Apelação Cível Nº 5005140-05.2020.4.04.7202/SC
RELATORA: Desembargadora Federal ANA CRISTINA FERRO BLASI
APELANTE: WILIAN MENDONCA SOUZA (Absolutamente Incapaz (Art. 3º CC)) (AUTOR)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
RELATÓRIO
WILLIAN MENDONÇA SOUZA ajuizou ação de procedimento comum em 29/06/2020, objetivando o restabelecimento do benefício assistencial desde a DCB, em 06/2012.
Sobreveio sentença de parcial procedência, contendo o seguinte dispositivo (
):a) DEFIRO, com fundamento no art. 300 do CPC, a tutela provisória, a fim de determinar que o INSS, no prazo de 20 (vinte) dias a contar de sua intimação em relação a esta sentença, cumpra obrigação de fazer, consistente em imediata implantação do benefício de amparo social ao portador de deficiência;
b) afasto as preliminares alegadas e JULGO EXTINTO o processo, sem resolução do mérito, unicamente quanto ao pleito de indenização por danos morais, com fulcro no art. 485, IV do CPC;
c) JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido remanescente para, extinguindo o processo com julgamento do mérito, na forma do art. 487, I, do CPC, condenar o INSS a:
(c.1) conceder à parte autora o benefício assistencial, a partir da desta data, no valor de um salário-mínimo mensal e DIP em fevereiro de 2020;
(c.2) ressarcir os honorários periciais, mediante ordem de pagamento a ser feita em favor do TRF da 4ª Região (art. 12, § 1º, da Lei nº 10.259/01);
Não existem valores pretéritos a serem pagos.
Em virtude de ter decaído da maior parte dos pedidos, condeno a autora ao pagamento das custas e honorários advocatícios de sucumbência, estes fixados em 10% sobre o valor atualizado da causa, na forma do art. 85, § 2º, do CPC. Tais valores deverão ser corrigidos pelo IPCA até a data do trânsito em julgado e, a partir de então, exclusivamente pela taxa SELIC (CC, art. 406), uma vez que não incidem juros sobre a verba honorária antes do trânsito em julgado (CPC, art. 85, § 16). Suspendo, contudo, a execução da condenação em razão do deferimento da gratuidade da justiça (evento 15).
Caso interposta apelação, intime-se o apelado para apresentar contrarrazões no prazo de 15 (quinze) dias. No caso de apelação adesiva, intime-se o apelante para apresentar contrarrazões. Após, remetam-se os autos ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região, independentemente de juízo de admissibilidade (CPC, art. 1.010, §§ 1º a 3º).
Sentença publicada e registrada eletronicamente. Intimem-se.
Intime-se o Ministério Público Federal.
Apela a parte autora, aduzindo que "se não fosse pelo equívoco da Autarquia ré, o Autor, dentre os anos de 2012 a 2020, em momento algum teria perdido a benesse, porque durante todos os anos de sua vida, não houve nenhuma modificação na sua condição financeira. Sendo assim, por sempre estar preenchidos os critérios miserabilidade e risco social, o benefício não poderia nem sequer ter sido cessado". Pugna pela concessão do benefício assistencial no intervalo de 06/2012 a 09/02/2021 (
).Com contrarrazões do INSS (
), subiram os autos a esta Corte.Intimado, o Ministério Público Federal afirmou não ser caso de intervir no processo (evento 4, PARECER 1).
É o relatório.
VOTO
1. Juízo de admissibilidade
O(s) apelo(s) preenche(m) os requisitos legais de admissibilidade.
2. Mérito
Benefício Assistencial
A Constituição Federal instituiu, no art. 203, caput, e em seu inciso V, "a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei".
