, arquivem-se os auto

(...)

O INSS apela, sustentando que o pagamento de valores relativos a benefício em montante que não era devido, resta imprescindível a restituição das quantias, quer seja por meio de descontos sobre o benefício do segurado, quer seja por tentativa de cobrança amigável na via administrativa ou por meio forçado em ação judicial. Requer o prequestionamento dos dispositivos que elenca (evento 82, APELAÇÃO1).

Com contrarrazões (evento 87, CONTRAZAP1), vieram os autos a este Tribunal.

O Ministério Público Federal apresentou parecer pelo desprovimento da apelação (evento 6, PARECER_MPF1).

É o relatório.

Peço dia para julgamento.

VOTO

Benefício Assistencial

A Constituição Federal preceitua em seu artigo 203:

Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente da contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:

(...)

V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.

A regulamentação desse dispositivo constitucional veio com a Lei nº 8.742, de 07.12.1993, Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), que em seu artigo 20 especifica as condições para a concessão do benefício, no valor de um salário mínimo mensal, à pessoa com deficiência e ao idoso. Após as alterações promovidas pelas Leis nº 9.720, de 30.11.1998, e nº 10.741, de 01.10.2003 (Estatuto do Idoso), relativas à redução do critério etário para 67 e 65 anos, sobrevieram as Leis nº 12.435/2011, nº 12.470/2011, nº 13.146/2015, nº 13.981/2020, nº 14.176/2021, nº 14.601, de 2023, conferindo atualmente a seguinte redação:

Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.

§ 1o Para os efeitos do disposto no caput, a família é composta pelo requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.

§ 2o Para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.

§ 3º Observados os demais critérios de elegibilidade definidos nesta Lei, terão direito ao benefício financeiro de que trata o caput deste artigo a pessoa com deficiência ou a pessoa idosa com renda familiar mensal per capita igual ou inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo.

§ 4º O benefício de que trata este artigo não pode ser acumulado pelo beneficiário com qualquer outro no âmbito da seguridade social ou de outro regime, salvo os da assistência médica e da pensão especial de natureza indenizatória, bem como as transferências de renda de que tratam o parágrafo único do art. 6º e o inciso VI do caput do art. 203 da Constituição Federal e o caput e o § 1º do art. 1º da Lei nº 10.835, de 8 de janeiro de 2004.

§ 5o A condição de acolhimento em instituições de longa permanência não prejudica o direito do idoso ou da pessoa com deficiência ao benefício de prestação continuada.

§ 6º A concessão do benefício ficará sujeita à avaliação da deficiência e do grau de impedimento de que trata o § 2o, composta por avaliação médica e avaliação social realizadas por médicos peritos e por assistentes sociais do Instituto Nacional de Seguro Social - INSS.

§ 6º-A. O INSS poderá celebrar parcerias para a realização da avaliação social, sob a supervisão do serviço social da autarquia.

§ 7o Na hipótese de não existirem serviços no município de residência do beneficiário, fica assegurado, na forma prevista em regulamento, o seu encaminhamento ao município mais próximo que contar com tal estrutura. declarada pelo requerente ou seu representante legal, sujeitando-se aos demais procedimentos previstos no regulamento para o deferimento do pedido.

§ 9º Os valores recebidos a título de auxílio financeiro temporário ou de indenização por danos sofridos em decorrência de rompimento e colapso de barragens, bem como os rendimentos decorrentes de estágio supervisionado e de aprendizagem, não serão computados para fins de cálculo da renda familiar per capita a que se refere o § 3º deste artigo.

§ 10. Considera-se impedimento de longo prazo, para os fins do § 2o deste artigo, aquele que produza efeitos pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos.

§ 11. Para concessão do benefício de que trata o caput deste artigo, poderão ser utilizados outros elementos probatórios da condição de miserabilidade do grupo familiar e da situação de vulnerabilidade, conforme regulamento.

§ 11-A. O regulamento de que trata o § 11 deste artigo poderá ampliar o limite de renda mensal familiar per capita previsto no § 3º deste artigo para até 1/2 (meio) salário-mínimo, observado o disposto no art. 20-B desta Lei.

§ 12. São requisitos para a concessão, a manutenção e a revisão do benefício as inscrições no Cadastro de Pessoas Físicas (CPF) e no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal - Cadastro Único, conforme previsto em regulamento.

§ 14. O benefício de prestação continuada ou o benefício previdenciário no valor de até 1 (um) salário-mínimo concedido a idoso acima de 65 (sessenta e cinco) anos de idade ou pessoa com deficiência não será computado, para fins de concessão do benefício de prestação continuada a outro idoso ou pessoa com deficiência da mesma família, no cálculo da renda a que se refere o § 3º deste artigo.

§ 15. O benefício de prestação continuada será devido a mais de um membro da mesma família enquanto atendidos os requisitos exigidos nesta Lei.

Art. 20-A. (Revogado pela Lei nº 14.176, de 2021)

Art. 20-B. Na avaliação de outros elementos probatórios da condição de miserabilidade e da situação de vulnerabilidade de que trata o § 11 do art. 20 desta Lei, serão considerados os seguintes aspectos para ampliação do critério de aferição da renda familiar mensal per capita de que trata o § 11-A do referido artigo:.

II – a dependência de terceiros para o desempenho de atividades básicas da vida diária; e.

