Apelação Cível Nº 5016383-91.2020.4.04.9999/RS
RELATOR: Juiz Federal HERMES SIEDLER DA CONCEIÇÃO JÚNIOR
APELANTE: DORIVAL MACHADO PEREIRA
ADVOGADO: THIAGO MARQUES DUTRA (OAB RS116947)
APELANTE: MAICON FREITAS PEREIRA
ADVOGADO: THIAGO MARQUES DUTRA (OAB RS116947)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
RELATÓRIO
Trata-se de ação distribuída em 04/11/2019 na qual a parte autora Maicon Freitas Pereira requer o restabelecimento do benefício assistencial NB 129.422.392-2.
Da decisão que analisou a tutela, a autarquia interpôs agravo de instrumento (evento, 22), o qual foi provido em 2º grau (evento 24)
Na sequência, em 19/06/2020, os pedidos foram julgados, nestes termos:
Diante do exposto, JULGO IMPROCEDENTE o pedido formulado na presente ação previdenciária proposta por MAICON FREITAS PEREIRA, representado por seu curador DORIVAL MACHADO PEREIRA em desfavor do INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL – INSS, resolvendo-se o mérito, com fulcro no art. 487, inciso I, do CPC. Condeno a parte autora ao pagamento de custas processuais e honorários advocatícios, que fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da causa (art. 85, §3º,I do CPC). Em razão da AJG já concedida, fica suspensa a exigibilidade da verba sucumbencial, nos termos do art. 98, §3º, do CPC.
Inconformada, a parte autora recorreu alegando, em apertada síntese, que restaram comprovados os requisitos necessários ao restabelecimento do benefício. Afirmou a impossibilidade em prover por seus próprios meios a subsistência ou tê-la provido pela família. Sustentou que o benefício auferido por um dos membros da família não pode ser computado para o limite da renda familiar. Requer a reforma da sentença pela procedência do pedido.
Oportunizada as contrarrazões, vieram os autos para esta Corte para julgamento.
O Ministério Público Federal opinou pelo desprovimento da apelação.
É o relatório.
VOTO
Juízo de admissibilidade
A apelação preenche os requisitos legais de admissibilidade.
Premissas
O benefício assistencial encontra-se previsto no art. 203, inciso V, da Constituição Federal e regulamentado pelo artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pelas Leis nº 12.435, de 06/07/2011, e nº 12.470, de 31/08/2011.
Portanto, o direito ao benefício assistencial pressupõe o preenchimento dos seguintes requisitos:
1.a) Idoso (assim considerado aquele com 65 anos ou mais, a partir de 1º de janeiro de 2004, data da entrada em vigor do Estatuto do Idoso) ou 1.b) condição de deficiente (incapacidade para o trabalho e para a vida independente, conforme redação original do artigo 20, da LOAS, e, após as alterações da Lei nº 12.470, de 31-10-2011, tratar-se de pessoa com impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas);
2)Situação de risco social (ausência de meios para, dignamente, prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família).
Requisito etário
Tratando-se de benefício requerido na vigência do Estatuto do Idoso, é considerada idosa a pessoa com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família. O requisito é objetivo, ou seja, comprovado o atributo etário, a análise do requisito incapacitante é desnecessária, bastando apenas verificar a situação de vulnerabilidade socioeconômica a que submetido o idoso.
Condição de deficiente
Mister salientar, por oportuno, que a incapacidade para a vida independente a que se refere a Lei 8.742/93, na redação original, deve ser interpretada de forma a garantir o benefício assistencial a uma maior gama possível de pessoas com deficiência, consoante pacífica jurisprudência do STJ (v.g. STJ, 5ª Turma, RESP 360.202/AL, Rel. Min. Gilson Dipp, DJU de 01-07-2002) e desta Corte (v.g. AC n. 2002.71.04.000395-5/RS, 6ª Turma, Rel. Des. Federal João Batista Pinto Silveira, DJU de 19-04-2006).