Tal garantia foi regulamentada pelo art. 20, da Lei n.º 8.742/93 (LOAS), alterada pela Lei n.º 9.720/98. Posteriormente, a redação do mencionado art. 20 foi novamente alterada pelas Leis n.ºs 12.435/2011 e 12.470/2011, passando a apresentar a seguinte redação:
Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011)
§ 1o Para os efeitos do disposto no caput, a família é composta pelo requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011)
§ 2o Para efeito de concessão deste benefício, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. (Redação dada pela Lei nº 12.470, de 2011)
§ 3o Considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011)
Portanto, o direito ao benefício assistencial pressupõe o preenchimento de dois requisitos: a) condição de pessoa com deficiência ou idoso (65 anos ou mais); e b) situação de risco social (estado de miserabilidade, hipossuficiência econômica ou situação de desamparo) da parte autora e de sua família.
O requisito constitucional para obtenção do benefício de prestação continuada pela pessoa com deficiência ou pelo idoso é a comprovação da ausência de meios para prover a própria manutenção ou tê-la provida pela família.
Inicialmente, a pessoa com deficiência foi definida como aquela incapacitada para a vida independente e para o trabalho (art. 20, §2º, da Lei n.º 8.742/93, redação original).
Na redação dada pelas Leis n.º 12.435/11 e 12.470/11, a pessoa com deficiência passou a ser definida como a que possui impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, superando-se, portanto, o critério de incapacidade para o trabalho, impedimentos esses que, em interação com diveras barreiras, a possam obstruir de participar plena e efetivamente na sociedade, em igualdade de condições. Impedimento de longo prazo é aquele que produz efeitos pelo prazo mínimo de 02 anos (art. 20, §10, da Lei n 8.742/93, na redação dada pela Lei nº 12.470/11).
A partir de 2018, com a entrada em vigor do art. 2º, §1º, da Lei n.º 13.146/15 (Estatuto da Pessoa com Deficiência), a avaliação quanto à deficiência, quando necessária, deve ser biopsicossocial e realizada por equipe multiprofissional e interdisciplinar, assim como considerar os impedimentos nas funções e nas estruturas do corpo; os fatores socioambientais, psicológicos e pessoais, a limitação no desempenho de atividades e a restrição de participação.
Assim, a dita incapacidade da pessoa com deficiência para a sua própria manutenção não se restringe à incapacidade laborativa, senão a impedimento de longo prazo e desafia uma compreensão mais ampla, chamada de biopsicossocial, nos termos das Leis n.º 12.435/11, 12.470/11 e 13.145/15.
Ainda, para a criança e o adolescente menor de dezesseis anos com deficiência, deve ser avaliado o impacto na limitação do desempenho des atividades e restrição de sua participação social, compatível com as respectivas idades (Decreto n.º 6.214/07, art. 4º, §1º, na redação dada pelo Decreto nº 7.617/2011).
No que concerne à condição socioeconômica da família, destaco precedentes jurisprudenciais que procederam à análise do cálculo da renda familiar per capita, do qual deve ser excluído o valor auferido por idoso com 65 anos ou mais a título de benefício assistencial ou benefício previdenciário de renda mínima. Neste sentido:
AGRAVO REGIMENTAL. PREVIDENCIÁRIO. SOBRESTAMENTO DO FEITO EM RAZÃO DE ADMISSIBILIDADE DE RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. DESNECESSIDADE. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. ART. 34, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI Nº 10.741/2003. APLICAÇÃO ANALÓGICA.
EXCLUSÃO DE BENEFÍCIO DE VALOR MÍNIMO PERCEBIDO POR IDOSO OU DEFICIENTE.
1. Esta Corte Superior já firmou entendimento no sentido da inaplicabilidade do disposto no art. 543-C do CPC nesta instância, em relação ao julgamento dos recursos que tratam sobre a mesma matéria afetada à observância do rito previsto no citado dispositivo.
2. No cálculo da renda familiar per capita, deve ser excluído o valor auferido por pessoa idosa a título de benefício assistencial ou benefício previdenciário de renda mínima, este último por aplicação analógica do parágrafo único do art. 34 da Lei nº 10.741/03.
