Apelação Cível Nº 5004270-71.2021.4.04.9999/SC
RELATORA: Desembargadora Federal ANA CRISTINA FERRO BLASI
APELANTE: MARIA TERESINHA BOEIRA DA FONSECA
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RELATÓRIO
MARIA TERESINHA BOEIRA DA FONSECA ajuizou ação ordinária em 26-07-2018, objetivando a concessão de benefício por incapacidade desde o indeferimento administrativo, em 16-11-2015
Sobreveio sentença de improcedência, da qual extraio o seguinte excerto (
):"Na incapacidade laboral, colaborando com todos os documentos colacionados aos autos, que noticiaram o infortúnio laboral, a parte autora se submeteu à perícia médica imposta neste Juízo e o expert judicial nomeado, especialista em oftalmologia, Dr. Jetender Singh Kalsi, apresentou o laudo pericial (Evento 39), concluindo: "Entendo EXISTIR incapacidade para realizar as suas atividades diárias relacionando com as patologias encontradas durante o ato pericial. [..] Desde a infância, devido a presença da miopia degenerativa associada a cicatriz corioretinite macular em olho esquerdo."
No que se refere a pretensão de concessão de benefício de auxílio-doença, prescreve o art, 59 da Lei nº 8.213/91:
O auxílio-doença será devido ao segurado que, havendo cumprido, quando for o caso, o período de carência exigido nesta Lei, ficar incapacitado para o seu trabalho ou para a sua atividade habitual por mais de 15 (quinze) dias consecutivos.
Quanto à aposentadoria por invalidez, dispõe o art. 42, da Lei 8.213/91:
Art. 42. A aposentadoria por invalidez, uma vez cumprida, quando for o caso, a carência exigida, será devida ao segurado que, estando ou não em gozo de auxilio-doença, for considerado incapaz e insusceptível de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência, e ser-lhe-á pago enquanto permanecer nesta condição.
Daí se extrai, que a concessão de benefícios por incapacidade pressupõe a demonstração dos seguintes requisitos: a) a qualidade de segurado; b) cumprimento do prazo de carência de 12 (doze) contribuições mensais (quando exigível); c) incapacidade para o trabalho de caráter total e permanente (aposentadoria por invalidez) ou temporária (auxílio-doença).
Como se vê, a Lei sob exame exige o cumprimento da carência correspondente a 12 (doze) contribuições mensais (art. 25), salvo nos casos legalmente previstos.
E caso ocorra a cessação do recolhimento das contribuições exigidas, o art. 15 da Lei n. 8.213/91 prevê um período de graça, mantendo a qualidade de segurado por determinado período:
Art. 15. Mantém a qualidade de segurado, independentemente de contribuições:
I - sem limite de prazo, quem está em gozo de benefício;
II - até 12 (doze) meses após a cessação das contribuições, o segurado que deixar de exercer atividade remunerada abrangida pela Previdência Social ou estiver suspenso ou licenciado sem remuneração;
III - até 12 (doze) meses após cessar a segregação, o segurado acometido de doença de segregação compulsória;
IV - até 12 (doze) meses após o livramento, o segurado retido ou recluso;
V - até 3 (três) meses após o licenciamento, o segurado incorporado às Forças Armadas para prestar serviço militar;
VI - até 6 (seis) meses após a cessação das contribuições, o segurado facultativo.
§ 1º O prazo do inciso II será prorrogado para até 24 (vinte e quatro) meses se o segurado já tiver pago mais de 120 (cento e vinte) contribuições mensais sem interrupção que acarrete a perda da qualidade de segurado.
§ 2º Os prazos do inciso II ou do § 1º serão acrescidos de 12 (doze) meses para o segurado desempregado, desde que comprovada essa situação pelo registro no órgão próprio do Ministério do Trabalho e da Previdência Social.
§ 3º Durante os prazos deste artigo, o segurado conserva todos os seus direitos perante a Previdência Social.
