Apelação Cível Nº 5007212-90.2019.4.04.7107/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
APELANTE: CARLOS ROBERTO PINHEIRO DE SOUZA (AUTOR)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
RELATÓRIO
Carlos Roberto Pinheiro de Souza interpôs apelação em face de sentença (prolatada em 27/02/2020) que julgou improcedente o pedido para concessão de auxílio-doença, desde a data de entrada do requerimento administrativo (21/10/2009), ou aposentadoria por invalidez, condenando-o ao pagamento dos honorários advocatícios, arbitrados em 10% sobre o valor da causa corrigido, cuja exigibilidade foi suspensa por ser beneficiário da justiça gratuita (Eventos 51 e 61).
Sustentou que faz jus à concessão de benefício por incapacidade por ser portador de doenças relacionadas ao uso abusivo de álcool, bem como por ser portador do vírus HIV, de forma que referidas moléstias o impedem de exercer atividade laborativa. Registrou que o julgador deve observar não só o teor do laudo pericial como também o conjunto probatório e as condições pessoais do requerente. Por fim, requereu a reforma da sentença para que lhe seja concedido benefício por incapacidade desde a DER (em 21/10/2009) (Evento 69).
Com contrarrazões, subiram os autos.
VOTO
Benefício por incapacidade
Cumpre, de início, rememorar o tratamento legal conferido aos benefícios de auxílio-doença e de aposentadoria por invalidez.
O art. 59 da Lei n.º 8.213/91 (Lei de Benefícios da Previdência Social - LBPS) estabelece que o auxílio-doença será devido ao segurado que, havendo cumprido, quando for o caso, o período de carência exigido em lei, ficar incapacitado para o seu trabalho ou para a sua atividade habitual por mais de 15 (quinze) dias consecutivos. Por sua vez, o art. 42 da Lei nº 8.213/91 estatui que a aposentadoria por invalidez será concedida ao segurado que, tendo cumprido a carência, for considerado incapaz e insuscetível de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência. O art. 25 desse diploma legal esclarece, a seu turno, que a carência exigida para a concessão de ambos os benefícios é de 12 (doze) meses, salvo nos casos em que é expressamente dispensada (art. 26, II).
Em resumo, portanto, a concessão dos benefícios depende de três requisitos: (a) a qualidade de segurado do requerente à época do início da incapacidade (artigo 15 da LBPS); (b) o cumprimento da carência de 12 contribuições mensais, exceto nas hipóteses em que expressamente dispensada por lei; (c) o advento, posterior ao ingresso no RGPS, de moléstia incapacitante para o desenvolvimento de atividade laboral que garanta a subsistência do segurado.
Note-se que a concessão do auxílio-doença não exige que o segurado esteja incapacitado para toda e qualquer atividade laboral; basta que esteja incapacitado para a sua atividade habitual. É dizer: a incapacidade pode ser total ou parcial. Além disso, pode ser temporária ou permanente. Nisso, precisamente, é que se diferencia da aposentadoria por invalidez, que deve ser concedida apenas quando constatada a incapacidade total e permanente do segurado. Sobre o tema, confira-se a lição doutrinária de Daniel Machado da Rocha e de José Paulo Baltazar Júnior:
A diferença, comparativamente à aposentadoria por invalidez, repousa na circunstância de que para a obtenção de auxílio-doença basta a incapacidade para o trabalho ou atividade habitual do segurado, enquanto para a aposentadoria por invalidez exige-se a incapacidade total, para qualquer atividade que garanta a subsistência. Tanto é assim que, exercendo o segurado mais de uma atividade e ficando incapacitado para apenas uma delas, o auxílio-doença será concedido em relação à atividade para a qual o segurado estiver incapacitado, considerando-se para efeito de carência somente as contribuições relativas a essa atividade (RPS, art. 71, § 1º) (in ROCHA, Daniel Machado da. BALTAZAR JÚNIOR, José Paulo. Comentários à Lei de Benefícios da Previdência Social. 15. ed. rev., atual. e ampl. - São Paulo: Atlas, 2017).
