Apelação Cível Nº 5011754-69.2023.4.04.9999/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
APELANTE: CLAUDIO SILVEIRA DE SALLES
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RELATÓRIO
Cláudio Silveira de Salles interpôs apelação contra sentença que julgou improcedente o pedido para determinar a concessão de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez, condenando-o ao pagamento das custas e despesas processuais e dos honorários advocatícios, fixados em 20% (vinte por cento) sobre o valor da causa, suspensa a exigibilidade por ser beneficiário da gratuidade da justiça (
).Sustentou que faz jus à concessão de benefício por incapacidade por ser portador de doenças ortopédicas degenerativas. Registrou que, embora a conclusão da perícia médica tenha indicado a ausência de incapacidade laborativa, os atestados médicos que instruem o feito fazem prova em sentido contrário. Destacou, ainda, que o julgador deve observar não apenas o teor do laudo pericial, como também o conjunto probatório e as condições pessoais do requerente, para formar sua convicção. Por fim, requereu a reforma da sentença para que lhe seja concedido auxílio-doença, com posterior conversão em aposentadoria por invalidez (
).Com contrarrazões, subiram os autos.
VOTO
Benefício por incapacidade
Cumpre, de início, rememorar o tratamento legal conferido aos benefícios de auxílio-doença e de aposentadoria por invalidez.
O art. 59 da Lei n.º 8.213 (Lei de Benefícios da Previdência Social - LBPS) estabelece que o auxílio-doença será devido ao segurado que, havendo cumprido, quando for o caso, o período de carência exigido em lei, ficar incapacitado para o seu trabalho ou para a sua atividade habitual por mais de 15 (quinze) dias consecutivos. Por sua vez, o art. 42 da Lei nº 8.213 estatui que a aposentadoria por invalidez será concedida ao segurado que, tendo cumprido a carência, for considerado incapaz e insuscetível de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência. O art. 25 desse diploma legal esclarece, a seu turno, que a carência exigida para a concessão de ambos os benefícios é de 12 (doze) meses, salvo nos casos em que é expressamente dispensada (art. 26, II).
Em resumo, portanto, a concessão dos benefícios depende de três requisitos: (a) a qualidade de segurado do requerente à época do início da incapacidade (artigo 15 da LBPS); (b) o cumprimento da carência de 12 contribuições mensais, exceto nas hipóteses em que expressamente dispensada por lei; (c) o advento, posterior ao ingresso no RGPS, de moléstia incapacitante para o desenvolvimento de atividade laboral que garanta a subsistência do segurado.
Note-se que a concessão do auxílio-doença não exige que o segurado esteja incapacitado para toda e qualquer atividade laboral; basta que esteja incapacitado para a sua atividade habitual. É dizer: a incapacidade pode ser total ou parcial. Além disso, pode ser temporária ou permanente. Nisso, precisamente, é que se diferencia da aposentadoria por invalidez, que deve ser concedida apenas quando constatada a incapacidade total e permanente do segurado. Sobre o tema, confira-se a lição doutrinária de Daniel Machado da Rocha e de José Paulo Baltazar Júnior:
A diferença, comparativamente à aposentadoria por invalidez, repousa na circunstância de que para a obtenção de auxílio-doença basta a incapacidade para o trabalho ou atividade habitual do segurado, enquanto para a aposentadoria por invalidez exige-se a incapacidade total, para qualquer atividade que garanta a subsistência. Tanto é assim que, exercendo o segurado mais de uma atividade e ficando incapacitado para apenas uma delas, o auxílio-doença será concedido em relação à atividade para a qual o segurado estiver incapacitado, considerando-se para efeito de carência somente as contribuições relativas a essa atividade (RPS, art. 71, § 1º) (in ROCHA, Daniel Machado da. BALTAZAR JÚNIOR, José Paulo. Comentários à Lei de Benefícios da Previdência Social. 15. ed. rev., atual. e ampl. - São Paulo: Atlas, 2017).