§ 4º A perda da qualidade de segurado ocorrerá no dia seguinte ao do término do prazo fixado no Plano de Custeio da Seguridade Social para recolhimento da contribuição referente ao mês imediatamente posterior ao do final dos prazos fixados neste artigo e seus parágrafos.
No caso presente, tratando-se de doença ou lesão anterior à filiação ao Regime Geral de Previdência Social, não poderá ser conferido o direito à aposentadoria por invalidez/auxílio-doença.
Cumpre ressaltar, ainda, que não restou demonstrada a existência de progressão ou agravamento da doença (§ 2º do art. 42).
Nesse sentido:
EMENTA: PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-DOENÇA. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. INCAPACIDADE COMPROVADA. DOENÇA PREEXISTENTE. Tendo a parte autora retornado ao sistema previdenciário já incapacitada para as atividades laborativas, não faz jus aos benefícios por incapacidade (arts. 42, § 2º e 59, parágrafo único da Lei 8213/91). (TRF4, AC 0007083-69.2015.404.9999, QUINTA TURMA, Relatora TAÍS SCHILLING FERRAZ, D.E. 23/05/2017).
DISPOSITIVO
Ante o exposto, JULGO IMPROCEDENTE o pedido com resolução de mérito, com fulcro no art. 487, inciso I, do Código de Processo Civil."
Apela Maria Teresinha Boeira da Fonseca. Defende que "teve sim uma progressão em suas patologias, uma vez que, a mesma possui vínculo empregatício desde o ano de 1987, a mesma trabalhou em várias empresas, porém, a partir do ano de 2015 a apelante não mais conseguiu laborar, em decorrência de suas patologias oftalmológicas se agravarem, não conseguindo mais enxergar, necessitando até mesmo da ajuda de terceiros." Pugna pela concessão de aposentadoria por invalidez e/ou auxílio-doença, desde a DER.
Oportunizadas as contrarrazões, subiram os autos a esta Corte.
É o relatório.
VOTO
1. Admissibilidade
Juízo de admissibilidade
O(s) apelo(s) preenche(m) os requisitos legais de admissibilidade.
2. Mérito
Auxílio-doença e Aposentadoria por invalidez
São quatro os requisitos para a concessão desses benefícios por incapacidade: (a) qualidade de segurado do requerente (artigo 15 da LBPS); (b) cumprimento da carência de 12 contribuições mensais prevista no artigo 25, I, da Lei 8.213/91 e art. 24, parágrafo único, da LBPS; (c) existência de moléstia incapacitante para o desenvolvimento de atividade laboral que garanta a subsistência; e (d) caráter permanente da incapacidade (para o caso da aposentadoria por invalidez) ou temporário (para o caso do auxílio-doença).
Caso concreto
Cuida-se de segurada que conta com 65 anos de idade, e que tinha como atividade habitual a de serviços gerais. Nunca recebeu benefício por incapacidade.
Do seu histórico contributivo, extrai-se o seguinte quadro (evento 78, CNIS2):
Origem do Vínculo | Data Início | Data Fim |
INCOPELCO INDÚSTRIA E COMÉRCIO DE PELES E COUROS LTDA | 01/09/1986 | 02/03/1987 |
MADEPART S/A - ADMINISTRAÇÃO E PARTICIPAÇÕES | 01/04/1987 | 25/12/1987 |
ALLIANCE ONE BRASIL EXPORTADORA DE TABACOS LTDA | 01/06/2011 | 21/08/2011 |
AGROPECUÁRIA SCHIO LTDA | 09/01/2012 | 30/04/2012 |
ALLIANCE ONE BRASIL EXPORTADORA DE TABACOS LTDA | 26/05/2014 | 20/07/2014 |
RECOLHIMENTO | 01/02/2015 | 31/05/2015 |
LUIZA BRINA TRAMONTIN | 01/07/2016 | 01/09/2017 |
Foi realizado laudo pericial em 22-07-2019. O perito judicial, especialista em oftalmologia, afirmou que a apelante é portadora de alta miopia e astigmatismo à direita, visão subnormal em olho direito, e cegueira em olho esquerdo (evento 39, LAUDO1), estando incapaz ao labor de modo total e permanente:
Quesitos 1)Descreva o perito a situação atual da parte autora. R. Apresenta incapacidade para realizar as atividades diárias. Necessita do auxilio de pessoas próximas para realizar suas atividades.
