Apelação Cível Nº 5006781-76.2020.4.04.9999/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: ISRAEL DA COSTA
RELATÓRIO
O Instituto Nacional do Seguro Social interpôs apelação em face de sentença que julgou procedente o pedido para concessão de aposentadoria por invalidez, em favor da parte autora, desde a cessação do benefício de auxílio-doença (), condenando-o ao pagamento de honorários advocatícios, a serem liquidados posteriormente, nos termos da Súmula 111 do STJ (Evento 63 - SENT1).
Sustentou que o laudo pericial não constatou incapacidade laboral e é impossível a concessão de benefício por incapacidade com base em aspectos socioeconômicos divorciados da condição física-funcional do segurado. Requereu a reforma da sentença e a inversão dos ônus da sucumbência. Prequestionou a matéria (Evento 69 - APELAÇÃO1).
Com contrarrazões, subiram os autos a este Tribunal.
VOTO
Benefício por incapacidade
Cumpre, de início, rememorar o tratamento legal conferido aos benefícios de auxílio-doença e de aposentadoria por invalidez.
O art. 59 da Lei n.º 8.213/91 (Lei de Benefícios da Previdência Social - LBPS) estabelece que o auxílio-doença será devido ao segurado que, havendo cumprido, quando for o caso, o período de carência exigido em lei, ficar incapacitado para o seu trabalho ou para a sua atividade habitual por mais de 15 (quinze) dias consecutivos. Por sua vez, o art. 42 da Lei nº 8.213/91 estatui que a aposentadoria por invalidez será concedida ao segurado que, tendo cumprido a carência, for considerado incapaz e insuscetível de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência. O art. 25 desse diploma legal esclarece, a seu turno, que a carência exigida para a concessão de ambos os benefícios é de 12 (doze) meses, salvo nos casos em que é expressamente dispensada (art. 26, II).
Em resumo, portanto, a concessão dos benefícios depende de três requisitos: (a) a qualidade de segurado do requerente à época do início da incapacidade (artigo 15 da LBPS); (b) o cumprimento da carência de 12 contribuições mensais, exceto nas hipóteses em que expressamente dispensada por lei; (c) o advento, posterior ao ingresso no RGPS, de moléstia incapacitante para o desenvolvimento de atividade laboral que garanta a subsistência do segurado.
Note-se que a concessão do auxílio-doença não exige que o segurado esteja incapacitado para toda e qualquer atividade laboral; basta que esteja incapacitado para a sua atividade habitual. É dizer: a incapacidade pode ser total ou parcial. Além disso, pode ser temporária ou permanente. Nisso, precisamente, é que se diferencia da aposentadoria por invalidez, que deve ser concedida apenas quando constatada a incapacidade total e permanente do segurado. Sobre o tema, confira-se a lição doutrinária de Daniel Machado da Rocha e de José Paulo Baltazar Júnior:
A diferença, comparativamente à aposentadoria por invalidez, repousa na circunstância de que para a obtenção de auxílio-doença basta a incapacidade para o trabalho ou atividade habitual do segurado, enquanto para a aposentadoria por invalidez exige-se a incapacidade total, para qualquer atividade que garanta a subsistência. Tanto é assim que, exercendo o segurado mais de uma atividade e ficando incapacitado para apenas uma delas, o auxílio-doença será concedido em relação à atividade para a qual o segurado estiver incapacitado, considerando-se para efeito de carência somente as contribuições relativas a essa atividade (RPS, art. 71, § 1º) (in ROCHA, Daniel Machado da. BALTAZAR JÚNIOR, José Paulo. Comentários à Lei de Benefícios da Previdência Social. 15. ed. rev., atual. e ampl. - São Paulo: Atlas, 2017).
De qualquer sorte, o caráter da incapacidade (total ou parcial) deve ser avaliado não apenas por um critério médico, mas conforme um juízo global que considere as condições pessoais da parte autora - em especial, a idade, a escolaridade e a qualificação profissional - a fim de se aferir, concretamente, a sua possibilidade de reinserção no mercado de trabalho.
