Apelação Cível Nº 5058994-65.2016.4.04.7100/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
APELANTE: ELIANE TEIXEIRA MACHADO (AUTOR)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
RELATÓRIO
Eliane Teixeira Machado interpôs apelação em face de sentença que julgou improcedente o pedido para concessão de auxílio-doença, aposentadoria por invalidez ou amparo assistencial, condenando-a ao pagamento dos honorários periciais e advocatícios, suspendendo a exigibilidade de ambas as verbas por ser beneficiária da justiça gratuita (evento 108).
Sustentou que a sentença merece reforma em face da incompatibilidade das moléstias da autora com a sua profissão habitual de auxiliar de limpeza, da sua idade (60 anos) e baixa escolaridade (fundamental incompleto), bem como da INCAPACIDADE DEFINITIVA em razão de Cardiomiopatia dilatada (I 42.0), reconhecida pelo INSS (Cardiomiopatia dilatada (I 42.0), LAUDO SABI de Evento 22 – RESPOSTA3). Sucessivamente, registrou que a sentença deve ser anulada para o retorno dos autos à origem e produção de nova prova pericial médica, audiência de instrução, com oitiva de testemunhas, perícia socioeconômica, com Assistente Social, a fim de comprovar as suas condições biopsicossociais, as características da profissão habitual da parte autora e a incompatibilidade com as suas moléstias, a vulnerabilidade social e a inviabilidade de reingresso ao mercado de trabalho (evento 114).
Sem contrarrazões, subiram os autos.
VOTO
Cerceamento de defesa
A parte apelante requereu, sucessivamente, a anulação da sentença para retorno dos autos à origem no intuito de que seja reaberta a instrução processual para a realização de nova prova pericial médica, oitiva de testemunhas e elaboração de laudo socioeconômico, ao argumento de que é portadora de problemas de saúde incompatíveis com o exercício da sua atividade habitual, estando impossibilitada, inclusive, de ser reabilitada para outras funções.
Todavia, razão não lhe assiste. Foram realizados três exames médicos, conforme adiante se verá, todos por especialistas nas moléstias apresentadas pela autora. Os laudos encontram-se detalhados e fundamentados suficientemente a embasar o presente julgamento, não havendo necessidade de reabertura da instrução processual, hipótese na qual não se verifica cerceamento de defesa, lesão ao contraditório ou à ampla defesa.
O conjunto probatório, por sua vez, também é suficiente ao convencimento e bastante a orientar a presente decisão. Não há motivos, portanto, para a realização de novo exame médico ou mesmo complementação da perícia, oitiva de testemunhas e realização de estudo social, pois não há prova da incapacidade ou do impedimento a longo prazo.
Registre-se, por oportuno, que a realização de novas provas somente é recomendada quando a matéria não parecer ao julgador suficientemente esclarecida, a teor do disposto no art. 480, caput, do CPC.
Assim, o resultado contrário ao interesse da parte não é causa suficiente ao reconhecimento de cerceamento de defesa, em circunstâncias nas quais o laudo judicial é elaborado de forma completa, coerente e sem contradições internas.
Rejeita-se, portanto, o pedido sucessivo em sede de preliminar, pois, em caso de eventual acatamento, a sentença seria anulada e os demais termos da apealação sequer seriam conhecidos.
Benefício por incapacidade
Cumpre, de início, rememorar o tratamento legal conferido aos benefícios de auxílio-doença e de aposentadoria por invalidez.
O art. 59 da Lei n.º 8.213/91 (Lei de Benefícios da Previdência Social - LBPS) estabelece que o auxílio-doença será devido ao segurado que, havendo cumprido, quando for o caso, o período de carência exigido em lei, ficar incapacitado para o seu trabalho ou para a sua atividade habitual por mais de 15 (quinze) dias consecutivos. Por sua vez, o art. 42 da Lei nº 8.213/91 estatui que a aposentadoria por invalidez será concedida ao segurado que, tendo cumprido a carência, for considerado incapaz e insuscetível de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência. O art. 25 desse diploma legal esclarece, a seu turno, que a carência exigida para a concessão de ambos os benefícios é de 12 (doze) meses, salvo nos casos em que é expressamente dispensada (art. 26, II).