De qualquer sorte, o caráter da incapacidade (total ou parcial) deve ser avaliado não apenas por um critério médico, mas conforme um juízo global que considere as condições pessoais da parte autora - em especial, a idade, a escolaridade e a qualificação profissional - a fim de se aferir, concretamente, a sua possibilidade de reinserção no mercado de trabalho.
Cumpre demarcar, ainda, a fungibilidade entre as ações previdenciárias, tendo em vista o caráter eminentemente protetivo e de elevado alcance social da lei previdenciária. De fato, a adoção de soluções processuais adequadas à relação jurídica previdenciária constitui uma imposição do princípio do devido processo legal, a ensejar uma leitura distinta do princípio dispositivo e da adstrição do juiz ao pedido (SAVARIS, José Antônio. Direito processual previdenciário. 6 ed., rev. atual. e ampl. Curitiba: Alteridade Editora, 2016, p. 67). Por isso, aliás, o STJ sedimentou o entendimento de que "não constitui julgamento extra ou ultra petita a decisão que, verificando não estarem atendidos os pressupostos para concessão do benefício requerido na inicial, concede benefício diverso cujos requisitos tenham sido cumpridos pelo segurado" (AgRG no AG 1232820/RS, Rel. Min. Laurita Vaz, 5ª Turma, j. 26/10/20, DJe 22/11/2010).
Caso concreto
Limita-se a controvérsia à verificação do quadro incapacitante, uma vez que os requisitos referentes à qualidade de segurado e à carência foram devidamente comprovados, destacando-se, desde logo, que sequer foram objeto de discussão nos autos.
Com a finalidade de contextualizar a situação ora em análise, deve-se ressaltar que o autor, atualmente com 50 anos de idade (nascido em 26/03/1970), requereu administrativamente benefício por incapacidade, em 21/10/2009, o qual foi indeferido por não ter sido constatada incapacidade laborativa.
De acordo com as informações extraídas do laudo pericial judicial, datado de 20/09/2019 (Evento 24), o autor exerceu a profissão de marteleteiro durante oito meses, e encontra-se afastado de tal atividade desde meados de 1996. Queixou-se de debilidade física e sintomas depressivos, referindo, ainda, ser portador do vírus HIV. Relatou que faz tratamento continuado para controle do HIV.
O diagnóstico foi de Transtornos mentais e comportamentais devidos ao uso de álcool - síndrome de dependência (CID F10.2). Após avaliação física e análise da documentação médica complementar apresentada, o expert concluiu que tais patologias não acarretam incapacidade laborativa atual, destacando que o autor está em tratamento regular e adequado para a dependência química, e que nem sempre a história recente de internação é indicativo de incapacidade laborativa. Confira-se:
Histórico/anamnese:
HISTÓRIA PSIQUIÁTRICA
Refere início de uso de álcool desde a adolescência, sendo que passou a ser usuário mais pesado em meados de 2014, quando houve sua separação conjugal. A busca por atendimento psiquiátrico pela primeira vez ocorreu ainda em 2014, através de internação para desintoxicação, em Veranópolis. Não chegou a fazer acompanhamento após, voltando a fazer uso de álcool novamente. Apenas recentemente retomou o tratamento médico para alcoolismo, sendo que buscou atendimento através do CAPS. Nega internações psiquiátricas posteriores à relatada. Descreve, atualmente, que tem feito uso esporádico de álcool. Atualmente, está sob os cuidados da MD Itamara Kruchinski, CRM 16749, que emite atestado datado de 06/09/2019, onde relata CID 10 F10.4 e B24. Traz prescrição de internação recente pelo HIV, com prescrição de clonazepam e antietanol. Mora com os pais, que são aposentados. Não apresenta outros atestados psiquiátricos, no ato pericial, além do relatado em epígrafe.
[...]
