Apelação Cível Nº 5039789-65.2021.4.04.7200/SC
PROCESSO ORIGINÁRIO: Nº 5039789-65.2021.4.04.7200/SC
RELATOR: Desembargador Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
APELADO: JOEL LEOMAR BACKES (Absolutamente Incapaz (Art. 3º CC)) (AUTOR)
ADVOGADO: JORGE BUSS (OAB SC025183)
ADVOGADO: OTAVIO JOSE BUSS (OAB SC052884)
ADVOGADO: PIERRE HACKBARTH (OAB SC024717)
ADVOGADO: SALESIO BUSS (OAB SC015033)
APELADO: LEOMAR LINDOLFO BACKES (Pais) (AUTOR)
ADVOGADO: JORGE BUSS (OAB SC025183)
ADVOGADO: OTAVIO JOSE BUSS (OAB SC052884)
ADVOGADO: PIERRE HACKBARTH (OAB SC024717)
ADVOGADO: SALESIO BUSS (OAB SC015033)
MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (MPF)
RELATÓRIO
Trata-se de apelação interposta pelo Instituto Nacional do Seguro Social - INSS em face de sentença que dispôs (evento 40 do processo de origem):
[...] JULGO PROCEDENTE O PEDIDO formulado na presente ação e extingo o processo com resolução do mérito, com fundamento no art. 269, I, do CPC, para condenar o INSS a:
a) restabelecer o benefício assistencial NB 87/1091435526, desde 01-08-2021;
b) pagar os valores inadimplidos, que serão apurados na fase de cumprimento de sentença.
[...]
c) pagar os honorários da assistente social [...]
d) abster-se da prática de qualquer procedimento que objetive a repetição dos valores recebidos pelo autor, mencionados no Ofício nº 202101049199, de 25-07-2021 (evento 01, PROCADM9, p. 29).
[...]
O apelante alegou não ser devido o restabelecimento do benefício.
Argumentou que "não está preenchido o requisito legal da miserabilidade, tendo em vista que a renda familiar per capita é superior a ¼ do salário mínimo" (evento 56 do processo de origem).
Não foram apresentadas contrarrazões.
O Ministério Público Federal, em seu parecer, manifestou-se pelo desprovimento da apelação (evento 7 desta instância).
É o relatório.
VOTO
Benefício assistencial
Nos termos do artigo 20 da Lei nº 8.742/1993 (Lei Orgânica da Assistência Social - LOAS), "o benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família".
Relativamente à análise do requisito socioeconômico, há que se considerar que o Supremo Tribunal Federal (RE 567985/MT) declarou a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do § 3º do artigo 20 da Lei nº 8.742/1993, relativizando o critério objetivo definido naquele dispositivo, devendo a insuficiência financeira das famílias ser aferida individualmente, conforme as peculiaridades de cada caso.
Caso dos autos
O benefício assistencial foi deferido na esfera administrativa (NB 87/109.143.552-6; DIB: 15/09/1998; evento 1, PROCADM9, fl. 8, do processo de origem).
Em revisão administrativa, o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS concluiu haver "superação de renda" (evento 1, PROCADM9, fls. 3 e 15, do processo de origem).
A cessação do benefício ocorreu em 01/08/2021 (evento 13, OUT3, fl. 1, do processo de origem).
Para a instrução dos autos judiciais, foi realizada perícia socioeconômica.
A sentença dispôs:
[...]
O ponto controvertido nesta demanda, inicialmente, diz respeito à miserabilidade do autor.
[...]
No caso em exame, pelo que se depreende das provas apresentadas nos autos, especialmente da laudo da visita da assistente social (evento 25, LAUDOPERIC1), o grupo familiar, na cessação do benefício e atualmente, é composto pelo autor, pela mãe Mariza, pelo pai Leomar e pelo irmão Esmael.
[...]
