Apelação Cível Nº 5013287-34.2021.4.04.9999/SC
RELATOR: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
APELANTE: ROSA MORAIS
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: OS MESMOS
RELATÓRIO
Cuida-se de apelações interpostas pela parte autora (e. 80 - APELAÇÃO1) e pelo INSS (e. 86 - APELAÇÃO1) em face da sentença, prolatada em 07/04/2021 (e. 72 - OUT1), que julgou parcialmente procedente o pedido de concessão de benefício assistencial devido à pessoa com deficiência/idosa, a partir de 15/11/2020, data em que atingiu o critério etário (65 anos de idade).
Sustenta a autora, preliminarmente, ter se manifestado acerca do laudo pericial, e requerido a realização de laudo com especialista em Otorrinolaringologia, pois se fazia necessário, uma vez que é portadora de deficiência auditiva.
Quanto ao mérito, busca o reconhecimento e concessão do benefício de prestação continuada, em razão da sua deficiência (surdez).
Aduz que o laudo pericial (e. 28), afirmou que apresenta e acosta aos autos audiometrias, última datada em 16/01/2018, cujo parecer audiológico é de perda auditiva neurossensorial de grau moderado bilateral. Ainda, o laudo do e. 40 informa: periciada com síndrome depressiva com agravante social.
Requer o provimento do recurso para cassar a sentença por cerceamento de defesa ou, então, a reforma da sentença para julgar procedente o pedido da inicial (e. 80 - APELAÇÃO1).
A seu turno, o INSS alega ser a sentença extra petita porquanto o pedido era de concessão de benefício assistencial de amparo ao deficiente, contudo, foi condenado a pagar benefício assistencial ao idoso.
Observa que, segundo os documentos e informação constantes da petição inicial, a autora não requereu administrativamente o benefício assitencial deferido na sentença. Em razão disso, requer seja reconhecida a falta de interesse de agir, extinguindo o processo sem resolução de mérito em relação à concessão do benefício assistencial de amparo ao idoso.
Pede a anulação do decisum. Caso não seja esse o entendimento, pugna pela sua reforma, para que os efeitos financeiros retroajam somente até a data da sentença, sem o pagamento de juros de mora (e. 86 - APELAÇÃO1).
Com as contrarrazões do INSS (e. 85 - CONTRAZ1), subiram os autos a esta Corte para julgamento.
A Procuradoria Regional da República da 4ª Região manifertou-se pelo regular prosseguimento do feito (e. 99 - PARECER1).
É o relatório.
VOTO
Preliminar de cerceamento de defesa
Improcede a preliminar de cerceamento de defesa para realização de nova perícia com especialista, haja vista que a perícia realizada informa as condições clínicas da parte autora de forma a permitir ao juízo condições de examinar a demanda com segurança em conjunto com os demais elementos probatórios.
Ademais, cabe referir que o entendimento desta Corte é no sentido de que, em regra, mesmo que o perito nomeado pelo Juízo não seja expert na área específica de diagnóstico e tratamento da doença em discussão, não haveria de se declarar a nulidade da prova por se tratar de profissional médico e, portanto, com formação adequada à apreciação do caso.
Não há motivo, portanto, para cogitar de anulação do laudo, que cumpriu sua função na instrução do feito.
Vale lembrar, ainda, o que dizem os artigos 370 e 371 do NCPC:
Art. 370. Caberá ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias ao julgamento do mérito.
Parágrafo único. O juiz indeferirá, em decisão fundamentada, as diligências inúteis ou meramente protelatórias.
Art. 371. O juiz apreciará a prova constante dos autos, independentemente do sujeito que a tiver promovido, e indicará na decisão as razões da formação de seu convencimento. (grifei)
Assim, a produção da prova é determinada pelo juízo para construção de seu convencimento a respeito da solução da demanda proposta, e, uma vez formado esse convencimento, com decisão fundamentada, não está obrigado o magistrado a proceder à dilação probatória meramente por inconformidade de uma das partes, mormente quando tal insatisfação diz respeito precipuamente ao mérito.
Com efeito, está assentado na jurisprudência deste Colegiado (TRF4, AC nº 5022958-23.2017.404.9999, Rel. Des. Federal CELSO KIPPER, unânime, JUNTADO AOS AUTOS EM 27/10/2017), que a simples discordância da parte com a conclusão apresentada pelo experto não é motivo suficiente para nomeação de outro perito e a realização de novo laudo técnico, nem caracteriza cerceamento de defesa.
Rejeito, pois, a preliminar.
Exame do caso concreto
O juízo a quo examinou a questão nestes termos (e. 72 - OUT1):
No caso dos autos, no que tange ao requisito econômico, foi realizado estudo social, por meio da assistente social forense, na residência da demandante, conforme Evento 50, INF1. Extrai-se do laudo socioeconômico:
[...] - Renda e Composição Familiar: A Sra. Rosa (64 anos) reside sozinha; 2ª série do ensino fundamental, renda declarada R$ 180,00 (Bolsa Família)
- Moradia: Declara a Sra. Rosa que reside neste local a muitos anos e a residência que ocupa foi deixada pelo ex-marido, quando se divorciaram. O imóvel localizado em bairro residencial da Cohab, é servido por saneamento[3] básico, infraestrutura e demais elementos que em seu conjunto indicam que as condições de moradia são adequadas. Reside sozinha, em casa própria, tipo mista (madeira e alvenaria), com dois dormitórios, sala e cozinha conjugados, banheiro e área de estar. O lar encontra-se equipado móveis e eletrodomésticos básicos para atender as necessidades da requerente. A residência é simples e oferece condições de habitabilidade[4].