Em resumo, portanto, a concessão dos benefícios depende de três requisitos: (a) a qualidade de segurado do requerente à época do início da incapacidade (artigo 15 da LBPS); (b) o cumprimento da carência de 12 contribuições mensais, exceto nas hipóteses em que expressamente dispensada por lei; (c) o advento, posterior ao ingresso no RGPS, de moléstia incapacitante para o desenvolvimento de atividade laboral que garanta a subsistência do segurado.
Note-se que a concessão do auxílio-doença não exige que o segurado esteja incapacitado para toda e qualquer atividade laboral; basta que esteja incapacitado para a sua atividade habitual. É dizer: a incapacidade pode ser total ou parcial. Além disso, pode ser temporária ou permanente. Nisso, precisamente, é que se diferencia da aposentadoria por invalidez, que deve ser concedida apenas quando constatada a incapacidade total e permanente do segurado. Sobre o tema, confira-se a lição doutrinária de Daniel Machado da Rocha e de José Paulo Baltazar Júnior:
A diferença, comparativamente à aposentadoria por invalidez, repousa na circunstância de que para a obtenção de auxílio-doença basta a incapacidade para o trabalho ou atividade habitual do segurado, enquanto para a aposentadoria por invalidez exige-se a incapacidade total, para qualquer atividade que garanta a subsistência. Tanto é assim que, exercendo o segurado mais de uma atividade e ficando incapacitado para apenas uma delas, o auxílio-doença será concedido em relação à atividade para a qual o segurado estiver incapacitado, considerando-se para efeito de carência somente as contribuições relativas a essa atividade (RPS, art. 71, § 1º) (in ROCHA, Daniel Machado da. BALTAZAR JÚNIOR, José Paulo. Comentários à Lei de Benefícios da Previdência Social. 15. ed. rev., atual. e ampl. - São Paulo: Atlas, 2017).
De qualquer sorte, o caráter da incapacidade (total ou parcial) deve ser avaliado não apenas por um critério médico, mas conforme um juízo global que considere as condições pessoais da parte autora - em especial, a idade, a escolaridade e a qualificação profissional - a fim de se aferir, concretamente, a sua possibilidade de reinserção no mercado de trabalho.
Cumpre demarcar, ainda, a fungibilidade entre as ações previdenciárias, tendo em vista o caráter eminentemente protetivo e de elevado alcance social da lei previdenciária. De fato, a adoção de soluções processuais adequadas à relação jurídica previdenciária constitui uma imposição do princípio do devido processo legal, a ensejar uma leitura distinta do princípio dispositivo e da adstrição do juiz ao pedido (SAVARIS, José Antônio. Direito processual previdenciário. 6 ed., rev. atual. e ampl. Curitiba: Alteridade Editora, 2016, p. 67). Por isso, aliás, o STJ sedimentou o entendimento de que "não constitui julgamento extra ou ultra petita a decisão que, verificando não estarem atendidos os pressupostos para concessão do benefício requerido na inicial, concede benefício diverso cujos requisitos tenham sido cumpridos pelo segurado" (AgRG no AG 1232820/RS, Rel. Min. Laurita Vaz, 5ª Turma, j. 26/10/20, DJe 22/11/2010).
Benefício Assistencial ao Idoso ou Portador de Deficiência
Trata-se de demanda previdenciária na qual a parte autora objetiva a concessão de benefício assistencial previsto no artigo 203, inciso V, da Constituição Federal, e regulamentado pelo artigo 20 da Lei nº 8.742/93, com a redação dada pelas Leis nº 12.435, de 06 de julho de 2011, e nº 12.470, de 31 de agosto de 2011.
O direito ao benefício assistencial pressupõe o preenchimento dos seguintes requisitos: a) condição de deficiente (incapacidade para o trabalho e para a vida independente, de acordo com a redação original do art. 20 da LOAS, ou impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir a participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, conforme redação atual do referido dispositivo) ou idoso (neste caso, considerando-se, desde 1º de janeiro de 2004, a idade de 65 anos); e b)situação de risco social (estado de miserabilidade, hipossuficiência econômica ou situação de desamparo) da parte autora e de sua família.