Conclusão: sem incapacidade atual
- Justificativa: Não há incapacidade para o trabalho, do ponto de vista psiquiátrico. O autor é portador de quadro compatível com o diagnóstico de etilismo, sem apresentar elementos técnicos de convicção que justifiquem incapacidade laborativa. Está em tratamento regular. Deve-se levar em conta as seguintes datas técnicas: DID: meados de 2014 A metodologia utilizada para a elaboração da prova pericial consistiu na leitura prévia dos autos do processo, realização da Anamnese Psiquiátrica, composta da História Psiquiátrica passada e atual, História Familiar, História Médica pregressa e atual, Exame do Estado Mental, análise documental dos exames e atestados acostados aos autos e os apresentados no ato pericial, consulta bibliográfica, dando ênfase a artigos de medicina baseada em evidências.
- Houve incapacidade pretérita em período(s) além daquele(s) em que o(a) autor(a) já esteve em gozo de benefício previdenciário? NÃO
- Caso não haja incapacidade atual, o(a) autor(a) apresenta sequela consolidada decorrente de acidente de qualquer natureza? NÃO
Em sede de laudo complementar, instado a se manifestar sobre novos documentos médicos acostados aos autos pelo autor, o perito ratificou suas conclusões (Evento 43):
Conforme solicitado no evento 37, dou vistas às documentações elencadas no evento 36, compostas de vários registros médicos, dos quais é importante destacar:
1. Memorando emitido pelo CAPS, datado de 14/10/2019, esclarecendo que o autor estava internado em leito clínico, por demanda clínica principalmente, não se fazendo necessário internação em unidade de saúde mental.
2. Relatório de atendimentos do CAPS, com duas consultas em 2008, uma consulta em 2009 e, após transcorridos 10 anos, novas consultas em 2019, quando foi encaminhado para internação clínica, por apresentar-se debilitado fisicamente. Os documentos indicam interrupção de tratamento no CAPS por 10 anos (2009 a 2019) e internação recente ocorrida por descompensação clínica (autor portador de HIV). Esses dados, somados aos descritos no laudo pericial, dão suporte à ratificação da conclusão do mesmo.
Dito isso, deve-se negar provimento à apelação, mantendo-se integralmente a sentença, pois, ausente a incapacidade, é incabível a concessão de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez. Segundo foi esclarecido no laudo pericial, os sintomas relatados pelo autor não o impedem de exercer suas lides habituais. Destaca-se, no ponto, que os documentos apresentados no processo não são suficientes a comprovar a alegada incapacidade.
Por fim, cabe destacar que o laudo foi elaborado por profissional da confiança do juízo e especialista em psiquiatria, detalhando, fundamentadamente, as razões por que o autor encontra-se apto a trabalhar, sendo que a atividade exercida por ele anteriormente e suas condições pessoais foram levadas em consideração pelo médico perito para fins de expedição do referido documento. O laudo é válido e suficiente, portanto, a embasar a presente decisão.
Sabe-se que o juiz não está vinculado ao laudo pericial judicial (art. 479, CPC). Todavia, conforme reiteradamente afirmado por esta Corte, "a concessão de benefício previdenciário por incapacidade decorre da convicção judicial formada predominantemente a partir da produção de prova pericial" (TRF4, APELREEX 0013571-06.2016.404.9999, SEXTA TURMA, Relatora SALISE MONTEIRO SANCHOTENE, D.E. 11/07/2017). Apenas em situações excepcionais é que o magistrado pode, com base em sólida prova em contrário, afastar-se da conclusão apresentada pelo perito, do que aqui não se trata.
Conclui-se, assim, que o autor se encontra em condições para o trabalho, motivo pelo qual não faz jus à concessão do benefício postulado, o que leva à improcedência do pedido, e, portanto, ao desprovimento da apelação.
Honorários advocatícios
Desprovido o recurso interposto pelo autor da sentença de improcedência do pedido, devem os honorários de advogado ser majorados, com o fim de remunerar o trabalho adicional do procurador da parte em segundo grau de jurisdição.