- Quanto as despesas e manutenção de vida:
Com relação a trabalho e renda, as intervenções sinalizaram que a Sra. Rosa se casou duas vezes; do primeiro casamento teve dois filhos: Márcio(falecido) e Marines; e de sua segunda relação conjugal teve mais quatro filhos: Marisete, Marilu, Ademir e Márcia. Na constância do casamento, permaneceu a maior parte do tempo como dona de casa, pois com os filhos pequenos ficava difícil sair para trabalhar. No entanto, realizou alguns trabalhos junto a empresa Agroeste, através de contratos temporários para trabalhar na lavoura fazendo o despendoamento de milho”. Posteriormente exerceu trabalho formal na empresa Vacaro Irmãos Ltda, na qualidade de safrista na colheita de maçã. Nesta empresa, seu último trabalho data do ano de 2005. Depois, devido a seus problemas de saúde, precisou parar de trabalhar para realizar os tratamentos de saúde. Eventualmente conseguia algum trabalho como diarista e/ou babá, mas agora nem isso. Atualmente sobrevive com o valor que aufere do programa federal Bolsa Família equivalente a R$ 180,00 (cento e oitenta reais) por mês.
A requerente conta apoio dos filhos para sua manutenção/sustento. Os filhos fornecem alimentos, bem como auxiliam no pagamento de luz, água e na compra de medicamentos, isto quando não os recebe na rede pública. Embora tenha cinco filhos estes pouco conseguem lhe auxiliar porque já constituíram família, possuem filhos para sustentar, ganham pouco e/ou não exercem trabalho remunerado.
Relata que devido a sua idade (64 anos), a sua baixa escolaridade, nenhuma qualificação profissional, somado aos seus problemas de saúde (depressão e deficiência auditiva), suas chances de voltar ao mercado de trabalho são praticamente nulas. Não fosse a ajuda dos filhos passaria fome.
Quanto as suas despesas domésticas, relata que gasta em média mensalmente, R$ 75,00 de luz, R$ 40,00 água, R$ 43,00 gás; R$ 10,00 crédito para o telefone celular. Com o valor que recebe do bolsa família costuma comprar um pouco de alimentos e frutas. [...]
Concluiu a assistente social forense que:
[...] No caso em apreço, observa-se que a autora apresenta um contexto de vida permeado de situações de vulnerabilidades sociais e, na oportunidade de nossa intervenção, observamos e enfatizamos algumas: é pessoa idosa (64 anos); reside sozinha; possui baixa escolaridade; chegou a exercer trabalho formal, mas por muito pouco tempo para ser considerada contribuinte da seguridade social para pleitear o benefício de aposentadoria, a não ser o BPC; atualmente sobrevive com o que recebe do programa federal Bolsa Família, programa este que tem como um dos critérios a família ser considerada baixa renda; e conforme relatos, apresenta situação de saúde que a limita de exercer trabalho que pudesse lhe proporcionar renda e oportunidades de superar as dificuldades de sua vida. Através dos relatos da autora, averiguação junto ao domicílio familiar e observação "in loco", nos aspectos sociais, a renda atual da autora é insuficiente para garantir o acesso mínimo necessário que diz respeito ao provimento de suas necessidades básicas. Diante do exposto, conclui-se que a Sra. Rosa Morais preenche os critérios socioeconômicos para a concessão do Benefício de Prestação Continuada- BPC. (grifos nossos)
Por sua vez, em relação à condição de deficiente, foi realizada perícia judicial com médico do trabalho, cujo laudo restou juntado ao Evento 28. Respondendo aos quesitos formulados, o perito relatou em suma:
[...] Periciada do lar, referindo residir sozinha, alegando alterações sensitivas e motoras divergentes da neuroanatomia aceita e sem correlação topográfica com estruturas investigadas. Apresenta e acosta aos autos audiometrias, última datada em 16/01/2018 cujo parecer audiológico é de perda auditiva neurossensorial de grau moderado bilateral. Relata também ser hipertensa, depressiva e possuir alterações circulatórias de membros inferiores. Informa poliqueixas, é fumante e diz usar medicamentos para dormir, entretanto não traz na perícia médica nenhuma receita de medicamentos que refere utilizar. Aparenta idade compatível com cronológica, bom estado geral, eupneica, acianótica, afebril, mucosas normocoradas e úmidas, psicomotricidade mantida, boa cognição interagindo com o ambiente ao seu redor e construindo conhecimentos, pensamento lógico e coerente, boa memória, usando aparelho auditivo bilateralmente, cardiopulmonar sem intercorrências, abdômen com inspeção, palpação, percussão e ausculta dentro dos parâmetros normais, usando meias elásticas que diz serem emprestadas da vizinha, devolvendo-as quando a mesma necessita, sem edemas duros, ausência de sinais de flebites e tromboflebites em atividade, sistema neurolocomotor sem intercorrências.
4.Discussão/Conclusão: Embasado em elementos técnicos da atual pericia, após anamnese, exame físico, análise documental e de acordo com evidências médicas, periciada não comprova impedimentos de longo de natureza física, intelectual ou sensoriais, os quais em interação com diversas barreiras que possam obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade com as demais pessoas. Autora capaz para a vida independente, para o trabalho e para prover o próprio sustento.
Por sua vez, realizada perícia médica com perito especialista em psiquiatria (Evento 40), o expert asseverou:
[...] Histórico/anamnese: PERICIADA 64 ANOS, COMPARECE A AVALIAÇÃO SOZINHA, DESCREVE SINTOMAS ANSIOSOS DEPRESSIVOS HÁ APROXIMADAMENTE 6 ANOS, BOM CONTATO SEM APARELHO AUDITIVO, RELATA ANTIGO RELACIONAMENTO CONJUGAL CONFLITANTE E DIFÍCIL SITUAÇÃO SOCIAL.