Cumpre demarcar, ainda, a fungibilidade entre as ações previdenciárias, tendo em vista o caráter eminentemente protetivo e de elevado alcance social da lei previdenciária. De fato, a adoção de soluções processuais adequadas à relação jurídica previdenciária constitui uma imposição do princípio do devido processo legal, a ensejar uma leitura distinta do princípio dispositivo e da adstrição do juiz ao pedido (SAVARIS, José Antônio. Direito processual previdenciário. 6 ed., rev. atual. e ampl. Curitiba: Alteridade Editora, 2016, p. 67). Por isso, aliás, o STJ sedimentou o entendimento de que "não constitui julgamento extra ou ultra petita a decisão que, verificando não estarem atendidos os pressupostos para concessão do benefíciorequerido na inicial, concede benefício diverso cujos requisitos tenham sido cumpridos pelo segurado" (AgRG no AG 1232820/RS, Rel. Min. Laurita Vaz, 5ª Turma, j. 26/10/20, DJe 22/11/2010).
Caso concreto
A matéria devolvida pelo INSS diz respeito à ausência de incapacidade laboral do autor.
Segundo consta do laudo pericial (Evento 28 - LAUDO1), o autor, atualmente com 41 anos de idade, tem "Seqüela de traumatismo de membro inferior T 93", com limitação parcial de 70% em sua capacidade laboral, mas não há incapacidade para a atividade de artesão. Confira-se:
5. HISTÓRIA CLÍNICA: Relata o autor que há 17 anos sofreu acidente no trilho do trem em que teve sua perna direita amputada 2cm acima do joelho. Refere já ter feito uso de 3 próteses, sendo que a última quebrou e aguarda há 3 anos nova prótese.
(...)
1) O autor apresenta enfermidade? Em caso positivo, descreva o atual quadro da doença, bem como o CID.
Seqüela de traumatismo de membro inferior T 93.
2) Existe incapacidade laborativa? Em caso positivo, diga o perito se a incapacidade é parcial ou total e temporária ou definitiva.
Existe limitação parcial de 70% em sua capacidade laboral.
3) Qual é a atividade habitual do autor?
Artesão.
4) Existe a possibilidade de reabilitação profissional?
Refere já ter realizado reabilitação.
(...)
5. É possível fixar a Data de Início da Doença (DID) e a Data de Início da Incapacidade (DII)? Se positivo, quando? A data do acidente, sem incapacidade, com limitação de 70% em sua capacidade.
(...)
7. A incapacidade laborativa, se confirmada, é omniprofissional (para toda e qualquer espécie de atividade laborativa), multiprofissional (para a atividade desempenhada e as semelhantes) ou uniprofissional (somente para aquela atividade desempenhada). Qual(is) atividade(s) laborativa(s) a parte autora ainda pode exercer?
Multiprofissional, para atividades que demandem o uso pleno das pernas.
(...)
9. CONCLUSÃO. O autor apresenta perda do membro inferior direito que, segundo tabela DPVAT, representa uma perda de 70% em sua capacidade. Apto ao trabalho habitual de artesão.
Portanto, o expert concluiu que há incapacidade para atividades que demandem o uso pleno das pernas desde a data do acidente (2004), mas o autor estaria apto para a atividade de artesão. Ocorre que o laudo foi impugnado pela parte autora (Evento 32 - PET1), que afirmou ser o artesanato mero passatempo:
Excelência, conforme se verifica na inicial, a atividade habitual do autor não é artesão, mas, sim, serviços gerais/operário, atividades que obviamente demandam a utilização de ambas as pernas. O artesanato foi uma atividade que o autor acabou desenvolvendo como passa tempo, já que não pode caminhar, que não gera lucratividade alguma, pois tão somente utiliza retalhos de madeira para construir casas de pássaros, o que executa em um galpão, nos fundos da casa de seus pais, onde mora de favor.
