Apelação Cível Nº 5006917-58.2021.4.04.7115/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
APELANTE: MARISA SIRLEI HUSAK DE MOURA (AUTOR)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
RELATÓRIO
Marisa Sirlei Husak de Moura interpôs apelação contra sentença prolatada em 13/04/2022, que julgou improcedente o pedido para restabelecimento de auxílio-doença ou concessão de aposentadoria por invalidez. Não houve condenação em ônus de sucumbência (
).Sustentou a recorrente ter direito à obtenção de benefício de incapacidade, à conta de ser portadora de grave quadro de discopatia lombar degenerativa, fibromialgia grave e depressão. Argumentou que não pode ser considerado pelo julgador apenas a conclusão veiculada no laudo pericial judicial, impondo-se atentar também para os documentos médicos particulares presentes nos autos e para suas condições sociais (idade avançada, labor rural) (
).Sem contrarrazões, vieram os autos ao Tribunal.
VOTO
Benefício por incapacidade
Cumpre, de início, rememorar o tratamento legal conferido aos benefícios de auxílio-doença e de aposentadoria por invalidez.
O art. 59 da Lei n.º 8.213 (Lei de Benefícios da Previdência Social - LBPS) estabelece que o auxílio-doença será devido ao segurado que, havendo cumprido, quando for o caso, o período de carência exigido em lei, ficar incapacitado para o seu trabalho ou para a sua atividade habitual por mais de 15 (quinze) dias consecutivos. Por sua vez, o art. 42 da Lei nº 8.213 estatui que a aposentadoria por invalidez será concedida ao segurado que, tendo cumprido a carência, for considerado incapaz e insuscetível de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência. O art. 25 desse diploma legal esclarece, a seu turno, que a carência exigida para a concessão de ambos os benefícios é de 12 (doze) meses, salvo nos casos em que é expressamente dispensada (art. 26, II).
Em resumo, portanto, a concessão dos benefícios depende de três requisitos: (a) a qualidade de segurado do requerente à época do início da incapacidade (artigo 15 da LBPS); (b) o cumprimento da carência de 12 contribuições mensais, exceto nas hipóteses em que expressamente dispensada por lei; (c) o advento, posterior ao ingresso no RGPS, de moléstia incapacitante para o desenvolvimento de atividade laboral que garanta a subsistência do segurado.
Note-se que a concessão do auxílio-doença não exige que o segurado esteja incapacitado para toda e qualquer atividade laboral; basta que esteja incapacitado para a sua atividade habitual. É dizer: a incapacidade pode ser total ou parcial. Além disso, pode ser temporária ou permanente. Nisso, precisamente, é que se diferencia da aposentadoria por invalidez, que deve ser concedida apenas quando constatada a incapacidade total e permanente do segurado. Sobre o tema, confira-se a lição doutrinária de Daniel Machado da Rocha e de José Paulo Baltazar Júnior:
A diferença, comparativamente à aposentadoria por invalidez, repousa na circunstância de que para a obtenção de auxílio-doença basta a incapacidade para o trabalho ou atividade habitual do segurado, enquanto para a aposentadoria por invalidez exige-se a incapacidade total, para qualquer atividade que garanta a subsistência. Tanto é assim que, exercendo o segurado mais de uma atividade e ficando incapacitado para apenas uma delas, o auxílio-doença será concedido em relação à atividade para a qual o segurado estiver incapacitado, considerando-se para efeito de carência somente as contribuições relativas a essa atividade (RPS, art. 71, § 1º) (in ROCHA, Daniel Machado da. BALTAZAR JÚNIOR, José Paulo. Comentários à Lei de Benefícios da Previdência Social. 15. ed. rev., atual. e ampl. - São Paulo: Atlas, 2017).
De qualquer sorte, o caráter da incapacidade (total ou parcial) deve ser avaliado não apenas por um critério médico, mas conforme um juízo global que considere as condições pessoais da parte autora - em especial, a idade, a escolaridade e a qualificação profissional - a fim de se aferir, concretamente, a sua possibilidade de reinserção no mercado de trabalho.
