Apelação Cível Nº 5015328-42.2019.4.04.9999/RS
RELATORA: Juíza Federal TAIS SCHILLING FERRAZ
APELANTE: CAMILA JURISCH SCHMIDT
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RELATÓRIO
Trata-se de apelação interposta contra sentença (abr/19) que julgou improcedente pedido de benefício por incapacidade, condenando a parte autora em honorários de 10% sobre valor da causa, suspensa a exigibilidade em virtude da AJG.
A parte autora apela sustentando ser devido o benefício por incapacidade, tendo em vista que as crises recorrentes de epilepsia a incapacitam para a atividade rural.
Com contrarrazões, vieram os autos para julgamento.
É o relatório.
VOTO
Juízo de admissibilidade
O apelo preenche os requisitos de admissibilidade.
Benefício por incapacidade
Conforme o disposto no art. 59 da Lei n.º 8.213/91, o auxílio-doença é devido ao segurado que, havendo cumprido o período de carência, salvo as exceções legalmente previstas, ficar incapacitado para o seu trabalho ou para a sua atividade habitual por mais de 15 (quinze) dias consecutivos.
A aposentadoria por invalidez, por sua vez, será concedida ao segurado que, uma vez cumprida, quando for o caso, a carência exigida, for considerado incapaz e insuscetível de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência, sendo-lhe paga enquanto permanecer nessa condição, nos termos do art. 42 da Lei de Benefícios da Previdência Social.
A lei de regência estabelece que a carência exigida para a obtenção desses benefícios é de 12 (doze) contribuições mensais (art. 25, I), salvo nos casos legalmente previstos.
Em sendo a incapacidade anterior à filiação ao RGPS, ou à recuperação da condição de segurado, resulta afastada a cobertura previdenciária (art. 42, §2º e art. 59, §1º).
Caso concreto
A autora, agricultora, nascida em 12/04/87, recebeu benefício de auxílio-doença de 28/05/14 a 16/08/16, em razão de epilepsia.
Ajuizou a ação em 29/08/16. Foi deferida tutela de urgência em 31/08/16 (despadec5). Após a perícia judicial, a tutela de urgência foi revogada em 19/08/18 (despadec27).
- Incapacidade
A prova pericial é fundamental nos casos de benefício por incapacidade e tem como função elucidar os fatos trazidos ao processo. Submete-se ao princípio do contraditório, oportunizando-se, como no caso dos autos, a participação das partes na sua produção e a manifestação sobre os dados e conclusões técnicas apresentadas. Não importa, por outro lado, que seu resultado não atenda à expectativa de um dos demandantes ou mesmo de ambos, porque se destina a colher elementos necessários à formação do convencimento do juízo, ao qual incumbe decidir sobre a sua realização e eventual complementação e, posteriormente, apreciar seu poder de esclarecimento dos fatos, cotejando a perícia com os demais elementos carreados ao processo.
O juiz não está adstrito ao laudo pericial, nos termos do art. 479 do CPC, mas se entender por não acolher as conclusões do perito, à luz dos demais elementos presentes nos autos, deverá indicar os motivos que o levam a entendimento diverso.
Durante a instrução processual, em 07/06/18, foi realizada perícia médica por especialista em medicina do trabalho (p. 18, cartaprecordem25), cujo laudo técnico explicita e conclui:
Diagnóstico/CID:
- Epilepsia, não especificada (G409)
Justificativa/Conclusão: Não há incapacidade laborativa para a atividade declarada de agricultora. Apresenta patologia crônica (epilepsia) estabilizada e sempre sob tratamento de monodroga. Realizou todas as provas semiológicas pertinentes as suas queixas sem restrições ou limitações funcionais para atividade laboral. Realiza o plano terapêutico estabelecido por parte do médico assistente. Não refere qualquer situação de agravamento ou intercorrência clínica. Não há elementos clínicos acostados aos autos ou trazidos ao Ato Pericial que demonstrem incapacidade laborativa. Não há expressão clínica incapacitante. Há doença, mas não há incapacidade. Não há incapacidade paras as atividades da vida diária. Não há como asseverar de forma inequívoca incapacidade laborativa pregressa.
Data do início da doença: Aos dezessete anos de vida.
O perito procedeu a exame físico e analisou todos os documentos particulares apresentados: impressoões diagnósticas do exame EEG de 09/06/14, 21/08/14, 28/01/15, 23/04/15, 26/11/15, 17/03/16, 09/08/16 e atestados médicos de 01/12/15, 19/08/16 e 09/05/16, todos constantes do processo, além dos apresentados pela autora em perícia (impressão diagnóstica de EEG de 23/06/17 e laudos, receitas e atestados).