3. Agravo regimental a que se nega provimento.
(AgRg no REsp 1117833/RS, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, QUINTA TURMA, julgado em 24/09/2013, DJe 02/10/2013)
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. IDOSO. EXCLUSÃO BENEFÍCIO. VIABILIDADE. CONSECTÁRIOS. 1. Comprovados os requisitos da idade avançada e hipossuficiência econômica do grupo familiar, cabível a concessão do benefício assistencial. 2. A jurisprudência desta Corte Regional, bem como do Superior Tribunal de Justiça, é pacífica no sentido de que qualquer benefício de valor mínimo recebido por idoso de 65 anos ou mais (salvo quando recebido por força de deficiência, quando então o requisito etário é afastado) deve ser excluído da apuração da renda familiar. 3. O Supremo Tribunal Federal reconheceu no RE 870947, com repercussão geral, a inconstitucionalidade do uso da TR. 4. O Superior Tribunal de Justiça, no REsp 1495146, em precedente também vinculante, e tendo presente a inconstitucionalidade da TR como fator de atualização monetária, distinguiu os créditos de natureza previdenciária, em relação aos quais, com base na legislação anterior, determinou a aplicação do INPC, daqueles de caráter administrativo, para os quais deverá ser utilizado o IPCA-E. 5. Estando pendentes embargos de declaração no STF para decisão sobre eventual modulação dos efeitos da inconstitucionalidade do uso da TR, impõe-se fixar desde logo os índices substitutivos, resguardando-se, porém, a possibilidade de terem seu termo inicial definido na origem, em fase de cumprimento de sentença. 6. Os juros de mora, a contar da citação, devem incidir à taxa de 1% ao mês, até 29-06-2009. A partir de então, incidem uma única vez, até o efetivo pagamento do débito, segundo o percentual aplicado à caderneta de poupança. (TRF4 5027464-76.2016.4.04.9999, SEXTA TURMA, Relator ARTUR CÉSAR DE SOUZA, juntado aos autos em 27/06/2019)
PREVIDENCIÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. PESSOA IDOSA. REANÁLISE DO PEDIDO ADMINISTRATIVO. EXCLUSÃO. BENEFÍCIO DE RENDA MÍNIMA. CÔNJUGE IDOSO. POSSIBILIDADE. NOTIFICAÇÃO. AUTORIDADE COATORA. NECESSIDADE. ANULAÇÃO DA SENTENÇA. 1. O mandado de segurança destina-se à proteção de direito líquido e certo, nos termos do art. 1º da Lei 12.016/2009, sendo exigível a prova pré-constituída, uma vez que não admite dilação probatória. 2. O direito ao benefício assistencial, previsto no art. 203, V, da Constituição Federal, e nos arts. 20 e 21 da Lei 8.742/93 (LOAS) pressupõe o preenchimento de dois requisitos: a) condição de pessoa com deficiência ou idosa e b) situação de risco social, ou seja, de miserabilidade ou de desamparo. 4. O pedido para que reanalisado o requerimento administrativo, excluindo-se do cálculo da renda familiar a aposentadoria de um salário mínimo recebida pelo cônjuge idoso, por ser matéria de direito, pode ser conhecido. Contudo, tendo em vista que a autoridade coatora não foi notificada, não havendo a formação da relação da processual, é de ser anulada a sentença, para que retorne o feito à origem e proceda-se ao regular processamento do mandado de segurança. (TRF4, AC 5000466-94.2019.4.04.7112, QUINTA TURMA, Relatora GISELE LEMKE, juntado aos autos em 28/06/2019)
Também deverá ser desconsiderado o valor auferido a título de benefício previdenciário por incapacidade ou assistencial em razão de deficiência, independentemente de idade, como vem sendo decidido por essa Corte:
PREVIDENCIÁRIO. EMBARGOS INFRINGENTES. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. ARTS. 203, V, DA CRFB/88 E 20 DA LEI N.º 8.742/93. MISERABILIDADE. COMPROVAÇÃO.
