Apelação Cível Nº 5016237-84.2019.4.04.9999/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
APELANTE: EVA SCHULER
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RELATÓRIO
Eva Schuler interpôs apelação em face da segunda sentença prolatada no feito e que julgou improcedente o pedido para concessão de benefício por incapacidade, condenando-a ao pagamento das custas, despesas processuais e honorários advocatícios, arbitrados em R$ 954,00, ficando suspensa a exigibilidade por ser beneficiária da justiça gratuita (ev. 3 - SENT37).
Sustentou que houve cerceamento de defesa, uma vez que a perícia deveria ter sido complementada no sentido de que o perito especialista em ortopedia se manifestasse acerca dos novos exames de imagem anexados aos autos, bem como atestados médicos. Pediu a reforma da sentença para que o benefício seja concedido, pois, apesar de o laudo judicial atestar a ausência de incapacidade, a autora não consegue mais trabalhar (ev. 3 - APELAÇÃO38).
Sem contrarrazões, subiram os autos.
VOTO
Cerceamento de defesa - desnecessidade de realização de novo exame pericial
A apelante alegou que houve cerceamento de defesa e pede a realização de novo exame médico ao argumento de que não lhe foi possibilitado produzir outras provas.
Sem razão, todavia. O conjunto probatório constante dos autos é suficiente para a formação da convicção deste órgão julgador. Demais disso, o laudo foi elaborado por médico especialista em ortopedia, está completo, detalhado e apto a embasar o desfecho do caso ora em análise, não havendo necessidade de reabertura da instrução probatória, conforme adiante se verá, hipótese na qual não se verifica cerceamento de defesa, lesão ao contraditório ou à ampla defesa.
Deve-se ressaltar que a realização de nova perícia somente é recomendada quando a matéria não parecer ao juiz suficientemente esclarecida, a teor do disposto no art. 480, caput, do CPC, o que não é a hipótese dos autos.
Por fim, registre-se que o resultado contrário ao interesse da parte não é causa suficiente ao reconhecimento de cerceamento de defesa em circunstâncias nas quais o laudo judicial é elaborado de forma completa, coerente e sem contradições internas.
Rejeita-se, portanto, a preliminar.
Benefício por incapacidade
Cumpre, de início, rememorar o tratamento legal conferido aos benefícios de auxílio-doença e de aposentadoria por invalidez.
O art. 59 da Lei n.º 8.213/91 (Lei de Benefícios da Previdência Social - LBPS) estabelece que o auxílio-doença será devido ao segurado que, havendo cumprido, quando for o caso, o período de carência exigido em lei, ficar incapacitado para o seu trabalho ou para a sua atividade habitual por mais de 15 (quinze) dias consecutivos. Por sua vez, o art. 42 da Lei nº 8.213/91 estatui que a aposentadoria por invalidez será concedida ao segurado que, tendo cumprido a carência, for considerado incapaz e insuscetível de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência. O art. 25 desse diploma legal esclarece, a seu turno, que a carência exigida para a concessão de ambos os benefícios é de 12 (doze) meses, salvo nos casos em que é expressamente dispensada (art. 26, II).
Em resumo, portanto, a concessão dos benefícios depende de três requisitos: (a) a qualidade de segurado do requerente à época do início da incapacidade (artigo 15 da LBPS); (b) o cumprimento da carência de 12 contribuições mensais, exceto nas hipóteses em que expressamente dispensada por lei; (c) o advento, posterior ao ingresso no RGPS, de moléstia incapacitante para o desenvolvimento de atividade laboral que garanta a subsistência do segurado.
Note-se que a concessão do auxílio-doença não exige que o segurado esteja incapacitado para toda e qualquer atividade laboral; basta que esteja incapacitado para a sua atividade habitual. É dizer: a incapacidade pode ser total ou parcial. Além disso, pode ser temporária ou permanente. Nisso, precisamente, é que se diferencia da aposentadoria por invalidez, que deve ser concedida apenas quando constatada a incapacidade total e permanente do segurado. Sobre o tema, confira-se a lição doutrinária de Daniel Machado da Rocha e de José Paulo Baltazar Júnior:
A diferença, comparativamente à aposentadoria por invalidez, repousa na circunstância de que para a obtenção de auxílio-doença basta a incapacidade para o trabalho ou atividade habitual do segurado, enquanto para a aposentadoria por invalidez exige-se a incapacidade total, para qualquer atividade que garanta a subsistência. Tanto é assim que, exercendo o segurado mais de uma atividade e ficando incapacitado para apenas uma delas, o auxílio-doença será concedido em relação à atividade para a qual o segurado estiver incapacitado, considerando-se para efeito de carência somente as contribuições relativas a essa atividade (RPS, art. 71, § 1º) (in ROCHA, Daniel Machado da. BALTAZAR JÚNIOR, José Paulo. Comentários à Lei de Benefícios da Previdência Social. 15. ed. rev., atual. e ampl. - São Paulo: Atlas, 2017).