2) A parte autora é portadora de alguma doença? Se positivo, indicar o(s) nome(s) da(s) patologia(s) e qual(is) o(s) exames(s) que comprova(e) o diagnóstico? Caso negativo, o perito deverá apresentar os elementos que fundamentam o diagnóstico. R. Sim, Miopia Degenerativa olho direito, e cicatriz corioretinite macular em olho esquerdo.
3) Qual a data provável do inicio da doença? Quais os exames utilizados para definir tal data? R. Desde a infância. Pela anamnese direcionada.
4) Qual o tipo de tratamento e medicação apropriada para a cura ou melhora dos sintomas causados pela doença? R. Relacionando a alta miopia do olho direito o uso de lentes corretivas melhora a acuidade visual para conta dedos a 30 centimetros. Não há tratamento para olho esquerdo. Não existe cura para as patologias observadas. 5) Caso a parte seja portadora de doença, indaga-se:
5.1) A doença incapacitou ou incapacita o paciente para o exercício de atividades laborais? Se incapacitou, especificar o período. O perito deverá justificar a resposta, indicando os elementos que fundamentam o diagnóstico. R. A patologia incapacita a realizar atividades laborais, devido a visão subnormal em olho direito e cegueira em olho esquerdo.
5.2) O tratamento médico já utilizado e o recomendado no quesito 4 (medicamentos, procedimentos clínicos, cirúrgicos, fisioterapias, etc) necessário para a cura ou melhora dos sintomas causados pela doença incapacitou ou incapacita o paciente para o exercício de atividades laborais? R. Não existe tratamento. Manten a incapacidade laboral.
5.3) Qual a profissão declarada pela parte autora? A incapacidade, caso existente, é para qualquer atividade laborativa ou somente para a atividade habitual e outras semelhantes? R. Referiu em 2016 ter tentado laborar como atendente de idoso. Para as atividades laborais apresenta incapacidade devido as patologias que apresenta.
5.4) A incapacidade, se existente, é temporária ou permanente? R. Incapacidade de característica permanente.
5.5) No caso de incapacidade permanente para a atividade habitual e outras semelhantes, existe possibilidade de reabilitação para outra atividade laboral? Caso positivo, qual o prazo razoável para tal reabilitação? R. Apresenta como a melhor correção óptica acuidade visual de conta dedos a 30 cetimetros, portanto apresenta incapacidade severa para atividades laborais.
5.6) Qual a data de inicio da incapacidade e quais os exames utilizados para definir tal data? Caso os exames médicos não sejam suficientes para definir a data do inicio, o perito deverá esclarecer, utilizando o seu conhecimento quanto à evolução da doença em casos similares, qual a época (mês e ano) provável para o inicio da incapacidade. R. Remonta a infância da pericianda, devido a alta miopia (degenerativa) e cicatriz macular de corioretinite em olho esquerdo.
Afirmou o expert que a incapacidade laboral remonta à infância da parte autora.
Nas ações que envolvem a pretensão de concessão de benefício por incapacidade, o julgador firma sua convicção, de regra, por meio da prova pericial. Todavia, tal prova não se reveste de valor absoluto, sendo possível afastá-la, fundamentadamente, se uma das partes apresentar elementos probatórios consistentes que conduzam a juízo de convicção diverso da conclusão do perito judicial, ou se, apesar da conclusão final deste, a própria perícia trouxer elementos que a contradigam.
É certo que a lei previdenciária não veda a concessão de benefício por incapacidade ao segurado que se filiar já portador de uma doença cujo agravamento ou progressão implique incapacidade posterior ao seu reingresso ao RGPS.
No caso ora analisado, contudo, não restou comprovado nos autos que após o reingresso da apelante no RGPS, em 2011, tenha havido agravamento significativo de seu quadro oftalmológico.