III – o comprometimento do orçamento do núcleo familiar de que trata o § 3º do art. 20 desta Lei exclusivamente com gastos médicos, com tratamentos de saúde, com fraldas, com alimentos especiais e com medicamentos do idoso ou da pessoa com deficiência não disponibilizados gratuitamente pelo SUS, ou com serviços não prestados pelo Suas, desde que comprovadamente necessários à preservação da saúde e da vida..

§ 1º A ampliação de que trata o caput deste artigo ocorrerá na forma de escalas graduais, definidas em regulamento..

§ 2º Aplicam-se à pessoa com deficiência os elementos constantes dos incisos I e III do caput deste artigo, e à pessoa idosa os constantes dos incisos II e III do caput deste artigo..

§ 3º O grau da deficiência de que trata o inciso I do caput deste artigo será aferido por meio de instrumento de avaliação biopsicossocial, observados os termos dos §§ 1º e 2º do art. 2º da Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência), e do § 6º do art. 20 e do art. 40-B desta Lei..

§ 4º O valor referente ao comprometimento do orçamento do núcleo familiar com gastos de que trata o inciso III do caput deste artigo será definido em ato conjunto do Ministério da Cidadania, da Secretaria Especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia e do INSS, a partir de valores médios dos gastos realizados pelas famílias exclusivamente com essas finalidades, facultada ao interessado a possibilidade de comprovação, conforme critérios definidos em regulamento, de que os gastos efetivos ultrapassam os valores médios.

A Lei nº 14.176/2021 condicionou a aplicabilidade do art. 20-B a decreto regulamentador do Poder Executivo:

Art. 6º Esta Lei entra em vigor:

I – em 1º de janeiro de 2022, quanto ao art. 1º, na parte que acrescenta o § 11-A no art. 20 e o art. 20-B na Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993;

II – em 1º de outubro de 2021, quanto ao art. 2º, que institui o auxílio-inclusão; e

III – na data de sua publicação, quanto aos demais dispositivos.

Parágrafo único. A ampliação do limite de renda mensal de 1/4 (um quarto) para até 1/2 (meio) salário-mínimo mensal, de que trata o § 11-A do art. 20 da Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993, mediante a utilização de outros elementos probatórios da condição de miserabilidade e da situação de vulnerabilidade do grupo familiar, na forma do art. 20-B da referida Lei, fica condicionada a decreto regulamentador do Poder Executivo, em cuja edição deverá ser comprovado o atendimento aos requisitos fiscais.

Portanto, o direito ao benefício assistencial pressupõe o preenchimento dos seguintes requisitos: a) condição de a.1) deficiente (incapacidade para o trabalho e para a vida independente, de acordo com a redação original do artigo 20 da LOAS, ou impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir a participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, conforme redação atual do referido dispositivo) ou a.2) idoso (neste caso, considerando-se, desde 1º de janeiro de 2004, a idade de 65 anos); e b) situação de risco social (estado de miserabilidade, hipossuficiência econômica ou situação de desamparo) da parte autora e de sua família.

Condição De Deficiente

A incapacidade para a vida independente a que se refere a Lei nº 8.742/93, deve ser interpretada de forma a garantir o benefício assistencial às pessoas com deficiência, visando fomentar, precipuamente, o asseguramento da dignidade da pessoa deficiente, através da proteção social fornecida pelo Estado.

A incapacidade para a vida independente referida pela lei: (a) não exige que a pessoa possua uma vida vegetativa ou seja incapaz de se locomover; (b) não significa incapacidade para as atividades básicas do ser humano, tais como alimentar-se, fazer a higiene pessoal e vestir-se sozinho; (c) não impõe a incapacidade de se expressar ou se comunicar; e (d) não pressupõe dependência total de terceiros. Para o atendimento desse requisito, afigura-se suficiente que a pessoa portadora de deficiência não possua condições de completa autoderminação ou dependa de algum auxílio, acompanhamento, vigilância ou atenção de outra pessoa para viver com dignidade e, ainda, que não tenha condições de buscar no mercado de trabalho meios de prover a sua própria subsistência.

Tal análise, sempre realizada à luz do caso concreto, deve cogitar, ainda, a possibilidade de readaptação da pessoa em outra atividade laboral, tendo em vista as suas condições pessoais (espécie de deficiência ou enfermidade, idade, profissão, grau de instrução).

A ratificação pelo Brasil, em 2008, da Convenção Internacional Sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, incorporada ao nosso ordenamento jurídico com status de Emenda Constitucional (artigo 5º, § 3º, da Constituição Federal), conferiu ainda maior amplitude ao tema, visando, sobretudo, a promover, proteger e assegurar o exercício pleno e equitativo dos direitos humanos e das liberdades fundamentais por todas as pessoas com deficiência (artigo 1º da referida Convenção).

Assim é que a Lei nº 12.470, de 31.08.2011, que alterou o § 2º do artigo 20 da LOAS, e, mais recentemente, o Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146, de 06.07.2015, com início de vigência em 05.01.2016), praticamente reproduziram os termos do artigo 1º da aludida Convenção, redimensionando o conceito de pessoa com deficiência de maneira a abranger diversas ordens de impedimentos de longo prazo capazes de obstaculizar a plena e equânime participação social do portador de deficiência, considerando o meio em que este se encontra inserido.

Com a consolidação desse novo paradigma, o conceito de deficiência desvincula-se da mera incapacidade para o trabalho e para a vida independente - abandonando critérios de análise restritivos, voltados ao exame das condições biomédicas do postulante ao benefício -, para se identificar com uma perspectiva mais abrangente, atrelada ao modelo social de direitos humanos, visando à remoção de barreiras impeditivas de inserção social.