De qualquer sorte, o caráter da incapacidade (total ou parcial) deve ser avaliado não apenas por um critério médico, mas conforme um juízo global que considere as condições pessoais da parte autora - em especial, a idade, a escolaridade e a qualificação profissional - a fim de se aferir, concretamente, a sua possibilidade de reinserção no mercado de trabalho.
Cumpre demarcar, ainda, a fungibilidade entre as ações previdenciárias, tendo em vista o caráter eminentemente protetivo e de elevado alcance social da lei previdenciária. De fato, a adoção de soluções processuais adequadas à relação jurídica previdenciária constitui uma imposição do princípio do devido processo legal, a ensejar uma leitura distinta do princípio dispositivo e da adstrição do juiz ao pedido (SAVARIS, José Antônio. Direito processual previdenciário. 6 ed., rev. atual. e ampl. Curitiba: Alteridade Editora, 2016, p. 67). Por isso, aliás, o STJ sedimentou o entendimento de que "não constitui julgamento extra ou ultra petita a decisão que, verificando não estarem atendidos os pressupostos para concessão do benefício requerido na inicial, concede benefício diverso cujos requisitos tenham sido cumpridos pelo segurado" (AgRG no AG 1232820/RS, Rel. Min. Laurita Vaz, 5ª Turma, j. 26/10/20, DJe 22/11/2010).
Mérito da causa
Discute-se acerca do quadro incapacitante.
Na petição inicial (
, fls. 01/05), o autor, agricultor, atualmente com 56 anos de idade (nascido em 26/04/1967), narrou que sofre com problemas ortopédicos, de modo que efetuou requerimento administrativo para concessão de benefício por incapacidade, em 26/04/2018, que foi negado em razão de parecer contrário da perícia médica ( , fl. 45). Busca na presente ação, portanto, o deferimento do referido benefício.Fora realizada perícia judicial, em 22/11/2020, com especialista em psiquiatria e medicina do trabalho, tendo sido o recorrente diagnosticado com discopatia degenerativa cervical (CID M50), que, nos dizeres do expert, não importa em incapacidade laborativa.
Observe-se o relato prestado ao perito, bem como o teor do exame físico realizado (
, fls. 42/43):5. HISTÓRIA CLÍNICA:
Relata o autor que há 8 anos iniciou com dor no pescoço e nas costas, irradiando nas pernas.
Procurou atendimento médico, realizou exame de imagem e teve diagnosticado discopatia degenerativa cervical.
Fez uso de medicação analgésica.
6. EXAME CLÍNICO:
Examinando apresenta-se vestido com roupa simples, boa condição de asseio.
Lúcido, coerente, orientado, memória preservada, afeto modulado, pensamento lógico, linguagem clara e conduta adequada.
Ao exame apresenta movimentos cervicais preservados, bem como movimentos de tronco.
Laseg negativo bilateral.
Em resposta aos quesitos, o auxiliar do juízo limitou-se a manifestar-se do seguinte modo:
8. RESPOSTA AOS QUESITOS:
Do Juízo:
a) Discopatia degenerativa cervical M 50.
b) Não há incapacidade,
c) Apto ao trabalho habitual.
No entanto, diante da ausência de perícia realizada por médico ortopedista, verifica-se que os elementos constantes dos autos ainda não se mostram seguros e conclusivos, aptos à formação da convicção do juízo acerca da capacidade laborativa do autor, a fim de que se possa decidir com a segurança necessária.
Quanto à especialidade do perito, registre-se que o entendimento deste Tribunal é pacífico no sentido de que, tanto o clínico geral quanto o médico do trabalho são profissionalmente habilitados para identificar a existência de incapacidade para o trabalho nas ações previdenciárias. O que deve ser avaliado é se o laudo foi bem fundamentado e se trouxe respostas conclusivas aos quesitos elaborados pelo Juízo e pelas partes.
Todavia, nos casos em que a situação exija conhecimento especializado, a demandar a designação de médico com conhecimentos muito específicos, há a necessidade de designação de especialista, médico reconhecido como apto a realizar o encargo.