De qualquer sorte, o caráter da incapacidade (total ou parcial) deve ser avaliado não apenas por um critério médico, mas conforme um juízo global que considere as condições pessoais da parte autora - em especial, a idade, a escolaridade e a qualificação profissional - a fim de se aferir, concretamente, a sua possibilidade de reinserção no mercado de trabalho.
Cumpre demarcar, ainda, a fungibilidade entre as ações previdenciárias, tendo em vista o caráter eminentemente protetivo e de elevado alcance social da lei previdenciária. De fato, a adoção de soluções processuais adequadas à relação jurídica previdenciária constitui uma imposição do princípio do devido processo legal, a ensejar uma leitura distinta do princípio dispositivo e da adstrição do juiz ao pedido (SAVARIS, José Antônio. Direito processual previdenciário. 6 ed., rev. atual. e ampl. Curitiba: Alteridade Editora, 2016, p. 67). Por isso, aliás, o STJ sedimentou o entendimento de que "não constitui julgamento extra ou ultra petita a decisão que, verificando não estarem atendidos os pressupostos para concessão do benefíciorequerido na inicial, concede benefício diverso cujos requisitos tenham sido cumpridos pelo segurado" (AgRG no AG 1232820/RS, Rel. Min. Laurita Vaz, 5ª Turma, j. 26/10/20, DJe 22/11/2010).
Caso concreto
Discute-se acerca do quadro incapacitante, uma vez que a sentença foi prolatada no sentido da improcedência do pedido por ausência de inaptidão ao trabalho.
Inicialmente, cabe registrar que a primeira sentença (ev. 3 - SENT20) foi anulada em grau recursal mediante decisão monocrática proferida por desembargador vinculado ao Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (ev. 3 - DEC_RELATOR26). Na decisão, determinou-se a renovação da prova pericial médica com especialista em ortopedia para fins de comprovação do caráter acidentário da moléstia. Sobreveio aos autos a nova perícia, na qual foi afastada a origem acidentária (ev. 3 - CARTA PREC/ORDEM35). Por tal motivo, a competência para apreciação e julgamento desta apelação é deste Regional, a despeito de a primeira sentença ter sido anulada na segunda instância da Justiça Estadual.
Feitas tais considerações, passa-se ao exame do mérito propriamente dito: a existência ou não de incapacidade para o trabalho.
Segundo consta do laudo pericial elaborado por especialista em ortopedia (ev. 3 - CARTA PREC/ORDEM35 - 18/04/2018), a autora, atualmente com 62 anos de idade, de profissão faxineira, é portadora de Gonartrose primária bilateral (M170) e Dor articular (M255). Apesar de sentir dor e instabilidade nos joelhos, não há incapacidade. Confira-se:
Justificativa/conclusão: A autora refere dor em ambos os joelhos.
Exame físico dos joelhos, dentro da normalidade fisiológica:
Sem derrame;
Flexo extensão 10º e 0º;
Ligamentos íntegros;
Movimentos passivos: sem crepitação.
O(a) Autor(a) não está inválido e não se encontra enquadrado em nenhuma das situações previstas no Anexo I do Regulamento da Previdência Social (Decreto nº 3.048/99).
[...]
A Autora não está incapacitada ao trabalho ou inválida.
Em resposta aos quesitos do juízo, ratificou que Não existe incapacidade ao trabalho (cf. 6), bem como que Não necessita de reabilitação (cf. 19).
Diante desses argumentos, no cotejo com os documentos que instruíram os autos, conclui-se que a sentença deve ser mantida, pois, de fato, não há prova da incapacidade.
Em relação aos fundamentos expostos nas razões de apelação no sentido de que a autora juntou exames de imagem não analisados pelo perito e que comprovariam a existência do quadro incapacitante, cabe registrar que o exame médico pericial ocorreu em 18/04/2018 e a ressonância magnética dos joelhos foi realizada em 29/05/2018, aproximadamente um mês depois. Ora, trata-se de período curto de tempo, no qual não poderia ter havido alteração nos joelhos a ponto de alterar o resultado do exame médico, presencial, no qual a autora realizou com normalidade todos os movimentos solicitados pelo ortopedista.
Além disso, exames de imagem, por si só, não comprovam o quadro incapacitante, ainda mais em se tratando de periciada examinada pessoalmente por especialista em ortopedia poucos dias antes de sua realização.
