Apelação Cível Nº 5016112-19.2019.4.04.9999/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: CLEONECIR FONSECA VIEGAS GOMES
RELATÓRIO
O Instituto Nacional do Seguro Social interpôs apelação em face de sentença que julgou procedente o pedido para concessão de aposentadoria por invalidez, em favor da parte autora, desde 27/05/2017, condenando-o ao pagamento das parcelas em atraso, corrigidas em com juros, taxa única de serviços judiciais e honorários advocatícios, arbitrados em 10% sobre o valor da condenação até a data da sentença (Evento 3 - SENT21).
Sustentou que a autora esteve em auxílio-doença até 31/10/2016 e que, na perícia realizada em 08/12/2016, não foi constatada incapacidade, motivo pelo qual o pedido não procede, pois a data de início da incapacidade é posterior à data de cessação do benefício. Registrou, por fim, que não cabe conceder aposentadoria por invalidez, uma vez que há possibilidade de reabilitação (Evento 3 - APELAÇÃO22).
Com contrarrazões, subiram os autos a este Tribunal.
VOTO
Benefício por incapacidade
Cumpre, de início, rememorar o tratamento legal conferido aos benefícios de auxílio-doença e de aposentadoria por invalidez.
O art. 59 da Lei n.º 8.213/91 (Lei de Benefícios da Previdência Social - LBPS) estabelece que o auxílio-doença será devido ao segurado que, havendo cumprido, quando for o caso, o período de carência exigido em lei, ficar incapacitado para o seu trabalho ou para a sua atividade habitual por mais de 15 (quinze) dias consecutivos. Por sua vez, o art. 42 da Lei nº 8.213/91 estatui que a aposentadoria por invalidez será concedida ao segurado que, tendo cumprido a carência, for considerado incapaz e insuscetível de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência. O art. 25 desse diploma legal esclarece, a seu turno, que a carência exigida para a concessão de ambos os benefícios é de 12 (doze) meses, salvo nos casos em que é expressamente dispensada (art. 26, II).
Em resumo, portanto, a concessão dos benefícios depende de três requisitos: (a) a qualidade de segurado do requerente à época do início da incapacidade (artigo 15 da LBPS); (b) o cumprimento da carência de 12 contribuições mensais, exceto nas hipóteses em que expressamente dispensada por lei; (c) o advento, posterior ao ingresso no RGPS, de moléstia incapacitante para o desenvolvimento de atividade laboral que garanta a subsistência do segurado.
Note-se que a concessão do auxílio-doença não exige que o segurado esteja incapacitado para toda e qualquer atividade laboral; basta que esteja incapacitado para a sua atividade habitual. É dizer: a incapacidade pode ser total ou parcial. Além disso, pode ser temporária ou permanente. Nisso, precisamente, é que se diferencia da aposentadoria por invalidez, que deve ser concedida apenas quando constatada a incapacidade total e permanente do segurado. Sobre o tema, confira-se a lição doutrinária de Daniel Machado da Rocha e de José Paulo Baltazar Júnior:
A diferença, comparativamente à aposentadoria por invalidez, repousa na circunstância de que para a obtenção de auxílio-doença basta a incapacidade para o trabalho ou atividade habitual do segurado, enquanto para a aposentadoria por invalidez exige-se a incapacidade total, para qualquer atividade que garanta a subsistência. Tanto é assim que, exercendo o segurado mais de uma atividade e ficando incapacitado para apenas uma delas, o auxílio-doença será concedido em relação à atividade para a qual o segurado estiver incapacitado, considerando-se para efeito de carência somente as contribuições relativas a essa atividade (RPS, art. 71, § 1º) (in ROCHA, Daniel Machado da. BALTAZAR JÚNIOR, José Paulo. Comentários à Lei de Benefícios da Previdência Social. 15. ed. rev., atual. e ampl. - São Paulo: Atlas, 2017).
De qualquer sorte, o caráter da incapacidade (total ou parcial) deve ser avaliado não apenas por um critério médico, mas conforme um juízo global que considere as condições pessoais da parte autora - em especial, a idade, a escolaridade e a qualificação profissional - a fim de se aferir, concretamente, a sua possibilidade de reinserção no mercado de trabalho.