Cumpre demarcar, ainda, a fungibilidade entre as ações previdenciárias, tendo em vista o caráter eminentemente protetivo e de elevado alcance social da lei previdenciária. De fato, a adoção de soluções processuais adequadas à relação jurídica previdenciária constitui uma imposição do princípio do devido processo legal, a ensejar uma leitura distinta do princípio dispositivo e da adstrição do juiz ao pedido (SAVARIS, José Antônio. Direito processual previdenciário. 6 ed., rev. atual. e ampl. Curitiba: Alteridade Editora, 2016, p. 67). Por isso, aliás, o STJ sedimentou o entendimento de que "não constitui julgamento extra ou ultra petita a decisão que, verificando não estarem atendidos os pressupostos para concessão do benefício requerido na inicial, concede benefício diverso cujos requisitos tenham sido cumpridos pelo segurado" (AgRG no AG 1232820/RS, Rel. Min. Laurita Vaz, 5ª Turma, j. 26/10/20, DJe 22/11/2010).
Caso concreto
Postula a autora o restabelecimento do benefício de auxílio-doença (NB 623.488.277-7), que titularizou 18/05/2021 a 23/10/2021, ou a concessão de aposentadoria por invalidez (
e ).Discute-se acerca do quadro incapacitante.
De acordo com as informações extraídas do laudo pericial judicial (
), datado de 25/02/2022 e elaborado por médico com especialização em ortopedia e traumatologia, a autora, que atualmente conta com 50 anos de idade (nascida em 28/08/1971), é agricultora e possui nível de escolaridade de ensino fundamental incompleto. Na ocasião, a periciada declarou apresentar dor lombar à direita com irradiação para membro inferior direito há 6 anos. Referiu ter realizado tratamentos medicamentoso e fisioterápico sem alívo de dor. Afirmou estar em tratamento para fibromialgia.O exame físico e do estado mental foi assim registrado pelo perito:
Exame físico/do estado mental: A autora apresenta-se em bom estado geral, senso critico preservado, lúcida e coerente.
Normovigil, memória recente e remota preservadas. Pensamento lógico e organizado.
Informações pessoais e dados pregressos de sua vida são facilmente elaborados e descritos.
Linguagem: nomolálica, com vocabulário adequado nas respostas ao que lhe foi questionado e nos relatos espontâneos efetuados ao longo da anamnese pericial.
Conduta tranqüila e colaborativa. Juízo crítico preservado.
Aparência: vestes, andar, postura e vestimentas adequadas, sem adornos e maquiagem , higiene pessoal preservada, cabelos alinhados .
Pressão arterial 130/90mmHg
Peso 72kg
Altura 1,68m
IMC 25kg/ m2
Retirou calças, deitou e levantou da maca sem dificuldades.
Sem alterações na mobilidade da coluna cervical, torácica e lombar.
Mobilidade articular e força muscular de membros superiores e inferiores preservadas.
Presença de 18 tender points
Perimetria coxa direita e esquerda de 46 cm . Reflexos neurológicos preservados em membros inferiores.
Deambulação sem alterações
A conclusão pericial, por sua vez, foi assentada nos seguintes dizeres:
Conclusão: sem incapacidade atual
- Justificativa: A autora é portadora de dor crônica, adquirida, cuja etilogia no momento é melhor explicada pela condição de fibromialgia, uma vez que a patologia lombar não apresenta sinais de agudização ou deficit funcional.
- Houve incapacidade pretérita em período(s) além daquele(s) em que o(a) examinado(a) já esteve em gozo de benefício previdenciário? NÃO
- Caso não haja incapacidade atual, o(a) examinado(a) apresenta sequela consolidada decorrente de acidente de qualquer natureza? NÃO
Afirmou o experto que a periciada é portadora de transtornos de discos lombares e de outros discos intervertebrais com radiculopatia e fibromialgia, patologias catalogadas com CID 10 M51.1 e M79.7, respectivamente. Explicitou que a autora é portadora de dor crônica, adquirida, cuja etilogia no momento é melhor explicada pela condição de fibromialgia, uma vez que a patologia lombar não apresenta sinais de agudização ou deficit funcional. Acrescentou não verificar incapacidade pretérita em períodos além daqueles em que a periciada já esteve em gozo de benefício previdenciário.