[...]
Diagnóstico/CID:
- F32 - Episódios depressivos [...]
Observações sobre o tratamento: PERICIADA FAZ USO DO SEGUINTE MEDICAMENTO: ANTIDEPRESSIVO COM DOSE BAIXA E SEM EFEITOS COLATERAIS E REALIZA TRATAMENTO CLÍNICO.
Conclusão: sem incapacidade atual
- Justificativa: PERICIADA COM SÍNDROME DEPRESSIVA COM AGRAVANTE SOCIAL, PORÉM, COM SINTOMAS NÃO INCAPACITANTES NA AVALIAÇÃO PSIQUIÁTRICA.
Desse modo, após perícias médicas (com médico do trabalho e especialista em psiquiatria), não restou constatado impedimento/deficiência de longo prazo que possa obstruir a participação plena e efetiva da autora na sociedade, em igualdade de condições com as demais pessoas e autorize a concessão do Beneficio de Prestação Continuada por este critério.
Contudo, compulsando os autos, verifica-se que a autora nasceu em 15/11/1955, conforme documento do Evento 27, OUT2. Logo, o requisito da idade restou devidamente preenchido em 15/11/2020, eis que completou 65 (sessenta e cinco) anos de idade.
Nota-se dos autos, portanto, que a parte autora, idosa, escolaridade 2ª série, com saúde precária e sem qualificação profissional, sobrevive unicamente do valor auferido do Bolsa Família e de doações de familiares.
Logo, comprovada a idade de 65 anos e o estado de miserabilidade da autora, entendo que faz jus ao benefício assistencial de prestação continuada à pessoa idosa, a contar da data da implementação do requisito etário, em 15/11/2020.
Cumpre ressaltar que o fato de a autora não ter postulado o benefício assistencial por idade na via administrativa, e sim em razão da deficiência, não obsta que este Juízo reconheça seu direito, sem que isto implique em julgamento extra ou ultra petita. Isso porque, "o Direito Previdenciário é orientado por princípios fundamentais de proteção social, o que torna possível a fungibilidade dos pedidos previdenciários, deferindo-se o benefício que melhor corresponda à situação fática demonstrada nos autos" (TRF4, AC 5022288-14.2019.4.04.9999, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DO PR, Relator FERNANDO QUADROS DA SILVA, juntado aos autos em 13/08/2020).
Seguem precedentes do Tribunal Regional Federal da 4ª Região:
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. LEI Nº 8.742/93. INCAPACIDADE NÃO CONFIGURADA. FUNGIBILIDADE DE PEDIDOS PREVIDENCIÁRIOS. PESSOA IDOSA. RENDA PER CAPITA INFERIOR AO MÍNIMO LEGAL. IRDR 12. PRESUNÇÃO ABSOLUTA DE MISERABILIDADE. REQUISITOS ATENDIDOS. REFORMA DA SENTENÇA. TUTELA ESPECÍFICA. IMPLANTAÇÃO DO BENEFÍCIO. 1. O direito ao benefício assistencial pressupõe o preenchimento dos seguintes requisitos: a) condição de deficiente (incapacidade para o trabalho e para a vida independente, de acordo com a redação original do artigo 20 da LOAS, ou impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir a participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, conforme redação atual do referido dispositivo) ou idoso (neste caso, considerando-se, desde 1º de janeiro de 2004, a idade de 65 anos); e b) situação de risco social (estado de miserabilidade, hipossuficiência econômica ou situação de desamparo) da parte autora e de sua família. 2. É entendimento pacífico deste Tribunal não se caracterizar julgamento ultra ou extra petita o fato de ser concedido um benefício diverso do pedido, uma vez preenchidos os requisitos legais. Isso se dá porque o Direito Previdenciário é orientado por princípios fundamentais de proteção social, o que torna possível a fungibilidade dos pedidos previdenciários, deferindo-se o benefício que melhor corresponda à situação fática demonstrada nos autos. [...] 4. No caso, atendidos os requisitos legais definidos pela Lei n.º 8.742/93, motivo pelo qual, reformando-se a sentença, deve ser reconhecido o direito da parte autora ao benefício assistencial à pessoa idosa previsto no artigo 203, V, da CF, a partir de 16-12-2017, ocasião em que atingiu o critério etário. [...] (TRF4 5027332-14.2019.4.04.9999, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DO PR, Relator FERNANDO QUADROS DA SILVA, juntado aos autos em 30/07/2020) (grifo nosso)
BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE. FUNGIBILIDADE. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. ARTIGO 20, DA LEI Nº 8.742/93 (LOAS). CONDIÇÃO DE IDOSO OU DE DEFICIENTE. SITUAÇÃO DE RISCO SOCIAL. REQUISITOS PREENCHIDOS. TUTELA ESPECÍFICA. JUROS E CORREÇÃO MONETÁRIA. LEI 11.960/09. CRITÉRIOS DE ATUALIZAÇÃO. DIFERIMENTO PARA A FASE PRÓPRIA (EXECUÇÃO). 1. Cumpre à autarquia, quando requerida alguma das prestações previstas em lei, conferir efetividade ao direito social à previdência social, na forma em que se encontra estatuído no artigo 6º da Constituição Federal de 1988. 2. Pacífica a jurisprudência no sentido de não configurar decisão extra petita deferir benefício diverso do pedido, tendo em vista o princípio da fungibilidade das ações previdenciárias. [...] (TRF4, AC 0000135-48.2014.4.04.9999, SEXTA TURMA, Relatora MARINA VASQUES DUARTE DE BARROS FALCÃO, D.E. 13/12/2016) (grifo nosso)
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. FUNGIBILIDADE. Este Regional, em suas duas Turmas especializadas em Direito Previdenciário, tem o entendimento consolidado de que os benefícios previdenciários de auxílio-doença, aposentadoria por invalidez e assistencial à pessoa com deficiência são fungíveis, cabendo ao magistrado (e mesmo ao INSS, em sede administrativa) conceder à parte ou a conversão, o benefício apropriado à sua condição fática, sem que disso resulte julgamento extra petita. (TRF4, APELAÇÃO CÍVEL Nº 5009859-20.2016.404.9999, 6ª TURMA, Juiz Federal MARCELO DE NARDI, POR UNANIMIDADE, JUNTADO AOS AUTOS EM 06/04/2017) (grifo nosso)
Diante do exposto, entendo que preenchidos os requisitos legais definidos pela Lei n. 8.742/93, motivo pelo qual reconheço o direito da parte autora ao recebimento do benefício assistencial à pessoa idosa previsto no artigo 203, V, da CF, a partir de 15/11/2020, data em que atingiu o critério etário (65 anos de idade).
