Apelação Cível Nº 5009918-32.2021.4.04.9999/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
APELANTE: LEDAIR LUCIA PARAGINSKI BOFF
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RELATÓRIO
Ledair Lucia Paraginski Boff interpôs apelação em face de sentença que julgou improcedente o pedido para concessão de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez, condenando-a ao pagamento das custas e despesas processuais, e de honorários advocatícios, fixados em R$ 1.000,00, suspensa a exigibilidade em face da gratuidade da justiça concedida (
).Sustentou, em síntese, que faz jus à concessão de benefício, posto que restou comprovado pelos laudos e atestados que apresenta as doenças elencadas. Aduziu que a sua atividade sabidamente exige esforços físicos e causa considerável desgaste ao longo da vida laborativa e, associada a suas condições pessoais, não lhe permitem retornar ao trabalho. Observou que o laudo médico pericial complementar comprova que realizou cirurgia e que se encontra acometida de osteoporose e osteopenia. Defendeu que a sua doença é total, definitiva, permanente e multiprofissional, sendo certo que uma pessoa com as doenças que possui, aliada a idade e baixa escolaridade, não retornará às suas atividades e certamente não será contratada para as atividades que possui experiência (
).Com contrarrazões, subiram os autos.
VOTO
Benefício por incapacidade
Cumpre, de início, rememorar o tratamento legal conferido aos benefícios de auxílio-doença e de aposentadoria por invalidez.
O art. 59 da Lei n.º 8.213/91 (Lei de Benefícios da Previdência Social - LBPS) estabelece que o auxílio-doença será devido ao segurado que, havendo cumprido, quando for o caso, o período de carência exigido em lei, ficar incapacitado para o seu trabalho ou para a sua atividade habitual por mais de 15 (quinze) dias consecutivos. Por sua vez, o art. 42 da Lei nº 8.213/91 estatui que a aposentadoria por invalidez será concedida ao segurado que, tendo cumprido a carência, for considerado incapaz e insuscetível de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência. O art. 25 desse diploma legal esclarece, a seu turno, que a carência exigida para a concessão de ambos os benefícios é de 12 (doze) meses, salvo nos casos em que é expressamente dispensada (art. 26, II).
Em resumo, portanto, a concessão dos benefícios depende de três requisitos: (a) a qualidade de segurado do requerente à época do início da incapacidade (artigo 15 da LBPS); (b) o cumprimento da carência de 12 contribuições mensais, exceto nas hipóteses em que expressamente dispensada por lei; (c) o advento, posterior ao ingresso no RGPS, de moléstia incapacitante para o desenvolvimento de atividade laboral que garanta a subsistência do segurado.
Note-se que a concessão do auxílio-doença não exige que o segurado esteja incapacitado para toda e qualquer atividade laboral; basta que esteja incapacitado para a sua atividade habitual. É dizer: a incapacidade pode ser total ou parcial. Além disso, pode ser temporária ou permanente. Nisso, precisamente, é que se diferencia da aposentadoria por invalidez, que deve ser concedida apenas quando constatada a incapacidade total e permanente do segurado. Sobre o tema, confira-se a lição doutrinária de Daniel Machado da Rocha e de José Paulo Baltazar Júnior:
A diferença, comparativamente à aposentadoria por invalidez, repousa na circunstância de que para a obtenção de auxílio-doença basta a incapacidade para o trabalho ou atividade habitual do segurado, enquanto para a aposentadoria por invalidez exige-se a incapacidade total, para qualquer atividade que garanta a subsistência. Tanto é assim que, exercendo o segurado mais de uma atividade e ficando incapacitado para apenas uma delas, o auxílio-doença será concedido em relação à atividade para a qual o segurado estiver incapacitado, considerando-se para efeito de carência somente as contribuições relativas a essa atividade (RPS, art. 71, § 1º) (in ROCHA, Daniel Machado da. BALTAZAR JÚNIOR, José Paulo. Comentários à Lei de Benefícios da Previdência Social. 15. ed. rev., atual. e ampl. - São Paulo: Atlas, 2017).
De qualquer sorte, o caráter da incapacidade (total ou parcial) deve ser avaliado não apenas por um critério médico, mas conforme um juízo global que considere as condições pessoais da parte autora - em especial, a idade, a escolaridade e a qualificação profissional - a fim de se aferir, concretamente, a sua possibilidade de reinserção no mercado de trabalho.