Nesse contexto, a análise atual da condição de deficiente a que se refere o artigo 20 da LOAS, não mais se concentra na incapacidade laboral e na impossibilidade de sustento, mas, senão, na existência de restrição capaz de obstaculizar a efetiva participação social de quem o postula de forma plena e justa.

Situação de Risco Social

A redação atual do § 3º, inciso I, do artigo 20 da LOAS manteve como critério para a concessão do benefício assistencial a idosos ou deficientes a percepção de renda familiar mensal per capita inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo, até 31.12.2020.

Ocorre que o Superior Tribunal de Justiça, ao julgar recurso especial representativo de controvérsia (Tema 185), com base no compromisso constitucional com a dignidade da pessoa humana - especialmente no que se refere à garantia das condições básicas de subsistência física e do amparo ao cidadão social e economicamente vulnerável -, relativizou o critério econômico estabelecido na LOAS, assentando que a limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção, ou de tê-la provida por sua família, uma vez que se trata apenas de um elemento objetivo para se aferir a necessidade, de modo a se presumir absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita inferior a 1/4 do salário mínimo (REsp nº 1112557/MG, 3ª Seção, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, DJe de 20.11.2009).

Posteriormente, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, ao julgar a Reclamação nº 4374 e o Recurso Extraordinário nº 567985 (este com repercussão geral), estabeleceu que o critério legal de renda familiar per capita inferior a 1/4 do salário mínimo encontra-se defasado para caracterizar a situação de miserabilidade, não se configurando, portanto, como a única forma de aferir a incapacidade da pessoa para prover sua própria manutenção ou tê-la provida por sua família:

BENEFÍCIO ASSISTENCIAL DE PRESTAÇÃO CONTINUADA AO IDOSO E AO DEFICIENTE. ART. 203, V, DA CONSTITUIÇÃO. A Lei de Organização da Assistência Social (LOAS), ao regulamentar o art. 203, V, da Constituição da República, estabeleceu os critérios para que o benefício mensal de um salário mínimo seja concedido aos portadores de deficiência e aos idosos que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família. 2. Art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993 e a declaração de constitucionalidade da norma pelo Supremo Tribunal Federal na ADI 1.232. Dispõe o art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93 que "considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa portadora de deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo". O requisito financeiro estabelecido pela lei teve sua constitucionalidade contestada, ao fundamento de que permitiria que situações de patente miserabilidade social fossem consideradas fora do alcance do benefício assistencial previsto constitucionalmente. Ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.232-1/DF, o Supremo Tribunal Federal declarou a constitucionalidade do art. 20, § 3º, da LOAS. 3. Decisões judiciais contrárias aos critérios objetivos preestabelecidos e Processo de inconstitucionalização dos critérios definidos pela Lei 8.742/1993. A decisão do Supremo Tribunal Federal, entretanto, não pôs termo à controvérsia quanto à aplicação em concreto do critério da renda familiar per capita estabelecido pela LOAS. Como a lei permaneceu inalterada, elaboraram-se maneiras de se contornar o critério objetivo e único estipulado pela LOAS e de se avaliar o real estado de miserabilidade social das famílias com entes idosos ou deficientes. Paralelamente, foram editadas leis que estabeleceram critérios mais elásticos para a concessão de outros benefícios assistenciais, tais como: a Lei 10.836/2004, que criou o Bolsa Família; a Lei 10.689/2003, que instituiu o Programa Nacional de Acesso à Alimentação; a Lei 10.219/01, que criou o Bolsa Escola; a Lei 9.533/97, que autoriza o Poder Executivo a conceder apoio financeiro a Municípios que instituírem programas de garantia de renda mínima associados a ações socioeducativas. O Supremo Tribunal Federal, em decisões monocráticas, passou a rever anteriores posicionamentos acerca da intransponibilidade do critérios objetivos. Verificou-se a ocorrência do processo de inconstitucionalização decorrente de notórias mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro). 4. Declaração de inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993. 5. Recurso extraordinário a que se nega provimento. (RE nº 567985, Plenário, Rel. Min. Marco Aurélio, Rel. p/ acórdão Min. Gilmar Mendes, DJe de 3.10.2013)

Em julgados ocorridos após o recurso especial representativo de controvérsia e o recurso extraordinário com repercussão geral acima citados, o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal mantiveram o entendimento de que a renda mensal percebida não é o único critério a ser considerado para a aferição da condição de miserabilidade, explicitando que devem ser analisadas as diversas informações sobre o contexto socioeconômico constantes de laudos, documentos e demais provas:

PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. POSSIBILIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DA CONDIÇÃO DE HIPOSSUFICIÊNCIA DO BENEFICIÁRIO POR OUTROS MEIOS DE PROVA, QUANDO A RENDA PER CAPITA DO NÚCLEO FAMILIAR FOR SUPERIOR A 1/4 DO SALÁRIO MÍNIMO. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. Ao contrário do que sustenta o agravante, o Tribunal de origem adotou o entendimento pacificado pela Terceira Seção desta Corte, no julgamento do REsp. 1.112.557/MG, representativo da controvérsia, de que a limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade, ou seja, presume-se absolutamente a hipossuficiência quando comprovada a renda per capita inferior a 1/4 do salário mínimo. 2. O pedido foi julgado improcedente pelas instâncias ordinárias não com base na intransponibilidade do critério objetivo da renda, mas com fundamento na constatação de que não se encontra configurada a condição de miserabilidade da parte autora, uma vez que mora em casa própria ampla e conservada, possui carro e telefone, e as necessidades básicas de alimentação, vestuário, higiene, moradia e saúde podem ser supridas com a renda familiar informada. 3. Agravo Regimental desprovido. (AgRg no AREsp nº 538948/SP, STJ, 1ª Turma, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, DJe 27.3.2015).

