Apelação Cível Nº 5017767-89.2020.4.04.9999/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
APELANTE: GABRIELA BUCHHORN
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RELATÓRIO
Gabriela Buchhorn interpôs apelação em face de sentença que julgou parcialmente procedente o pedido para concessão de auxílio-doença no período compreendido entre 12/09/2017 e 11/11/2017, condenando a autarquia ao pagamento das parcelas vencidas corrigidas pelo IPCA-E e juros moratórios de 6% ao ano. Diante da sucumbência recíproca, a autora foi condenada ao pagamento de 60% das custas processuais e de honorários advocatícios, estabelecidos em 10% do valor da causa. O INSS, por sua vez, foi condenado ao pagamento das despesas processuais e dos honorários advocatícios arbitrados em 10% sobre o valor da condenação (ev. 10 - SENT6).
Sustentou que há contradição no laudo pericial, pois o quadro é grave e a impede de trabalhar na agricultura. Destacou que realizou o procedimento cirúrgico adequado e faz uso de medicação, mas segue sem condições de trabalhar, motivo pelo qual a sentença merece reforma para que se conceda o auxílio-doença desde a DER (26/12/2017) até a efetiva recuperação ou conversão em aposentadoria por invalidez. Alternativamente, impugnou o laudo pericial e requereu a realização de novo exame médico com especialista em gastroenterologia, protestando pela anulação da sentença para retorno à origem e reabertura da instrução probatória (ev. 10 - APELAÇÃO7).
Sem contrarrazões, subiram os autos.
VOTO
Benefício por incapacidade
Cumpre, de início, rememorar o tratamento legal conferido aos benefícios de auxílio-doença e de aposentadoria por invalidez.
O art. 59 da Lei n.º 8.213/91 (Lei de Benefícios da Previdência Social - LBPS) estabelece que o auxílio-doença será devido ao segurado que, havendo cumprido, quando for o caso, o período de carência exigido em lei, ficar incapacitado para o seu trabalho ou para a sua atividade habitual por mais de 15 (quinze) dias consecutivos. Por sua vez, o art. 42 da Lei nº 8.213/91 estatui que a aposentadoria por invalidez será concedida ao segurado que, tendo cumprido a carência, for considerado incapaz e insuscetível de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência. O art. 25 desse diploma legal esclarece, a seu turno, que a carência exigida para a concessão de ambos os benefícios é de 12 (doze) meses, salvo nos casos em que é expressamente dispensada (art. 26, II).
Em resumo, portanto, a concessão dos benefícios depende de três requisitos: (a) a qualidade de segurado do requerente à época do início da incapacidade (artigo 15 da LBPS); (b) o cumprimento da carência de 12 contribuições mensais, exceto nas hipóteses em que expressamente dispensada por lei; (c) o advento, posterior ao ingresso no RGPS, de moléstia incapacitante para o desenvolvimento de atividade laboral que garanta a subsistência do segurado.
Note-se que a concessão do auxílio-doença não exige que o segurado esteja incapacitado para toda e qualquer atividade laboral; basta que esteja incapacitado para a sua atividade habitual. É dizer: a incapacidade pode ser total ou parcial. Além disso, pode ser temporária ou permanente. Nisso, precisamente, é que se diferencia da aposentadoria por invalidez, que deve ser concedida apenas quando constatada a incapacidade total e permanente do segurado. Sobre o tema, confira-se a lição doutrinária de Daniel Machado da Rocha e de José Paulo Baltazar Júnior:
A diferença, comparativamente à aposentadoria por invalidez, repousa na circunstância de que para a obtenção de auxílio-doença basta a incapacidade para o trabalho ou atividade habitual do segurado, enquanto para a aposentadoria por invalidez exige-se a incapacidade total, para qualquer atividade que garanta a subsistência. Tanto é assim que, exercendo o segurado mais de uma atividade e ficando incapacitado para apenas uma delas, o auxílio-doença será concedido em relação à atividade para a qual o segurado estiver incapacitado, considerando-se para efeito de carência somente as contribuições relativas a essa atividade (RPS, art. 71, § 1º) (in ROCHA, Daniel Machado da. BALTAZAR JÚNIOR, José Paulo. Comentários à Lei de Benefícios da Previdência Social. 15. ed. rev., atual. e ampl. - São Paulo: Atlas, 2017).
