Apelação Cível Nº 5031368-07.2016.4.04.9999/PR
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
APELANTE: ZENILDA RODRIGUES DA SILVA
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RELATÓRIO
Zenilda Rodrigues da Silva interpôs apelação em face de sentença (prolatada em 05/04/2016) que julgou improcedente o pedido para concessão de benefício por incapacidade, condenando-a ao pagamento das custas e honorários advocatícios, arbitrados em 10% sobre o valor atualizado da causa, cuja exigibilidade foi suspensa por ser beneficiária da justiça gratuita (ev. 65 - SENT1).
Sustentou que é portadora de hepatopatia grave, e, por tal motivo, tem direito à aposentadoria por invalidez. Registrou que deve ser examinada novamente por médico especialista em hepatologia, já que é portadora de hepatite C, situação que a impede de seguir nas atividades rurais (CTPS), destacando que inclusive o perito do INSS atestou a incapacidade. Prequestionou a matéria (ev. 70 - APELAÇÃO1).
Sem contrarrazões, subiram os autos, oportunidade na qual o relator à época determinou o retorno à origem para renovação da prova médica mediante exame pericial com especialista em hepatologia (ev. 91 - OUT1). Cumprida a diligência, retornaram para julgamento.
VOTO
Benefício por incapacidade
Cumpre, de início, rememorar o tratamento legal conferido aos benefícios de auxílio-doença e de aposentadoria por invalidez.
O art. 59 da Lei n.º 8.213/91 (Lei de Benefícios da Previdência Social - LBPS) estabelece que o auxílio-doença será devido ao segurado que, havendo cumprido, quando for o caso, o período de carência exigido em lei, ficar incapacitado para o seu trabalho ou para a sua atividade habitual por mais de 15 (quinze) dias consecutivos. Por sua vez, o art. 42 da Lei nº 8.213/91 estatui que a aposentadoria por invalidez será concedida ao segurado que, tendo cumprido a carência, for considerado incapaz e insuscetível de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência. O art. 25 desse diploma legal esclarece, a seu turno, que a carência exigida para a concessão de ambos os benefícios é de 12 (doze) meses, salvo nos casos em que é expressamente dispensada (art. 26, II).
Em resumo, portanto, a concessão dos benefícios depende de três requisitos: (a) a qualidade de segurado do requerente à época do início da incapacidade (artigo 15 da LBPS); (b) o cumprimento da carência de 12 contribuições mensais, exceto nas hipóteses em que expressamente dispensada por lei; (c) o advento, posterior ao ingresso no RGPS, de moléstia incapacitante para o desenvolvimento de atividade laboral que garanta a subsistência do segurado.
Note-se que a concessão do auxílio-doença não exige que o segurado esteja incapacitado para toda e qualquer atividade laboral; basta que esteja incapacitado para a sua atividade habitual. É dizer: a incapacidade pode ser total ou parcial. Além disso, pode ser temporária ou permanente. Nisso, precisamente, é que se diferencia da aposentadoria por invalidez, que deve ser concedida apenas quando constatada a incapacidade total e permanente do segurado. Sobre o tema, confira-se a lição doutrinária de Daniel Machado da Rocha e de José Paulo Baltazar Júnior:
A diferença, comparativamente à aposentadoria por invalidez, repousa na circunstância de que para a obtenção de auxílio-doença basta a incapacidade para o trabalho ou atividade habitual do segurado, enquanto para a aposentadoria por invalidez exige-se a incapacidade total, para qualquer atividade que garanta a subsistência. Tanto é assim que, exercendo o segurado mais de uma atividade e ficando incapacitado para apenas uma delas, o auxílio-doença será concedido em relação à atividade para a qual o segurado estiver incapacitado, considerando-se para efeito de carência somente as contribuições relativas a essa atividade (RPS, art. 71, § 1º) (in ROCHA, Daniel Machado da. BALTAZAR JÚNIOR, José Paulo. Comentários à Lei de Benefícios da Previdência Social. 15. ed. rev., atual. e ampl. - São Paulo: Atlas, 2017).
De qualquer sorte, o caráter da incapacidade (total ou parcial) deve ser avaliado não apenas por um critério médico, mas conforme um juízo global que considere as condições pessoais da parte autora - em especial, a idade, a escolaridade e a qualificação profissional - a fim de se aferir, concretamente, a sua possibilidade de reinserção no mercado de trabalho.