Considerando a informação de que o autor já teria sido reabilitado, o Magistrado a quo determinou, em 19/03/2019, a intimação do INSS para prestar informações sobre a reabilitação (Evento 44 - DESPADEC1). A autarquia respondeu, na mesma semana, que a intimação deveria ser direcionada à EADJ (Evento 47 - PET1). Foi determinada nova intimação, em 20/05/2019 (Evento 49 - DESPADEC1), reiterada em 07/11/2019 (Evento 56 - DESPADEC1). Transcorrido quase um ano sem resposta do réu, a Juíza a quo sentenciou o feito em 16/03/2020 (Evento 63 - SENT1).
O autor esteve em gozo de auxílio-doença nos seguintes períodos: 19/07/2004 a 31/12/2006, 09/01/2007 a 31/03/2008, 17/11/2008 a 03/02/2018, 26/09/2012 a 20/06/2014 (Evento 6 - CNIS5, Página 1).
As informações sobre o Programa de Reabilitação Profissional são confusas e, por vezes, contraditórias. Houve encaminhamento para o PRP em 10/01/2007, 20/07/2007, 30/04/2013 e 20/04/2018 (Evento 6 - LAUDO2, Páginas 9, 10, 24 e 28), informação de continuidade do PRP em 01/06/2009, 03/03/2010 e 18/06/2010 (Idem, Páginas 12 a 14), movimentação de PRP em 16/10/2014 (Idem, Página 19), informação de que o segurado era inelegível ao PRP em 08/05/2014 (Idem, Página 25), retorno ao PRP em 19/11/2015 (Idem, Página 26).
Intimado a prestar informações sobre o processo de reabilitação, o réu não se manifestou, ônus que lhe caberia (art. 373, II, do CPC). Com os elementos dos autos, conclui-se que, em quase 14 anos de auxílio-doença, o réu não conseguiu reabilitar o autor para atividade profissional compatível com sua limitação (amputação da perna com problemas de adaptação às próteses). Sendo assim, a sentença que concedeu o benefício de aposentadoria por invalidez deve ser mantida.
Quanto à alegada ausência de incapacidade, não há qualquer prova nos autos de que o autor trabalhe como artesão, sendo incontroverso que na data do acidente sua atividade era de operário/serviços gerais. De acordo com o perito, há incapacidade para tal atividade. No momento do acidente, o autor tinha histórico de 10 anos de trabalho na indústria (Evento 6 - CNIS5, Página 1) e não há prova de que tenha sido reabilitado.
Nega-se provimento, portanto, à apelação.
Correção monetária
Após o julgamento, pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, em regime de repercussão geral, do Tema 810 (RE n. 870.947), a que se seguiu o dos embargos de declaração da mesma decisão, rejeitados e com afirmação de inexistência de modulação de efeitos, deve a atualização monetária obedecer ao Tema 905 do Superior Tribunal de Justiça, que estabelece para as condenações judiciais de natureza previdenciária:
As condenações impostas à Fazenda Pública de natureza previdenciária sujeitam-se à incidência do INPC, para fins de correção monetária, no que se refere ao período posterior à vigência da Lei 11.430/2006, que incluiu o art. 41-A na Lei 8.213/91.
Assim, a correção monetária das parcelas vencidas dos benefícios previdenciários será calculada conforme a variação dos seguintes índices, que se aplicam conforme a pertinente incidência ao período compreendido na condenação:
- IGP-DI de 05/96 a 03/2006 (art. 10 da Lei n.º 9.711/98, combinado com o art. 20, §§5º e 6º, da Lei n.º 8.880/94);
- INPC a partir de 04/2006 (art. 41-A da lei 8.213/91).
Juros moratórios
Os juros de mora, de 1% (um por cento) ao mês, serão aplicados a contar da citação (Súmula 204 do STJ), até 29 de junho de 2009. A partir de 30 de junho de 2009, os juros moratórios serão computados de forma equivalente aos aplicáveis à caderneta de poupança, conforme dispõe o art. 5º da Lei 11.960/09, que deu nova redação ao art. 1º-F da Lei nº 9.494/97.
Honorários advocatícios
Desprovido o recurso interposto pelo réu da sentença de procedência do pedido, devem os honorários de advogado ser majorados, com o fim de remunerar o trabalho adicional do procurador da parte em segundo grau de jurisdição.