Depreende-se da leitura dos autos, que a controvérsia cinge-se à questão da deficiência.
Logo, vale refletir sobre o tema. O benefício assistencial é devido à pessoa idosa (65 anos de idade) ou com deficiência, assim considerada aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas (Lei 8.742/1993, art. 20, §2º, com a redação dada pela Lei 13.146/2015), que não tenha condições de prover sua manutenção e nem tê-la provida por sua família, nos termos do art. 20, §3º, da Lei 8.742/1993.
Saliente-se, por oportuno, que a incapacidade para a vida independente a que se refere a Lei 8.742/93, na redação original, deve ser interpretada de forma a garantir o benefício assistencial a uma maior gama possível de pessoas com deficiência, consoante pacífica jurisprudência do STJ (v.g. STJ, 5ª Turma, RESP 360.202/AL, Rel. Min. Gilson Dipp, DJU de 01-07-2002) e desta Corte (v.g. AC n. 2002.71.04.000395-5/RS, 6ª Turma, Rel. Des. Federal João Batista Pinto Silveira, DJU de 19-04-2006).
Desse modo, a incapacidade para a vida independente (a) não exige que a pessoa possua uma vida vegetativa ou seja incapaz de se locomover; (b) não significa incapacidade para as atividades básicas do ser humano, tais como alimentar-se, fazer a higiene pessoal e vestir-se sozinho; (c) não impõe a incapacidade de se expressar ou se comunicar; e (d) não pressupõe dependência total de terceiros.
A Proteção Social almejada pela Constituição, que condensa a vontade do povo, está intimamente relacionada com a prática da Justiça Social. Enquanto importante vértice desta, a proteção social supõe a redução das desigualdades, objetivo que representa a busca incessante da equidade como valor estruturante de uma sociedade democrática e fraterna baseada no respeito aos direitos humanos e à dignidade da pessoa.
Um dos desafios primordiais é a igualização das pessoas com deficiência. É dizer: o desiderato constitucional, traduzido em políticas públicas assistenciais, de possibilitar aos deficientes, o quantum satis, a compensação de suas limitações, para que possam desfrutar de uma vida normal ou igual aos demais indivíduos em termos de capacidades e oportunidades.
Embora não seja suficiente, a renda mínima de subsistência proporcionada pelo BPC é imprescindível. Representa, digamos assim, o início de tudo! Bem lembra Diniz (Deficiência e igualdade: o desafio da proteção social. In: MEDEIROS, Marcelo; DINIZ, Débora; BARBOSA, Lívia (org.). Deficiência e igualdade. Brasília: LetrasLivres - EdUnB, 2010, p. 14), que a "inclusão das pessoas deficientes na vida social passa por assegurar-lhes um nível básico de rendimento e, ao que tudo indica, esse nível pode ser maior que o necessário para as demais pessoas".
Na execução das políticas públicas assistenciais voltadas às pessoas com deficiência, o primeiro desafio é distinguir incapacidade para o trabalho com deficiência. Tem-se visto, no exercício da magistratura, amiúde, essa confusão a permear as avaliações técnicas e a compreensão judicial acerca da deficiência.
A Convenção dos Direitos das Pessoas com Deficiência, da Organização das Nações Unidas, aprovada e ratificada pelo Brasil, define pessoas com deficiência como "aquelas que têm impedimentos de natureza física, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade com as demais pessoas".
Considera-se que a partir da internalização da Convenção dos Direitos das Pessoas com Deficiência da ONU no sistema normativo brasileiro, com dignidade de Emenda Constitucional, houve substituição do conceito de deficiência como incapacidade para o trabalho e para a vida independente para um novo conceito de deficiência.
A deficiência encontra-se agora conceituada pelo preâmbulo Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, em sua alínea "e", "reconhecendo que a deficiência é um conceito em evolução e que a deficiência resulta da interação entre pessoas com deficiência e as barreiras devidas às atitudes e ao ambiente que impedem a plena e efetiva participação dessas pessoas na sociedade em igualdade de oportunidades com as demais pessoas".
A circunstância de a Convenção ter sido aprovada na forma do disposto no art. 5º, § 3º, da CF, com hierarquia normativa equivalente a emenda constitucional, confere-lhe maior relevância, tornando obrigatória a sua consideração por toda e qualquer norma infraconstitucional sobre a matéria, revogadas as que lhe sejam afrontosas.
O primeiro avanço na avaliação técnica da deficiência ocorreu com a introdução dos novos parâmetros para avaliação do requisito de deficiência. O Decreto nº 6.214/07, que regulamentou o benefício de prestação continuada, tratou de nortear a avaliação da deficiência do segurado, exigindo a observância da Classificação Internacional de Funcionalidades, Incapacidade e Saúde - CIF, e a realização da perícia social, a partir de 2009.
