Apelação Cível Nº 5001786-54.2019.4.04.9999/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
APELANTE: ALTAMIR SILVA DE FIGUEIREDO
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RELATÓRIO
Altamir Silva de Figueiredo interpôs apelação em face de sentença que julgou improcedente o pedido para concessão de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez, condenando-o ao ressarcimento das despesas processuais e pagamento dos honorários advocatícios, suspendendo a exigibilidade de tais verbas por ser beneficiária da justiça gratuita (evento 3 - SENT22).
Sustentou que houve cerceamento de defesa em relação à prova pericial médica, pois os documentos anexados aos autos comprovam a incapacidade, devendo a sentença ser anulada para retorno dos autos à origem a fim de que a perícia seja feita nova perícia por pneumopata, com a realização do exame chamado espirometria. Alternativamente, postulou a reforma da sentença para fins de concessão de benefício por incapacidade (evento 3 - APELAÇÃO23).
Sem contrarrazões, subiram os autos.
VOTO
Cerceamento de defesa
O apelante requereu a renovação da prova pericial ao argumento de que a Dra. Fabiana Zamperetti Prieb havia informado, na fl. 80 dos autos, que necessitava do exame chamado espirometria para analisar com precisão a incapacidade funcional. No entanto, tal informação trata-se, apenas, da justificativa da médica para negar o encargo. Refere-se, assim, a entendimento pessoal daquela profissional que não se julgou capaz de examinar o autor, sem o citado exame (evento 3 - PET15, pág.10). Tal fato, contudo, não justifica a imprescindibilidade do exame espirometria.
Na presente hipótese, o laudo judicial encontra-se detalhado e fundamentado suficientemente a embasar o presente julgamento, não havendo necessidade de reabertura da instrução processual, conforme adiante se verá, hipótese na qual não se verifica cerceamento de defesa, lesão ao contraditório ou à ampla defesa. O conjunto probatório, por sua vez, também é suficiente ao convencimento e bastante a orientar a presente decisão. Não há motivos, portanto, para a realização de novo exame médico ou mesmo complementação da perícia.
Registre-se, por oportuno, que a realização de nova perícia somente é recomendada quando a matéria não parecer ao julgador suficientemente esclarecida, a teor do disposto no art. 480, caput, do Código de Processo Civil (CPC).
Assim, o resultado contrário ao interesse da parte não é causa suficiente ao reconhecimento de cerceamento de defesa, em circunstâncias nas quais o laudo judicial é elaborado de forma completa, coerente e sem contradições internas.
Rejeita-se, portanto, a preliminar.
Benefício por incapacidade
Cumpre, de início, rememorar o tratamento legal conferido aos benefícios de auxílio-doença e de aposentadoria por invalidez.
O art. 59 da Lei n.º 8.213/91 (Lei de Benefícios da Previdência Social - LBPS) estabelece que o auxílio-doença será devido ao segurado que, havendo cumprido, quando for o caso, o período de carência exigido em lei, ficar incapacitado para o seu trabalho ou para a sua atividade habitual por mais de 15 (quinze) dias consecutivos. Por sua vez, o art. 42 da Lei nº 8.213/91 estatui que a aposentadoria por invalidez será concedida ao segurado que, tendo cumprido a carência, for considerado incapaz e insuscetível de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência. O art. 25 desse diploma legal esclarece, a seu turno, que a carência exigida para a concessão de ambos os benefícios é de 12 (doze) meses, salvo nos casos em que é expressamente dispensada (art. 26, II).
Em resumo, portanto, a concessão dos benefícios depende de três requisitos: (a) a qualidade de segurado do requerente à época do início da incapacidade (artigo 15 da LBPS); (b) o cumprimento da carência de 12 contribuições mensais, exceto nas hipóteses em que expressamente dispensada por lei; (c) o advento, posterior ao ingresso no RGPS, de moléstia incapacitante para o desenvolvimento de atividade laboral que garanta a subsistência do segurado.
Note-se que a concessão do auxílio-doença não exige que o segurado esteja incapacitado para toda e qualquer atividade laboral; basta que esteja incapacitado para a sua atividade habitual. É dizer: a incapacidade pode ser total ou parcial. Além disso, pode ser temporária ou permanente. Nisso, precisamente, é que se diferencia da aposentadoria por invalidez, que deve ser concedida apenas quando constatada a incapacidade total e permanente do segurado. Sobre o tema, confira-se a lição doutrinária de Daniel Machado da Rocha e de José Paulo Baltazar Júnior:
A diferença, comparativamente à aposentadoria por invalidez, repousa na circunstância de que para a obtenção de auxílio-doença basta a incapacidade para o trabalho ou atividade habitual do segurado, enquanto para a aposentadoria por invalidez exige-se a incapacidade total, para qualquer atividade que garanta a subsistência. Tanto é assim que, exercendo o segurado mais de uma atividade e ficando incapacitado para apenas uma delas, o auxílio-doença será concedido em relação à atividade para a qual o segurado estiver incapacitado, considerando-se para efeito de carência somente as contribuições relativas a essa atividade (RPS, art. 71, § 1º) (in ROCHA, Daniel Machado da. BALTAZAR JÚNIOR, José Paulo. Comentários à Lei de Benefícios da Previdência Social. 15. ed. rev., atual. e ampl. - São Paulo: Atlas, 2017).