Desse modo, a incapacidade para a vida independente:
a) não exige que a pessoa possua uma vida vegetativa ou seja incapaz de se locomover; b) não significa incapacidade para as atividades básicas do ser humano, tais como alimentar-se, fazer a higiene pessoal e vestir-se sozinho; c) não impõe a incapacidade de se expressar ou se comunicar; e d) não pressupõe dependência total de terceiros.
Situação de risco social
No que se refere à questão de risco social, tendo em vista a inconstitucionalidade dos artigos 20, § 3º, da Lei 8.742/1993 e do artigo 34, § único, da Lei 10.741/2003, reconhecida no julgamento dos REs 567985 e 580963 em 18.04.2013, a situação de vulnerabilidade social é aferida não apenas com base na renda familiar, que não deve ser considerada a única forma de se comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família. cabe ao julgador, na análise do caso concreto, identificar o estado de miserabilidade da parte autora e de sua família. Deverá ser analisado o contexto socioeconômico em que a autora se encontra inserida.
Nesse sentido, os cuidados necessários com a parte autora, em decorrência de sua deficiência, incapacidade ou avançada idade, que acarretarem gastos - notadamente com medicamentos, alimentação especial, fraldas descartáveis, tratamento médico, psicológico e fisioterápico, entre outros -, configuram despesas a ser consideradas na análise da condição de risco social da família do demandante (TRF4, APELREEX 5002022-24.2011.404.7012, Sexta Turma, Relator p/ Acórdão Celso Kipper, juntado aos autos em 27/06/2013).
A jurisprudência desta Corte Regional, bem como do Superior Tribunal de Justiça, é pacífica no sentido de que qualquer benefício de valor mínimo recebido por idoso de 65 anos ou mais (salvo quando recebido por força de deficiência, quando então o requisito etário é afastado) deve ser excluído da apuração da renda familiar, bem como essa renda mínima não é o único critério a balizar a concessão do benefício, devendo ser examinado juntamente com outros meios de aferição do estado de miserabilidade, hipossuficiência econômica ou situação de desamparo do autor e de sua família (Pet n.º 7203/PE - 3ª Seção - Unânime - Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura - DJe 11-10-2011; TRF4 - AC n.º 0019220-88.2012.404.9999 - 6ª T. - unânime - Rel. Des. Celso Kipper - D.E. 22-03-2013; REsp n.º 1112557/MG - 3ª Seção - unânime - Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho - DJe 20-11-2009).
Também, o fato de a parte autora ser beneficiária e perceber renda proveniente do Programa Bolsa Família, não só não impede a percepção do benefício assistencial do art. 203, V, da Constituição Federal, como constitui forte indicativo de que a unidade familiar encontra-se em situação de risco social (TRF4, APELREEX 2009.71.99.006237-1, Sexta Turma, Relator p/ Acórdão Celso Kipper, D.E. 07/10/2014).
Logo, em linhas gerais, para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, a situação de risco social a que se encontra exposta a pessoa idosa ou portadora de deficiência e sua família deve ser analisada em cada caso concreto (TRF4, EINF 0016689-58.2014.404.9999, Terceira Seção, Relator Ricardo Teixeira do Valle Pereira, D.E. 29/05/2015).
Fixados os parâmetros de valoração da prova, passo ao exame da situação específica dos autos.
De início verifico que o requisito incapacidade não é objeto de controvérsia, porquanto portador de esquizofrenia hebefrênica (CID – 10 F 20), e, é interdito através de decisão judicial(evento 01 – Doc. 04)
O autor, Maicon Freitas Ferreira, DN 02/12/1982 titulou o benefício de Amparo Social Pessoa Portadora de Deficiência NB 129.422.392-2, cessado pela autarquia previdenciária em 31/07/2019 (evento 20, CNIS2, p 1) sob argumento de que a renda per capta do grupo familiar é superior a ¼ do salário-mínimo.