1. A constitucionalidade do § 3.º do art. 20 da Lei n.º 8.742/93 (STF, ADIN 1.232, Plenário, Rel. p/acórdão Min. Nelson Jobim, DJU 01-6-2001 e RCL 2303-AgR, Plenário, Rel. Min. Ellen Gracie, DJU 01-4-2005) não desautoriza o entendimento de que a comprovação do requisito da renda mínima familiar per capita não superior a ¼ (um quarto) do salário mínimo, necessária à concessão do benefício assistencial, não exclui outros fatores que tenham o condão de aferir a condição de miserabilidade da parte autora e de sua família.
2. Para fins de aferir a renda familiar nos casos de pretensão à concessão de benefício assistencial, os valores de benefícios decorrentes de incapacidade (auxílio-doença e aposentadoria por invalidez) devem ser considerados distintamente se comparados aos valores referentes aos outros benefícios previdenciários, porquanto aqueles, via de regra, devem fazer frente às necessidades geradas pela incapacidade que ensejou a concessão do benefício, não se podendo dar-lhes a dimensão, à vista do princípio da razoabilidade, de também atender a todas as demais exigências do grupo familiar.
3. Caso em que o único rendimento do grupo familiar (autora, mãe e pai), resume-se ao benefício de aposentadoria por invalidez percebido pelo genitor, de valor mínimo (R$ 300,00), que, se excluído, configura a situação de renda inexistente, expondo a situação de risco social, necessária à concessão do benefício.
(EIAC N.º 2004.04.01.017568-9/PR, Terceira Seção, Relator o Juiz Federal João Batista Lazzari, unânime, DE 20/07/2009)
BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. CONCESSÃO. PESSOA COM DEFICIÊNCIA. CONDIÇÃO SOCIOECONÔMICA. MISERABILIDADE. PREENCHIMENTO DE REQUISITOS. BENEFÍCIO DE RENDA MÍNIMA. EXCLUSÃO. CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS DE MORA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. CUSTAS PROCESSUAIS. 1. O direito ao benefício assistencial, previsto no art. 203, V, da Constituição Federal, e nos arts. 20 e 21 da Lei 8.742/93 (LOAS) pressupõe o preenchimento de dois requisitos: a) condição de pessoa com deficiência ou idosa e b) situação de risco social, ou seja, de miserabilidade ou de desamparo. 2. Reconhecida a inconstitucionalidade do critério econômico objetivo em regime de repercussão geral, bem como a possibilidade de admissão de outros meios de prova para verificação da hipossuficiência familiar, cabe ao julgador, na análise do caso concreto, aferir o estado de miserabilidade da parte autora e de sua família. 3. Deve ser excluído do cômputo da renda familiar o benefício previdenciário de renda mínima (valor de um salário mínimo) percebido por idoso e o benefício assistencial recebido por outro membro da família de qualquer idade. Aplicação analógica do art. 34, parágrafo único, da Lei 10.741/2003 (Estatuto do Idoso). 4. Preenchidos os requisitos, é de ser concedido o benefício assistencial desde a DER, em 10/2012, até a data da concessão administrativa, em 03/2016. 5. Diferimento, para a fase de execução, da fixação dos índices de correção monetária aplicáveis a partir de 30/06/2009. 6. Juros de mora simples de um por cento (1%) ao mês, a contar da citação (Súmula 204 do STJ), até 29/06/2009, e, a partir de tal data, conforme o art. 5º da Lei 11.960/2009, que deu nova redação ao art.1º-F da Lei 9.494/1997. 7. Honorários de sucumbência fixados no percentual mínimo das faixas de incidência previstas no § 3º do art. 85 do NCPC, percentual a ser definido por ocasião da liquidação do julgado, nos termos do art. 85, § 4º, II, ambos do NCPC. 8. O INSS é isento do pagamento das custas no Foro Federal (inc. I do art. 4º da Lei 9.289/1996) e na Justiça Estadual do Rio Grande do Sul, devendo, contudo, pagar eventuais despesas processuais, como as relacionadas a correio, publicação de editais e condução de oficiais de justiça (artigos 2º, parágrafo único, e 5º, I da Lei Estadual 14.634/2014). (TRF4, AC 5000626-03.2016.4.04.7120, QUINTA TURMA, Relatora GISELE LEMKE, juntado aos autos em 28/06/2019)
Ressalto que o membro da família que se enquadrar nos casos de exclusão de sua renda também não será considerado na composição familiar, para fins de elaboração do cálculo da renda per capita do grupo.