De qualquer sorte, o caráter da incapacidade (total ou parcial) deve ser avaliado não apenas por um critério médico, mas conforme um juízo global que considere as condições pessoais da parte autora - em especial, a idade, a escolaridade e a qualificação profissional - a fim de se aferir, concretamente, a sua possibilidade de reinserção no mercado de trabalho.
Cumpre demarcar, ainda, a fungibilidade entre as ações previdenciárias, tendo em vista o caráter eminentemente protetivo e de elevado alcance social da lei previdenciária. De fato, a adoção de soluções processuais adequadas à relação jurídica previdenciária constitui uma imposição do princípio do devido processo legal, a ensejar uma leitura distinta do princípio dispositivo e da adstrição do juiz ao pedido (SAVARIS, José Antônio. Direito processual previdenciário. 6 ed., rev. atual. e ampl. Curitiba: Alteridade Editora, 2016, p. 67). Por isso, aliás, o STJ sedimentou o entendimento de que "não constitui julgamento extra ou ultra petita a decisão que, verificando não estarem atendidos os pressupostos para concessão do benefício requerido na inicial, concede benefício diverso cujos requisitos tenham sido cumpridos pelo segurado" (AgRG no AG 1232820/RS, Rel. Min. Laurita Vaz, 5ª Turma, j. 26/10/20, DJe 22/11/2010).
Caso concreto
Segundo consta do laudo pericial (evento 3 - LAUDOPERIC21), o autor é portador de doença pulmonar obstrutiva crônica (CIC/10: J44-9), que não o incapacita para o trabalho, sendo destacado pelo perito que se trata de quadro estabilizado e decorre de tabagismo crônico.
O recorrente defende a nulidade da perícia judicial, por outro lado, não apresenta qualquer documento que demonstre a alegada incapacidade, limitando-se a juntar um atestado médico, datado de 2014, que informava que o autor apresentava restrições físicas para executar atividades laborais e necessitava de repouso pelo prazo de 90 dias (evento 3 - ANEXOSPET4, pág. 33). Demais, foram juntados apenas resultados de exames e receitas que não demonstram qualquer incapacidade para o trabalho.
Dito isso, deve-se negar provimento à apelação, mantendo-se integralmente a sentença, pois, não havendo prova da alegada incapacidade, é incabível a concessão de aposentadoria por invalidez ou de auxílio-doença. Segundo foi esclarecido pelo perito, a doença do autor não o impede de exercer suas lides habituais.
Por fim, cabe destacar que o laudo foi elaborado por médico da confiança do juízo, não havendo necessidade de novo exame por pneumopata, como pede na apelação. De igual modo, as respostas aos quesitos detalham, fundamentadamente, as razões por que o autor encontra-se apto a trabalhar. O laudo é válido e suficiente, portanto, a embasar a presente decisão, até mesmo porque cabia ao autor, na condição de parte interessada, fazer prova em contrário, ônus do qual não se desincumbiu.
Nesse sentido, confiram-se precedentes desta Corte:
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE. CERCEAMENTO DE DEFESA. INOCORRÊNCIA. DESNECESSIDADE DE NOVO EXAME PERICIAL. AUXILIO-DOENÇA. LAUDO PERICIAL. AUSÊNCIA DE INCAPACIDADE. HONORÁRIOS. 1. A realização de nova perícia somente é recomendada quando a matéria não parecer ao juiz suficientemente esclarecida (art. 480, caput, do CPC). O resultado contrário ao interesse da parte não é causa suficiente ao reconhecimento de cerceamento de defesa, em circunstâncias nas quais o laudo judicial é elaborado de forma completa, coerente e sem contradições internas. 2. São três os requisitos para a concessão dos benefícios por incapacidade: (1) qualidade de segurado; (2) cumprimento do período de carência; (3) a incapacidade para o trabalho, de caráter permanente (aposentadoria por invalidez) ou temporário (auxílio-doença). 3. Somente contexto probatório muito relevante, constituído por exames que conclusivamente apontem para a incapacidade do segurado, pode desfazer a credibilidade que se deve emprestar a laudo pericial elaborado por profissional qualificado a servir como auxiliar do juízo. 4. Não caracterizada a incapacidade para o trabalho, imprópria a concessão de auxílio-doença. 5. Honorários advocatícios majorados (art. 85, §11, do CPC). (TRF4, AC 5034035-92.2018.4.04.9999, QUINTA TURMA, Relator OSNI CARDOSO FILHO, juntado aos autos em 12/07/2019)
PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-DOENÇA/APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. REQUISITOS. LAUDO PERICIAL. AUSÊNCIA DE INCAPACIDADE. 1. Quatro são os requisitos para a concessão do benefício em tela: (a) qualidade de segurado do requerente; (b) cumprimento da carência de 12 contribuições mensais; (c) superveniência de moléstia incapacitante para o desenvolvimento de qualquer atividade que garanta a subsistência; e (d) caráter definitivo/temporário da incapacidade. 2. A incapacidade laboral é comprovada através de exame médico-pericial e o julgador, via de regra, firma sua convicção com base no laudo, entretanto não está adstrito à sua literalidade, sendo-lhe facultada ampla e livre avaliação da prova. 3. A ausência de incapacidade causa óbice à concessão dos benefícios de auxílio-doença e de aposentadoria por invalidez. (TRF4, AC 5033005-22.2018.4.04.9999, QUINTA TURMA, Relator ALTAIR ANTONIO GREGÓRIO, juntado aos autos em 17/07/2019)
PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-DOENÇA. INCAPACIDADE NÃO VERIFICADA EM EXAME PERICIAL. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA MANTIDA 1. Não é devido o benefício por incapacidade quando a perícia judicial é concludente no sentido de que a parte autora não se encontra incapacitada para o exercício de atividade laborativa, ainda que acometida de moléstia recorrente. 2. Apelação improvida. (TRF4, AC 5000413-85.2019.4.04.9999, QUINTA TURMA, Relatora GISELE LEMKE, juntado aos autos em 25/07/2019)
Sabe-se que o juiz não está vinculado ao laudo pericial judicial (art. 479, CPC). Todavia, conforme reiteradamente afirmado por esta Corte, "a concessão de benefício previdenciário por incapacidade decorre da convicção judicial formada predominantemente a partir da produção de prova pericial" (TRF4, APELREEX 0013571-06.2016.404.9999, SEXTA TURMA, Relatora SALISE MONTEIRO SANCHOTENE, D.E. 11/07/2017). Apenas em situações excepcionais é que o magistrado pode, com base em sólida prova em contrário, afastar-se da conclusão apresentada pelo perito, do que aqui não se trata.
Conclui-se, assim, que o autor se encontra em condições para trabalho, motivo pelo qual não faz jus à concessão dos benefícios postulados, o que leva à improcedência do pedido.
Honorários advocatícios
Considerando o resultado do julgamento, bem com o disposto no art. 85, §11, do CPC, majora-se em 5%, de ofício, o percentual dos honorários advocatícios. Entretanto, a exigibilidade dessa obrigação fica suspensa por força da gratuidade da justiça, nos termos do art. 98, § 3º, do CPC.
Prequestionamento
O enfrentamento das questões suscitadas em grau recursal, assim como a análise da legislação aplicável, são suficientes para prequestionar junto às instâncias Superiores os dispositivos que as fundamentam. Assim, deixo de aplicar os dispositivos legais ensejadores de pronunciamento jurisdicional distinto do que até aqui foi declinado. Desse modo, evita-se a necessidade de oposição de embargos de declaração tão somente para este fim, o que evidenciaria finalidade procrastinatória do recurso, passível de cominação de multa.
Dispositivo
Em face do que foi dito, voto no sentido de negar provimento à apelação, nos termos da fundamentação, majorando, de ofício, os honorários advocatícios.
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Apelação Cível Nº 5001786-54.2019.4.04.9999/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
APELANTE: ALTAMIR SILVA DE FIGUEIREDO
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE. AUXÍLIO-DOENÇA/APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. doença pulmonar crônica. LAUDO PERICIAL. AUSÊNCIA DE INCAPACIDADE.
1. São três os requisitos para a concessão dos benefícios por incapacidade: (1) qualidade de segurado; (2) cumprimento do período de carência; (3) a incapacidade para o trabalho, de caráter permanente (aposentadoria por invalidez) ou temporário (auxílio-doença).
2. Somente contexto probatório muito relevante, constituído por exames que conclusivamente apontem para a incapacidade do segurado, pode desfazer a credibilidade que se deve emprestar a laudo pericial elaborado por profissional qualificado a servir como auxiliar do juízo.
3. Não obstante seja o autor portadora de doença pulmonar crônica, não está caracterizada a incapacidade para o trabalho, motivo pelo qual é imprópria a concessão de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento à apelação, majorando, de ofício, os honorários advocatícios, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 03 de dezembro de 2019.
Documento eletrônico assinado por OSNI CARDOSO FILHO, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40001481019v5 e do código CRC c9b691ba.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO Ordinária DE 03/12/2019
Apelação Cível Nº 5001786-54.2019.4.04.9999/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
PRESIDENTE: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
PROCURADOR(A): JOSE OSMAR PUMES
APELANTE: ALTAMIR SILVA DE FIGUEIREDO
ADVOGADO: VIVIANE TERESINHA PAVEGLIO COSTA (OAB RS035776)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Ordinária do dia 03/12/2019, às 13:30, na sequência 328, disponibilizada no DE de 14/11/2019.
Certifico que a 5ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 5ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO, MAJORANDO, DE OFÍCIO, OS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
Votante: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
Votante: Juiz Federal ALTAIR ANTONIO GREGORIO
Votante: Juíza Federal GISELE LEMKE
LIDICE PEÑA THOMAZ
Secretária
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