Saliente-se, por oportuno, que a incapacidade para a vida independente a que se refere a Lei nº 8.742/93, na redação original, deve ser interpretada de forma a garantir o benefício assistencial a uma maior gama possível de pessoas com deficiência, consoante pacífica jurisprudência do STJ (v.g.STJ, 5ª Turma, RESP 360.202/AL, Rel. Min. Gilson Dipp, DJU de 01 de julho de 2002) e desta Corte (v.g. AC n. 2002.71.04.000395-5/RS, 6ª Turma, Rel. Des. Federal João Batista Pinto Silveira, DJU de 19 de abril de 2006).
Desse modo, a incapacidade para a vida independente (a) não exige que a pessoa possua uma vida vegetativa ou seja incapaz de se locomover; (b) não significa incapacidade para as atividades básicas do ser humano, tais como alimentar-se, fazer a higiene pessoal e vestir-se sozinho; (c) não impõe a incapacidade de se expressar ou se comunicar; e (d) não pressupõe dependência total de terceiros.
No que diz respeito ao requisito econômico, cabe ressaltar que o Superior Tribunal de Justiça admitiu, em sede de recurso repetitivo, a possibilidade de demonstração da condição de miserabilidade por outros meios de prova, quando a renda per capita familiar for superior a ¼ do salário mínimo (REsp 1112557/MG, 3ª Seção, rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, DJe 20 de novembro de 2009). Posteriormente, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, ao julgar, em 18 de abril de 2013, a reclamação nº 4374 e o recurso extraordinário nº 567985, este com repercussão geral, reconheceu e declarou a inconstitucionalidade do parágrafo 3º do artigo 20 da Lei 8.742/93 (LOAS), por considerar que o critério ali previsto - ser a renda familiar mensal per capita inferior a um quarto do salário mínimo - está defasado para caracterizar a situação de miserabilidade.
Assim, forçoso reconhecer que as despesas com os cuidados necessários da parte autora, especialmente medicamentos, alimentação especial, fraldas descartáveis, tratamento médico, psicológico e fisioterápico, podem ser levadas em consideração na análise da condição de miserabilidade da família da parte demandante.
Portanto, o direito ao benefício assistencial pressupõe o preenchimento dos seguintes requisitos: (1) requisito etário - ser idoso (assim considerado aquele com 65 anos ou mais, a partir de 1º de janeiro de 2004, data da entrada em vigor do Estatuto do Idoso) ou apresentar condição de deficiente (incapacidade para o trabalho e para a vida independente); e (2) situação de risco social (ausência de meios para, dignamente, prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família).
No que diz respeito ao requisito etário, em se tratando de benefíciorequerido na vigência do Estatuto do Idoso, é considerada idosa a pessoa com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família. O requisito é objetivo, ou seja, comprovado o atributo etário, a análise da condição incapacitante é desnecessária, bastando apenas verificar a situação de vulnerabilidade socioeconômica a que submetido o idoso.
Quanto à condição de deficiente, deve ficar comprovada a incapacidade para a vida independente, conforme disposto no artigo 20, da Lei 8.742/93, em sua redação original, esclarecendo que este Tribunal consolidou entendimento segundo o qual a interpretação que melhor se coaduna ao princípio da dignidade da pessoa humana (CF, art. 1º, III) é a que garante o benefício assistencial a maior gama possível de pessoas portadoras de deficiência. Cumpre ao julgador, portanto, ao analisar o caso concreto, observar que a incapacidade para a vida independente (a) não exige que a pessoa possua uma vida vegetativa ou que seja incapaz de locomover-se; (b) não significa incapacidade para as atividades básicas do ser humano, tais como alimentar-se, fazer a higiene e vestir-se sozinho; (c) não impõe a incapacidade de expressar-se ou de comunicar-se; e (d) não pressupõe dependência total de terceiros (TRF4, EINF 0016689-58.2014.404.9999, Terceira Seção, Relator Ricardo Teixeira do Valle Pereira, D.E. 29 de maio de 2015).
