Apelação Cível Nº 5014508-52.2021.4.04.9999/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: ALCIONE TEREZINHA BINOTTI PIVA
RELATÓRIO
O Instituto Nacional do Seguro Social interpôs apelação em face de sentença que julgou procedente o pedido formulado, para condenar o INSS a conceder à autora o benefício da aposentadoria por invalidez, a contar da data do indeferimento do pedido administrativo (22/06/2017), bem como para condenar o réu a pagar as parcelas em atraso, respeitada a prescrição quinquenal. Sobre os valores a pagar, deve incidir a correção monetária pelo INPC desde a data em que cada parcela deveria ter sido satisfeita, mais juros de mora de 6% ao ano desde a citação, desde que esta tenha ocorrido antes da entrada em vigor da Lei nº 11.960/09; se a citação for posterior, os juros de mora serão contados de acordo com o que estabelece o artigo 1°-F da Lei n° 9.494/97, com a redação dada pela Lei n° 11.960/09. Sem condenação do réu ao pagamento de custas processuais e taxa judiciária, devendo suportar eventuais despesas. Nos termos do artigo 85, § 3º, inciso I, do CPC, condenou o INSS ao pagamento dos honorários advocatícios em favor do procurador da parte autora, os quais fixo em 10% sobre o valor da condenação a ser apurado em cumprimento/liquidação de sentença, os quais devem incidir somente sobre as parcelas vencidas até a data da sentença (
).Arguiu, inicialmente, a prescrição das parcelas vencidas anteriormente ao quinquênio que precede o ajuizamento da ação, nos termos do art. 103, parágrafo único, da Lei n. 8.213/91. Alegou que, até o momento da juntada aos autos do laudo judicial, não se tinha elementos suficientes para contraditar a conclusão da perícia médica oficial do INSS, e, tampouco, se reuniam os requisitos necessários à concessão do benefício incapacitante, porque a conclusão vigente, legitimamente amparada pela perícia realizada no âmbito da autarquia previdenciária, era pela inexistência de incapacidade. Aduziu que a condenação do INSS ao pagamento de aposentadoria por invalidez desde o indeferimento do auxílio-doença é decisão que afronta inúmeros princípios do direito previdenciário, além de ignorar um dos atributos do ato administrativo, qual seja, a presunção de legitimidade destes atos. Defendeu que se deve considerar como data de início do benefício a data de realização da perícia judicial, pois somente neste momento se teve a reunião dos elementos necessários à concessão do benefício (
).Com contrarrazões, subiram os autos a este Tribunal.
VOTO
Prescrição quinquenal
Como o pagamento dos valores em atraso retroage ao dia 22/06/2017 e a presente ação foi ajuizada em 15/02/2018, não há parcelas prescritas.
Logo, rejeitada a prejudicial.
Benefício por incapacidade
Cumpre, de início, rememorar o tratamento legal conferido aos benefícios de auxílio-doença e de aposentadoria por invalidez.
O art. 59 da Lei n.º 8.213/91 (Lei de Benefícios da Previdência Social - LBPS) estabelece que o auxílio-doença será devido ao segurado que, havendo cumprido, quando for o caso, o período de carência exigido em lei, ficar incapacitado para o seu trabalho ou para a sua atividade habitual por mais de 15 (quinze) dias consecutivos. Por sua vez, o art. 42 da Lei nº 8.213/91 estatui que a aposentadoria por invalidez será concedida ao segurado que, tendo cumprido a carência, for considerado incapaz e insuscetível de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência. O art. 25 desse diploma legal esclarece, a seu turno, que a carência exigida para a concessão de ambos os benefícios é de 12 (doze) meses, salvo nos casos em que é expressamente dispensada (art. 26, II).
Em resumo, portanto, a concessão dos benefícios depende de três requisitos: (a) a qualidade de segurado do requerente à época do início da incapacidade (artigo 15 da LBPS); (b) o cumprimento da carência de 12 contribuições mensais, exceto nas hipóteses em que expressamente dispensada por lei; (c) o advento, posterior ao ingresso no RGPS, de moléstia incapacitante para o desenvolvimento de atividade laboral que garanta a subsistência do segurado.