AGRAVOS REGIMENTAIS EM RECLAMAÇÃO. PERFIL CONSTITUCIONAL DA RECLAMAÇÃO. AUSÊNCIA DOS REQUISITOS. RECURSOS NÃO PROVIDOS. 1. Por atribuição constitucional, presta-se a reclamação para preservar a competência do STF e garantir a autoridade de suas decisões (art. 102, inciso I, alínea l, CF/88), bem como para resguardar a correta aplicação de súmula vinculante (art. 103-A, § 3º, CF/88). 2. A jurisprudência desta Corte desenvolveu parâmetros para a utilização dessa figura jurídica, dentre os quais se destaca a aderência estrita do objeto do ato reclamado ao conteúdo das decisões paradigmáticas do STF . 3. A definição dos critérios a serem observados para a concessão do benefício assistencial depende de apurado estudo e deve ser verificada de acordo com as reais condições sociais e econômicas de cada candidato à beneficiário, não sendo o critério objetivo de renda per capta o único legítimo para se aferir a condição de miserabilidade. Precedente (Rcl nº 4.374/PE) 4. Agravos regimentais não providos. (Rcl. nº 4154, STF, Plenário, Rel. Min. Dias Toffoli, DJe de 21.11.2013)

Nesse sentido, os cuidados necessários com a parte autora, em decorrência de sua deficiência, incapacidade ou avançada idade, que acarretarem gastos - notadamente com medicamentos, alimentação especial, fraldas descartáveis, tratamento médico, psicológico e fisioterápico, entre outros -, configuram despesas que podem ser consideradas na análise da condição de risco social da família do demandante (TRF4, APELREEX nº 0001612-04-2017.404.9999, 6ª T., Rel. Des. Federal Salise Monteiro Sanchotene, D.E. de 9.6.2017).

Também, eventual circunstância de a parte autora ser beneficiária e perceber renda proveniente do Programa Bolsa Família, por si só, não impede a percepção do benefício assistencial previsto no artigo 203, V, da Constituição Federal, como constitui forte indicativo de que a unidade familiar encontra-se em situação de risco social (TRF4, APELREEX nº 2009.71.99.006237-1, 6ª T., Rel. p/ acórdão Des. Federal Celso Kipper, D.E. 7.10.2014).

Ainda dentro desta questão, recentemente, este Tribunal Regional Federal, com o objetivo de pacificação do tema sobre se a renda familiar per capita inferior ao limite objetivo mínimo (¼ do salário mínimo) gera uma presunção absoluta ou relativa de miserabilidade, julgou o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR) nº 12.

Salientando que a técnica legislativa adotada - presunção legal absoluta - dispensa o esforço interpretativo e probatório nos casos em que se verifica a condição de miserabilidade daqueles cuja renda familiar sequer atinge o patamar mínimo fixado pela LOAS (1/4 do salário mínimo), estabeleceu a seguinte tese jurídica: o limite mínimo previsto no art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93 ("considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo") gera, para a concessão do benefício assistencial, uma presunção absoluta de miserabilidade:

PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. TRF4. IRDR 12. PROCESSO EM TRAMITE NOS JEFs. IRRELEVÊNCIA. ADOÇÃO DA TÉCNICA DO PROCESSO-MODELO E NÃO CAUSA-PILOTO. ART. 20, § 3º, DA LEI 8.742/93. PRESUNÇÃO ABSOLUTA DE MISERABILIDADE. 1. É possível a admissão, nos Tribunais Regionais Federais, de IRDR suscitado em processo que tramita nos Juizados Especiais Federais. 2. Empregada a técnica do julgamento do procedimento-modelo e não da causa-piloto, limitando-se o TRF a fixar a tese jurídica, sobretudo porque o processo tramita no sistema dos JEFs. 3. Tese jurídica: o limite mínimo previsto no art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93 ('considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo') gera, para a concessão do benefício assistencial, uma presunção absoluta de miserabilidade. (TRF4, IRDR 5013036-79.2017.404.0000, 3ª Seção, Rel. Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz, 22.02.2018)

Em suma, tem-se firme entendimento jurisprudencial de que o limite mínimo previsto no art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93, traduz uma presunção absoluta de miserabilidade quando a renda familiar per capita for inferior a ¼ de salário mínimo (miserabilidade presumida), devendo ser comprovada por outros fatores (qualquer meio de prova admitido em direito) nos demais casos, isto é, quando a renda familiar per capita superar aquele piso.

Outrossim, o artigo 20-A, incluído pela Lei nº 13.982, de 2020, estabelece que o critério de aferição da renda familiar mensal per capita previsto no inciso I do § 3º do art. 20 poderá ser ampliado para até 1/2 (meio) salário-mínimo, em razão de múltiplos fatores a serem examinados no caso concreto.