Consideradas as disposições do art. 85, §§ 2º e 3º, do Código de Processo Civil (CPC), arbitra-se a verba honorária total no valor correspondente a 12% (doze por cento) sobre as parcelas vencidas até a data da sentença (Súmula 111 do Superior Tribunal de Justiça), percentual que já inclui os honorários decorrentes da atuação no âmbito recursal (art. 85, §11, do CPC).
Prequestionamento
O enfrentamento das questões suscitadas em grau recursal, assim como a análise da legislação aplicável, são suficientes para prequestionar junto às instâncias Superiores os dispositivos que as fundamentam. Assim, deixo de aplicar os dispositivos legais ensejadores de pronunciamento jurisdicional distinto do que até aqui foi declinado. Desse modo, evita-se a necessidade de oposição de embargos de declaração tão somente para este fim, o que evidenciaria finalidade procrastinatória do recurso, passível de cominação de multa.
Dispositivo
Em face do que foi dito, voto no sentido de negar provimento à apelação e, de ofício, adequar os consectários legais e majorar os honorários advocatícios, nos termos da fundamentação.
Documento eletrônico assinado por OSNI CARDOSO FILHO, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40001911661v7 e do código CRC 83917d23.Informações adicionais da assinatura:
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Apelação Cível Nº 5006781-76.2020.4.04.9999/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: ISRAEL DA COSTA
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE. AUXÍLIO-DOENÇA. aposentadoria por invalidez. LAUDO PERICIAL. sequela de traumatismo. amputação de MEMBRO INFERIOR. operário. programa de reabilitação profissional. ônus probatório. consectários legais. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.
1. O direito à aposentadoria por invalidez e ao auxílio-doença pressupõe o preenchimento de 3 (três) requisitos: (1) a qualidade de segurado ao tempo de início da incapacidade, (2) a carência de 12 (doze) contribuições mensais, ressalvadas as hipóteses previstas no art. 26, II, da Lei nº 8.213, que a dispensam, e (3) aquele relacionado à existência de incapacidade impeditiva para toda e qualquer atividade (aposentadoria por invalidez) ou para seu trabalho habitual (auxílio-doença) em momento posterior ao ingresso no RGPS, aceitando-se, contudo, a derivada de doença anterior, desde que agravada após esta data, nos termos dos arts. 42, §2º, e 59, parágrafo único; ambos da Lei nº 8.213.
2. Não comprovada a reabilitação profissional ou a recusa do autor a se submeter ao programa e constatada a incapacidade laboral por longo lapso temporal, sem possibilidade de retorno à atividade habitual, é devido o benefício de aposentadoria por invalidez.
3. A correção monetária incidirá a contar do vencimento de cada prestação e será calculada pelo INPC a partir de 4-2006 (Lei n.º 11.430/06, que acrescentou o artigo 41-A à Lei n.º 8.213/91), conforme decisão do STF no RE nº 870.947, DJE de 20-11-2017 e do STJ no REsp nº 1.492.221/PR, DJe de 20-3-2018.
4. Majorados os honorários advocatícios a fim de adequação ao que está disposto no art. 85, §11, do Código de Processo Civil.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento à apelação e, de ofício, adequar os consectários legais e majorar os honorários advocatícios, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 18 de agosto de 2020.
Documento eletrônico assinado por OSNI CARDOSO FILHO, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40001911662v7 e do código CRC 7b1ef557.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO Virtual DE 10/08/2020 A 18/08/2020
Apelação Cível Nº 5006781-76.2020.4.04.9999/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
PRESIDENTE: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
PROCURADOR(A): JOSE OSMAR PUMES
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: ISRAEL DA COSTA
ADVOGADO: MARCIO ARCARI (OAB RS050801)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 10/08/2020, às 00:00, a 18/08/2020, às 14:00, na sequência 16, disponibilizada no DE de 30/07/2020.
Certifico que a 5ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 5ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO E, DE OFÍCIO, ADEQUAR OS CONSECTÁRIOS LEGAIS E MAJORAR OS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
Votante: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
Votante: Juiz Federal ALTAIR ANTONIO GREGORIO
Votante: Juíza Federal GISELE LEMKE
LIDICE PEÑA THOMAZ
Secretária
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