Art. 16. A concessão do benefício à pessoa com deficiência ficará sujeita à avaliação da deficiência e do grau de impedimento, com base nos princípios da Classificação Internacional de Funcionalidades, Incapacidade e Saúde - CIF, estabelecida pela Resolução da Organização Mundial da Saúde no 54.21, aprovada pela 54a Assembleia Mundial da Saúde, em 22 de maio de 2001 (Redação dada pelo Decreto nº 7.617, de 2011).
[...]
2° A avaliação social considerará os fatores ambientais, sociais e pessoais, a avaliação médica considerará as deficiências nas funções e nas estruturas do corpo, e ambas considerarão a limitação do desempenho de atividades e a restrição da participação social, segundo suas especificidades (Redação dada pelo Decreto n° 7.617, de 2011).
Conforme preceitua o art. 20 da Lei n° 8.742/93, com a redação que lhe foi dada pela Lei n° 12.435, de 2011),
O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.
Na redação original do art. 20, § 2º, da Lei n° 8.742/93, era considerada pessoa com deficiência aquela incapacitada para a vida independente e para o trabalho.
A Lei n° 12.470/2011 definiu a pessoa com deficiência como aquela portadora de impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir a participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.
E a Lei n° 13.146/2015 alterou apenas a parte referente às barreiras, ao considerar pessoa com deficiência quem tem impedimentos de longo prazo, os quais, em contato com uma ou mais barreiras, podem obstruir sua participação plena e em igualdade de condições na sociedade.
Com o advento do Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146/15), a redação do art. 20, § 2º, da Lei n° 8.742/93, passou a ser a seguinte:
Para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.
Para dar sentido ao novel texto legal, precisa-se recorrer ao art. 3º, inciso IV, da Lei 13.146/15, que traz a conceituação das diferentes espécies de barreiras que podem obstruir a participação em igualdade de condições da pessoa com deficiência:
IV- barreiras: qualquer entrave, obstáculo, atitude ou comportamento que limite ou impeça a participação social da pessoa, bem como o gozo, a fruição e o exercício de seus direitos à acessibilidade, à liberdade de movimento e de expressão, à comunicação, ao acesso à informação, à compreensão, à circulação com segurança, entre outros, classificadas em:
a) barreiras urbanísticas: as existentes nas vias e nos espaços públicos e privados abertos ao público ou de uso coletivo;
b) barreiras arquitetônicas: as existentes nos edifícios públicos e privados;
c) barreiras nos transportes: as existentes nos sistemas e meios de transportes;
d) barreiras nas comunicações e na informação: qualquer entrave, obstáculo, atitude ou comportamento que dificulte ou impossibilite a expressão ou o recebimento de mensagens e de informações por intermédio de sistemas de comunicação e de tecnologia da informação;
e) barreiras atitudinais: atitudes ou comportamentos que impeçam ou prejudiquem a participação social da pessoa com deficiência em igualdade de condições e oportunidades com as demais pessoas;
f) barreiras tecnológicas: as que dificultam ou impedem o acesso da pessoa com deficiência às tecnologias.
Portanto, é patente a diferença entre os dois conceitos. A incapacidade necessita da deficiência, e que esta impeça o regular exercício das atividades laborais, enquanto que a deficiência não pressupõe a incapacidade para estar presente.
Conclui-se que, no plano normativo, é defeso conceituar a deficiência que enseja o acesso ao BPC-LOAS como aquela que incapacite a pessoa para a vida independente e para o trabalho. Deficiente passa a ser "aquele que possui algum tipo de impedimento, que, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade, em igualdade de condições com as demais pessoas".
Cumpre lembrar, como premissa, que o conceito de deficiência deve ser conjugado com a situação de vulnerabilidade ou precariedade econômica, o que torna ainda mais acentuadas as dificuldades do deficiente em relação à hostilidade do ambiente social. Para um deficiente oriundo de família abastada, as suas limitações podem ser compensadas com certa facilidade (cuidados especiais, tecnologia, logística etc), mas para o pobre, os desafios serão sempre mais difíceis de serem transpostos, exacerbando as suas desigualdades sociais.
Evidentemente, a perícia e a compreensão judicial acerca da deficiência precisam levar em conta tais pressupostos. Uma análise que se limita ao conceito de deficiência enquanto exclusiva limitação do corpo (modelo biomédico), sem atentar para a relação indivíduo/sociedade (modelo biopsicossocial), coloca por terra o próprio desiderato constitucional de Proteção Social aos deficientes. Bem observou o Desembargador Federal Roger Raupp Rios (TRF4, 5ª Turma, Apelação Cível n° 5006532-93.2014.4.04.7006/PR, j. 11/10/2016):
No modelo integrado essa conclusão é resultante de uma avaliação onde as duas dimensões estão presentes, indissoluvelmente relacionadas. Isso porque o que seja "impossibilidade de desempenho" e até mesmo o que seja "doentio" não são definições médicas separadas do mundo social. É na vida em sociedade que se define o que é e quando há "impossibilidade de desempenho com conseqüente incapacidade de ganho" e o que é "doentio" ou "saudável".
Não se pode esquecer que a sociedade moderna está organizada com base em práticas, costume, valores, preconceitos e estruturas sociais que pressupõem o convívio de pessoas (corpos) sem impedimentos, sem limitações, o que, via de regra, conspira para a hostilização do ambiente social, no sentido de exacerbar a opressão social sofrida por pessoas deficientes.
