Apelação Cível Nº 5002653-47.2019.4.04.9999/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
APELANTE: IRIA ELIZABETH MARQUES
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RELATÓRIO
Iria Elizabeth Marques interpôs apelação contra sentença que julgou improcedente o pedido para concessão de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez, condenando-a ao pagamento das custas e honorários advocatícios, arbitrados em R$ 500,00. A exigibilidade de ambas as verbas foi suspensa por ser beneficiária da assistência judiciária gratuita (Evento 3 - SENT25).
Sustentou que está impossibilitada de exercer suas atividades habituais porque possui problemas psiquiátricos como transtorno depressivo recorrente, síndrome do pânico e transtorno obsessivo compulsivo, motivo pelo qual não tem aptidão para trabalhar, conforme comprovam os documentos anexados aos autos. Defendeu que não possui condições de realizar reabilitação, visto sua idade avançada, baixa escolaridade e a gravidade de seu quadro clínico.
Requereu a reforma da sentença ou, ainda, que a mesma seja anulada para reabertura da instrução processual e realização de prova testemunhal, uma vez que o laudo pericial no qual o juiz fundamentou a sentença é insuficiente (Evento 3 - APELAÇÃO26).
Com contrarrazões, subiram os autos.
VOTO
Benefício por incapacidade
O art. 59 da Lei n.º 8.213/91 estabelece que o auxílio-doença será devido ao segurado que, havendo cumprido, quando for o caso, o período de carência exigido na referida lei, ficar incapacitado para o seu trabalho ou para a sua atividade habitual por mais de 15 (quinze) dias consecutivos.
Por sua vez, o art. 42 da Lei nº 8.213/91 estabelece que a aposentadoria por invalidez será concedida ao segurado que, tendo cumprido, quando for o caso, a carência exigida, for considerado incapaz e insuscetível de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência.
A Lei nº 8.213/91 estabelece que, para a concessão dos benefícios em questão, deve ser cumprida a carência correspondente a 12 (doze) contribuições mensais (art. 25), a qual é dispensada nos casos legalmente previstos (art. 26, II, da Lei nº 8.213/91).
O fato de a incapacidade temporária ser total ou parcial para fins de concessão do auxílio-doença não interfere na concessão desse benefício, uma vez que, por incapacidade parcial, deve-se entender aquela que prejudica o desenvolvimento de alguma das atividades laborativas habituais do segurado. No mesmo sentido, assim já decidiu o e. STJ, verbis:
RECURSO ESPECIAL. PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-DOENÇA. INCAPACIDADE PARCIAL PARA O TRABALHO HABITUAL.
1. É devido o auxílio-doença ao segurado considerado parcialmente incapaz para o trabalho, mas suscetível de reabilitação profissional para o exercício de outras atividades laborais.
2. Recurso improvido. (STJ, REsp 501267 / SP, rel. Ministro HAMILTON CARVALHIDO, T6 - SEXTA TURMA, DJ 28/06/2004 p. 427)
Por fim, a diferença entre os dois benefícios restou esclarecida consoante excerto doutrinário abaixo colacionado, verbis:
"A diferença, comparativamente à aposentadoria por invalidez, repousa na circunstância de que para a obtenção de auxílio-doença basta a incapacidade para o trabalho ou atividade habitual do segurado, enquanto para a aposentadoria por invalidez exige-se a incapacidade total, para qualquer atividade que garanta a subsistência. Tanto é assim que, exercendo o segurado mais de uma atividade e ficando incapacitado para apenas uma delas, o auxílio-doença será concedido em relação à atividade para a qual o segurado estiver incapacitado, considerando-se para efeito de carência somente as contribuições relativas a essa atividade (RPS, art. 71, § 1º) (in ROCHA, Daniel Machado da. BALTAZAR JÚNIOR, José Paulo. Comentários à Lei de Benefícios da Previdência Social. 15. ed. rev., atual. e ampl. - São Paulo: Atlas, 2017.)
De modo geral, o acesso aos benefícios previdenciários de aposentadoria por invalidez e de auxílio-doença pressupõe a presença de 3 requisitos: (1) qualidade de segurado ao tempo de início da incapacidade, (2) carência de 12 contribuições mensais, salvo as hipóteses previstas no art. 26, II, da Lei nº 8.213/91, que dispensam o prazo de carência, e (3) requisito específico, relacionado à existência de incapacidade impeditiva para o labor habitual em momento posterior ao ingresso no RGPS, aceitando-se, contudo, a derivada de doença anterior, desde que agravada após o ingresso no RGPS, nos termos do art. 42, § 2º, e art. 59, parágrafo único, ambos da Lei nº 8.213/91.