Cumpre demarcar, ainda, a fungibilidade entre as ações previdenciárias, tendo em vista o caráter eminentemente protetivo e de elevado alcance social da lei previdenciária. De fato, a adoção de soluções processuais adequadas à relação jurídica previdenciária constitui uma imposição do princípio do devido processo legal, a ensejar uma leitura distinta do princípio dispositivo e da adstrição do juiz ao pedido (SAVARIS, José Antônio. Direito processual previdenciário. 6 ed., rev. atual. e ampl. Curitiba: Alteridade Editora, 2016, p. 67). Por isso, aliás, o STJ sedimentou o entendimento de que "não constitui julgamento extra ou ultra petita a decisão que, verificando não estarem atendidos os pressupostos para concessão do benefício requerido na inicial, concede benefício diverso cujos requisitos tenham sido cumpridos pelo segurado" (AgRG no AG 1232820/RS, Rel. Min. Laurita Vaz, 5ª Turma, j. 26/10/20, DJe 22/11/2010).
Caso concreto
Discute-se acerca do quadro incapacitante, bem como sobre a possibilidade de reabilitação, o que afastaria a concessão da aposentadoria por invalidez.
De início, cabe destacar que não há controvérsia sobre a qualidade de segurado e carência, uma vez que a autora, contribuinte individual, esteve em gozo de auxílio-doença no período compreendido entre 14/05/2015 e 31/10/2016, concedido na via administrativa (Evento 3 - ANEXOSPET4, fl. 09). Além disso, nada consta acerca desses requisitos nas razões de apelação.
Segundo consta do laudo pericial (evento 3 - CARTA PREC/ORDEM9, fls. 37/39 - 08/08/2017), a autora, atualmente com 59 anos (06/11/1960), relatou ser faxineira/diarista e possuir o ensino médio completo. Queixou-se sofrer de dores que a impedem de trabalhar na coluna dorsal, lombar e planta dos pés. O diagnóstico é de Dorsalgia (M54) - Dor lombar baixa (M545) e Psoríase (L40). Assim concluiu o perito:
Justificativa/conclusão: PACIENTE COM ALTERAÇÃO IMPORTANTE A NÍVEL DA COLUNA DORSAL E LOMBAR QUE CAUSA DOR ÀS ATIVIDADES DE MUITA DEMANDA MECÂNICA PARA A COLUNA. COMO TRABALHA COMO DIARISTA, DESCREVO O QUADRO COMO INCAPACITANTE. APRESENTA, CONCOMITANTE, QUADRO DE PSORÍASE. ATIVIDADES LEVES A MODERADAS PODEM SER FEITAS (INCAPACIDADE PARCIAL). O TRATAMENTO É COM SUPORTE ORTOPÉDICO PARA DOR E FISIOTERAPIA. O QUADRO DESCRITO, PELO GRAU DE ACOMETIMENTO, É PERMANENTE. O QUADRO ORTOPÉDICO PODE SER DESCRITO HÁ MAIS DE 5 ANOS, CONFORME ANAMNESE. O QUADRO DE INCAPACIDADE PODE SER DESCRITO DESDE MAIO DE 2017, CONFORME EXAMES APRESENTADOS E CITADOS ACIMA. NÃO NECESSITA DE AUXÍLIO DE TERCEIROS E NÃO ESTÁ INAPTO PARA ATOS DA VIDA CIVIL.
Data de Início da Doença: HÁ MAIS DE 5 ANOS - CONFORME ANAMNESE
Data de Início da Incapacidade: 27/05/2017 - CONFORME EXAMES APRESENTADOS
Data de Cancelamento do Benefício:
- Incapacidade apenas para sua atividade habitual
- Incapacidade permanente
Em resposta aos quesitos do INSS, mencionou o expert que o desempenho de atividades laborativas, inclusive reabilitação profissional, pode ser um instrumento de auxílio no tratamento, desde que as atividades exijam pouca demanda mecânica.