Acerca da renda familiar, consta no laudo socioeconômico (evento 25, LAUDOPERIC1):
A época da DCB o Autor não possuía renda e a situação permanece inalterada. A renda familiar é proveniente da aposentadoria da mãe do Autor no valor de 1 (um) salário mínimo, da aposentadoria do pai do Autor no valor de 1(um) salário mínimo e o irmão Esmael recebe o BPC.
De acordo com os dados contidos no sistema PLENUS, tem-se a seguinte situação:
- a mãe do autor é titular de benefício de aposentadoria por incapacidade permanente NB 32/6200752633, desde 05-01-2017, no valor de 01 salário-mínimo (evento 39, INFBEN3);
- o pai também é titular de aposentadoria por incapacidade permanente NB 32/1932041955, desde 13-12-2018, no valor de 01 salário-mínimo (evento 39, INFBEN4);
- o irmão foi titular de benefício assistencial, na condição de deficiente, NB 87/1157560730, no período de 26-04-2000 a 01-04-2022 (evento 39, INFBEN1).
Nesse contexto, com o advento da Lei nº 10.741-03, Estatuto do Idoso, o requisito da renda familiar per capita para concessão do benefício assistencial, regulado pela Lei nº 8.742-93, foi alterado pelo art. 34, in verbis:
Art. 34. Aos idosos, a partir de 65 (sessenta e cinco) anos, que não possuam meios para prover sua subsistência, nem de tê-la provida por sua família, é assegurado o benefício mensal de 1 (um) salário-mínimo, nos termos da Lei Orgânica da Assistência Social - Loas.
Parágrafo único. O benefício já concedido a qualquer membro da família nos termos do caput não será computado para os fins do cálculo da renda familiar per capita a que se refere a Loas.
Pelas disposições da referida norma, a partir de janeiro de 2004, quando passou a viger o Estatuto do Idoso, o benefício assistencial concedido a qualquer membro da família não é mais considerado para fins de apuração da renda familiar.
Assim, numa interpretação extensiva do art. 34, parágrafo único, acima transcrito, eventual percepção de algum benefício previdenciário mínimo por membro da família idoso ou inválido deve, também, ser desconsiderado para fins de apuração da renda familiar. Este entendimento, inclusive, encontra-se agora sumulado no âmbito dos Juizados Previdenciários deste Estado, conforme o enunciado da súmula 20 da Turma Recursal de Santa Catarina.
Portanto, os benefícios de aposentadoria por incapacidade permanente recebidos pelos pais do autor, bem como o benefício assistencial que o irmão recebia, devem ser desconsiderados do cálculo da renda per capita do grupo familiar (bem como suas cotas na composição familiar).
Em conseguinte, não subsiste renda alguma ao autor.
Registre-se que o laudo da assistente social não registra situação fática incongruente com a alegada carência de recurso para manutenção familiar.
[...]
Portanto, entendo que o autor faz jus ao restabelecimento do benefício NB 87/1091435526, desde a cessação, em 01-08-2021.
No que diz respeito aos valores recebidos, desde a concessão do benefício, por tratar-se de verba alimentar, paga pelo INSS sem qualquer participação do autor (considerando que os dados de concessão dos benefícios dos pais do autor são gerados e administrados pelo próprio réu), tenho-os como recebidos de boa fé, de forma que não cabe a repetição.
Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE O PEDIDO formulado na presente ação e extingo o processo com resolução do mérito, com fundamento no art. 269, I, do CPC, para condenar o INSS a:
a) restabelecer o benefício assistencial NB 87/1091435526, desde 01-08-2021;
b) pagar os valores inadimplidos, que serão apurados na fase de cumprimento de sentença.
[...]
c) pagar os honorários da assistente social [...]
d) abster-se da prática de qualquer procedimento que objetive a repetição dos valores recebidos pelo autor, mencionados no Ofício nº 202101049199, de 25-07-2021 (evento 01, PROCADM9, p. 29).
Verifico, ainda, o cumprimento dos requisitos para a concessão de tutela de urgência, seja a probabilidade do direito invocado, por tudo o que se apresentou nos fundamentos desta sentença, seja o perigo de dano, este decorrente do caráter alimentar da prestação associado às condições do autor.