De qualquer sorte, o caráter da incapacidade (total ou parcial) deve ser avaliado não apenas por um critério médico, mas conforme um juízo global que considere as condições pessoais da parte autora - em especial, a idade, a escolaridade e a qualificação profissional - a fim de se aferir, concretamente, a sua possibilidade de reinserção no mercado de trabalho.
Cumpre demarcar, ainda, a fungibilidade entre as ações previdenciárias, tendo em vista o caráter eminentemente protetivo e de elevado alcance social da lei previdenciária. De fato, a adoção de soluções processuais adequadas à relação jurídica previdenciária constitui uma imposição do princípio do devido processo legal, a ensejar uma leitura distinta do princípio dispositivo e da adstrição do juiz ao pedido (SAVARIS, José Antônio. Direito processual previdenciário. 6 ed., rev. atual. e ampl. Curitiba: Alteridade Editora, 2016, p. 67). Por isso, aliás, o STJ sedimentou o entendimento de que "não constitui julgamento extra ou ultra petita a decisão que, verificando não estarem atendidos os pressupostos para concessão do benefício requerido na inicial, concede benefício diverso cujos requisitos tenham sido cumpridos pelo segurado" (AgRG no AG 1232820/RS, Rel. Min. Laurita Vaz, 5ª Turma, j. 26/10/20, DJe 22/11/2010).
Caso concreto
Inicialmente, deve-se destacar que o pedido alternativo para a realização de novo exame médico não prospera, pois o conjunto probatório constante dos autos é suficiente para a formação da convicção deste órgão julgador. Além disso, o laudo está completo, detalhado e apto a embasar o desfecho do caso ora em análise, não havendo necessidade de reabertura da instrução probatória, conforme adiante se verá, hipótese na qual não se verifica cerceamento de defesa, lesão ao contraditório ou à ampla defesa.
Deve-se ressaltar que a realização de nova perícia somente é recomendada quando a matéria não parecer ao juiz suficientemente esclarecida, a teor do disposto no art. 480, caput, do CPC, o que não é a hipótese dos autos. Registre-se, ainda, que o resultado contrário ao interesse da parte não é causa suficiente ao reconhecimento de cerceamento de defesa em circunstâncias nas quais o laudo judicial é elaborado de forma completa, coerente e sem contradições internas.
No que diz respeito ao ponto controvertido, ou seja, a possibilidade de prorrogação do auxílio-doença por prazo superior ao concedido em sentença e a conversão em aposentadoria por invalidez, não assiste razão à parte autora.
Segunda consta do laudo pericial (ev. 10 - LAUDO5 - 16/01/2019), a autora, atualmente com 46 anos de idade, agricultora, queixou-se ao perito ter sofrido convalescença lenta pós cirurgia de colecistectomia laparotomica. O diagnóstico/CID é de: K80.1 - Calculose da vesícula biliar com outras formas de colecistite; Z54 - Convalescença, mas não há incapacidade.
Em relação ao período pretérito, manifestou-se o perito expressamente que houve inaptidão entre 11/07/2017 e 11/11/2017, e que quando da realização da perícia, em 16/01/2019, existia condição plena executiva, sem restrições de ordem alimentar ou complicações cirúrgicas incisionais. No que diz respeito ao exame físico, de igual modo, foi considerada plenamente funcional.
A fim de justificar tais conclusões, assim manifestou-se o expert (item conclusão):
- Justificativa: Justifica-se data de incapacidade a contar de internação no Hospital Bom Pastor com vistas à concretização cirúrgica de colecistectomia laparotomica.