A situação de risco social, por sua vez, deve ser analisada inicialmente sob o ângulo da renda per capita do núcleo familar, que deverá ser inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo. Registro, no ponto, que o Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento no bojo do Tema 185 esclarecendo que a limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade, de modo a se presumir absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita inferior a 1/4 do salário mínimo (REsp 1112557/MG, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 28/10/2009, DJe 20/11/2009).
Posteriormente, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, ao julgar a Reclamação n. 4374 e o Recurso Extraordinário n. 567985 (este com repercussão geral), estabeleceu que o critério legal de renda familiar per capita inferior a um quarto do salário mínimo encontra-se defasado para caracterizar a situação de miserabilidade, não se configurando, portanto, como a única forma de aferir a incapacidade da pessoa para prover sua própria manutenção ou tê-la provida por sua família.
Na mesma oportunidade, o Plenário do STF, ao julgar o Recurso Extraordinário 580.963/PR, também declarou a inconstitucionalidade do parágrafo único do art. 34 do Estatuto do Idoso (Lei 10.741/03), o qual estabelece que o benefício assistencial já concedido a qualquer idoso membro da família não será computado para fins do cálculo da renda familiar per capita a que se refere a LOAS, com base nos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e da isonomia, bem como no caráter de essencialidade de que se revestem os benefícios de valor mínimo, tanto previdenciários quanto assistenciais, concedidos a pessoas idosas e também àquelas portadoras de deficiência. De acordo com o STF, portanto, não se justifica que, para fins do cálculo da renda familiar per capita, haja previsão de exclusão apenas do valor referente ao recebimento de benefício assistencial por membro idoso da família, quando verbas de outra natureza (benefício previdenciário), bem como outros beneficiários de tais verbas (membro da família portador de deficiência), também deveriam ser contemplados.
Mais recentemente, a Primeira Seção do STJ, com fundamento nos princípios da igualdade e da razoabilidade, firmou entendimento segundo o qual, também nos pedidos de benefício assistencial feitos por pessoas portadoras de deficiência, deve ser excluído do cálculo da renda familiar per capita qualquer benefício, no valor de um salário mínimo, recebido por maior de 65 anos, independentemente se assistencial ou previdenciário, aplicando-se, analogicamente, o disposto no parágrafo único, do art. 34, do Estatuto do Idoso. Confira-se:
PREVIDENCIÁRIO. RECURSO REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. CONCESSÃO DE BENEFÍCIO ASSISTENCIAL PREVISTO NA LEI N. 8.742/93 A PESSOA COM DEFICIÊNCIA. AFERIÇÃO DA HIPOSSUFICIÊNCIA DO NÚCLEO FAMILIAR. RENDA PER CAPITA. IMPOSSIBILIDADE DE SE COMPUTAR PARA ESSE FIM O BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO, NO VALOR DE UM SALÁRIO MÍNIMO, RECEBIDO POR IDOSO. 1. Recurso especial no qual se discute se o benefício previdenciário, recebido por idoso, no valor de um salário mínimo, deve compor a renda familiar para fins de concessão ou não do benefíciode prestação mensal continuada a pessoa deficiente. 2. Com a finalidade para a qual é destinado o recurso especial submetido a julgamento pelo rito do artigo 543-C do CPC, define-se: Aplica-se o parágrafo único do artigo 34 do Estatuto do Idoso (Lei n. 10.741/03), por analogia, a pedido de benefício assistencial feito por pessoa com deficiência a fim de que benefício previdenciário recebido por idoso, no valor de um salário mínimo, não seja computado no cálculo da renda per capita prevista no artigo 20, § 3º, da Lei n. 8.742/93. 3. Recurso especial provido. Acórdão submetido à sistemática do § 7º do art. 543-C do Código de Processo Civil e dos arts. 5º, II, e 6º, da Resolução STJ n. 08/2008.(REsp 1355052/SP, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 25/02/2015, DJe 05/11/2015).
Assim, em regra, integram o cálculo da renda familiar per capita os rendimentos auferidos pelo cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto (art. 20, § 1º, da Lei n.º 8.742/93, com a redação dada pela Lei n.º 12.435/2011).