Nesse sentido, saliente-se que os documentos constantes dos autos dão conta de que, de fato, a parte autora é portadora de diversas enfermidades de natureza ortopédica, que sequer foram analisadas no teor do laudo judicial. Por outro lado, não há, na perícia judicial efetuada, o exame sobre eventuais documentos médicos trazidos pelo periciando.
Com efeito, a perícia é extremamente lacônica e sucinta, imprestável ao desate de lide que envolve o reconhecimento do direito à concessão de benefício por incapacidade. Assim, após apreciação do conteúdo do laudo pericial, bem como dos exames médicos e atestados constantes dos autos, entendo que há necessidade de nova perícia, em sede de complementação da prova produzida.
Registre-se que a realização de nova perícia é recomendada sempre que a matéria não parecer ao juiz suficientemente esclarecida, a teor do disposto no art. 480, caput, do CPC.
Tem-se que cabe ao julgador, sempre que necessário, diante do contexto probatório, reabrir a instrução processual, uma vez que a prova técnica, via de regra, em se tratando de processos judiciais nos quais se discute a incapacidade para o trabalho, é imprescindível. Nessa linha de entendimento:
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE. AUXÍLIO-DOENÇA. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. CERCEAMENTO DE DEFESA. OCORRÊNCIA. NECESSIDADE DE REALIZAÇÃO DE PERÍCIA POR ESPECIALISTA. COMPLEXIDADE DA MOLÉSTIA. SENTENÇA ANULADA. 1. O direito à aposentadoria por invalidez e ao auxílio-doença pressupõe o preenchimento de 3 (três) requisitos: (1) a qualidade de segurado ao tempo de início da incapacidade, (2) a carência de 12 (doze) contribuições mensais, ressalvadas as hipóteses previstas no art. 26, II, da Lei nº 8.213, que a dispensam, e (3) aquele relacionado à existência de incapacidade impeditiva para toda e qualquer atividade (aposentadoria por invalidez) ou para seu trabalho habitual (auxílio-doença) em momento posterior ao ingresso no RGPS, aceitando-se, contudo, a derivada de doença anterior, desde que agravada após esta data, nos termos dos arts. 42, §2º, e 59, parágrafo único; ambos da Lei nº 8.213. 2. A realização de nova perícia é recomendada quando a matéria não parecer ao juiz suficientemente esclarecida (art. 480, caput, do CPC). Havendo necessidade de novo exame médico por especialista no tipo de moléstia apresentada, cabível a anulação da sentença e a reabertura da instrução processual. 3. Sentença anulada para retorno dos autos à origem e realização de novo exame pericial por médico especialista. (TRF4, AC 5008984-40.2022.4.04.9999, QUINTA TURMA, Relator OSNI CARDOSO FILHO, juntado aos autos em 18/08/2022)
Dito isso, é caso de anular a sentença, de ofício, determinando-se o retorno à origem para reabertura da instrução processual a fim de que se realize perícia médica com especialista em ortopedia, para que seja esclarecido se há comprovação das doenças referidas pela parte autora e se as moléstias impediam ou impedem o segurado de exercer suas atividades como agricultor.
A prova pericial deverá afirmar se existe incapacidade temporária ou permanente para o trabalho, a partir do seguinte conjunto de doenças discriminadas na petição inicial, a saber: lordose, discopatia degenerativa, uncoartrose, osteofítose e nódulos de Schmorl e cervicalgia crônica. Caso a resposta for afirmativa, o perito deverá atestar desde quando essa incapacidade se manifesta; se negativa, se essas patologias apenas sao consequências da idade e se o autor pode prosseguir no exercicio normal de sua atividade.
O perito deverá responder a todos os quesitos já apresentados pelas partes e pelo juízo, bem como os que serão porventura apresentados, caso necessário. Deverá fazer constar do laudo, ainda, tudo o que entender pertinente ao bom julgamento da lide, assim como ser analisada a documentação médica produzida no feito. Faculta-se à parte autora apresentar ao perito, a suprir dúvidas existentes e registradas pelo próprio profissional médico, exames atualizados e que tenham relação com a mesma causa de pedir da ação (doenças ortopédicas).