Reconheço que tal intervenção diferente de laparoscópica que apresenta recuperação e convalescença acelerada, em muitos casos como os atuais apresentam lenta e progressiva aquisição funcionalidades posteriores a intervenção em virtude do caráter aberto da operação com múltiplas camadas de ponto, assim como com dores incisionais.
Reconheço 4 meses como suficiente para recuperação da funcionalidade.
Especificamente em relação à patologia K80 e a ausência de incapacidade, esclareceu que é de natureza digestiva centrada em vesícula biliar com influência relativa à ingesta dietética rica em lipídios, com predisposição individual constitucional da paciente, tendo indicação cirúrgica já previamente concretizada e resolvida antes da realização da perícia (item causa provável do diagnóstico).
Sobre seu estado de saúde atual, atestou que, a despeito de ter tido convalescença lenta após o procedimento cirúrgico, já está com o tratamento medicamentoso adequado caso tenha crises álgicas, não havendo necessidade de complementação terapêutica, estando curada da patologia (item observações sobre o tratamento).
Por fim, cabe mencionar que o exame físico e do estado mental da autora, segundo detalhada descrição constante do laudo, está dentro dos parâmetros da normalidade, não tendo sido evidenciados problema ortopédicos ou musculares (item exame físico/do estado mental).
Dito isso, deve-se negar provimento à apelação, mantendo-se integralmente a sentença, pois não há prova de que a incapacidade tenha prosseguido para além do período indicado pelo perito judicial, que considerou 4 meses após o procedimento cirúrgico suficiente à recuperação. Além disso, não foram constatadas outras enfermidades que causassem a continuidade da inaptidão a partir 11/11/2017. Destaca-se, no ponto, que os documentos apresentados no processo não são suficientes a comprovar a alegada incapacidade.
Correção monetária
Após o julgamento, pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, em regime de repercussão geral, do Tema 810 (RE n. 870.947), a que se seguiu o dos embargos de declaração da mesma decisão, rejeitados e com afirmação de inexistência de modulação de efeitos, deve a atualização monetária obedecer ao Tema 905 do Superior Tribunal de Justiça, que estabelece para as condenações judiciais de natureza previdenciária:
As condenações impostas à Fazenda Pública de natureza previdenciária sujeitam-se à incidência do INPC, para fins de correção monetária, no que se refere ao período posterior à vigência da Lei 11.430/2006, que incluiu o art. 41-A na Lei 8.213/91.
Assim, a correção monetária das parcelas vencidas dos benefícios previdenciários será calculada conforme a variação dos seguintes índices, que se aplicam conforme a pertinente incidência ao período compreendido na condenação:
- IGP-DI de 05/96 a 03/2006 (art. 10 da Lei n.º 9.711/98, combinado com o art. 20, §§5º e 6º, da Lei n.º 8.880/94);
- INPC a partir de 04/2006 (art. 41-A da lei 8.213/91).
Juros moratórios
Os juros de mora, de 1% (um por cento) ao mês, serão aplicados a contar da citação (Súmula 204 do STJ), até 29 de junho de 2009. A partir de 30 de junho de 2009, os juros moratórios serão computados de forma equivalente aos aplicáveis à caderneta de poupança, conforme dispõe o art. 5º da Lei 11.960/09, que deu nova redação ao art. 1º-F da Lei nº 9.494/97.
Prequestionamento
O enfrentamento das questões suscitadas em grau recursal, assim como a análise da legislação aplicável, são suficientes para prequestionar junto às instâncias Superiores os dispositivos que as fundamentam. Assim, deixo de aplicar os dispositivos legais ensejadores de pronunciamento jurisdicional distinto do que até aqui foi declinado. Desse modo, evita-se a necessidade de oposição de embargos de declaração tão somente para este fim, o que evidenciaria finalidade procrastinatória do recurso, passível de cominação de multa.