Cumpre ressaltar que o perito judicial é o profissional de confiança do juízo, cujo compromisso é examinar a parte com imparcialidade. Embora o juiz não fique adstrito às conclusões do perito, a prova em sentido contrário ao laudo judicial, para prevalecer, deve ser suficientemente robusta e convincente.
Também, como referido acima, ao decidir, esta Corte não está vinculada às conclusões do laudo pericial, havendo elementos substanciais nos autos que apontam para solução diversa da aventada na perícia.
No caso, do cotejo probatório, é possível aferir-se a existência de incapacidade no interregno entre a cessação do benefício (ago/16) e a realização da perícia judicial. A prova dos autos denota que a autora passou por período de agravamento da patologia entre 2014 e 2018, evoluindo para a estabilização da doença em decorrência do tratamento medicamentoso contínuo. Os atestados médicos de 11/06/14, 28/08/14, 30/04/15, 09/07/15, 01/12/15, 19/08/16 e 28/07/17 atestam impossibilidade de trabalhar na agricultura por tempo indeterminado, devido ao risco de lesão por crises de repetição, com piora dos sintomas com a exposição ao sol ou a trabalhos pesados (p. 18, 20, 21, 22 e 15, anexospet4 e pet23).
Por outro lado, não tendo sido comprovada incapacidade atual para o exercício de atividades laborais, não há direito ao benefício postulado.
Não há elemento, nos autos, que possa ilidir a conclusão do expert, sendo devido o benefício de auxílio-doença somente entre a cessação administrativa e a perícia judicial, descontando-se os valores já recebidos por força de antecipação de tutela.
Por fim, não prospera a tese de que a perícia foi incompleta e inconclusiva. Verifica-se que a perícia se baseou no exame físico da requerente, assim como em exames e documentos particulares apresentados, tendo sido respondidos todos os quesitos pertinentes.
Nada obsta a que, agravado o quadro, a parte autora formule novo pedido de concessão de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez.
Consectários e provimento finais
- Correção monetária
A correção monetária das parcelas vencidas dos benefícios previdenciários será calculada conforme a variação dos seguintes índices:
- IGP-DI de 05/96 a 03/2006 (art. 10 da Lei n.º 9.711/98, combinado com o art. 20, §§5º e 6º, da Lei n.º 8.880/94);
- INPC a partir de 04/2006 (art. 41-A da lei 8.213/91, na redação da Lei n.º 11.430/06, precedida da MP n.º 316, de 11/08/2006, e art. 31 da Lei n.º 10.741/03, que determina a aplicação do índice de reajustamento dos benefícios do RGPS às parcelas pagas em atraso).
A utilização da TR como índice de correção monetária dos débitos judiciais da Fazenda Pública, que fora prevista na Lei 11.960/2009, que introduziu o art. 1º-F na Lei 9.494/97, foi afastada pelo STF no julgamento do tema 810, através do RE 870947, com repercussão geral, o que restou confirmado, no julgamento de embargos de declaração por aquela Corte, sem qualquer modulação de efeitos. O precedente do STF é aplicável desde logo, uma vez que, nos termos da decisão do Relator, a pendência do julgamento dos embargos de declaração é que motivava a suspensão nacional dos processos.
No julgamento do tema 905, através do REsp 1.495146, e interpretando o julgamento do STF, o STJ definiu quais os índices que se aplicariam em substituição à TR, concluindo que aos benefícios assistenciais deveria ser utilizado IPCA-E, conforme decidiu a Suprema Corte, no recurso representativo da controvérsia e que, aos previdenciários, voltaria a ser aplicável o INPC, uma vez que a inconstitucionalidade reconhecida restabeleceu a validade e os efeitos da legislação anterior, que determinava a adoção deste último índice, nos termos acima indicados.
Ainda que o STJ não tenha levantado a suspensão dos efeitos da tese que firmou no julgamento do Tema 905, nada obsta à utilização dos respectivos argumentos, por esta Turma, como razões de decidir, uma vez que bem explicitam os critérios atualizatórios, a partir da natureza dos benefícios – assistencial ou previdenciária.
A conjugação dos precedentes dos tribunais superiores resulta, assim, na aplicação do INPC aos benefícios previdenciários, a partir de abril 2006, reservando-se a aplicação do IPCA-E aos benefícios de natureza assistencial.