Por outro lado, revela-se equivocada a avaliação da deficiência que considera apenas implicações para a pessoa do deficiente, olvidando que a vida social e particular dele depende, quase que invariavelmente, da ajuda e dos cuidados de terceiros. Por isso, lembra Diniz (2010, p. 14), que "as políticas voltadas à deficiência não devem ser confundidas com políticas para deficientes apenas, e sim abarcar todas aquelas pessoas que fazem parte da esfera de cuidados do deficiente".
Vale aqui lembrar que deficiência não significa que a pessoa esteja submetida a uma vida vegetativa, totalmente dependente dos cuidados de terceiros, e que não tenha condições de locomover-se, de comunicar-se e de executar atividades básicas, como higienizar-se, vestir-se e alimentar-se com autonomia.
Por conseguinte, as perícias médicas realizadas para fins de concessão de benefício assistencial devem ser avaliadas diferentemente dos exames realizados nos casos de concessão de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez, consoante leciona Wederson Santos, no artigo O que é incapacidade para a proteção social brasileira? (in Deficiência e igualdade: o desafio da proteção social. In: MEDEIROS, Marcelo; DINIZ, Débora; BARBOSA, Lívia (org.). Deficiência e igualdade. Brasília: LetrasLivres - EdUnB, 2010, p. 178-190):
As perícias médicas do INSS avaliam os impedimentos corporais das pessoas solicitantes do BPC no sentido de ponderar não o quanto tais impedimentos reduzem as chances de as pessoas suprirem as necessidades básicas como garantia da dignidade humana, mas o quanto a capacidade produtiva dos corpos pode ser afetada. [...] No entanto, a desigualdade pela deficiência é resultado de variados fatores que determinam pela opressão social - muitas vezes, fatores de desigualdade e vulnerabilidade social que se sobrepõem. O desenho da política social não pode permitir que aspectos da deficiência tenham centralidade enquanto outros são silenciados pelas perícias. [...] Diferentemente do BPC, as perícias para a aposentadoria por invalidez buscam primordialmente no histórico das atividades laborais os indicadores para mensurar quais habilidades corporais foram afetadas pelo acidente ou doença. No caso do benefício assistencial, a transferência de renda está amparada o princípio constitucional de que a assistência social é para quem dela necessitar, o que pressupõe que as perícias para o benefício previdenciário e o assistencial não devem ter os mesmos critérios de julgamento. Uma das explicações possíveis para os peritos médicos utilizarem os mesmos parâmetros da aposentadoria para BPC é tentativa de dar objetividade ao critério da incapacidade para o trabalho. Diante da ausência de elementos capazes de mensurar a desigualdade que as pessoas sofrem em razão dos corpos com deficiência, as perícias médicas para assistência social sobrevalorizam aspectos mensuráveis, como o histórico trabalhista e as habilidades corporais.
[...] O discurso biomédico sobre os impedimentos corporais tende a valorizar quaisquer restrições funcionais, corporais ou cognitivas que as pessoas encontram individualmente para desenvolver atividades relacionadas à autonomia e independência. A ideia de que a incapacidade para desenvolver os atos da vida cotidiana indicaria os casos de deficiência em que a proteção social do BPC deve ocorrer desconsidera que é impossível definir a desigualdade pela deficiência sem levar em conta as variações de aspectos relacionados à temporalidade, às barreiras e às práticas sociais e culturais. Por outro lado, os peritos médicos ainda utilizarem a incapacidade para desenvolver os atos da vida diária como aspecto a ser avaliado sobre os impedimentos corporais para o BPC pode trazer implicação do ponto de vista dos princípios constitucionais que sustentam a política. Pois a dependência para os atos da vida diária é uma concepção introduzida por uma instrução normativa do INSS que não pode se sobrepor aos princípios constitucionais orientadores da política de assistência social, como ficou claro pela ação proposta pelo Ministério Público Federal e pela Defensoria Pública da União. [...] Os princípios de justiça que embasam a concepção do BPC como política de transferência de renda estão relacionados a eliminar a desiguldade e opressão social que as pessoas com deficiência experimentam na extrema pobreza. Portanto, a avaliação das pessoas deficientes para o BPC tem de levar em consideração, além de condições de saúde, as condições sociais e ambientais que influenciam na determinação da desigualdade pela deficiência. [...] O modo como os peritos médicos avaliam as incapacidades para o trabalho e para a vida independente das pessoas solicitantes do BPC demonstra o quanto ainda é desafiante para os saberes biomédicos a percepção da deficiência como desigualdade social. Uma vez que o benefício assistencial busca remover desigualdades ligadas à experiência da deficiência, as avaliações periciais deverão estar adequadas aos objetivos da política social, principalmente de assegurar o direito à proteção social.
(Deficiência e igualdade: o desafio da proteção social. In: MEDEIROS, Marcelo; DINIZ, Débora; BARBOSA, Lívia (org.). Deficiência e igualdade. Brasília: LetrasLivres - EdUnB, 2010, p. 178-190.).
Como se vê, a periciada submeteu-se a duas perícias médicas. A primeira, realizada em dezembro de 2019, pelo Dr. Gerson Luiz Weissheimer, especialista em Medicina Legal e Perícias Médicas, CRM/SC 5278, informando que a periciada apresenta as patologias descritas pelos CIDs F41.1 – ansiedade generalizada; H90.5 – perda de audição neurossensorial, não especificada; H91.9 – perda não especificada de audição; I10 – hipertensão essencial [primária] e I83 – varizes dos membros inferiores.
Referiu o perito, ainda, que a autora apresenta e acosta aos autos audiometrias, última datada em 16/01/2018, cujo parecer audiológico é de perda auditiva neurossensorial de grau moderado bilateral. Relata também ser hipertensa, depressiva e possuir alterações circulatórias de membros inferiores.
Contudo, segundo o expert, a autora é capaz para a vida independente, para o trabalho e para prover o próprio sustento (e. 27 - OUT1).