Devem ser excluídos do cálculo, todavia, o valor auferido por idoso com 65 anos ou mais a título de benefício assistencial ou benefício previdenciário de renda mínima (TRF4, EINF 5003869-31.2010.404.7001, Terceira Seção, Relator p/ Acórdão Roger Raupp Rios, juntado aos autos em 10 de fevereiro de 2014), bem como o valor auferido a título de benefício previdenciário por incapacidade ou assistencial em razão de deficiência, independentemente de idade (TRF4, APELREEX 2006.71.14.002159-6, Sexta Turma, Relatora Vânia Hack de Almeida, D.E. 10 de setembro de 2015), ressaltando-se que tal beneficiário, em decorrência da exclusão de sua renda, também não será considerado na composição familiar, para efeito do cálculo da renda.
Demais disso, os cuidados necessários com a parte autora, em decorrência de sua deficiência, incapacidade ou avançada idade, que acarretarem gastos - notadamente com medicamentos, alimentação especial, fraldas descartáveis, tratamento médico, psicológico e fisioterápico, entre outros -, configuram despesas a ser consideradas na análise da condição de risco social da família do demandante (TRF4, APELREEX 5002022-24.2011.404.7012, Sexta Turma, Relator p/ Acórdão Celso Kipper, juntado aos autos em 27 de junho de 2013).
Em relação à percepção do benefício instituído pelo Programa Bolsa Família, não só não impede o recebimento do benefício assistencial do art. 203, V, da Constituição Federal, como constitui forte indicativo de que a unidade familiar encontra-se em situação de risco social (TRF4, APELREEX 2009.71.99.006237-1, Sexta Turma, Relator p/ Acórdão Celso Kipper, D.E. 07 de outubro de 2014).
Concluindo, em linhas gerais, para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, a situação de risco social a que se encontra exposta a pessoa idosa ou portadora de deficiência e sua família deve ser analisada em cada caso concreto (TRF4, EINF 0016689-58.2014.404.9999, Terceira Seção, Relator Ricardo Teixeira do Valle Pereira, D.E. 29 de maio de 2015).
Caso concreto
A autora, de profissão auxiliar de limpeza, nascida em 04/08/1958, postula a concessão de benefício por incapacidade, alegando, para tanto, que é portadora de doenças de ordem cardiológica, endocrinológica e neurológica.
Em vista disso, submeteu-se a três perícias médicas diversas, cujos laudos detalham que não há incapacidade ou impedimento a longo prazo a ensejar a concessão de auxílio-doença, aposentadoria por invalidez ou benefício assistencial. No ponto, deve-se destacar o que constou da sentença, a fim de evitar tautologia:
A parte autora alegou sofrer de moléstias de ordem cardiológica e endocrinológica que a incapacitam, de forma total e definitiva, para o trabalho.
Pois bem. No presente feito, foram realizadas perícias judiciais em três especialidades: cardiologia, neurologia (por sugestão do cardiologista) e clínica geral (que verificou o alegado problema endocrinológico), que passo a examinar.
Primeiro, o laudo elaborado por especialista em cardiologia (Evento 34, LAUDPERI1) atestou que a autora é portadora de miocardiopatia isquêmica (I255) e de acidente vascular cerebral (I64). Quanto à cardiopatia isquêmica, asseverou que a demandante foi adequadamente tratada através de angioplastia e de uso de medicação. Logo, do ponto de vista cardiológico, não há incapacidade. Sugeriu a avaliação com neurologista em razão do diagnóstico de acidente vascular cerebral.
Segundo, o laudo elaborado por especialista em neurologia (Evento 41, LAUDOPERI1), indicou que a autora apresenta hemorragia intracerebral hemisférica subcortical (I610). De acordo com o experto, "Esse representa rompimento de algum vaso cerebral, provavelmente associado à hipertensão arterial sistêmica, em determinada área do cérebro gerando, dependendo da região afetada, grande gama sintomatológica. As sequelas podem variar de gravíssimas a leves. No caso, a lesão está totalmente estabilizada sem possibilidade alguma de evolução e não gerou, felizmente, consequências neurológicas para a periciada." Concluiu, o vistor judicial, que o seu exame foi "muito claro e definitivo" e que a autora não possui incapacidade neurólógica que a impeça de desempenhar qualquer atividade que lhe garanta a subsistência.