Com isso, imperioso a análise da condição socioeconômica da requerente e sua família.
Verifico que genitor do autor Sr Dorival Machado Pereira DN 22/09/1948 é titular de Aposentadoria por tempo de contribuição NB 129.292.558-0 DIB 23/11/2004 com valor no ano de 2020 de R$ 1.565,89, correspondendo a 1, 49 salários mínimos (evento 20, HISTCRE3, p 1); enquanto a genitora Ivone Maria Freitas Pereira DN 21/11/1950, efetua recolhimento à Previdência como facultativa no valor de um salário mínimo (evento 20, CNIS5, p1)
O juiz de origem intimou as partes à pretensão em produzir provas, que afirmaram o desinteresse (evento 49), passando a julgar de imediato pela improcedência, sob fundamento de não ter sido atendido o requisito vulnerabilidade econômica.
Sem embargo, ao não realizar o estudo socioeconômico, não obstante o desinteresse das partes à produção de provas, a decisão desconsidera que a vulnerabilidade social é aferida não apenas com base na renda familiar, que não deve ser considerada a única forma de se comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família.
Deverá ser analisado o contexto socioeconômico em que o(a) autor(a) se encontra inserido(a).
Ademais, conforme entendimento dominante no âmbito desta Corte, a existência de renda superior à prevista no critério legal [na hipótese é minima] não importa em presunção absoluta de ausência de miserabilidade, podendo tal presunção ser elidida por prova em contrário.
Não há como mitigar a realização de estudo socioeconômicos, pois à concessão do benefício assistencial necessário análise, não só em relação às condições de incapacidade para o trabalho, mas também o contexto socioeconômico em que a autora se encontra inserida, sobretudo no caso concreto em que a renda, repiso, é de 1, 49 salários mínimos.
Nessa senda, é certo que, nos termos do art. 480 do CPC/2015, o magistrado pode determinar a realização de perícia quando a matéria não estiver suficientemente esclarecida.
Ademais, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região - TRF4, em reiterados julgados, manifestou-se pela necessidade de renovação da prova pericial quando o laudo se mostra insuficiente para o deslinde do feito:
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. LAUDO PERICIAL INSUFICIENTE. ANULAÇÃO DA SENTENÇA. PERÍCIA MÉDICA POR ESPECIALISTAS. 1. Inexiste liberdade absoluta na elaboração da prova pericial por parte do expert, que deve se empenhar em elucidar ao juízo e às partes todos os elementos necessários à verificação do real estado de saúde do segurado que objetiva a concessão de benefício por incapacidade.2. In casu, o laudo pericial, elaborado por profissional não especialista na área das moléstias apresentadas pela parte autora, apresenta-se lacônico e não analisa, exaustivamente, a incapacidade laboral da parte autora.3. Anulação da sentença a partir da prova pericial para que, retornados os autos à origem, seja realizada prova técnica por ortopedista e psiquiatra. (TRF4, APELAÇÃO CÍVEL Nº 0014086-46.2013.404.9999, 5ª Turma, Juiz Federal LUIZ ANTÔNIO BONAT, D.E. 15/10/2015, PUBLICAÇÃO EM 16/10/2015)
PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-DOENÇA E APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. INCAPACIDADE LABORATIVA. DÚVIDA. anulação DA SENTENÇA. REABERTURA DA INSTRUÇÃO PROCESSUAL. Anulada a sentença a fim de ser aberta a instrução, para que seja realizada nova perícia com médico ortopedista avaliando as implicações decorrentes da patologia e as influências desta na capacidade laborativa da parte autora. (AC nº 0000542-54.2014.404.9999, 5ª TURMA, Rel. Des. Federal LUIZ CARLOS DE CASTRO LUGON, unânime, D.E. 10-03-2015).