Cumpre demarcar, ainda, a fungibilidade entre as ações previdenciárias, tendo em vista o caráter eminentemente protetivo e de elevado alcance social da lei previdenciária. De fato, a adoção de soluções processuais adequadas à relação jurídica previdenciária constitui uma imposição do princípio do devido processo legal, a ensejar uma leitura distinta do princípio dispositivo e da adstrição do juiz ao pedido (SAVARIS, José Antônio. Direito processual previdenciário. 6 ed., rev. atual. e ampl. Curitiba: Alteridade Editora, 2016, p. 67). Por isso, aliás, o STJ sedimentou o entendimento de que "não constitui julgamento extra ou ultra petita a decisão que, verificando não estarem atendidos os pressupostos para concessão do benefício requerido na inicial, concede benefício diverso cujos requisitos tenham sido cumpridos pelo segurado" (AgRG no AG 1232820/RS, Rel. Min. Laurita Vaz, 5ª Turma, j. 26/10/20, DJe 22/11/2010).
Caso concreto
Discute-se acerca do quadro incapacitante.
Com a finalidade de contextualizar a situação ora em análise, deve-se ressaltar que a autora, 62 anos, faxineira, queixou-se de dor na clavícula esquerda, iniciada em 2014, após ter sofrido queda da própria altura, com traumatismo local, enquanto realizava suas atividades laborais. A dor é de intensidade variada, é diária, intermitente, sem irradiações. Negou alterações da força ou sensibilidade nos membros superiores. Faz acompanhamento médico desde o acidente sofrido, tendo realizado tratamento cirúrgico em duas ocasiões (colocação de material de síntese no local em 2014 e retirada do referido material em 2016), além de tratamento fisioterápico (previamente) e medicamentoso. Referiu ser diabética, hipertensa e ter osteoporose, fazendo uso de medicação para controle.
A perícia médica, realizada por médico ortopedista e traumatologista, datada de 04/10/2018 (
, fls. 51/55), concluiu que a autora tem quadro prévio de fratura da clavícula esquerda. A fratura previamente apresentada já obteve consolidação, já tendo sido, inclusive, retirado o material de síntese utilizado. Quadro clínico devidamente compensado.No exame clínico, referiu que não há alterações do trofismo muscular ou desvios angulares dos membros superiores. Foi verificada a presença de calosidade na face palmar da mão direita e na extremidade do polegar esquerdo, além de microescoriações nos dedos da mão direita. Tem sinais laborais em ambas as mãos.
Disse o médico que apresenta cicatriz cirúrgica com 11 cm, em topografia da face anterior da clavícula esquerda. Sem dor à palpação subacromial esquerda. Força muscular em membros superiores normal e simétrica. Sem alterações da sensibilidade nos membros superiores. Sem alterações da amplitude de movimentos dos membros superiores.
Portanto, não há alterações do exame físico compatíveis com redução da sua capacidade laboral ou compatíveis com incapacidade para o labor. Está a autora plenamente apta para o labor.
No laudo complementar (
, fl. 71), datado de 03/07/2019, salientou o perito que autora não apresentou, durante o ato pericial, alterações do exame físico capazes de implicar em redução da sua capacidade laboral ou capazes de implicar em impedimento para o desempenho de suas atividades laborais.Aproveitou o ortopedista a oportunidade para manifestar surpresa ao perceber que, conforme a própria autora relatou durante a realização da perícia médica, recebeu benefício previdenciário desde a fratura sofrida (o que teve comprovação em 14/07/14, através de atestado médico apresentado durante a realização da perícia médica) até a data da realização da perícia médica (relatou estar recebendo benefício até a data da perícia médica judicial).
Esclareceu que as fraturas de clavícula costumam ter consolidação em período estimado de 60 a 120 dias, dificilmente demorando mais do que seis meses e, nestas ocasiões, frequentemente a indicação cirúrgica está associada.
Salientou também que osteopenia e osteoporose são achados assintomáticos, não implicando em quadro álgico, redução da capacidade laboral ou incapacidade para o labor. Assim, as circunstâncias pessoais da parte autora a tornam plenamente apta para a realização de suas atividades laborais. Ratificou, em inteiro teor, os apontamentos do laudo médico pericial anterior.
De acordo com a documentação apresentada, exame físico, tratamento realizado (fisioterapêutico e medicamentoso) e as características da doença em questão, não foi observada moléstia em fase incapacitante para o seu trabalho.