Terceiro, o laudo elaborado por especialista em clínica geral (Evento 82, LAUDPERI1), referiu que a demandante possui hipertensão essencial - primária (I10), diabetes "mellitus" não especificado (E14), angina instável (I200) e insuficiência cardíaca não especificada (I509). Tais moléstias, todavia, não a incapacitam para o labor. Apesar de não terem sido apresentados documentos (boletins de atendimentos em emergências ou pronto atendimento ou, ainda, exames atuais de controle de diabetes) restou registrado na perícia que "a autora vem realizando tratamento adequado, disponibilizado pelo SUS". Logo, tendo em vista as conclusões da perícia, não há restrição ao retorno imediato da segurada ao mercado de trabalho para exercer sua atividade profissional habitual de auxiliar de limpeza.
De outra banda, os documentos particulares juntados pela autora não afastam as conclusões dos peritos, quais sejam: a) receitas médicas (Evento 1, ATESTMED5, pp. 1, 11, 13 e 16/17; Evento 62, ATESTMED2, pp. 1/3 e 5/12); b) atestados médicos (Evento 1, ATESTMED5, pp. 2 e 12 e ATESTMED6; Evento 62, ATESTMED2, p. 4; Evento 93, ATESTMED2); c) boletins de atendimento hospitalar (Evento 1, ATESTMED5, pp. 3/11); d) comprovante de agendamento de consulta (Evento 1, ATESTMED5, p. 14); e) orientações para obtenção de fitas de HGT (Evento 1, ATESTMED5, p. 15); f) notas de alta de internação hospitalar (Evento 1, ATESTMED5, pp. 18/20); g) exames (Evento 1, ATESTMED5, pp. 21/26). Tais documentos indicam as doenças da autora, mas nada informam acerca da sua incapacidade laboral.
Os próprios atestados médicos são categóricos quanto às patologias, mas omissos no tocante à questão da incapacidade (vide em especial Evento 1, ATESTMED5, pp. 2 e 12; Evento 62, ATESTMED2, p. 4; Evento 93, ATESTMED2). O único atestado médico que sugere a incapacidade permanente da autora é aquele acostado no Evento 1, ATESTMED6. Todavia, além de ser datado posteriormente à DER (mais ou menos de 3 anos depois, em 30/12/2015), engloba apenas as patologias cardíacas da autora, que, conforme o perito judicial especialista na área, não provocam incapacidade.
A propósito, devem ser prestigiadas as informações exaradas pelo perito judicial, uma vez que adequadamente embasadas e suficientemente fundamentadas, até porque o perito é profissional da confiança do Juízo, encontrando-se equidistante dos interesses de ambas as partes.
Improcede, portanto, o pedido de concessão do benefício de auxílio-doença e/ou a sua conversão em aposentadoria por invalidez com o acréscimo de que trata o artigo 45 da Lei nº 8.213/1991.
Especificamente em relação ao pedido para concessão de amparo assistencial, assim manifestou-se o magistrado a quo:
Aplicando essas premissas ao caso concreto, de posse dos laudos periciais nas especialidades cardiologia, neurologia e clínica geral (respectivamente, Evento 34, LAUDPERI1, Evento 41, LAUDPERI1 e Evento 82, LAUDPERI1), verifico que a autora não é acometida de moléstia incapacitante para o exercício de atividade laborativa produtiva e regular ou para a vida independente, nem mesmo sofre de impedimentos de longo prazo.
De acordo com as perícias, como exposto acima (vide fundamentos no item 1), apesar de a autora ter realizado CAT e posterior angioplastia com implante de stent em ADA, o tratamento foi adequado. Além disso, em relação à hemorragia intracerebral hemisférica subcortical, não há sequelas neurológicas significantes. As demais doenças, em especial a alegada diabete "mellitus" encontra-se controlada. Desse modo, tal situação não se mostra incapacitante, tampouco caracteriza impedimento de longo prazo capaz de limitar a participação plena e efetiva da parte autora na vida em sociedade.