Vê-se que os poucos documentos médicos que instruem a inicial remontam ao ano de 2013, e reportam quadro similar ao avaliado pelo perito judicial em 2019.
Conclui-se, assim, que a postulante não se desincumbiu do ônus de comprovar que o advento do seu estado incapacitante foi posterior ao reingresso no RGPS, restando inviável a concessão dos benefícios previdenciários postulados.
Nessa perspectiva, impõe-se a confirmação da sentença de improcedência.
Honorários advocatícios
Considerando que a sentença foi publicada após 18-03-2016, data definida pelo Plenário do STJ para início da vigência do NCPC (Enunciado Administrativo nº 1-STJ), bem como o Enunciado Administrativo n. 7 - STJ (Somente nos recursos interpostos contra decisão publicada a partir de 18 de março de 2016, será possível o arbitramento de honorários sucumbenciais recursais, na forma do art. 85, § 11, do novo CPC), aplica-se ao caso a sistemática de honorários advocatícios ora vigente.
Desse modo, considerando a manutenção da sentença de primeiro grau e tendo em conta o disposto no § 11 do art. 85 do NCPC, bem como recentes julgados do STF e do STJ acerca da matéria (v.g.ARE971774 AgR, Relator p/ Acórdão: Min. EDSON FACHIN, PrimeiraTurma, DJe 19-10-2016; ARE 964330 AgR, Relator p/ Acórdão: Min. ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, DJe 25-10-2016; AgIntno AREsp 829.107/RJ, Relator p/ Acórdão Ministro MARCO BUZZI, Quarta Turma, DJe 06-02-2017 e AgInt nos EDcl no REsp1357561/MG, Relator Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Terceira Turma, DJe 19-04-2017), majoro a verba honorária de 10% para 12% sobre o valor atualizado da causa, restando suspensa a satisfação respectiva, por ser a parte beneficiária da AJG.
Por fim, vale dizer que as custas processuais também devem ficar sob encargo da parte autora, a qual ficou vencida na lide, cuja exigibilidade, porém, resta suspensa em virtude do benefício de AJG.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação.
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Apelação Cível Nº 5004270-71.2021.4.04.9999/SC
RELATORA: Desembargadora Federal ANA CRISTINA FERRO BLASI
APELANTE: MARIA TERESINHA BOEIRA DA FONSECA
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE. INCAPACIDADE anterior ao reingresso no rgps. IMPROCEDência.
1.Nos benefício por incapacidade, o julgador firma a sua convicção, em regra, por meio da prova pericial.
2. Perícia conclusiva no sentido de que a incapacidade laboral remonta a período anterior ao (re)ingresso no RGPS. Restante do conjunto probatório não é suficiente para infirmar as conclusões do perito. Improcedência mantida.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 11ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, NEGAR provimento à apelação, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Florianópolis, 14 de março de 2023.
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 07/03/2023 A 14/03/2023
Apelação Cível Nº 5004270-71.2021.4.04.9999/SC
RELATORA: Desembargadora Federal ANA CRISTINA FERRO BLASI
PRESIDENTE: Desembargadora Federal ANA CRISTINA FERRO BLASI
PROCURADOR(A): WALDIR ALVES
APELANTE: MARIA TERESINHA BOEIRA DA FONSECA
ADVOGADO(A): LUIZ HENRIQUE CALDAS PELEGRINI (OAB SC044950)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 07/03/2023, às 00:00, a 14/03/2023, às 16:00, na sequência 287, disponibilizada no DE de 24/02/2023.
Certifico que a 11ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 11ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO.
RELATORA DO ACÓRDÃO: Desembargadora Federal ANA CRISTINA FERRO BLASI
Votante: Desembargadora Federal ANA CRISTINA FERRO BLASI
Votante: Desembargadora Federal ELIANA PAGGIARIN MARINHO
Votante: Juiz Federal MARCOS ROBERTO ARAUJO DOS SANTOS
ANA CAROLINA GAMBA BERNARDES
Secretária
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