Não podem ser incluídos no cálculo da renda familiar, ademais, os rendimentos auferidos por irmãos ou filhos maiores de 21 anos e não inválidos, bem assim por avós, tios, sobrinhos, primos e outros parentes não relacionados no art. 16 da Lei de Benefícios, conforme disposto no art. 20, § 1º, da Lei n.º 8.742/93, na redação dada pela Lei n.º 9.720, de 30/11/1998, ao entender como família, para efeito de concessão do benefício assistencial, o conjunto de pessoas, que vivam sob o mesmo teto, elencadas no art. 16 da Lei de Benefícios - entre as quais não se encontram aquelas antes referidas.
O Supremo Tribunal Federal tem assentado, por decisões monocráticas de seus Ministros, que decisões que excluem do cálculo da renda familiar per capita os rendimentos auferidos por pessoas não relacionadas no art. 16 da Lei de Benefícios não divergem da orientação traçada no julgamento da ADI 1.232-1, como se constata, v. g., de decisões proferidas pelos Ministros GILMAR MENDES (AI 557297/SC - DJU de 13-02-2006) e CARLOS VELLOSO (Reclamação 3891/RS - DJU de 09-12-2005).
Porém, a partir da entrada em vigor da Lei n.º 12.435, de 06-07-2011, que alterou a redação do art. 20, § 1º, da Lei n.º 8.742/93, o conceito de família, para efeito de concessão do benefício assistencial, passou a ser o conjunto de pessoas, que vivam sob o mesmo teto, ali elencadas ("Para os efeitos do disposto no caput, a família é composta pelo requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.").
O Superior Tribunal de Justiça corrobora tal orientação, como demonstram os seguintes arestos:
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. RENDA MENSAL PER CAPITA. CONCEITO DE FAMÍLIA. ART. 20, § 1º, DA LEI N. 8.742/93, ALTERADO PELA LEI N. 12.435/2011. PRECEDENTES. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
I - Na origem, cuida-se de ação ajuizada em desfavor do Instituto Nacional do Seguro Social - INSS objetivando a concessão do benefício da assistência social à pessoa com deficiência. Foram interpostos recursos especiais pelo beneficiário e pelo Ministério Público Federal. II - O Tribunal de origem negou o benefício assistencial pleiteado por entender que a renda mensal, proveniente da aposentadoria por invalidez do cunhado e do salário do sobrinho da parte autora, é suficiente para prover o seu sustento, afastando, assim, a condição de miserabilidade.
III - O conceito de renda mensal da família contido na Lei n. 8.472/1991 deve ser aferido levando-se em consideração a renda das pessoas do grupo familiar indicado no § 1º do citado art. 20 que compartilhem a moradia com aquele que esteja sob vulnerabilidade social (idoso, com 65 anos ou mais, ou pessoa com deficiência), qual seja: "[...] o requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto".
IV - Portanto, entende-se que "são excluídas desse conceito as rendas das pessoas que não habitem sob o mesmo teto daquele que requer o benefício social de prestação continuada e das pessoas que com ele coabitem, mas que não sejam responsáveis por sua manutenção socioeconômica" (REsp n. 1.538.828/SP, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, julgado em 17/10/2017, DJe 27/10/2017.) Ainda nesse sentido: REsp n. 1.247.571/PR, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, DJe 13/12/2012.
V - Assim, deve ser afastado o entendimento da Corte de origem que fez somar a renda do cunhado e do sobrinho. Ainda que vivam sob o mesmo teto do requerente do benefício, seus rendimentos não devem ser considerados para fins de apuração da hipossuficiência econômica a autorizar a concessão de benefício assistencial, pois não se enquadram conceito de família previsto no § 1º do art. 20 da Lei n.