A segunda, efetuada em 09/03/2020, pelo Dr. Genaro Gimenes Fernandes, CRM/SC 4568, Psiquiatra, refere que a periciada, 64 anos, comparece a avaliação sozinha, descreve sintomas ansiosos depressivos há aproximadamente 6 anos.
O diagnóstico, de acordo com o perito, é de CID10 F32 - EPISÓDIOS DEPRESSIVOS.
Na sua conclusão, o médico deixou consignado:
Ademais, a documentação médica acostada aos autos corrobora o quadro clínico vivenciado pela autora e referido pelos dois peritos:
a) (e. 1 - ATESTMED4, p. 1):
b) (e. 1 - ATESTMED4, p. 3):
c) (e. 1 - ATESTMED6):
Embora não tenha sido identificada a sua incapacidade para o trabalho pelo perito do juízo, a parte autora é portadora de uma patologia grave (depressão é o mal do século para alguns especialistas). A depressão é um dos transtornos mentais mais recorrentes na população geral. Ocorre em todas as faixas etárias, sendo responsável por altos custos de tratamento, diretos e indiretos, e produzindo grandes prejuízos para o indivíduo e para a sociedade devido à sua natureza crônica, alta morbidade e mortalidade.
De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), a depressão é uma das doenças mais frequentes na população mundial. Um problema sério de saúde pública que gera elevados índices de absenteísmo, inclusive nos serviços públicos judiciais. Em inúmeros casos, embora não em todos, a depressão está relacionada com as condições de trabalho.
Parece evidente que uma pessoa com esse diagnóstico, embora possam os sintomas ser vaIráveis de caso a caso, não pode retornar ao trabalho. Portanto, diante da conclusão contraditória do jusperito que deixara de examinar o contexto profissional em que a parte autora exerce atividade profissional, é forçoso reconhecer a existência de incapacidade, consoante pardigmático julgado realizado no âmbito do Colegiado Ampliado:
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE. VINCULAÇÃO AO LAUDO. INOCORRÊNCIA. PROVA INDICIÁRIA. DOENÇA PSIQUIÁTRICA. DEPRESSÃO. TRANSTORNO DE HUMOR. TRABALHADOR DA ÁREA DA SAÚDE. IMPOSSIBILIDADE DE RETORNO AO TRABALHO. APOSENTADORIA POR INCAPACIDADE DEFINITIVA CONCEDIDA APÓS SUCESSIVOS PERÍODOS DE AUXÍLIO-DOENÇA. COLEGIADO AMPLIADO. ART. 942, CPC. [...] 4. O laudo pericial diagnosticou transtorno de humor. O chamado Transtorno distímico, típico da depressão, segundo a literatura médica, é um sintoma que leva ao humor deprimido na maior parte do dia, na maioria dos dias, por um período de pelo menos dois anos, acompanhado de dois ou mais dos seguintes sintomas: apetite diminuído ou aumentado, insônia ou hipersonia, diminuição da energia e fadiga, baixa da auto–estima, diminuição da concentração e da capacidade de tomada de decisões. Parece evidente que uma pessoa com esse diagnóstico, embora possam os sintomas ser varáveis de caso a caso, não está apta a retornar ao trabalho (atendente de enfermagem), dado que se trata de atividade profissional consabidamente desgastante do ponto de vista emocional, sobretudo em período de pandemia que vem levando o sistema de saúde do país ao colapso em algumas localidades. 5. Hipótese em que, diante da conclusão contraditória dos peritos especializados em psiquiatria ("não há indicativo de incapacidade laborativa atual, não obstante a existência de patologias psiquiátricas em tratamento (consulta psiquiátrica a cada 2 meses e medicamentos"), que deixaram de examinar o contexto profissional em que a segurada exerce atividade profissional, é forçoso reconhecer a existência de incapacidade definitiva, tendo em vista o longo tempo de tratamento sem qualquer melhora e o histórico de benefícios por incapacidade concedidos administrativamente, que não é bom nem para a autora, nem para o INSS, nem para a sociedade, tornando-se uma via crucis para a segurada essa persistente circularidade. 6. Apelação da parte autora provida. (TRF4, AC nº 5019762-45.2017.4.04.9999, Turma Regional Suplementar de Santa Catarina, de minha relatoria, por maioria, j. 30-06-2020).
Portanto, sendo a autora portadora de perda auditiva neurossensorial bilateral, além de padecer de depressão com agravante social, pouquíssima instrução, e vivendo em situação de vulnerabilidade social, entendo que ela faz jus à concessão do benefício assistencial desde a DER em 13/02/2017 (e. 1 - INDEFERIMENTO3).
Conclusão quanto ao direito da parte autora no caso concreto
Dessarte, o exame do conjunto probatório demonstra que a parte autora possui condição de deficiência, necessitando de cuidados permanentes para sobreviver com dignidade. Portanto, deve ser reconhecido o direito ao benefício assistencial, desde a DER em 13/02/2017 (e. 1 - INDEFERIMENTO3), impondo-se a reforma da sentença.
Dos consectários
Segundo o entendimento das Turmas previdenciárias do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, estes são os critérios aplicáveis aos consectários:
Correção monetária
Em relação aos benefícios assistenciais, devem ser observados os seguintes critérios de correção monetária, porquanto não afetados pela decisão do STJ no Tema 905:
- INPC (de 04/2006 a 29/06/2009, conforme o art. 31 da Lei n.º 10.741/03, combinado com a Lei n.º 11.430/06, precedida da MP n.º 316, de 11/08/2006, que acrescentou o art. 41-A à Lei n.º 8.213/91).