Dito isso, e de acordo com o contexto probatório, a despeito de a incapacidade ser apenas para a atividade habitual, há limitações também em relação à psoríase plantar, situação que a impede de deambular ou mesmo de permanecer em pé. Aliado a isso, a autora já tem 59 anos de idade, e, apesar de seu grau de instrução ser o ensino médio completo, a experiência que possui é limitada a atividades que exigem esforço moderado a severo.
Não há dúvidas de que o comprometimento dos movimento da coluna é severo, e, especificamente sobre a questão da psoríase plantar, há elementos nas perícias do INSS que denotam a dificuldade no controle da doença, de natureza crônica, de cunho autoimune e sem cura, cujo processo inflamatório causa placas avermelhadas espessas na pele, cobertas por escamas esbranquiçadas ou prateadas, que podem causar dor, desconforto, pruridos, sangramento e coceira(http://www.blog.saude.gov.br/index.php/promocao-da-saude/53603-entenda-o-que-e-psoriase). Confira-se (Evento 3 - CARTA PREC/ORDEM9, fls. 33/35):
*(...) Pé direito com base totalmente tomada por psoríase, área central vegetante, ulcerada, com solução de continuidade sangrante. (...) Segue inapta. Ainda sem condições de trabalho devido psoríase pé direito, na base, que impede deambular normal. (data do exame: 14/12/2015)
*(...)Persistência de lesões de psoríase ambos os pés. (...) Segue inapta. Persistência de quadro depressivo, de lesões de pele. (data do exame: 11/04/2016)
*(...) Presença de dermatite plantar acentuada em ambos os pés. (...) Segue inapta. Sem condições laborais, por ora, ainda com presença de dermatite psoriática ambos os pés. (data do exame: 21/06/2016)
Portanto, agiu bem o magistrado em conceder a aposentadoria por invalidez, uma vez que, além dos problemas ortopédicos em grau severo, a autora sofre também os sintomas da psoríase, tem idade avançada e dificilmente poderá reingressar no mercado de trabalho em igualdade de condições com os demais trabalhadores.
A data de início de incapacidade indicada no laudo deve ser observada para fins de fixação da data de início do beneficio, conforme já decidiu o magistrado.
Nega-se provimento, portanto, à apelação.
Correção monetária
Após o julgamento, pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, em regime de repercussão geral, do Tema 810 (RE n. 870.947), a que se seguiu o dos embargos de declaração da mesma decisão, rejeitados e com afirmação de inexistência de modulação de efeitos, deve a atualização monetária obedecer ao Tema 905 do Superior Tribunal de Justiça, que estabelece para as condenações judiciais de natureza previdenciária:
As condenações impostas à Fazenda Pública de natureza previdenciária sujeitam-se à incidência do INPC, para fins de correção monetária, no que se refere ao período posterior à vigência da Lei 11.430/2006, que incluiu o art. 41-A na Lei 8.213/91.
Assim, a correção monetária das parcelas vencidas dos benefícios previdenciários será calculada conforme a variação dos seguintes índices, que se aplicam conforme a pertinente incidência ao período compreendido na condenação:
- IGP-DI de 05/96 a 03/2006 (art. 10 da Lei n.º 9.711/98, combinado com o art. 20, §§5º e 6º, da Lei n.º 8.880/94);
- INPC a partir de 04/2006 (art. 41-A da lei 8.213/91).
Juros moratórios
Os juros de mora, de 1% (um por cento) ao mês, serão aplicados a contar da citação (Súmula 204 do STJ), até 29 de junho de 2009. A partir de 30 de junho de 2009, os juros moratórios serão computados de forma equivalente aos aplicáveis à caderneta de poupança, conforme dispõe o art. 5º da Lei 11.960/09, que deu nova redação ao art. 1º-F da Lei nº 9.494/97.
Honorários advocatícios
Desprovido o recurso interposto pelo réu da sentença de procedência do pedido, devem os honorários de advogado ser majorados, com o fim de remunerar o trabalho adicional do procurador da parte em segundo grau de jurisdição.