Dispositivo
Em face do que foi dito, voto no sentido de negar provimento à apelação, adequando, de ofício, os consectários legais.
Documento eletrônico assinado por OSNI CARDOSO FILHO, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40002181588v15 e do código CRC 998c1240.Informações adicionais da assinatura:
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Apelação Cível Nº 5017767-89.2020.4.04.9999/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
APELANTE: GABRIELA BUCHHORN
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE. DESNECESSIDADE DE NOVO EXAME PERICIAL. AUXILIO-DOENÇA. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. LAUDO PERICIAL. AGRICULTORA. CALCULOSE DA VESÍCULA BILIAR COM OUTRAS FORMAS DE COLECISTITE. CONVALESCENÇA. AUSÊNCIA DE INCAPACIDADE EM PERÍODO SUPERIOR AO DETERMINADO EM SENTENÇA. IMPOSSIBILIDADE DE PRORROGAÇÃO.
1. O direito à aposentadoria por invalidez e ao auxílio-doença pressupõe o preenchimento de 3 (três) requisitos: (1) a qualidade de segurado ao tempo de início da incapacidade, (2) a carência de 12 (doze) contribuições mensais, ressalvadas as hipóteses previstas no art. 26, II, da Lei nº 8.213, que a dispensam, e (3) aquele relacionado à existência de incapacidade impeditiva para toda e qualquer atividade (aposentadoria por invalidez) ou para seu trabalho habitual (auxílio-doença) em momento posterior ao ingresso no RGPS, aceitando-se, contudo, a derivada de doença anterior, desde que agravada após esta data, nos termos dos arts. 42, §2º, e 59, parágrafo único; ambos da Lei nº 8.213.
2. A realização de nova perícia somente é recomendada quando a matéria não parecer ao juiz suficientemente esclarecida, a teor do disposto no art. 480, caput, do CPC. O resultado contrário ao interesse da parte não é causa suficiente ao reconhecimento de cerceamento de defesa em circunstâncias nas quais o laudo judicial é elaborado de forma completa, coerente e sem contradições internas.
3. Somente contexto probatório muito relevante, constituído por exames que conclusivamente apontem para a incapacidade do segurado, pode desfazer a credibilidade que se deve emprestar a laudo pericial elaborado por profissional qualificado a servir como auxiliar do juízo.
4. Não caracterizada a incapacidade para o trabalho em período superior ao determinado em sentença, imprópria a prorrogação de auxílio-doença ou concessão de aposentadoria por invalidez.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento à apelação, adequando, de ofício, os consectários legais, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 17 de dezembro de 2020.
Documento eletrônico assinado por OSNI CARDOSO FILHO, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40002181589v3 e do código CRC 63f67af5.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO Virtual DE 10/12/2020 A 17/12/2020
Apelação Cível Nº 5017767-89.2020.4.04.9999/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
PRESIDENTE: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
PROCURADOR(A): EDUARDO KURTZ LORENZONI
APELANTE: GABRIELA BUCHHORN
ADVOGADO: ADRIANA REGINA SCHMIDT (OAB RS097227)
ADVOGADO: MARCO ANTONIO KUHN (OAB RS097991)
ADVOGADO: CASSIO LEDUR KUHN (OAB RS097494)
ADVOGADO: NEUSA LEDUR KUHN (OAB RS050967)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 10/12/2020, às 00:00, a 17/12/2020, às 14:00, na sequência 349, disponibilizada no DE de 30/11/2020.
Certifico que a 5ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 5ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO, ADEQUANDO, DE OFÍCIO, OS CONSECTÁRIOS LEGAIS.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
Votante: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
Votante: Juiz Federal ALTAIR ANTONIO GREGORIO
Votante: Juíza Federal GISELE LEMKE
LIDICE PEÑA THOMAZ
Secretária
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