Cumpre demarcar, ainda, a fungibilidade entre as ações previdenciárias, tendo em vista o caráter eminentemente protetivo e de elevado alcance social da lei previdenciária. De fato, a adoção de soluções processuais adequadas à relação jurídica previdenciária constitui uma imposição do princípio do devido processo legal, a ensejar uma leitura distinta do princípio dispositivo e da adstrição do juiz ao pedido (SAVARIS, José Antônio. Direito processual previdenciário. 6 ed., rev. atual. e ampl. Curitiba: Alteridade Editora, 2016, p. 67). Por isso, aliás, o STJ sedimentou o entendimento de que "não constitui julgamento extra ou ultra petita a decisão que, verificando não estarem atendidos os pressupostos para concessão do benefíciorequerido na inicial, concede benefício diverso cujos requisitos tenham sido cumpridos pelo segurado" (AgRG no AG 1232820/RS, Rel. Min. Laurita Vaz, 5ª Turma, j. 26/10/20, DJe 22/11/2010).
Caso concreto
De início, cabe ressaltar que o benefício (DER 11/07/2014) foi indeferido na esfera administrativa por falta de período de carência (ev. 1 - OUT6) na DII (30/04/2013) estabelecida pelo perito da autarquia, pois a incapacidade foi reconhecida administrativamente (ev. 11 - PET3) nos seguintes termos:
História:
Segurada comparece referindo ter iniciado quadro de astenia em 2012 (sic), com queixas de piora progressiva e tendo dificuldades em realizar suas atividades habituais como trabalhadora rural no corte de cana de açúcar, iniciando tratamento para hepatite C. Não trouxe laudo médico.
[...]
Considerações:
Segurada portadora de hepatite C desde pelo menos 2012, conforme seu relato, com alterações de enzimas hepáticas em data de 29/11/2012, com grande aumento das mesmas em 30/04/2013, sendo possível fixar a DII nessa data, pois houve redução das enzimas em novo exame de 14/04/2014. Ainda não iniciou tratamento para hepatite pois aguarda biópsia.
Resultado: Existe incapacidade laborativa.
Assim, não havia discussão, em um primeiro momento, em relação à existência do quadro incapacitante, até mesmo porque o benefício foi indeferido por falta de período de carência. O magistrado sentenciante, todavia, limitou-se a referir, no ponto, que: A qualidade de segurada da parte requerente foi posterior ao início da incapacidade, conforme alegada pela autarquia, conforme contestação e documentos acostados com esta. (ev. 65 - SENT1), e prosseguiu para a análise da inaptidão ao trabalho, julgando improcedente o pedido com fundamento na conclusão do laudo pericial oficial (ev. 45 - LAUDOPERIC1).
Dito isso, não há dúvidas sobre a incapacidade da parte autora, situação que foi ratificada pela perícia realizada por determinação desta Corte, realizada por especialista em hepatologia (ev. 145 e 155 - LAUDOPERIC1).
Cabe, agora, fixar a DII para fins de análise do requisito da carência, esclarecendo-se desde já que a autora não é portadora de hepatopatia grave para fins de isenção do requisito conforme argumentou nas razões da apelação (art. 26 e 151 da Lei 8.213/91). Com efeito, o especialista referiu que o diagnóstico é de HEPATITE C - PORTADORA CRONICA - CID B18.2. Não há menção no laudo ou prova em qualquer outro exame ou atestado médico de que seja portadora de hepatopatia grave. É necessário, portanto, perquirir acerca da carência.
Especificamente em relação à DII, em sede de laudo complementar (ev. 155 - LAUDOPERIC1), relatou o perito que não conseguiria precisar o exato momento do contágio ou se os sintomas que advieram disso e a incapacitavam estavam efetivamente relacionados à hepatite, pois a autora somente relatou sofrer de fadiga. Registrou, ainda, que não lhe foram fornecidos pela periciada exames ou atestados anteriores a dezembro de 2013, e, em virtude disso, não poderia precisar a DII.
Diante dessas considerações, portanto, cabe estabelecer a DII na data fixada pelo INSS quando da perícia administrativa (22/08/2014) e já transcrito no início deste tópico, ou seja, DID em 29/11/2012 e DII em 30/04/2013. Isso porque há expressa menção ao fato de que havia alterações enzimáticas em data de 29/11/2012, com grande aumento das mesmas em 30/04/2013, sendo possível fixar a DII nessa data, pois houve redução das enzimas em novo exame de 14/04/2014.