8.742/93.
VI - Recursos especiais providos.
(REsp 1727922/SP, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, SEGUNDA TURMA, julgado em 19/03/2019, DJe 26/03/2019)
PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. ARTS. 2º, I E V, E PARÁGRAFO ÚNICO, E 16 DA LEI N. 8.213/1991. SÚMULA 282/STF. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL NÃO DEMONSTRADO. ART. 20 DA LEI N. 8.213/1991.
CONCEITO DE RENDA FAMILIAR. PESSOAS QUE VIVAM SOB O MESMO TETO DO VULNERÁVEL SOCIAL E QUE SEJAM LEGALMENTE RESPONSÁVEIS PELA SUA MANUTENÇÃO. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESSA EXTENSÃO, PROVIDO PARA RESTABELECER A SENTENÇA.
1. Os recursos interpostos com fulcro no CPC/1973 sujeitam-se aos requisitos de admissibilidade nele previstos, conforme diretriz contida no Enunciado Administrativo n. 2 do Plenário do STJ.
2. O conceito de renda mensal da família contido na Lei n. 8.472/1991 deve ser aferido levando-se em consideração a renda das pessoas do grupo familiar indicado no § 1º do artigo 20 que compartilhem a moradia com aquele que esteja sob vulnerabilidade social (idoso, com 65 anos ou mais, ou pessoa com deficiência).
3. São excluídas desse conceito as rendas das pessoas que não habitem sob o mesmo teto daquele que requer o benefício social de prestação continuada e das pessoas que com ele coabitem, mas que não sejam responsáveis por sua manutenção socioeconômica.
4. No caso, o fato de a autora, ora recorrente, passar o dia em companhia de outra família não amplia o seu núcleo familiar para fins de aferição do seu estado de incapacidade socioeconômica.
5. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, provido.
(REsp 1538828/SP, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 17/10/2017, DJe 27/10/2017)
No que se refere à renda mínima, o STJ assentou que essa renda não é o único critério a balizar a concessão do benefício, devendo ser examinado juntamente com outros meios de aferição do estado de miserabilidade, hipossuficiência econômica ou situação de desamparo do autor e de sua família. Em síntese, a renda per capita inferior a 1/4 de salário mínimo implica presunção de miserabilidade a ensejar o deferimento do benefício, mas não impede o julgador de, mediante as demais provas dos autos, concluir pela caracterização da condição de miserabilidade da parte e de sua família.
Caso Concreto
A parte autora, nascida em 07/10/1997, contava 15 anos na data da DCB (06/2012). Não se controverte acerca da condição de pessoa com deficiência, da qual não se insurgiu o INSS na via administrativa.
A sentença assim avaliou o pleito (
):Do estudo socioeconômico (evento 27) extrai-se que o autor reside com a mãe, Janete Mendonça, com 52 anos, em modesta casa de alvenaria cedida pela Secretaria Municipal de Habitação. O grupo tem gastos com alimentação (R$ 300,00), luz (R$ 27,41), água (R$ 31,00), gás de cozinha (R$ 85,00 a cada 2 ou 3 meses), vestuário (R$ 92,00) e farmácia (R$ 60,00), sendo que a renda familiar é oriunda de doações e da pensão paga pelo seu genitor, no valor de R$ 300,00.
A realidade vivenciada pelo autor e sua família, retratada no laudo do evento 27, leva à conclusão de preenchimento dos requisitos exigidos pela Lei nº 8.742/93, sendo-lhe devido o benefício de amparo social.
De outra senda, a parte autora não demonstrou qual era a sua situação fática desde a cessação da benesse em junho de 2012. Pelo contrário o que se extrai do processo administrativo é que naquela ocasião a realidade e composição do núcleo familiar era outra.