Nega-se provimento, portanto, à apelação.
Honorários advocatícios
Desprovido o recurso interposto pela autora da sentença de improcedência do pedido, devem os honorários de advogado ser majorados, com o fim de remunerar o trabalho adicional do procurador da parte em segundo grau de jurisdição.
Consideradas as disposições do art. 85, §§ 2º e 3º, do Código de Processo Civil (CPC), majora-se o valor arbitrado em sentença em 20%, ficando suspensa a exigibilidade por ser beneficiária da justiça gratuita.
Prequestionamento
O enfrentamento das questões suscitadas em grau recursal, assim como a análise da legislação aplicável, são suficientes para prequestionar junto às instâncias Superiores os dispositivos que as fundamentam. Assim, deixo de aplicar os dispositivos legais ensejadores de pronunciamento jurisdicional distinto do que até aqui foi declinado. Desse modo, evita-se a necessidade de oposição de embargos de declaração tão somente para este fim, o que evidenciaria finalidade procrastinatória do recurso, passível de cominação de multa.
Dispositivo
Em face do que foi dito, voto no sentido de rejeitar a preliminar, negar provimento à apelação e, de ofício, majorar os honorários advocatícios, nos termos da fundamentação.
Documento eletrônico assinado por OSNI CARDOSO FILHO, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40002060524v13 e do código CRC 00bf430d.Informações adicionais da assinatura:
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Apelação Cível Nº 5016237-84.2019.4.04.9999/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
APELANTE: EVA SCHULER
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE. CERCEAMENTO DE DEFESA. INOCORRÊNCIA. DESNECESSIDADE DE NOVO EXAME MÉDICO. AUXÍLIO-DOENÇA/APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. LAUDO PERICIAL. GONARTROSE PRIMÁRIA. DOR ARTICULAR. AUSÊNCIA DE INAPTIDÃO AO TRABALHO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.
1. O resultado contrário ao interesse da parte não é causa suficiente ao reconhecimento de cerceamento de defesa em circunstâncias nas quais o laudo judicial é elaborado de forma completa, coerente e sem contradições internas. A realização de nova perícia somente é recomendada quando a matéria não parecer ao juiz suficientemente esclarecida, a teor do disposto no art. 480, caput, do CPC.
2. O direito à aposentadoria por invalidez e ao auxílio-doença pressupõe o preenchimento de 3 (três) requisitos: (1) a qualidade de segurado ao tempo de início da incapacidade, (2) a carência de 12 (doze) contribuições mensais, ressalvadas as hipóteses previstas no art. 26, II, da Lei nº 8.213, que a dispensam, e (3) aquele relacionado à existência de incapacidade impeditiva para toda e qualquer atividade (aposentadoria por invalidez) ou para seu trabalho habitual (auxílio-doença) em momento posterior ao ingresso no RGPS, aceitando-se, contudo, a derivada de doença anterior, desde que agravada após esta data, nos termos dos arts. 42, §2º, e 59, parágrafo único; ambos da Lei nº 8.213.
3. A desconsideração da conclusão de laudo pericial, em exame de requisito para a concessão de benefício previdenciário, pode ocorrer apenas quando o contexto probatório em que se inclui, indicar maior relevo às provas contrapostas, a partir de documentos a respeito da incapacidade ou de limitação para o exercício de atividade laborativa.
4. Não caracterizada a incapacidade para o trabalho, imprópria a concessão de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez.
5. Majorados os honorários advocatícios a fim de adequação ao que está disposto no art. 85, §11, do Código de Processo Civil.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, rejeitar a preliminar, negar provimento à apelação e, de ofício, majorar os honorários advocatícios, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 20 de outubro de 2020.
Documento eletrônico assinado por OSNI CARDOSO FILHO, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40002060525v4 e do código CRC fbc6e73d.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO Virtual DE 13/10/2020 A 20/10/2020
Apelação Cível Nº 5016237-84.2019.4.04.9999/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
PRESIDENTE: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
PROCURADOR(A): ADRIANA ZAWADA MELO
APELANTE: EVA SCHULER
ADVOGADO: HENRIQUE KERN (OAB RS057669)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 13/10/2020, às 00:00, a 20/10/2020, às 14:00, na sequência 65, disponibilizada no DE de 01/10/2020.
Certifico que a 5ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 5ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, REJEITAR A PRELIMINAR, NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO E, DE OFÍCIO, MAJORAR OS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
Votante: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
Votante: Juiz Federal ALTAIR ANTONIO GREGORIO
Votante: Juíza Federal GISELE LEMKE
LIDICE PEÑA THOMAZ
Secretária
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