Consideradas as disposições do art. 85, §§ 2º e 3º, do Código de Processo Civil (CPC), arbitra-se a verba honorária total no valor correspondente a 12% (doze por cento) sobre as parcelas vencidas até a data da sentença (Súmula 111 do Superior Tribunal de Justiça), percentual que já inclui os honorários decorrentes da atuação no âmbito recursal (art. 85, §11, do CPC).
Prequestionamento
O enfrentamento das questões suscitadas em grau recursal, assim como a análise da legislação aplicável, são suficientes para prequestionar junto às instâncias Superiores os dispositivos que as fundamentam. Assim, deixo de aplicar os dispositivos legais ensejadores de pronunciamento jurisdicional distinto do que até aqui foi declinado. Desse modo, evita-se a necessidade de oposição de embargos de declaração tão somente para este fim, o que evidenciaria finalidade procrastinatória do recurso, passível de cominação de multa.
Dispositivo
Em face do que foi dito, voto no sentido de negar provimento à apelação e, de ofício, adequar os consectários legais e majorar os honorários advocatícios, nos termos da fundamentação.
Documento eletrônico assinado por OSNI CARDOSO FILHO, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40001868929v15 e do código CRC b3ff9568.Informações adicionais da assinatura:
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Apelação Cível Nº 5016112-19.2019.4.04.9999/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: CLEONECIR FONSECA VIEGAS GOMES
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. LAUDO PERICIAL. FAXINEIRA. DIARISTA. DORSALGIA. DOR LOMBAR BAIXA. PSORÍASE. CONTEXTO PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE DE REABILITAÇÃO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.
1. O direito à aposentadoria por invalidez e ao auxílio-doença pressupõe a presença de três requisitos: (1) qualidade de segurado ao tempo de início da incapacidade, (2) carência de 12 (doze) contribuições mensais, salvo as hipóteses previstas no art. 26, II, da Lei nº 8.213/91, que dispensam o prazo de carência, e (3) requisito específico, relacionado à existência de incapacidade impeditiva para o labor habitual em momento posterior ao ingresso no RGPS, aceitando-se, contudo, a derivada de doença anterior, desde que agravada após o ingresso no RGPS, nos termos do art. 42, §2º, e art. 59, parágrafo único, ambos da Lei nº 8.213/91.
2. Existente a comprovação de que a autora se encontra, de modo definitivo, incapacitada para o exercício de atividade profissional (faxineira) que exige movimentos intensos da coluna vertebral, a deambulação e o ortostatismo frequentes, é devida a concessão de aposentadoria por invalidez, no caso, a partir da data indicada no laudo pericial.
3. Hipótese em que, a par dos problemas severos de ordem ortopédica conjugados a outra patologia, evidencia-se a dificuldade de reingresso da segurada no mercado de trabalho.
4. Honorários majorados (art. 85, §11, do CPC).
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento à apelação e, de ofício, adequar os consectários legais e majorar os honorários advocatícios, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 21 de julho de 2020.
Documento eletrônico assinado por OSNI CARDOSO FILHO, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40001868930v6 e do código CRC 3e9f9587.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO Virtual DE 13/07/2020 A 21/07/2020
Apelação Cível Nº 5016112-19.2019.4.04.9999/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
PRESIDENTE: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
PROCURADOR(A): JOÃO HELIOFAR DE JESUS VILLAR
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: CLEONECIR FONSECA VIEGAS GOMES
ADVOGADO: ALEX SANDRO MEDEIROS DA SILVA (OAB RS078605)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 13/07/2020, às 00:00, a 21/07/2020, às 14:00, na sequência 509, disponibilizada no DE de 02/07/2020.
Certifico que a 5ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 5ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO E, DE OFÍCIO, ADEQUAR OS CONSECTÁRIOS LEGAIS E MAJORAR OS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
Votante: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
Votante: Juiz Federal ALTAIR ANTONIO GREGORIO
Votante: Juíza Federal GISELE LEMKE
LIDICE PEÑA THOMAZ
Secretária
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