Compulsando o PROCADM8, evento 8, constata-se que: a) por ocasião do requerimento do NB/522.122.412-3, em outubro de 2007, o autor declarou conviver com a mãe, então desempregada e uma irmã Gisele, com 12 anos, todos sem renda; b) concedida a benesse a partir de 02/10/2007, restou apurado em processo administrativo da Receita Federal (n. 13982.001354/2010-97) o descumprimento dos requisitos da LOAS quando o genitor do autor requereu a isenção do IPI na aquisição de veículo para pessoa portadora de deficiência física; c) a partir desta informação o INSS constatou que o pai, ocultado da declaração de composição da família, com ela residia, declarando rendimentos mensais; d) após a suspensão do benefício, a parte autora, representada pelo genitor Amarildo Santos Souza, apresentou recurso declinando que a renda familiar declarada à Receita Federal superava 1/4 de salário mínimo porque havia um filho que trabalhava fora e morou com a família apenas por 4 meses, passando então a residir com a namorada, ocasião que os rendimentos do grupo voltaram a ser apenas aqueles provenientes do seu salário, no valor de R$ 1.024,00, até 03/09/2012, quando ele teve seu contrato rescindido; e) negado o recurso administrativo, o INSS propôs ação de cobrança dos valores que reputou pagos de forma indevida.
Denota-se, ainda, pela sentença juntada no evento 1 (ANEXOSPET5) que a ação de cobrança proposta pela Autarquia (autos 5010070-42.2015.4.04.7202), foi julgada improcedente por não haver demonstração da má-fé da parte autora no recebimento dos valores indevidos. Deste documento ainda se coleta que naquele feito a parte autora declarou que o genitor havia deixado o núcleo familiar por cinco anos, voltando a com ele residir ainda no ano de 2011 e, portanto, antes da cessação do benefício.
Reforçando a permanência do pai no grupo familiar do autor, observa-se que o Sr. Amarildo foi seu curador até 22/03/2018, quando foi substituído pela Sra. Janete (OUT3, evento 8), donde se presume que até então com ele residisse, sabendo-se que o mesmo esteve empregado e auferiu renda superior ao salário mínimo no período transcorrido da cessação da benesse até então, conforme dá conta do CNIS anexado ao evento 51.
Isso sem trazer à discussão a existência de um quinto componente do grupo familiar, cuja renda fora declarada junto à Receita Federal e não ventilado nestes autos, bem assim a disponibilidade financeira para aquisição de veículo automotor novo.
Ademais disso, sequer é possível presumir que as condições de moradia do autor fossem as mesmas verificadas pela assistente social designada por este Juízo, vez que não coincide o endereço atual com aquele declinado na esfera administrativa em 2007, não se sabendo ao certo onde nem com quem residiu entre os anos de 2012 a 2020.
Importante ressaltar, por derradeiro, que o fato de a sentença proferida nos autos 5010070-42.2015.4.04.7202 ter afastado a má-fé da parte autora no recebimento do valores pagos no intervalo de 10/2007 a 06/2012 e, por consequência, julgado improcedente o pleito de cobrança dos valores tidos por indevidos, não induz, como pretendido pela parte autora, à conclusão de que a sua miserabilidade é inconteste no período que sucedeu à cessação da benesse, cumprindo-lhe a demonstração da mesma, o que não fez.
Diante deste cenário, não visualizo irregularidade administrativa no ato cessação do NB/522.122.412-3, em 30/06/2012, reputando devida a concessão do benefício assistencial exclusivamente a partir da prolação desta sentença.
Tenho que esta não merece reparos.
De fato, extrai-se do processo administrativo (
), que em que pese por ocasião do requerimento administrativo, em 09/2007, a genitora do Autor tenha declarado que o núcleo familiar era composto por este, ela e uma filha menor, com endereço declarado no Núcleo Hortifrutigranjeiro, tem-se que, em 2011, houve requisição de isenção de IPI pelo genitor do Autor, junto à Receita Federal, com endereço declarado junto ao núcleo familiar em questão.Assim, considerando a renda do pai, bem como de um irmão (também referido no processo de isenção de IPI) não restaria preenchido o requisito da situação de risco social, pelo que a cessação do benefício pelo INSS foi devida.