Note-se que a concessão do auxílio-doença não exige que o segurado esteja incapacitado para toda e qualquer atividade laboral; basta que esteja incapacitado para a sua atividade habitual. É dizer: a incapacidade pode ser total ou parcial. Além disso, pode ser temporária ou permanente. Nisso, precisamente, é que se diferencia da aposentadoria por invalidez, que deve ser concedida apenas quando constatada a incapacidade total e permanente do segurado. Sobre o tema, confira-se a lição doutrinária de Daniel Machado da Rocha e de José Paulo Baltazar Júnior:
A diferença, comparativamente à aposentadoria por invalidez, repousa na circunstância de que para a obtenção de auxílio-doença basta a incapacidade para o trabalho ou atividade habitual do segurado, enquanto para a aposentadoria por invalidez exige-se a incapacidade total, para qualquer atividade que garanta a subsistência. Tanto é assim que, exercendo o segurado mais de uma atividade e ficando incapacitado para apenas uma delas, o auxílio-doença será concedido em relação à atividade para a qual o segurado estiver incapacitado, considerando-se para efeito de carência somente as contribuições relativas a essa atividade (RPS, art. 71, § 1º) (in ROCHA, Daniel Machado da. BALTAZAR JÚNIOR, José Paulo. Comentários à Lei de Benefícios da Previdência Social. 15. ed. rev., atual. e ampl. - São Paulo: Atlas, 2017).
De qualquer sorte, o caráter da incapacidade (total ou parcial) deve ser avaliado não apenas por um critério médico, mas conforme um juízo global que considere as condições pessoais da parte autora - em especial, a idade, a escolaridade e a qualificação profissional - a fim de se aferir, concretamente, a sua possibilidade de reinserção no mercado de trabalho.
Cumpre demarcar, ainda, a fungibilidade entre as ações previdenciárias, tendo em vista o caráter eminentemente protetivo e de elevado alcance social da lei previdenciária. De fato, a adoção de soluções processuais adequadas à relação jurídica previdenciária constitui uma imposição do princípio do devido processo legal, a ensejar uma leitura distinta do princípio dispositivo e da adstrição do juiz ao pedido (SAVARIS, José Antônio. Direito processual previdenciário. 6 ed., rev. atual. e ampl. Curitiba: Alteridade Editora, 2016, p. 67). Por isso, aliás, o STJ sedimentou o entendimento de que "não constitui julgamento extra ou ultra petita a decisão que, verificando não estarem atendidos os pressupostos para concessão do benefício requerido na inicial, concede benefício diverso cujos requisitos tenham sido cumpridos pelo segurado" (AgRG no AG 1232820/RS, Rel. Min. Laurita Vaz, 5ª Turma, j. 26/10/20, DJe 22/11/2010).
Caso concreto
Discute-se, no mérito, acerca da data inicial do benefício.
Saliente-se que o INSS não apresentou insurgência quanto à existência de doença incapacitante, nem quanto à impossibilidade de concessão do benefício previdenciário.
Termo inicial do benefício
Sobre o termo inicial do benefício, é devido (I) desde a data do requerimento administrativo ou (II) a partir da data em que cessar o auxílio-doença (art. 43, caput, e § 1.º, da Lei 8.213/91). Para tanto, a prova pericial há de ser conclusiva sobre a existência da incapacidade desde tal época.
Se, porém, (III) o laudo não demonstrar existir a incapacidade desde então ou se (IV) não houver prévio requerimento administrativo, o termo inicial do benefício é a data da perícia judicial.
Analisando-se atentamente os termos do laudo pericial (
), no cotejo com as demais provas carreadas aos autos, pode-se concluir que a autora, faxineira, apresenta quadro de transtorno de humor grave com sintomas psicóticos e sequelas de acidente vascular encefálico. Apresenta importantes prejuízos em seu cotidiano. Associado ao quadro, apresenta importante perda de força em membro superior direito.Salientou o médico que deve ser considerada a incapacidade permanente, pois apresenta grave comprometimento das funções do aparelho psíquico, com uso de doses plenas de antidepressivos, já utilizou várias alternativas terapêuticas e não obteve remissão. O quadro é considerado refratário e de prognóstico reservado. Devido a história natural da doença e sua evolução, a possibilidade de melhora é mínima, senão inexistente. Não tem condições de exercer os atos a fim de gerenciar sua vida financeira.
Afirmou o perito que a autora se encontra incapacitada de forma contínua desde dezembro de 2016, bem como que sua incapacidade é total e permanente. Referiu que houve piora com o falecimento do esposo.
Logo, considerando que a patologia apresentada é total e definitiva, possível a concessão do benefício de aposentadoria por invalidez.
Quanto ao termo inicial do benefício, o perito fixou a data de início da patologia como dezembro de 2016, com base nos atestados médicos apresentados.
Diante disso, considerando que o contexto probatório aponta para a existência da incapacidade definitiva quando ingressou com o pedido administrativo, é possível a concessão do benefício desde a data do requerimento administrativo, datado de 22/06/2017, nos termos como fixada pela sentença recorrida.