[...]
Análise
De acordo com atestado médico, o autor "apresenta, de origem congênita, surdo-mudez", "CID H91.3" (evento 1, ATESTMED8, do processo de origem).
Não há controvérsia a respeito da existência de deficiência.
O apelante alegou que "não está preenchido o requisito legal da miserabilidade".
Afirmou que "o grupo familiar é composto por 4 pessoas e o rendimento total é de R$ 3.636,00".
Pois bem.
Conforme a sentença referiu, verifica-se que:
- "a mãe do autor é titular de benefício de aposentadoria por incapacidade permanente NB 32/6200752633, desde 05-01-2017, no valor de 01 salário-mínimo (evento 39, INFBEN3)";
- "o pai também é titular de aposentadoria por incapacidade permanente NB 32/1932041955, desde 13-12-2018, no valor de 01 salário-mínimo (evento 39, INFBEN4)";
- "o irmão foi titular de benefício assistencial, na condição de deficiente, NB 87/1157560730, no período de 26-04-2000 a 01-04-2022 (evento 39, INFBEN1)".
De acordo com precedentes do Superior Tribunal de Justiça e deste Tribunal, devem ser excluídos do cálculo da renda familiar, para concessão de benefício assistencial:
a) o benefício de renda mínima, previdenciário ou assistencial, recebido por idoso com 65 anos ou mais;
b) o valor de 1 salário mínimo de benefício previdenciário de montante superior recebido por idoso com 65 anos ou mais;
c) o benefício assistencial recebido por pessoa com deficiência, independentemente da idade;
d) o valor de 1 salário mínimo de benefícios decorrentes de incapacidade, independentemente da idade do segurado.
Nestes termos, salienta-se que os benefícios recebidos pelos pais do autor devem atender as necessidades geradas pela incapacidade que ensejou sua concessão, não se podendo considerar que atendam a todas as demais exigências do grupo familiar.
Da mesma forma, o benefício assistencial recebido por Esmael (irmão do autor) até 01/04/2022 destinava-se a atender suas necessidades especiais, decorrentes de deficiência. De acordo com o estudo social, "Esmael faz uso de fraldas geriátricas (faz a troca 10 vezes por dia)", com gasto mensal de R$ 450,00.
Assim, conforme a sentença ressaltou, não há valor a ser computado como renda disponível para garantir a subsistência do autor.
Vale referir que o apelante alegou que "trata-se de uma família de agricultores, e a genitora do autor reconhece que exercem atividade na agricultura".
De acordo com o estudo social, "a família [...] somente planta para próprio consumo".
Não se trata, portanto, de fonte de renda. Ademais, tal fato indica que o cultivo agrícola é necessário para evitar despesas adicionais com aquisição de alimentos.
O apelante afirmou, ainda, que "a parte autora reside em imóvel em boas condições de conservação, segurança e conforto. A residência proporciona condições de vida digna à família, não se vislumbrando [...] situação de vulnerabilidade social".
Todavia, o fato de a casa se encontrar em bom estado de conservação, proporcionando condições satisfatórias de moradia, não demonstra que o grupo familiar tenha poder aquisitivo elevado, e não prejudica a constatação da existência de situação de risco social.
Por fim, observa-se que o estudo social apurou que o autor apresenta necessidades especiais (depende de auxílio para o desempenho de algumas atividades da vida diária e "não mantém interação social", por "dificuldade de comunicação").
Diante de tais circunstâncias, constata-se que a continuidade do recebimento do benefício assistencial é necessária para evitar que o autor se encontre em situação de risco social, e para que sejam proporcionadas a ele condições dignas de subsistência e enfrentamento das barreiras decorrentes da deficiência.
Assim, conforme a sentença dispôs, é devido o restabelecimento do benefício assistencial desde a cessação de seu pagamento (em 01/08/2021).