Assim, não há que se falar em restabelecimento do benefício desde a DCB.
Quanto ao período posterior à cessação, tem-se que houve novo requerimento administrativo de LOAS somente em 31/10/2016, o qual restou indeferido. Porém, não consta dos autos o processo administrativo referente a este requerimento, e o conjunto probatório não autoriza concluir pela preenchimento do requisito do risco social nesta ocasião.
Logo, a apelação não merece acolhida.
Ônus da sucumbência
Sendo desacolhida a pretensão, a parte autora deverá arcar com o pagamento dos ônus sucumbenciais.
Uma vez que a sentença foi proferida após 18/3/2016 (data da vigência do CPC/2015), aplica-se a majoração prevista no artigo 85, §11, desse diploma, observando-se os ditames dos §§ 2º a 6º quanto aos critérios e limites estabelecidos. Assim, majoro a verba honorária em 50% sobre o percentual mínimo da primeira faixa (art. 85, §3º, inciso I, do CPC), tendo em conta a pretensão máxima deduzida na petição inicial.
No entanto, resta suspensa a exigibilidade da referida verba, por força da gratuidade de justiça, cumprindo ao credor, no prazo assinalado no § 3º do artigo 98 do CPC/2015, comprovar eventual alteração da situação de insuficiência de recursos que justificou a concessão da benesse.
Prequestionamento
Ficam prequestionados, para fins de acesso às instâncias recursais superiores, os dispositivos legais e constitucionais elencados pela parte autora cuja incidência restou superada pelas próprias razões de decidir.
Conclusão
Apelação Improvida.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação da parte autora.
Documento eletrônico assinado por ANA CRISTINA FERRO BLASI, Desembargadora Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40004473754v7 e do código CRC 18e51e49.Informações adicionais da assinatura:
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Apelação Cível Nº 5005140-05.2020.4.04.7202/SC
RELATORA: Desembargadora Federal ANA CRISTINA FERRO BLASI
APELANTE: WILIAN MENDONCA SOUZA (Absolutamente Incapaz (Art. 3º CC)) (AUTOR)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
EMENTA
previdenciário.BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. restabelecimento do benefício. RISCO SOCIAL. REQUISITOS NÃO ATENDIDOS.
Apresentando o núcleo familiar condições econômicas favoráveis para suprir as necessidades básicas da família, não se constata a situação de vulnerabilidade social, sendo indevido o restabelecimento do benefício assistencial desde a DCB.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 11ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento à apelação da parte autora, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Florianópolis, 10 de julho de 2024.
Documento eletrônico assinado por ANA CRISTINA FERRO BLASI, Desembargadora Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40004474096v3 e do código CRC c068f7b1.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 03/07/2024 A 10/07/2024
Apelação Cível Nº 5005140-05.2020.4.04.7202/SC
RELATORA: Desembargadora Federal ANA CRISTINA FERRO BLASI
PRESIDENTE: Desembargadora Federal ANA CRISTINA FERRO BLASI
PROCURADOR(A): PAULO GILBERTO COGO LEIVAS
APELANTE: WILIAN MENDONCA SOUZA (Absolutamente Incapaz (Art. 3º CC)) (AUTOR)
ADVOGADO(A): LARISSA DOS SANTOS BODANEZE (OAB SC056796)
ADVOGADO(A): TANIA PERON (OAB SC047795)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (MPF)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 03/07/2024, às 00:00, a 10/07/2024, às 16:00, na sequência 574, disponibilizada no DE de 24/06/2024.
Certifico que a 11ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 11ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DA PARTE AUTORA.
RELATORA DO ACÓRDÃO: Desembargadora Federal ANA CRISTINA FERRO BLASI
Votante: Desembargadora Federal ANA CRISTINA FERRO BLASI
Votante: Desembargadora Federal ELIANA PAGGIARIN MARINHO
Votante: Desembargador Federal VICTOR LUIZ DOS SANTOS LAUS
LIGIA FUHRMANN GONCALVES DE OLIVEIRA
Secretária
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