Prosseguindo, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), ao julgar o Recurso Extraordinário nº 580.963/PR, também declarou a inconstitucionalidade do parágrafo único do artigo 34 do Estatuto do Idoso (Lei nº 10.741/03), o qual estabelece que o benefício assistencial já concedido a qualquer idoso membro da família não será computado para fins do cálculo da renda familiar per capita a que se refere a LOAS, com base nos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e da isonomia, bem como no caráter de essencialidade de que se revestem os benefícios de valor mínimo, tanto previdenciários quanto assistenciais, concedidos a pessoas idosas e também àquelas portadoras de deficiência. De acordo com o STF, portanto, não se justifica que, para fins do cálculo da renda familiar per capita, haja previsão de exclusão apenas do valor referente ao recebimento de benefício assistencial por membro idoso da família, quando verbas de outra natureza (benefício previdenciário), bem como outros beneficiários de tais verbas (membro da família portador de deficiência), também deveriam ser contemplados.

Na mesma linha, a 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), com fundamento nos princípios da igualdade e da razoabilidade, firmou entendimento segundo o qual, também nos pedidos de benefício assistencial feitos por pessoas portadoras de deficiência, deve ser excluído do cálculo da renda familiar per capita qualquer benefício, no valor de um salário mínimo, recebido por maior de 65 anos, independentemente se assistencial ou previdenciário, aplicando-se, analogicamente, o disposto no parágrafo único, do artigo 34 do Estatuto do Idoso:

PREVIDENCIÁRIO. RECURSO REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. CONCESSÃO DE BENEFÍCIO ASSISTENCIAL PREVISTO NA LEI N. 8.742/93 A PESSOA COM DEFICIÊNCIA. AFERIÇÃO DA HIPOSSUFICIÊNCIA DO NÚCLEO FAMILIAR. RENDA PER CAPITA. IMPOSSIBILIDADE DE SE COMPUTAR PARA ESSE FIM O BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO, NO VALOR DE UM SALÁRIO MÍNIMO, RECEBIDO POR IDOSO. 1. Recurso especial no qual se discute se o benefício previdenciário, recebido por idoso, no valor de um salário mínimo, deve compor a renda familiar para fins de concessão ou não do benefício de prestação mensal continuada a pessoa deficiente. 2. Com a finalidade para a qual é destinado o recurso especial submetido a julgamento pelo rito do artigo 543-C do CPC, define-se: Aplica-se o parágrafo único do artigo 34 do Estatuto do Idoso (Lei n. 10.741/03), por analogia, a pedido de benefício assistencial feito por pessoa com deficiência a fim de que benefício previdenciário recebido por idoso, no valor de um salário mínimo, não seja computado no cálculo da renda per capita prevista no artigo 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93. 3. Recurso especial provido. Acórdão submetido à sistemática do § 7º do art. 543-C do Código de Processo Civil e dos arts. 5º, II, e 6º, da Resolução STJ n. 08/2008. (STJ, REsp nº1355052/SP, 1ª Seção, Rel. Min. Benedito Gonçalves, DJe de 5.11.2015).

Essa questão foi transformada em disposição legal pela Lei nº 13.982, de 2020, que inseriu o § 14 do artigo 20, acima transcrito.

Assim, em regra, integram o cálculo da renda familiar per capita os rendimentos auferidos pelo cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto (artigo 20, § 1º, da Lei n.º 8.742/93, com a redação dada pela Lei n.º 12.435/2011).

Por outro lado, no cálculo da renda familiar per capita, deve ser excluído o valor auferido por idoso a partir de 65 anos de idade a título de benefício assistencial ou previdenciário de renda mínima, ou de benefício previdenciário de valor superior ao mínimo, até o limite de um salário mínimo, bem como o valor auferido a título de benefício previdenciário por incapacidade ou assistencial em razão de deficiência, independentemente de idade. Ressalto que tal pessoa, em decorrência da exclusão de sua renda, também não será considerada na composição familiar, para efeito do cálculo da renda per capita (TRF4, APELREEX nº 5035118-51.2015.404.9999, 6ª T., Rel. Des. Federal João Batista Pinto Silveira, 14.3.2016; TRF4, APELREEX nº 5013854-43.2014.404.7208, 5ª T., Rel. Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz, 13.5.2016).

Logo, em linhas gerais, para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, a situação de risco social a que se encontra exposta a pessoa idosa ou portadora de deficiência e sua família deve ser analisada em cada caso concreto.

Restituição dos valores recebidos na via administrativa

Trata-se de questão que envolve possível erro administrativo do INSS na avaliação da concessão e/ou prorrogação do benefício (que não se enquadra no Tema nº 692 do Superior Tribunal de Justiça, o qual diz respeito a valores recebidos precariamente em juízo por força de antecipação da tutela).

No caso, a situação envolve a aplicabilidade do Tema 979 do Superior Tribunal de Justiça: "Devolução ou não de valores recebidos de boa-fé a título de benefício previdenciário, por força de interpretação errônea, má aplicação da lei ou erro da Administração da Previdência Social". A matéria foi afetada à sistemática dos recursos repetitivos, com determinação de suspensão nacional de todos os processos pendentes, individuais ou coletivos (art. 1.037, II, do Código de Processo Civil), conforme decisão do Superior Tribunal de Justiça no Recurso Especial 1381734/RN, DJe de 16.08.2017:

PREVIDENCIÁRIO. PROPOSTA DE AFETAÇÃO. RECURSO ESPECIAL. RITO DOS RECURSOS ESPECIAIS REPETITIVOS. DEVOLUÇÃO DE VALORES RECEBIDOS DE BOA-FÉ. EM RAZÃO DE INTERPRETAÇÃO ERRÔNEA, MÁ APLICAÇÃO DA LEI OU ERRO DA ADMINISTRAÇÃO DA PREVIDÊNCIA SOCIAL. 1. Delimitação da controvérsia: Devolução ou não de valores recebidos de boa-fé, a título de benefício previdenciário, por força de interpretação errônea, má aplicação da lei ou erro da Administração da Previdência Social. 2. Recurso especial afetado ao rito do art. 1.036 e seguintes CPC/2015 e art. 256-I do RISTJ, incluído pela Emenda Regimental 24, de 28/09/2016. (ProAfR no REsp 1381734/RN, Rel. Min. Benedito Gonçalves, 1ª Seção, j. 09.08.2017)

Outrossim, o Superior Tribunal de Justiça já decidiu que a afetação do tema no REsp. 1381734/RN se aplica também aos casos em que a controvérsia reside sobre benefício assistencial (REsp. 1686807, Rel. Min. Sérgio Kukina, 31.08.2017).

Por outro lado, observo que, no momento anterior à afetação do tema, tanto o Superior Tribunal de Justiça quanto este Tribunal Regional Federal da 4ª Região vinham decidindo pelo incabimento da restituição: STJ, REsp 1571066/RJ, Rel. Min. Diva Malerbi (Des. Conv.), 2ª T., j. 14.06.2016; TRF4, AC 5001856-86.2015.404.7000, 5ª T., Des. Federal Rogerio Favreto, 18.05.2017; TRF4, AC 5014750-27.2016.404.7108, 6ª T., Des. Federal Vânia Hack de Almeida, 05.06.2017.

No Tema 979/STJ, foi fixada a seguinte tese:

Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados decorrentes de erro administrativo (material ou operacional), não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela Administração, são repetíveis os valores, sendo legítimo o seu desconto no percentual de até 30% (trinta por cento) do valor do benefício mensal, ressalvada a hipótese em que o segurado, diante do caso concreto, comprova sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era possível constatar o pagamento indevido.

Houve modulação de efeitos, restringindo sua aplicabilidade aos processos ajuizados após a sua publicação:

"Tem-se de rigor a modulação dos efeitos definidos neste representativo da controvérsia, em respeito à segurança jurídica e considerando o inafastável interesse social que permeia a questão sub examine, e a repercussão do tema que se amolda a centenas de processos sobrestados no Judiciário. Desse modo somente deve atingir os processos que tenham sido distribuídos, na primeira instância, a partir da publicação deste acórdão."

Destarte, a modulação afasta a obrigatoriedade de sua incidência aos processos já em andamento, mas não impede a incidência da sua premissa jurídica referente à necessidade de aferição da boa-fé ou da má-fé, como pressuposto para decidir sobre repetibilidade dos valores recebidos.

Nesse ponto, a tese jurídica não destoa da jurisprudência já firmada neste Tribunal:

PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. ARTIGO 20, DA LEI Nº 8.742/93 (LOAS). RISCO SOCIAL. REQUISITO NÃO PREENCHIDO. RESTITUIÇÃO DE VALORES RECEBIDOS. CARÁTER ALIMENTAR. BOA-FÉ. IRREPETIBILIDADE. 1. Indevida a restituição e/ou desconto de valores pagos aos segurados por erro administrativo e cujo recebimento deu-se de boa-fé, em face do princípio da irrepetibilidade ou da não devolução dos alimentos. 2. Relativização do estabelecido nos artigos 115, inciso II, da Lei nº 8.213/91 e 154, § 3º, do Decreto nº 3.048/99. (...) (TRF4 5079799-10.2014.404.7100, SEXTA TURMA, Relatora Des. Federal Salise Monteiro Sanchotene, 4.9.2017)

PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO AJUIZADA PELO INSS. CARÁTER ALIMENTAR DAS PRESTAÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. AUSÊNCIA DE MÁ-FÉ. Esta Corte vem se manifestando no sentido da impossibilidade de repetição dos valores recebidos de boa-fé pelo segurado, dado o caráter alimentar das prestações previdenciárias, sendo relativizadas as normas dos arts. 115, II, da Lei nº 8.213/91, e 154, § 3º, do Decreto nº 3.048/99. Hipótese em que, diante do princípio da irrepetibilidade ou da não-devolução dos alimentos, deve ser afastada a cobrança dos valores. (TRF4 5029624-84.2015.404.7000, 10ª T., Relator Des. Federal Luiz Fernando Wowk Penteado, 9.8.2017)

PREVIDENCIÁRIO. REVISÃO DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. REMESSA EX OFFICIO. INEXISTÊNCIA. AUDITORIA. AUXÍLIO-DOENÇA. FRAUDE NÃO DEMONSTRADA. RETOMADA DA CAPACIDADE LABORAL E RETORNO À ATIVIDADE LABORAL. NÃO COMPROVADAS. VALORES DEVIDOS E PERCEBIDOS DE BOA-FÉ. RESSARCIMENTO AO ERÁRIO. IMPOSSIBILIDADE. CONSECTÁRIOS DA SUCUMBÊNCIA. MAJORAÇÃO. 1. Hipótese em que a sentença não está sujeita à remessa ex officio, a teor do disposto no artigo 496, § 3º, I, do Código de Processo Civil. 2. A Administração possui o poder-dever de anular seus próprios atos, quando eivados de ilegalidade, assegurado o contraditório e ampla defesa. 3. A jurisprudência do STJ e também deste regional são uniformes no sentido de, em face do princípio da irrepetibilidade e da natureza alimentar das parcelas, não ser possível a restituição de valores pagos indevidamente a título de benefício previdenciário, por força de interpretação equivocada, má aplicação da lei ou erro administrativo, e cujo recebimento deu-se de boa-fé pelo segurado. 4. Admitida a relativização do art. 115, II, da Lei nº 8.213/1991 e art. 154, §3º, do Decreto nº 3.048/1999, considerando o caráter alimentar da verba e o recebimento de boa-fé pelo segurado, o que se traduz em mera interpretação conforme a Constituição Federal. (...) (TRF4, AC 5010235-23.2014.4.04.7009, 10ª T., Relator Des. Federal Fernando Quadros da Silva, 26/04/2021)

PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. RECEBIMENTO INDEVIDO. ERRO ADMINISTRATIVO. BOA-FÉ. IRREPETIBILIDADE. Não havendo má-fé do segurado ou beneficiário no recebimento indevido de benefício na via administrativa, decorrente de má aplicação de norma jurídica, interpretação equivocada ou erro da Administração, não cabe a devolução dos valores, considerando a natureza alimentar e o recebimento de boa-fé. (TRF4, AC 5008965-97.2023.4.04.9999, 10ª T., Relator Des. Federal Márcio Antônio Rocha, 06/11/2023)

Assim, entendo que se aplica ao caso o entendimento jurisprudencial já firmado em casos símeis, conforme precedentes antes transcritos, no sentido da irrepetibilidade dos valores recebidos a título de benefício previdenciário, na ausência de prova de má-fé do segurado ou beneficiário, considerando-se que a má-fé deve ser provada, enquanto a boa-fé é presumida.

Nesse sentido:

PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. AUXÍLIO-DOENÇA. REQUISITOS. LAUDO TÉCNICO. INCAPACIDADE. DOENÇA PREEXISTENTE. NÃO CONFIGURAÇÃO. MÁ-FÉ NÃO COMPROVADA. (...) 4. Ao contrário da boa-fé, a má-fé não se presume. 5. (...) (TRF4, AC 5014793-16.2019.4.04.9999, QUINTA TURMA, Relator ALTAIR ANTONIO GREGÓRIO, 30/09/2020)

PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. COMPETÊNCIA DELEGADA DA JUSTIÇA ESTADUAL. ART. 109, § 3º, DA CF. FORO DE DOMICÍLIO DA PARTE AUTORA. MÁ-FÉ. NÃO PRESUMIDA. PRESUNÇÃO IURIS TANTUM DE BOA FÉ. (...) 2. Em nosso ordenamento jurídico, a má-fé, inclusive a processual, não se presume, devendo sempre ser cabalmente provada, não bastando ilações com base em meros indícios para afastar a boa-fé das informações prestadas pelas partes, essa sim objeto de presunção iuris tantum. (TRF4 5016289-70.2020.4.04.0000, TERCEIRA SEÇÃO, Relator PAULO AFONSO BRUM VAZ, 26/06/2020)

Portanto, ausente comprovação de má-fé por parte do beneficiário, não é exigível a devolução dos valores recebidos, conforme bem decidiu a sentença:

No caso concreto, verifica-se que o INSS exerceu o seu poder de autotutela ao revisar e cessar o benefício auferido pela parte autora ao constatar que os requisitos autorizadores de sua concessão não mais subsistiam.

Assim, o ato administrativo promovido pelo INSS determinando o cancelamento do benefício, com respeito aos princípios legais da ampla defesa e do contraditório, não merece reparos.

Todavia, não há nos autos qualquer indicio de que a conduta da parte autora tenha contribuído para que o benefício, inicialmente devido, tenha se tornado indevido.

A Administração, como poder público, tem obrigação maior que o cidadão em seguir o disposto em regramento cabível à espécie, porque jungida ao princípio constitucional da legalidade. Isso porque, embora a ninguém (cidadão) seja dado alegar o desconhecimento da Lei, o INSS deve informar seus beneficiários dos direitos que possuem, e, consequentemente, aplicar o regramento incidente no caso concreto.

Portanto, tenho por escusável a atitude do beneficiário, mais ainda se levadas em consideração as minúcias da legislação e sucessivas alterações.

Dentro desse raciocínio, não obstante tenham sido pagos valores indevidamente ao beneficiário, é incabível a restituição dos valores recebidos a esse título. Está consolidado o entendimento jurisprudencial no sentido de que em se tratando de valores percebidos de boa-fé pelo segurado, por erro da Administração, não é cabível a repetição das parcelas pagas.

Os princípios da razoabilidade, da segurança jurídica e da dignidade da pessoa humana, aplicados à hipótese, conduzem à impossibilidade de repetição das verbas previdenciárias. Trata-se de benefício de caráter alimentar, recebido pelo beneficiário de boa-fé. Deve-se ter por inaplicável o art. 115 da Lei 8.213/91 na hipótese de inexistência de má-fé do segurado. Não se trata de reconhecer a inconstitucionalidade do dispositivo, mas de que a sua aplicação ao caso concreto não é compatível com a generalidade e a abstração de seu preceito.

No caso concreto, tendo o beneficiário agido de boa-fé, a devolução pretendida administrativamente pelo INSS não tem fundamento. A boa-fé, ademais, é presumida, cabendo ao INSS a prova em contrário.

Portanto, deve ser declarada a inexigibilidade dos valores pagos indevidamente a título do benefício assistencial, nos moldes em que pretendido pela parte autora no pedido inicial.