Destarte, considerando que a demandante não é incapaz para o trabalho e para a vida independente, consoante a redação original do artigo 20 da LOAS, tampouco apresenta impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com uma ou mais barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, não faz jus ao benefício assistencial, sendo desnecessária a análise dos demais requisitos.
Por fim, da mesma forma demonstrada no item 1 acima, a documentação acostada pela demandante não tem elementos significativos para demonstrar a incapacidade ou impedimento de longo prazo.
Assim, improcede também o pedido de concessão de benefício assistencial.
Dito isso, deve-se negar provimento à apelação, mantendo-se integralmente a sentença, pois, na ausência da alegada incapacidade e do impedimento a longo prazo, é incabível a concessão dos benefício pretendidos. Segundo esclarecido no teor dos laudos, os sintomas relatados pela autora não a impedem de exercer suas lides habituais ou outras atividades que lhe garantam o sustento. Destaca-se, no ponto, como bem ressaltado pelo magistrado, que os documentos apresentados no processo não são suficientes a comprovar a alegada incapacidade, e, como ainda não completou os 65 anos de idade, requisito etário para a possível concessão do amparo assistencial ao idoso, é desnecessária a realização de estudo social para tal finalidade, pois também não há prova do impedimento a longo prazo.
Por fim, em complementação ao posicionamento exposto quando da análise da questão preliminar, cabe destacar que os laudos foram elaborados por médicos da confiança do juízo e especialistas no tipo de moléstia ora em debate. De igual modo, as respostas aos quesitos detalham, fundamentadamente, as razões por que a autora encontra-se apta a trabalhar. Os laudos são válidos e suficientes, portanto, a embasar a presente decisão, até mesmo porque cabia à autora, na condição de parte interessada, fazer prova em contrário, ônus do qual não se desincumbiu.
Nesse sentido, confiram-se precedentes desta Corte:
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE. Não comprovada a alegada incapacidade para o trabalho, improcede o pedido de concessão de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez. (TRF4, AC 5003656-51.2017.4.04.7107, QUINTA TURMA, Relatora GISELE LEMKE, juntado aos autos em 29/06/2018)
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL DE PRESTAÇÃO CONTINUADA (LOAS). CONDIÇÃO DE DEFICIENTE E IMPEDIMENTO A LONGO PRAZO NÃO COMPROVADOS. LAUDO PERICIAL. HONORÁRIOS. 1. O direito ao benefício assistencial pressupõe o preenchimento dos seguintes requisitos: (1) condição de deficiente (impedimento a longo prazo) ou idoso; (2) situação de risco social (ausência de meios para a parte autora, dignamente, prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família). 2. Somente contexto probatório muito relevante, constituído por exames que conclusivamente apontem para a incapacidade do segurado, pode desfazer a credibilidade que se deve emprestar a laudo pericial elaborado por profissional qualificado a servir como auxiliar do juízo. 3. Não havendo prova da deficiência ou impedimento a longo prazo, incabível a concessão do amparo assistencial. 4. Honorários advocatícios majorados (art. 85, §11, do CPC). (TRF4, AC 5002511-49.2016.4.04.7121, QUINTA TURMA, Relator OSNI CARDOSO FILHO, juntado aos autos em 07/12/2018)
Sabe-se que o juiz não está vinculado ao laudo pericial judicial (art. 479, CPC). Todavia, conforme reiteradamente afirmado por esta Corte, "a concessão de benefício previdenciário por incapacidade decorre da convicção judicial formada predominantemente a partir da produção de prova pericial" (TRF4, APELREEX 0013571-06.2016.404.9999, SEXTA TURMA, Relatora SALISE MONTEIRO SANCHOTENE, D.E. 11/07/2017). Apenas em situações excepcionais é que o magistrado pode, com base em sólida prova em contrário, afastar-se da conclusão apresentada pelo perito, do que aqui não se trata.
Conclui-se, assim, que a autora se encontra em condições para trabalho, motivo pelo qual não faz jus à concessão dos benefícios postulados, o que leva à improcedência do pedido.
Custas - Honorários Advocatícios
Confirmada a sentença no sentido da improcedência, impõe-se a adequação da verba honorária, em atendimento ao contido no §11 do artigo 85 do CPC, majorando-se o percentual em favor do INSS para 15%.