Desse modo, nega-se provimento à apelação do INSS.
Honorários advocatícios
Desprovido o recurso interposto pelo INSS da sentença de procedência do pedido, devem os honorários de advogado ser majorados, com o fim de remunerar o trabalho adicional do procurador da parte em segundo grau de jurisdição.
Consideradas as disposições do art. 85, §§ 2º e 3º, do Código de Processo Civil (CPC), majora-se em relação ao valor arbitrado mais 20% para apuração do montante da verba honorária.
Prequestionamento
O enfrentamento das questões suscitadas em grau recursal, assim como a análise da legislação aplicável, são suficientes para prequestionar junto às instâncias Superiores os dispositivos que as fundamentam. Assim, deixo de aplicar os dispositivos legais ensejadores de pronunciamento jurisdicional distinto do que até aqui foi declinado. Desse modo, evita-se a necessidade de oposição de embargos de declaração tão somente para este fim, o que evidenciaria finalidade procrastinatória do recurso, passível de cominação de multa.
Dispositivo
Em face do que foi dito, voto no sentido de negar provimento à apelação do INSS, nos termos da fundamentação, majorando, de ofício, os honorários advocatícios.
Documento eletrônico assinado por ADRIANE BATTISTI, Juíza Federal Convocada, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40002906020v23 e do código CRC 7970f0d6.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): ADRIANE BATTISTI
Data e Hora: 16/12/2021, às 18:28:24
Conferência de autenticidade emitida em 24/12/2021 04:01:59.
Apelação Cível Nº 5014508-52.2021.4.04.9999/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: ALCIONE TEREZINHA BINOTTI PIVA
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. DATA DE INÍCIO DA INCAPACIDADE. DATA DO REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. HONORÁRIOS MAJORADOS.
1. O direito à aposentadoria por invalidez e ao auxílio-doença pressupõe a presença de três requisitos: (1) qualidade de segurado ao tempo de início da incapacidade, (2) carência de 12 (doze) contribuições mensais, salvo as hipóteses previstas no art. 26, II, da Lei nº 8.213, que dispensam o prazo de carência, e (3) requisito específico, relacionado à existência de incapacidade impeditiva para o labor habitual em momento posterior ao ingresso no Regime Geral da Previdência Social, aceitando-se, contudo, a derivada de doença anterior, desde que agravada após o ingresso no RGPS, nos termos do art. 42, §2º, e art. 59, parágrafo único, ambos da Lei nº 8.213.
2. Como a patologia apresentada é total e definitiva, possível a concessão do benefício de aposentadoria por invalidez, desde a data do requerimento administrativo.
3. Majorados os honorários advocatícios a fim de adequação ao que está disposto no art. 85, §11, do Código de Processo Civil.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento à apelação do INSS, majorando, de ofício, os honorários advocatícios, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 14 de dezembro de 2021.
Documento eletrônico assinado por ADRIANE BATTISTI, Juíza Federal Convocada, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40002906021v9 e do código CRC 5fa41a4f.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): ADRIANE BATTISTI
Data e Hora: 16/12/2021, às 18:28:24
Conferência de autenticidade emitida em 24/12/2021 04:01:59.
EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 06/12/2021 A 14/12/2021
Apelação Cível Nº 5014508-52.2021.4.04.9999/RS
RELATORA: Juíza Federal ADRIANE BATTISTI
PRESIDENTE: Juiz Federal FRANCISCO DONIZETE GOMES
PROCURADOR(A): ADRIANA ZAWADA MELO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: ALCIONE TEREZINHA BINOTTI PIVA
ADVOGADO: TÂNIA MARIA PIMENTEL (OAB RS034093)
ADVOGADO: MARLOVE BENEDETTI PIMENTEL (OAB RS066616)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 06/12/2021, às 00:00, a 14/12/2021, às 16:00, na sequência 70, disponibilizada no DE de 25/11/2021.
Certifico que a 5ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 5ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DO INSS, MAJORANDO, DE OFÍCIO, OS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.
RELATORA DO ACÓRDÃO: Juíza Federal ADRIANE BATTISTI
Votante: Juíza Federal ADRIANE BATTISTI
Votante: Juiz Federal FRANCISCO DONIZETE GOMES
Votante: Juíza Federal ANDRÉIA CASTRO DIAS MOREIRA
LIDICE PEÑA THOMAZ
Secretária
Conferência de autenticidade emitida em 24/12/2021 04:01:59.