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE. LAUDO LACÔNICO. NECESSIDADE DE REABERTURA DA INSTRUÇÃO. ANULAÇÃO DA SENTENÇA(...) 2.Sendo a prova pericial lacônica, é necessária a complementação da prova, impondo-se a anulação da sentença, a fim de que seja reaberta a instrução processual, com a realização de nova perícia, juntados exames e autorizada a formulação de quesitos pelas partes. (TRF4, AC 0005591-47.2012.404.9999, Quinta Turma, Relator Ricardo Teixeira do Valle Pereira, D.E. 21/06/2012)
Assim, inexistindo elementos de prova aptos à formação da convicção do juízo, deve ser anulada a sentença, de ofício, por falta de fundamentação, pois entendo necessário laudo socioeconômico, detalhado, informando, comprovadamente: com fotos, onde efetivamente vive a parte autora, gastos mensais com água, luz, alimentação, medicamentos; com quem vive, o que faz atualmente, se recebe auxílio de parentes, ou algum benefício, bem como informações que o assistente social entender cabível, para verificação do risco social.
Ressalto que deve ser oportunizada a juntada, querendo, de outros documentos relativos à parte autora, e que possam contribuir à realização do estudo.
Conclusão
Entendo por anular, de ofício, a sentença, à reabertura da instrução processual, com a realização de estudo socioeconômico do grupo familiar da parte autora, prejudicada a análise do recurso.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por, de ofício, anular a sentença, para realização de estudo socioeconômico, prejudicada análise do recurso.
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Apelação Cível Nº 5016383-91.2020.4.04.9999/RS
RELATOR: Juiz Federal HERMES SIEDLER DA CONCEIÇÃO JÚNIOR
APELANTE: DORIVAL MACHADO PEREIRA
ADVOGADO: THIAGO MARQUES DUTRA (OAB RS116947)
APELANTE: MAICON FREITAS PEREIRA
ADVOGADO: THIAGO MARQUES DUTRA (OAB RS116947)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. VIABILIDADE. NECESSIDADE DE REALIZAÇÃO DA PROVA. REABERTURA DA INSTRUÇÃO. ANULAR A SENTENÇA.
1. Comprovados os requisitos de incapacidade para o trabalho e hipossuficiência econômica do grupo familiar, cabível a concessão do benefício assistencial.
2. Na hipótese não foi realizado estudo socioeconômico do grupo familiar da parte autora. Mostram-se necessárias investigações acerca das condições socioeconômicas, impondo-se a reabertura da instrução processual para a realização de estudo socioeconômico.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 11ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, de ofício, anular a sentença, para realização de estudo socioeconômico, prejudicada análise do recurso, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Florianópolis, 07 de dezembro de 2022.
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO ORDINÁRIA DE 07/12/2022
Apelação Cível Nº 5016383-91.2020.4.04.9999/RS
RELATOR: Juiz Federal HERMES SIEDLER DA CONCEIÇÃO JÚNIOR
PRESIDENTE: Desembargador Federal CELSO KIPPER
PROCURADOR(A): MAURICIO GOTARDO GERUM
APELANTE: DORIVAL MACHADO PEREIRA
ADVOGADO(A): THIAGO MARQUES DUTRA (OAB RS116947)
APELANTE: MAICON FREITAS PEREIRA
ADVOGADO(A): THIAGO MARQUES DUTRA (OAB RS116947)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Ordinária do dia 07/12/2022, na sequência 66, disponibilizada no DE de 23/11/2022.
Certifico que a 11ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 11ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DE OFÍCIO, ANULAR A SENTENÇA, PARA REALIZAÇÃO DE ESTUDO SOCIOECONÔMICO, PREJUDICADA ANÁLISE DO RECURSO.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Juiz Federal HERMES SIEDLER DA CONCEIÇÃO JÚNIOR
Votante: Juiz Federal HERMES SIEDLER DA CONCEIÇÃO JÚNIOR
Votante: Juíza Federal ELIANA PAGGIARIN MARINHO
Votante: Juiz Federal FRANCISCO DONIZETE GOMES
LIGIA FUHRMANN GONCALVES DE OLIVEIRA
Secretária
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