Assim, há prova de que já havia inaptidão ao trabalho desde 30/04/2013, e, via de consequência, não há, em tal data, o tempo necessário de contribuições para atendimento quanto ao requisito da carência, já que, conforme consta do extrato CNIS (ev. 11 - PET2), a autora trabalhou como empregada rural (até tal data) apenas nos períodos compreendidos entre 01/06/2012 e 05/12/2012 e 01/04/2013 e 01/05/2013.
Nega-se provimento, portanto, à apelação.
Honorários advocatícios
Desprovido o recurso interposto pela parte autora da sentença de improcedência do pedido, devem os honorários de advogado ser majorados, com o fim de remunerar o trabalho adicional do procurador da parte em segundo grau de jurisdição.
Consideradas as disposições do art. 85, §§ 2º e 3º, do Código de Processo Civil (CPC), arbitra-se a verba honorária total no valor correspondente a 12% (doze por cento) sobre o valor corrigido da causa, percentual que já inclui os honorários decorrentes da atuação no âmbito recursal (art. 85, §11, do CPC), ficando mantida a suspensão da exigibilidade da verba por ser beneficiária da justiça gratuita.
Prequestionamento
O enfrentamento das questões suscitadas em grau recursal, assim como a análise da legislação aplicável, são suficientes para prequestionar junto às instâncias Superiores os dispositivos que as fundamentam. Assim, deixo de aplicar os dispositivos legais ensejadores de pronunciamento jurisdicional distinto do que até aqui foi declinado. Desse modo, evita-se a necessidade de oposição de embargos de declaração tão somente para este fim, o que evidenciaria finalidade procrastinatória do recurso, passível de cominação de multa.
Dispositivo
Em face do que foi dito, voto no sentido de negar provimento à apelação, nos termos da fundamentação, majorando de ofício os honorários advocatícios.
Documento eletrônico assinado por OSNI CARDOSO FILHO, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40001606077v15 e do código CRC 9971169b.Informações adicionais da assinatura:
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Apelação Cível Nº 5031368-07.2016.4.04.9999/PR
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
APELANTE: ZENILDA RODRIGUES DA SILVA
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ/AUXÍLIO-DOENÇA. HEPATITE C. AUSÊNCIA DE HEPATOPATIA GRAVE. DATA DE INÍCIO DA INCAPACIDADE. CARÊNCIA. REQUISITO NÃO PREENCHIDO NA DII.
1. O direito à aposentadoria por invalidez e ao auxílio-doença pressupõe a presença de três requisitos: (1) qualidade de segurado ao tempo de início da incapacidade, (2) carência de 12 (doze) contribuições mensais, salvo as hipóteses previstas no art. 26, II, da Lei nº 8.213/91, que dispensam o prazo de carência, e (3) requisito específico, relacionado à existência de incapacidade impeditiva para o labor habitual em momento posterior ao ingresso no RGPS, aceitando-se, contudo, a derivada de doença anterior, desde que agravada após o ingresso no RGPS, nos termos do art. 42, §2º, e art. 59, parágrafo único, ambos da Lei nº 8.213/91.
2. A desconsideração do laudo somente se justifica por significativo contexto probatório contraposto à conclusão do perito judicial, constituído por exames que sejam seguramente indicativos da incapacidade para o exercício de atividade laborativa.
3. Embora a parte autora seja portadora de hepatite C, não se extrai do conjunto probatório que a condição já tenha evoluído para hepatopatia grave, doença que a isentaria de cumprir a carência própria dos benefícios por incapacidade.
4. Não preenchido na DII o tempo necessário ao cumprimento da carência, é incabível a concessão de benefício por incapacidade.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento à apelação, majorando de ofício os honorários advocatícios, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 10 de março de 2020.
Documento eletrônico assinado por OSNI CARDOSO FILHO, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40001606078v4 e do código CRC 30a2b774.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO Ordinária DE 10/03/2020
Apelação Cível Nº 5031368-07.2016.4.04.9999/PR
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
PRESIDENTE: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
PROCURADOR(A): ANDREA FALCÃO DE MORAES
APELANTE: ZENILDA RODRIGUES DA SILVA
ADVOGADO: CARLOS ALBERTO DOS SANTOS (OAB PR023661)
ADVOGADO: MICHEL CASARI BIUSSI (OAB PR056299)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Ordinária do dia 10/03/2020, na sequência 76, disponibilizada no DE de 26/02/2020.
Certifico que a 5ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 5ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO, MAJORANDO DE OFÍCIO OS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
Votante: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
Votante: Juiz Federal JOSÉ LUIS LUVIZETTO TERRA
Votante: Juíza Federal GISELE LEMKE
LIDICE PEÑA THOMAZ
Secretária
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