Custas na forma da sentença.
Por fim, fica mantida a inexigibilidade temporária de ambas as verbas em face da concessão do benefício da assistência judiciária gratuita no início da demanda.
Prequestionamento
O enfrentamento das questões suscitadas em grau recursal, assim como a análise da legislação aplicável, são suficientes para prequestionar junto às instâncias Superiores os dispositivos que as fundamentam. Assim, deixo de aplicar os dispositivos legais ensejadores de pronunciamento jurisdicional distinto do que até aqui foi declinado. Desse modo, evita-se a necessidade de oposição de embargos de declaração tão somente para este fim, o que evidenciaria finalidade procrastinatória do recurso, passível de cominação de multa.
Dispositivo
Em face do que foi dito, voto no sentido de rejeitar a preliminar e negar provimento à apelação, adequando, de ofício, os honorários advocatícios, nos termos da fundamentação.
Documento eletrônico assinado por ADRIANE BATTISTI, Juíza Federal Convocada, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40001015369v7 e do código CRC 81810102.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): ADRIANE BATTISTI
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Apelação Cível Nº 5058994-65.2016.4.04.7100/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
APELANTE: ELIANE TEIXEIRA MACHADO (AUTOR)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE. CERCEAMENTO DE DEFESA. INOCORRÊNCIA. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. AUXILIO-DOENÇA. AMPARO ASSISTENCIAL. LAUDO PERICIAL. AUSÊNCIA DE INCAPACIDADE OU IMPEDIMENTO A LONGO PRAZO. HONORÁRIOS.
1. A realização de novas provas somente é recomendada quando a matéria não parecer ao juiz suficientemente esclarecida (art. 480, caput, do CPC). O resultado contrário ao interesse da parte não é causa suficiente ao reconhecimento de cerceamento de defesa, em circunstâncias nas quais o conjunto probatório é suficiente, coerente e sem contradições.
2. São três os requisitos para a concessão dos benefícios por incapacidade: (1) qualidade de segurado; (2) cumprimento do período de carência; (3) a incapacidade para o trabalho, de caráter permanente (aposentadoria por invalidez) ou temporário (auxílio-doença).
3. O direito ao benefício assistencial pressupõe o preenchimento dos seguintes requisitos: a) condição de deficiente ou idoso; e b) situação de risco social da parte autora e de sua família.
4. Somente contexto probatório muito relevante, constituído por exames que conclusivamente apontem para a incapacidade do segurado, pode desfazer a credibilidade que se deve emprestar a laudo pericial elaborado por profissional qualificado a servir como auxiliar do juízo.
5. Não caracterizada a incapacidade laboral, imprópria a concessão de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez, não sendo o caso também de concessão do amparo assistencial porque ausente o requisito etário ou impedimento a longo prazo.
6. Honorários advocatícios majorados (art. 85, §11, do CPC).
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, rejeitar a preliminar e negar provimento à apelação, adequando, de ofício, os honorários advocatícios, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 14 de maio de 2019.
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 14/05/2019
Apelação Cível Nº 5058994-65.2016.4.04.7100/RS
RELATORA: Juíza Federal ADRIANE BATTISTI
PRESIDENTE: Juiz Federal ALTAIR ANTONIO GREGORIO
APELANTE: ELIANE TEIXEIRA MACHADO (AUTOR)
ADVOGADO: RICARDO LUNKES PELIZZARO (OAB RS072083)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (MPF)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 14/05/2019, na sequência 14, disponibilizada no DE de 26/04/2019.
Certifico que a 5ª Turma , ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A 5ª TURMA , DECIDIU, POR UNANIMIDADE, REJEITAR A PRELIMINAR E NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO, ADEQUANDO, DE OFÍCIO, OS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.
RELATORA DO ACÓRDÃO: Juíza Federal ADRIANE BATTISTI
Votante: Juíza Federal ADRIANE BATTISTI
Votante: Juíza Federal GISELE LEMKE
Votante: Juiz Federal ALTAIR ANTONIO GREGORIO
PAULO ROBERTO DO AMARAL NUNES
Secretário
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