Consideradas as disposições do art. 85, §§ 2º e 3º, do Código de Processo Civil (CPC), arbitra-se a verba honorária total no valor correspondente a 12% (doze por cento) sobre o valor corrigido da causa, percentual que já inclui os honorários decorrentes da atuação no âmbito recursal (art. 85, §11, do CPC), mantendo-se a inexigibilidade da verba em face da concessão da assistência judiciária gratuita.
Prequestionamento
O enfrentamento das questões suscitadas em grau recursal, assim como a análise da legislação aplicável, são suficientes para prequestionar junto às instâncias Superiores os dispositivos que as fundamentam. Assim, deixo de aplicar os dispositivos legais ensejadores de pronunciamento jurisdicional distinto do que até aqui foi declinado. Desse modo, evita-se a necessidade de oposição de embargos de declaração tão somente para este fim, o que evidenciaria finalidade procrastinatória do recurso, passível de cominação de multa.
Dispositivo
Em face do que foi dito, voto no sentido de negar provimento à apelação, majorando, de ofício, os honorários advocatícios, nos termos da fundamentação.
Documento eletrônico assinado por OSNI CARDOSO FILHO, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40001958390v7 e do código CRC b4896746.Informações adicionais da assinatura:
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Apelação Cível Nº 5007212-90.2019.4.04.7107/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
APELANTE: CARLOS ROBERTO PINHEIRO DE SOUZA (AUTOR)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE. AUXILIO-DOENÇA/APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. LAUDO PERICIAL. PROBLEMAS PSIQUIÁTRICOS. AUSÊNCIA DE INCAPACIDADE. HONORÁRIOS MAJORADOS.
1. O direito à aposentadoria por invalidez e ao auxílio-doença pressupõe o preenchimento de 3 (três) requisitos: (1) a qualidade de segurado ao tempo de início da incapacidade, (2) a carência de 12 (doze) contribuições mensais, ressalvadas as hipóteses previstas no art. 26, II, da Lei nº 8.213, que a dispensam, e (3) aquele relacionado à existência de incapacidade impeditiva para toda e qualquer atividade (aposentadoria por invalidez) ou para seu trabalho habitual (auxílio-doença) em momento posterior ao ingresso no RGPS, aceitando-se, contudo, a derivada de doença anterior, desde que agravada após esta data, nos termos dos arts. 42, §2º, e 59, parágrafo único; ambos da Lei nº 8.213.
2. Somente contexto probatório muito relevante, constituído por exames que conclusivamente apontem para a incapacidade do segurado, pode desfazer a credibilidade que se deve emprestar a laudo pericial elaborado por profissional qualificado a servir como auxiliar do juízo.
3. Não caracterizada a incapacidade para o trabalho, imprópria a concessão de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez.
4. Majorados os honorários advocatícios a fim de adequação ao que está disposto no art. 85, §11, do Código de Processo Civil.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento à apelação, majorando, de ofício, os honorários advocatícios, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 22 de setembro de 2020.
Documento eletrônico assinado por OSNI CARDOSO FILHO, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40001958391v5 e do código CRC 59b2faee.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO Virtual DE 14/09/2020 A 22/09/2020
Apelação Cível Nº 5007212-90.2019.4.04.7107/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
PRESIDENTE: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
PROCURADOR(A): JOÃO HELIOFAR DE JESUS VILLAR
APELANTE: CARLOS ROBERTO PINHEIRO DE SOUZA (AUTOR)
ADVOGADO: MARIBEL LANNES SILVA VEZZOSI (OAB RS040843)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 14/09/2020, às 00:00, a 22/09/2020, às 14:00, na sequência 59, disponibilizada no DE de 02/09/2020.
Certifico que a 5ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 5ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO, MAJORANDO, DE OFÍCIO, OS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
Votante: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
Votante: Juiz Federal ALTAIR ANTONIO GREGORIO
Votante: Juíza Federal ELIANA PAGGIARIN MARINHO
LIDICE PEÑA THOMAZ
Secretária
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