Considerando que não houve período de recebimento indevido do benefício, não há falar em devolução de valores.
Honorários recursais
Considerando a sucumbência recursal do apelante, majoro, em 10% (dez por cento), o valor dos honorários advocatícios arbitrados na sentença (Código de Processo Civil, artigo 85, § 11).
Restabelecimento do benefício
O apelante, em cumprimento à determinação da sentença, comprovou o restabelecimento do benefício (evento 53 do processo de origem).
Dispositivo
Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação.
Documento eletrônico assinado por SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40003480307v71 e do código CRC 946c663b.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ
Data e Hora: 25/10/2022, às 13:7:8
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Apelação Cível Nº 5039789-65.2021.4.04.7200/SC
PROCESSO ORIGINÁRIO: Nº 5039789-65.2021.4.04.7200/SC
RELATOR: Desembargador Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
APELADO: JOEL LEOMAR BACKES (Absolutamente Incapaz (Art. 3º CC)) (AUTOR)
ADVOGADO: JORGE BUSS (OAB SC025183)
ADVOGADO: OTAVIO JOSE BUSS (OAB SC052884)
ADVOGADO: PIERRE HACKBARTH (OAB SC024717)
ADVOGADO: SALESIO BUSS (OAB SC015033)
APELADO: LEOMAR LINDOLFO BACKES (Pais) (AUTOR)
ADVOGADO: JORGE BUSS (OAB SC025183)
ADVOGADO: OTAVIO JOSE BUSS (OAB SC052884)
ADVOGADO: PIERRE HACKBARTH (OAB SC024717)
ADVOGADO: SALESIO BUSS (OAB SC015033)
MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (MPF)
EMENTA
BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. REQUISITOS PREENCHIDOS. RESTABELECIMENTO.
1. Nos termos do artigo 20 da Lei nº 8.742/1993 (Lei Orgânica da Assistência Social - LOAS), "o benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família".
2. A continuidade do recebimento do benefício assistencial é necessária para evitar que o autor se encontre em situação de risco social, e para que sejam proporcionadas a ele condições dignas de subsistência e enfrentamento das barreiras decorrentes da deficiência.
3. É devido o restabelecimento do benefício assistencial.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 9ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Florianópolis, 21 de outubro de 2022.
Documento eletrônico assinado por SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40003480308v5 e do código CRC 72229c46.Informações adicionais da assinatura:
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Data e Hora: 25/10/2022, às 13:7:8
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 14/10/2022 A 21/10/2022
Apelação Cível Nº 5039789-65.2021.4.04.7200/SC
RELATOR: Desembargador Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ
PRESIDENTE: Desembargador Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ
PROCURADOR(A): WALDIR ALVES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
APELADO: JOEL LEOMAR BACKES (Absolutamente Incapaz (Art. 3º CC)) (AUTOR)
ADVOGADO: JORGE BUSS (OAB SC025183)
ADVOGADO: OTAVIO JOSE BUSS (OAB SC052884)
ADVOGADO: PIERRE HACKBARTH (OAB SC024717)
ADVOGADO: SALESIO BUSS (OAB SC015033)
APELADO: LEOMAR LINDOLFO BACKES (Pais) (AUTOR)
ADVOGADO: JORGE BUSS (OAB SC025183)
ADVOGADO: OTAVIO JOSE BUSS (OAB SC052884)
ADVOGADO: PIERRE HACKBARTH (OAB SC024717)
ADVOGADO: SALESIO BUSS (OAB SC015033)
MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (MPF)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 14/10/2022, às 00:00, a 21/10/2022, às 16:00, na sequência 1291, disponibilizada no DE de 04/10/2022.
Certifico que a 9ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 9ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ
Votante: Desembargador Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ
Votante: Juiz Federal JOÃO BATISTA LAZZARI
Votante: Juiz Federal JAIRO GILBERTO SCHAFER
ALEXSANDRA FERNANDES DE MACEDO
Secretária
Conferência de autenticidade emitida em 01/11/2022 04:01:18.