Honorários Advocatícios

Em grau recursal, consoante entendimento firmado pelo Superior Tribunal de Justiça, a majoração é cabível quando se trata de "recurso não conhecido integralmente ou desprovido, monocraticamente ou pelo órgão colegiado competente" (STJ, AgInt. nos EREsp. 1539725/DF, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, 2ª S., DJe 19.10.2017), o que foi reafirmado no Tema 1.059/STJ:

A majoração dos honorários de sucumbência prevista no art. 85, § 11, do CPC pressupõe que o recurso tenha sido integralmente desprovido ou não conhecido pelo tribunal, monocraticamente ou pelo órgão colegiado competente. Não se aplica o art. 85, § 11, do CPC em caso de provimento total ou parcial do recurso, ainda que mínima a alteração do resultado do julgamento e limitada a consectários da condenação.

Improvido o apelo, majoro a verba honorária em que o INSS foi condenado na origem (art. 85, § 11, do Código de Processo Civil), elevando-a em 50% sobre o valor fixado na sentença, mantidas a base de cálculo e a sucumbência recíproca e proporcional estabelecidas na sentença, conforme o entendimento desta Turma em casos símeis:

PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. ATIVIDADE ESPECIAL. REQUISITOS LEGAIS. PEDREIRO. CONCESSÃO DE BENEFICIO. HONORARIOS. SUCUMBENCIA RECIPROCA. MAJORAÇÃO. (...) 5. Improvidos os recursos das partes, sucumbentes parciais, majoro em 50% o valor em Reais dos honorários advocatícios devidos, obtido do resultado da aplicação do percentual fixado na sentença sobre o montante da condenação e da apuração da respectiva quota, sendo vedada a compensação, conforme dispõe o § 14 do artigo 85 do CPC. (TRF4, AC 5000220-36.2016.4.04.7005, TRS/PR, Rel. Des. Federal Fernando Quadros da Silva, 16/09/2020)

Custas Processuais

Custas divididas pela metade.

O INSS é isento do pagamento das custas processuais no Foro Federal (artigo 4.º, I, da Lei n.º 9.289/96), mas não quando demandado na Justiça Estadual do Paraná (Súmula 20 do TRF/4ª Região).

Inexigibilidade temporária das custas, em razão da assistência judiciária gratuita deferida à autora.

Prequestionamento

Objetivando possibilitar o acesso das partes às Instâncias Superiores, considero prequestionadas as matérias constitucionais e/ou legais suscitadas nos autos, conquanto não referidos expressamente os respectivos artigos na fundamentação, nos termos do art. 1.025 do Código de Processo Civil.

Conclusão

- apelação improvida.

Dispositivo

Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação.



Documento eletrônico assinado por MÁRCIO ANTÔNIO ROCHA, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40004495620v14 e do código CRC 9e72b5df.Informações adicionais da assinatura:
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Data e Hora: 31/7/2024, às 15:53:37


5002674-36.2023.4.04.7007
40004495620.V14


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Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5002674-36.2023.4.04.7007/PR

RELATOR: Desembargador Federal MÁRCIO ANTONIO ROCHA

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)

APELADO: IVONEI GOMES DOS PASSOS (Civilmente Incapaz - Art. 110, 8.213/91) (AUTOR)

REPRESENTANTE LEGAL DO APELADO: ZENIR SOUZA GOMES DOS PASSOS (Cônjuge, pai, mãe, tutor, curador ou herdeiro necessário) (AUTOR)

EMENTA

BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. RECEBIMENTO INDEVIDO. ERRO ADMINISTRATIVO. BOA-FÉ. IRREPETIBILIDADE.

Não havendo má-fé do segurado ou beneficiário no recebimento indevido de benefício na via administrativa, decorrente de má aplicação de norma jurídica, interpretação equivocada ou erro da Administração, não cabe a devolução dos valores, considerando a natureza alimentar e o recebimento de boa-fé.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 10ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Curitiba, 30 de julho de 2024.



Documento eletrônico assinado por MÁRCIO ANTÔNIO ROCHA, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40004495621v4 e do código CRC 545c545b.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): MÁRCIO ANTÔNIO ROCHA
Data e Hora: 31/7/2024, às 15:53:37


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Poder Judiciário
Tribunal Regional Federal da 4ª Região

EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 23/07/2024 A 30/07/2024

Apelação Cível Nº 5002674-36.2023.4.04.7007/PR

RELATOR: Desembargador Federal MÁRCIO ANTONIO ROCHA

PRESIDENTE: Desembargadora Federal CLAUDIA CRISTINA CRISTOFANI

PROCURADOR(A): CAROLINA DA SILVEIRA MEDEIROS

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)

APELADO: IVONEI GOMES DOS PASSOS (Civilmente Incapaz - Art. 110, 8.213/91) (AUTOR)

ADVOGADO(A): FERNANDA CRISTIELI MARONEZE (OAB PR076847)

REPRESENTANTE LEGAL DO APELADO: ZENIR SOUZA GOMES DOS PASSOS (Cônjuge, pai, mãe, tutor, curador ou herdeiro necessário) (AUTOR)

MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (MPF)

Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 23/07/2024, às 00:00, a 30/07/2024, às 16:00, na sequência 864, disponibilizada no DE de 12/07/2024.

Certifico que a 10ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:

A 10ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO.

RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal MÁRCIO ANTONIO ROCHA

Votante: Desembargador Federal MÁRCIO ANTONIO ROCHA

Votante: Desembargador Federal LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO

Votante: Desembargadora Federal CLAUDIA CRISTINA CRISTOFANI

SUZANA ROESSING

Secretária



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