- IPCA-E (a partir de 30-06-2009, conforme decisão do STF na 2ª tese do Tema 810 (RE 870.947), j. 20/09/2017, ata de julgamento publicada no DJe n. 216, de 22-09-2017, com eficácia imediata nos processos pendentes, nos termos do artigo 1.035, § 11, do NCPC e acórdão publicado em 20-11-2017, cuja modulação foi rejeitada pela maioria do Plenário do STF por ocasião do julgamento dos embargos de declaração em 03-10-2017).
Juros moratórios
Os juros de mora incidirão à razão de 1% (um por cento) ao mês, a contar da citação (Súmula 204 do STJ), até 29/06/2009.
A partir de 30/06/2009, incidirão segundo os índices oficiais de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança, conforme art. 5º da Lei 11.960/09, que deu nova redação ao art. 1º-F da Lei 9.494/97, cuja constitucionalidade foi reconhecida pelo STF ao julgar a 1ª tese do Tema 810 da repercussão geral (RE 870.947), julgado em 20/09/2017, com ata de julgamento publicada no DJe n. 216, de 22/09/2017.
Honorários advocatícios recursais
Incide, no caso, a sistemática de fixação de honorários advocatícios prevista no art. 85 do NCPC, porquanto a sentença foi proferida após 18/03/2016 (data da vigência do NCPC definida pelo Pleno do STJ em 02/04/2016).
Aplica-se, portanto, em razão da atuação do advogado da parte em sede de apelação, o comando do §11 do referido artigo, que determina a majoração dos honorários fixados anteriormente, pelo trabalho adicional realizado em grau recursal, observando, conforme o caso, o disposto nos §§ 2º a 6º e os limites estabelecidos nos §§ 2º e 3º do art. 85.
Confirmada a sentença no mérito, majoro a verba honorária, elevando-a de 10% para 15% (quinze por cento) sobre as parcelas vencidas (Súmula 76 do TRF4), considerando as variáveis dos incisos I a IV do § 2º do artigo 85 do NCPC.
Custas Processuais
O INSS é isento do pagamento de custas (art. 4º, inciso I, da Lei nº 9.289/96 e Lei Complementar Estadual nº 156/97, com a redação dada pelo art. 3º da LCE nº 729/2018).
Implantação do benefício
Reconhecido o direito da parte, impõe-se a determinação para a imediata implantação do benefício, nos termos do art. 497 do NCPC [Art. 497. Na ação que tenha por objeto a prestação de fazer ou de não fazer, o juiz, se procedente o pedido, concederá a tutela específica ou determinará providências que assegurem a obtenção de tutela pelo resultado prático equivalente.] e da jurisprudência consolidada da Colenda Terceira Seção desta Corte (QO-AC nº 2002.71.00.050349-7, Rel. p/ acórdão Des. Federal Celso Kipper). Dessa forma, deve o INSS implantar o benefício em até 45 dias, a contar da publicação do presente acórdão, conforme os parâmetros acima definidos, incumbindo ao representante judicial da autarquia que for intimado dar ciência à autoridade administrativa competente e tomar as demais providências necessárias ao cumprimento da tutela específica.
Conclusão
Reforma-se a sentença para reconhecer o direito ao benefício assistencial desde a DER em 13/02/2017 (e. 1 - INDEFERIMENTO3).
Dispositivo
Ante o exposto, voto por negar provimento ao recurso do INSS e dar provimento ao apelo da parte autora.
Documento eletrônico assinado por PAULO AFONSO BRUM VAZ, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40002798476v19 e do código CRC d8ebb28d.Informações adicionais da assinatura:
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Apelação Cível Nº 5013287-34.2021.4.04.9999/SC
RELATOR: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
APELANTE: ROSA MORAIS
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: OS MESMOS
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. REQUISITOS.
1. O direito ao benefício assistencial pressupõe o preenchimento dos seguintes requisitos: a) condição de deficiente (incapacidade para o trabalho e para a vida independente, de acordo com a redação original do art. 20 da LOAS, ou impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir a participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, conforme redação atual do referido dispositivo) ou idoso (neste caso, considerando-se, desde 1º de janeiro de 2004, a idade de 65 anos); e b) situação de risco social (estado de miserabilidade, hipossuficiência econômica ou situação de desamparo) da parte autora e de sua família.
2. Sendo a autora portadora de perda auditiva neurossensorial bilateral, além de padecer de depressão com agravante social, pouquíssima instrução, e vivendo em situação de vulnerabilidade social, faz jus à concessão do benefício assistencial desde a DER.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia Turma Regional Suplementar de Santa Catarina do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento ao recurso do INSS e dar provimento ao apelo da parte autora, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Florianópolis, 08 de outubro de 2021.
Documento eletrônico assinado por PAULO AFONSO BRUM VAZ, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40002798477v4 e do código CRC db59c56a.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 01/10/2021 A 08/10/2021
Apelação Cível Nº 5013287-34.2021.4.04.9999/SC
RELATOR: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
PRESIDENTE: Desembargador Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ
PROCURADOR(A): WALDIR ALVES
APELANTE: ROSA MORAIS
ADVOGADO: DARLAN CHARLES CASON (OAB SC027526)
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: OS MESMOS
MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 01/10/2021, às 00:00, a 08/10/2021, às 16:00, na sequência 418, disponibilizada no DE de 22/09/2021.
Certifico que a Turma Regional suplementar de Santa Catarina, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DE SANTA CATARINA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO DO INSS E DAR PROVIMENTO AO APELO DA PARTE AUTORA.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
Votante: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
Votante: Juíza Federal ELIANA PAGGIARIN MARINHO
Votante: Desembargador Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ
ANA CAROLINA GAMBA BERNARDES
Secretária
Conferência de autenticidade emitida em 18/10/2021 04:01:38.