Conclusão
De ofício, anulo a sentença para retorno à origem, determinando-se a reabertura da instrução processual para realização de perícia médica com especialista em ortopedia, prejudicado o exame dos demais pontos da apelação.
Dispositivo
Em face do que foi dito, voto por anular, de ofício, a sentença, determinando o retorno dos autos à origem para realização de novo exame pericial, nos termos da fundamentação, prejudicado o exame dos demais pontos do apelo.
Dispositivo
Em face do que foi dito, voto por anular, de ofício, a sentença, determinando o retorno dos autos à origem para realização de novo exame pericial, nos termos da fundamentação, prejudicado o exame dos demais pontos do apelo.
Documento eletrônico assinado por OSNI CARDOSO FILHO, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40004420541v11 e do código CRC eaa670ea.Informações adicionais da assinatura:
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Apelação Cível Nº 5011754-69.2023.4.04.9999/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
APELANTE: CLAUDIO SILVEIRA DE SALLES
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE. AUXÍLIO-DOENÇA e aposentadoria por invalidez. NECESSIDADE DE NOVA PERÍCIA COM ESPECIALISTA EM ortopedia. SENTENÇA ANULADA. REABERTURA DA INSTRUÇÃO PROCESSUAL.
1. O direito à aposentadoria por invalidez e ao auxílio-doença pressupõe o preenchimento de 3 (três) requisitos: (1) a qualidade de segurado ao tempo de início da incapacidade, (2) a carência de 12 (doze) contribuições mensais, ressalvadas as hipóteses previstas no art. 26, II, da Lei nº 8.213, que a dispensam, e (3) aquele relacionado à existência de incapacidade impeditiva para toda e qualquer atividade (aposentadoria por invalidez) ou para seu trabalho habitual (auxílio-doença) em momento posterior ao ingresso no RGPS, aceitando-se, contudo, a derivada de doença anterior, desde que agravada após esta data, nos termos dos arts. 42, §2º, e 59, parágrafo único; ambos da Lei nº 8.213.
2. A realização de nova perícia é recomendada quando a matéria não parecer ao juiz suficientemente esclarecida (art. 480, caput, do CPC). Havendo necessidade de novo exame médico, cabível a anulação da sentença e a reabertura da instrução processual.
3. Sentença anulada, de ofício, com determinação de retorno dos autos à origem para reabertura da instrução processual destinada à realização de nova perícia médica, com especialista em ortopedia.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, anular, de ofício, a sentença, determinando o retorno dos autos à origem para realização de novo exame pericial, prejudicado o exame dos demais pontos do apelo, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 23 de abril de 2024.
Documento eletrônico assinado por OSNI CARDOSO FILHO, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40004420542v4 e do código CRC ba39beec.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 16/04/2024 A 23/04/2024
Apelação Cível Nº 5011754-69.2023.4.04.9999/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
PRESIDENTE: Desembargador Federal ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL
PROCURADOR(A): ANDREA FALCÃO DE MORAES
APELANTE: CLAUDIO SILVEIRA DE SALLES
ADVOGADO(A): LINARA MATTE KRONBAUER (OAB RS102825)
ADVOGADO(A): CRISTIANE DO AMARAL BELMONT (OAB RS110539)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 16/04/2024, às 00:00, a 23/04/2024, às 16:00, na sequência 6, disponibilizada no DE de 05/04/2024.
Certifico que a 5ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 5ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, ANULAR, DE OFÍCIO, A SENTENÇA, DETERMINANDO O RETORNO DOS AUTOS À ORIGEM PARA REALIZAÇÃO DE NOVO EXAME PERICIAL, PREJUDICADO O EXAME DOS DEMAIS PONTOS DO APELO.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
Votante: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
Votante: Desembargador Federal ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL
Votante: Desembargador Federal HERMES SIEDLER DA CONCEIÇÃO JÚNIOR
LIDICE PENA THOMAZ
Secretária
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