Conforme foi esclarecido no laudo médico, os sintomas relatados não impedem a autora de exercer suas atividades habituais, devendo ser prestigiadas as conclusões da perícia realizada em juízo em detrimento dos atestados médicos produzidos unilateralmente pela parte autora (
). Ressalte-se que o resultado do exame pericial judicial vai ao encontro do que constatou a perícia médica realizada em âmbito administrativo, ou seja, que o quadro não é incapacitante.Sabe-se que o juiz não está vinculado ao laudo pericial judicial (art. 479, CPC). Todavia, conforme reiteradamente afirmado por esta Corte, "a concessão de benefício previdenciário por incapacidade decorre da convicção judicial formada predominantemente a partir da produção de prova pericial" (TRF4, APELREEX 0013571-06.2016.404.9999, SEXTA TURMA, Relatora SALISE MONTEIRO SANCHOTENE, D.E. 11/07/2017). Apenas em situações excepcionais é que o magistrado pode, com base em sólida prova em contrário, afastar-se da conclusão apresentada pelo perito - hipótese de que, aqui, não se cuida.
Dito isso, deve-se negar provimento à apelação, mantendo-se integralmente a sentença, pois, ausente a incapacidade, é imprópria a concessão de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez.
Honorários de advogado
Não obstante o desprovimento do recurso de apelação interposto pela parte autora contra sentença de improcedência, não é o caso de majorar os honorários advocatícios, na forma prevista no artigo 85, §11, do Código de Processo Civil, porquanto a sentença recorrida não impôs condenação em verba honorária.
Prequestionamento
O enfrentamento das questões suscitadas em grau recursal, assim como a análise da legislação aplicável, são suficientes para prequestionar junto às instâncias Superiores os dispositivos que as fundamentam. Assim, deixo de aplicar os dispositivos legais ensejadores de pronunciamento jurisdicional distinto do que até aqui foi declinado. Desse modo, evita-se a necessidade de oposição de embargos de declaração tão somente para este fim, o que evidenciaria finalidade procrastinatória do recurso, passível de cominação de multa.
Conclusão
Negar provimento à apelação da parte autora.
Dispositivo
Em face do que foi dito, voto por negar provimento à apelação.
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Apelação Cível Nº 5006917-58.2021.4.04.7115/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
APELANTE: MARISA SIRLEI HUSAK DE MOURA (AUTOR)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE. AUXíLIO-DOENÇA. aposentadoria por invalidez. LAUDO PERICIAL. transtornos de discos lombares e de outros discos intervertebrais com radiculopatia e fibromialgia. AUSÊNCIA DE INCAPACIDADE.
1. O direito à aposentadoria por invalidez e ao auxílio-doença pressupõe o preenchimento de 3 (três) requisitos: (1) a qualidade de segurado ao tempo de início da incapacidade, (2) a carência de 12 (doze) contribuições mensais, ressalvadas as hipóteses previstas no art. 26, II, da Lei nº 8.213, que a dispensam, e (3) aquele relacionado à existência de incapacidade impeditiva para toda e qualquer atividade (aposentadoria por invalidez) ou para seu trabalho habitual (auxílio-doença) em momento posterior ao ingresso no Regime Geral de Previdência Social, aceitando-se, contudo, a derivada de doença anterior, desde que agravada após esta data, nos termos dos arts. 42, §2º, e 59, parágrafo único; ambos da Lei nº 8.213.
2. A desconsideração de laudo pericial justifica-se somente diante de significativo contexto probatório, constituído por exames seguramente indicativos da inaptidão para o exercício de atividade laborativa.
3. Não caracterizada a incapacidade para o trabalho, é imprópria a concessão de auxílio-doença ou de aposentadoria por invalidez.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 19 de julho de 2022.
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 12/07/2022 A 19/07/2022
Apelação Cível Nº 5006917-58.2021.4.04.7115/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
PRESIDENTE: Desembargador Federal ROGER RAUPP RIOS
PROCURADOR(A): CARLOS EDUARDO COPETTI LEITE
APELANTE: MARISA SIRLEI HUSAK DE MOURA (AUTOR)
ADVOGADO: LUCIANA ELY CHECHI (OAB RS058988)
ADVOGADO: RODRIGO RAMOS (OAB RS087266)
ADVOGADO: LUCIANA ELY CHECHI
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 12/07/2022, às 00:00, a 19/07/2022, às 16:00, na sequência 233, disponibilizada no DE de 01/07/2022.
Certifico que a 5ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 5ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
Votante: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
Votante: Juiz Federal FRANCISCO DONIZETE GOMES
Votante: Desembargador Federal ROGER RAUPP RIOS
LIDICE PEÑA THOMAZ
Secretária
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