Assim sendo, devem ser prestigiadas as conclusões da perícia realizada em juízo em detrimento dos documentos produzidos unilateralmente pela parte (
, fls. 19/43 e , fls. 8/11).Dito isso, deve-se negar provimento à apelação, mantendo-se integralmente a sentença, pois, ausente a incapacidade, é imprópria a concessão de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez.
Honorários advocatícios
Desprovido o recurso interposto pela parte autora da sentença de improcedência do pedido, devem os honorários de advogado ser majorados, com o fim de remunerar o trabalho adicional do procurador da parte em segundo grau de jurisdição.
Consideradas as disposições do art. 85, §§ 2º e 3º, do Código de Processo Civil (CPC), majora-se em relação ao valor arbitrado mais 20% para apuração do montante da verba honorária, mantendo-se a inexigibilidade da verba em face da concessão da assistência judiciária gratuita.
Prequestionamento
O enfrentamento das questões suscitadas em grau recursal, assim como a análise da legislação aplicável, são suficientes para prequestionar junto às instâncias Superiores os dispositivos que as fundamentam. Assim, deixo de aplicar os dispositivos legais ensejadores de pronunciamento jurisdicional distinto do que até aqui foi declinado. Desse modo, evita-se a necessidade de oposição de embargos de declaração tão somente para este fim, o que evidenciaria finalidade procrastinatória do recurso, passível de cominação de multa.
Dispositivo
Em face do que foi dito, voto no sentido de negar provimento à apelação, nos termos da fundamentação, majorando, de ofício, os honorários advocatícios.
Documento eletrônico assinado por OSNI CARDOSO FILHO, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40002760205v13 e do código CRC dec4fe65.Informações adicionais da assinatura:
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Data e Hora: 2/10/2021, às 0:59:9
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Apelação Cível Nº 5009918-32.2021.4.04.9999/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
APELANTE: LEDAIR LUCIA PARAGINSKI BOFF
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE. AUXíLIO-DOENÇA e APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. LAUDO PERICIAL. FRATURA NA CLAVÍCULA. AUSÊNCIA DE INCAPACIDADE. HONORÁRIOS MAJORADOS.
1. O direito à aposentadoria por invalidez e ao auxílio-doença pressupõe o preenchimento de 3 (três) requisitos: (1) a qualidade de segurado ao tempo de início da incapacidade, (2) a carência de 12 (doze) contribuições mensais, ressalvadas as hipóteses previstas no art. 26, II, da Lei nº 8.213, que a dispensam, e (3) aquele relacionado à existência de incapacidade impeditiva para toda e qualquer atividade (aposentadoria por invalidez) ou para seu trabalho habitual (auxílio-doença) em momento posterior ao ingresso no RGPS, aceitando-se, contudo, a derivada de doença anterior, desde que agravada após esta data, nos termos dos arts. 42, §2º, e 59, parágrafo único; ambos da Lei nº 8.213.
2. A desconsideração de laudo pericial justifica-se somente diante de significativo contexto probatório, constituído por exames seguramente indicativos da inaptidão para o exercício de atividade laborativa.
3. Se não caracterizada a incapacidade para o trabalho, é imprópria a concessão de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez.
4. Majorados os honorários advocatícios a fim de adequação ao que está disposto no art. 85, §11, do Código de Processo Civil.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento à apelação, majorando, de ofício, os honorários advocatícios, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 23 de setembro de 2021.
Documento eletrônico assinado por OSNI CARDOSO FILHO, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40002760206v6 e do código CRC 165b9c64.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 15/09/2021 A 23/09/2021
Apelação Cível Nº 5009918-32.2021.4.04.9999/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
PRESIDENTE: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
PROCURADOR(A): CAROLINA DA SILVEIRA MEDEIROS
APELANTE: LEDAIR LUCIA PARAGINSKI BOFF
ADVOGADO: PAULA FERNANDA KRISTOSCHEK DE LIMA (OAB RS074657)
ADVOGADO: EUNICE CRISTIANE GARCIA (OAB RS053369)
ADVOGADO: BENHUR CAZAROLLI (OAB RS040209)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 15/09/2021, às 00:00, a 23/09/2021, às 16:00, na sequência 199, disponibilizada no DE de 03/09/2021.
Certifico que a 5ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 5ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO, MAJORANDO, DE OFÍCIO, OS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
Votante: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
Votante: Desembargador Federal ROGER RAUPP RIOS
Votante: Juiz Federal FRANCISCO DONIZETE GOMES
LIDICE PEÑA THOMAZ
Secretária
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