Caso concreto
Conforme consta do laudo pericial (Evento 3 - LAUDOPERIC19), a autora, hoje com 66 anos de idade (06/12/1953), vendedora, é portadora de Transtorno obsessivo compulsivo F 42, mas não estaria, na opinião do perito, incapacitada para o trabalho.
Contudo, embora tenha o perito concluído pela capacidade laboral, pouco há, no teor do documento, sobre a real situação psiquiátrica da autora, já que as respostas são, em sua grande maioria, apenas sim e não, o que não pode ser aceito como fundamento para decidir, quando está em questão o diagnóstico de doenças como a que alega ser portadora a autora da ação - doença psiquiátrica, que exige do expert maior detalhamento de investigação e, por consequência, que transmita a quem decide todas as peculiaridades próprias do caso concreto.
O laudo elaborado pelo psiquiatra Renan Marsiaj de Oliveira Júnior não proporciona a segurança que se deva ter para tomá-lo por base como prova técnica.
Assim, há necessidade de realização de novo exame por médico psiquiatra diverso, pois o laudo anexado aos autos, repita-se, embora elaborado por alguém com especialidade adequada, é insuficiente e não detalha circunstaciadamente a situação do autor e a impossibilidade em seguir trabalhando ou não como vendedora.
De igual modo, não há elementos outros descritos no laudo a fim de emprestar um juízo de certeza sobre o quadro incapacitante, sobre os efeitos colaterais da medicação que utiliza ou deverá utilizar, entre outros. Destaque-se, ainda, que, além das crises decorrentes do transtorno obsessivo compulsivo, também deve ser examinado o transtorno depressivo e a síndrome do pânico do qual alega ser portadora e a influência disso em sua capacidade de trabalho. O quadro mórbido, portanto, apresenta-se complexo, o que exige um exame acurado por parte do perito.
Sendo assim, diante da necessidade de realização de outra perícia, também por especialista em psiquiatria, deve-se dar provimento à apelação para anular a sentença, determinando ao juízo a quo a reabertura da instrução processual, com a nomeação de perito psiquiatra para que diga se há incapacidade para o trabalho, atento aos questionamentos constantes no teor deste voto e nos autos. No mesmo sentido:
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. AUXILIO-DOENÇA. NECESSIDADE DE REALIZAÇÃO DE NOVA PERÍCIA. LAUDO INSUFICIENTE. SENTENÇA ANULADA. 1. O direito à aposentadoria por invalidez e ao auxílio-doença pressupõe a presença de 3 requisitos: (1) qualidade de segurado ao tempo de início da incapacidade, (2) carência de 12 (doze) contribuições mensais, salvo as hipóteses previstas no art. 26, II, da Lei nº 8.213/91, que dispensam o prazo de carência, e (3) requisito específico, relacionado à existência de incapacidade impeditiva para o labor habitual em momento posterior ao ingresso no RGPS, aceitando-se, contudo, a derivada de doença anterior, desde que agravada após o ingresso no RGPS, nos termos do art. 42, §2º, e art. 59, parágrafo único, ambos da Lei nº 8.213/91. 2. A realização de nova perícia é recomendada quando a matéria não parecer ao juiz suficientemente esclarecida (art. 480, caput, do CPC). Havendo necessidade de novo exame médico diante da insuficiência do teor do laudo, cabível a anulação da sentença e a reabertura da instrução processual. (TRF4, AC 5030122-05.2018.4.04.9999, QUINTA TURMA, Relator OSNI CARDOSO FILHO, juntado aos autos em 14/02/2019)
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE. AUXÍLIO-DOENÇA. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. NECESSIDADE DE NOVA PERÍCIA. LAUDO INSUFICIENTE. SENTENÇA ANULADA. REABERTURA DA INSTRUÇÃO PROCESSUAL. 1. Constatada a insuficiência do laudo pericial diante da complexidade do quadro incapacitante, deve ser anulada a sentença a fim de possibilitar a reabertura da instrução, com a realização de nova perícia com especialista em psiquiatria. 2. Sentença anulada, determinando-se o retorno dos autos à origem para reabertura da instrução processual. (TRF4, AC 5022864-41.2018.4.04.9999, QUINTA TURMA, Relator OSNI CARDOSO FILHO, juntado aos autos em 23/11/2018)
Por fim, por se tratar de doença que somente poderá ser diagnosticada por profissional especialista em medicina e psiquiatria, não é necessária a realização da prova testemunhal, como quer a apelante, já que a comprovação de episódios de surtos e de síndrome do pânico não se prestam a tal finalidade.