Importante ter presente, para a adequada compreensão do eventual impacto sobre os créditos dos segurados, que os índices em referência - INPC e IPCA-E tiveram variação muito próxima no período de julho de 2009 (data em que começou a vigorar a TR) e até setembro de 2019, quando julgados os embargos de declaração no RE 870947 pelo STF (IPCA-E: 76,77%; INPC 75,11), de forma que a adoção de um ou outro índice nas decisões judiciais já proferidas não produzirá diferenças significativas sobre o valor da condenação.
Juros de mora
Os juros de mora devem incidir a partir da citação.
Até 29-06-2009, já tendo havido citação, deve-se adotar a taxa de 1% ao mês a título de juros de mora, conforme o art. 3º do Decreto-Lei n. 2.322/87, aplicável analogicamente aos benefícios pagos com atraso, tendo em vista o seu caráter eminentemente alimentar, consoante firme entendimento consagrado na jurisprudência do STJ e na Súmula 75 desta Corte.
A partir de então, deve haver incidência dos juros, uma única vez, até o efetivo pagamento do débito, segundo percentual aplicado à caderneta de poupança, nos termos estabelecidos no art. 1º-F, da Lei 9.494/97, na redação da Lei 11.960/2009, considerado, no ponto, constitucional pelo STF no RE 870947, decisão com repercussão geral.
Os juros de mora devem ser calculados sem capitalização, tendo em vista que o dispositivo legal em referência determina que os índices devem ser aplicados "uma única vez" e porque a capitalização, no direito brasileiro, pressupõe expressa autorização legal (STJ, AgRgno AgRg no Ag 1211604/SP).
Honorários
Considerando a natureza previdenciária da causa, bem como a existência de parcelas obtidas com o ajuizamento da ação, que não excedem 200 salários mínimos, os honorários de sucumbência devem ser fixados em 10% sobre o proveito econômico obtido com a demanda, nos termos do artigo 85, §3º, inciso I, do CPC.
Custas
O INSS é isento de custas quando demandado perante a Justiça Estadual do RS (art. 5, I, Lei 11.634/14/RS).
Conclusão
Parcialmente provida a apelação da parte autora para determinar o pagamento do benefício de auxílio-doença desde a data do cancelamento até a data da perícia judicial.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por dar parcial provimento à apelação.
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Apelação Cível Nº 5015328-42.2019.4.04.9999/RS
RELATORA: Juíza Federal TAIS SCHILLING FERRAZ
APELANTE: CAMILA JURISCH SCHMIDT
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE. AUXÍLIO-DOENÇA. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. INCAPACIDADE ATUAL NÃO COMPROVADA. BENEFÍCIO INDEVIDO. DEMONSTRAÇÃO DE INCAPACIDADE ENTRE A DCB E A PERÍCIA JUDICIAL. BENEFÍCIO CONCEDIDO NO INTERREGNO.
1. Tratando-se de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez, o Julgador firma sua convicção, via de regra, por meio da prova pericial.
2. Tendo o laudo médico oficial concluído pela inexistência de incapacidade atual para o exercício de atividades laborais habituais, e não havendo prova substancial em contrário, não há direito ao auxílio-doença ou à aposentadoria por invalidez.
3. Por outro lado comprovada a existência de incapacidade entre a data de cancelamento do benefício anterior e a perícia judicial, é devido o auxílio-doença no interregno, descontando-se eventuais valores recebidos a título de antecipação da tutela.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 11 de dezembro de 2019.
Documento eletrônico assinado por TAIS SCHILLING FERRAZ, Juíza Relatora, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40001492324v3 e do código CRC c25127f9.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO Ordinária DE 11/12/2019
Apelação Cível Nº 5015328-42.2019.4.04.9999/RS
RELATORA: Juíza Federal TAIS SCHILLING FERRAZ
PRESIDENTE: Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
PROCURADOR(A): ALEXANDRE AMARAL GAVRONSKI
APELANTE: CAMILA JURISCH SCHMIDT
ADVOGADO: JOELSON FERNANDO KONRAD (OAB RS090406)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Ordinária do dia 11/12/2019, às 10:00, na sequência 222, disponibilizada no DE de 25/11/2019.
Certifico que a 6ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 6ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO.
RELATORA DO ACÓRDÃO: Juíza Federal TAIS SCHILLING FERRAZ
Votante: Juíza Federal TAIS SCHILLING FERRAZ
Votante: Juiz Federal JULIO GUILHERME BEREZOSKI SCHATTSCHNEIDER
Votante: Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
LIDICE PEÑA THOMAZ
Secretária
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