Dispositivo
Em face do que foi dito, voto no sentido de dar provimento à apelação para anular a sentença, determinando o retorno à origem para reabertura da instrução processual, nos termos do voto.
Documento eletrônico assinado por OSNI CARDOSO FILHO, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40001892747v4 e do código CRC dc6e0105.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): OSNI CARDOSO FILHO
Data e Hora: 28/7/2020, às 17:2:23
Conferência de autenticidade emitida em 06/08/2020 06:55:36.
Apelação Cível Nº 5002653-47.2019.4.04.9999/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
APELANTE: IRIA ELIZABETH MARQUES
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. AUXÍLIO-DOENÇA. NECESSIDADE DE NOVA PERÍCIA. LAUDO INSUFICIENTE. COMPLEXIDADE DA MOLÉSTIA. VENDEDORA. transtorno obsessivo compulsivo. SÍNDROME DO PÂNICO. TRANSTORNO depressivo. SENTENÇA ANULADA. REABERTURA DA INSTRUÇÃO PROCESSUAL. DESNECESSIDADE DE REALIZAÇÃO DE PROVA TESTEMUNHAL.
1. O direito à aposentadoria por invalidez e ao auxílio-doença pressupõe a presença de 3 requisitos: (1) qualidade de segurado ao tempo de início da incapacidade, (2) carência de 12 (doze) contribuições mensais, salvo as hipóteses previstas no art. 26, II, da Lei nº 8.213/91, que dispensam o prazo de carência, e (3) requisito específico, relacionado à existência de incapacidade impeditiva para o labor habitual em momento posterior ao ingresso no RGPS, aceitando-se, contudo, a derivada de doença anterior, desde que agravada após o ingresso no RGPS, nos termos do art. 42, §2º, e art. 59, parágrafo único, ambos da Lei nº 8.213/91.
2. A realização de nova perícia é recomendada quando a matéria não parecer ao juiz suficientemente esclarecida (art. 480, caput, do CPC). Havendo necessidade de novo exame médico diante da insuficiência do teor do laudo, cabível a anulação da sentença e a reabertura da instrução processual.
3. Diante da complexidade da moléstia, o teor do laudo é insuficiente, genérico e superficial, sendo necessário o detalhamento do quadro psiquiátrico da segurada, vendedora, que envolve transtorno obsessivo compulsivo, síndrome do pânico e transtorno depressivo.
4. Sentença anulada, determinando-se o retorno dos autos à origem para reabertura da instrução processual apenas para a realização de nova perícia médica com psiquiatra, sendo desnecessária a produção de prova testemunhal.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar provimento à apelação para anular a sentença, determinando o retorno à origem para reabertura da instrução processual, nos termos do voto, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 21 de julho de 2020.
Documento eletrônico assinado por OSNI CARDOSO FILHO, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40001892748v4 e do código CRC 2f6fceaa.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): OSNI CARDOSO FILHO
Data e Hora: 28/7/2020, às 17:2:23
Conferência de autenticidade emitida em 06/08/2020 06:55:36.
EXTRATO DE ATA DA SESSÃO Virtual DE 13/07/2020 A 21/07/2020
Apelação Cível Nº 5002653-47.2019.4.04.9999/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
PRESIDENTE: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
PROCURADOR(A): JOÃO HELIOFAR DE JESUS VILLAR
APELANTE: IRIA ELIZABETH MARQUES
ADVOGADO: CÍCERO ALEXANDRE DE ARAUJO (OAB RS034630)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 13/07/2020, às 00:00, a 21/07/2020, às 14:00, na sequência 69, disponibilizada no DE de 02/07/2020.
Certifico que a 5ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 5ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PROVIMENTO À APELAÇÃO PARA ANULAR A SENTENÇA, DETERMINANDO O RETORNO À ORIGEM PARA REABERTURA DA INSTRUÇÃO PROCESSUAL, NOS TERMOS DO VOTO.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
Votante: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
Votante: Juiz Federal ALTAIR ANTONIO GREGORIO
Votante: Juíza Federal GISELE LEMKE
LIDICE PEÑA THOMAZ
Secretária
Conferência de autenticidade emitida em 06/08/2020 06:55:36.