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PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE. RESTABELECIMENTO DE AUXÍLIO-DOENÇA. LAUDO PERICIAL. CONTEXTO PROBATÓRIO. ÔNUS SUCUMBENCIAIS. CUSTAS. HONORÁRIOS...

Data da publicação: 09/12/2023, 07:01:10

EMENTA: PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE. RESTABELECIMENTO DE AUXÍLIO-DOENÇA. LAUDO PERICIAL. CONTEXTO PROBATÓRIO. ÔNUS SUCUMBENCIAIS. CUSTAS. HONORÁRIOS. IMPLANTAÇÃO IMEDIATA DO BENEFICIO. 1. O direito à aposentadoria por invalidez e ao auxílio-doença pressupõe o preenchimento de 3 (três) requisitos: (1) a qualidade de segurado ao tempo de início da incapacidade, (2) a carência de 12 (doze) contribuições mensais, ressalvadas as hipóteses previstas no art. 26, II, da Lei nº 8.213, que a dispensam, e (3) aquele relacionado à existência de incapacidade impeditiva para toda e qualquer atividade (aposentadoria por invalidez) ou para seu trabalho habitual (auxílio-doença) em momento posterior ao ingresso no RGPS, aceitando-se, contudo, a derivada de doença anterior, desde que agravada após esta data, nos termos dos arts. 42, § 2º, e 59, parágrafo único; ambos da Lei nº 8.213. 2. A desconsideração de laudo pericial judicial justifica-se diante de significativo contexto probatório, constituído por documentos seguramente indicativos quanto à inaptidão para o exercício de atividade laborativa. 3. Diante da prova no sentido de que a parte autora está inapta ao exercício de qualquer tipo de atividade remunerada que possa prover suas necessidades desde a equivocada cessação do auxílio-doença, tem direito ao restabelecimento do benefício. 4. A sucumbência do Instituto Nacional do Seguro Social impõe a sua condenação ao pagamento do respectivo ônus. O INSS é isento em relação ao recolhimento das custas processuais, do preparo e do porte de retorno, cabendo-lhe, todavia, o pagamento das despesas processuais. 5. Em ações previdenciárias, os honorários advocatícios devem ser arbitrados em percentual sobre o valor das parcelas vencidas até a data da sentença de procedência ou do acórdão que reforma a sentença de improcedência (Súmulas 76, do Tribunal Regional Federal da 4ª Região e 111, do Superior Tribunal de Justiça). 6. Determinada a implantação imediata do benefício. (TRF4, AC 5011014-48.2022.4.04.9999, QUINTA TURMA, Relator OSNI CARDOSO FILHO, juntado aos autos em 01/12/2023)

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5011014-48.2022.4.04.9999/RS

RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO

APELANTE: GILMAR CARLOS OLIZAROSKI

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

RELATÓRIO

Gilmar Carlos Olizaroski interpôs apelação em face de sentença que julgou improcedente o pedido para restabelecimento de auxílio-doença, cessado em 30/10/2017 (NB 181.781.149-2), ou concessão de aposentadoria por invalidez, condenando-o ao pagamento das custas e despesas processuais e dos honorários advocatícios, fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor da causa, suspensa a exigibilidade por ser beneficiário da justiça gratuita (evento 46, SENT1).

Sustentou que há prova a ensejar o restabelecimento do auxílio-doença, pois tem severos problemas de origem psiquiátrica e não possui aptidão para retornar ao trabalho. Requereu a análise da totalidade dos documentos que instruíram o processo, uma vez que, a despeito de o perito ter se posicionado pela ausência de incapacidade, a prova é farta no sentido contrário, destacando as internações hospitalares. Subsidiariamente, pediu a anulação da sentença para reabertura da instrução processual, com realização de nova perícia médica por especialista em psiquiatria. Requereu a condenação do réu ao pagamento de honorários advocatícios no percentual de 15% (quinze por cento) sobre o valor das parcelas vencidas até a data do acórdão (evento 52, APELAÇÃO1).

Com contrarrazões, subiram os autos.

VOTO

Benefício por incapacidade

Cumpre, de início, rememorar o tratamento legal conferido aos benefícios de auxílio-doença e de aposentadoria por invalidez.

O art. 59 da Lei nº 8.213 (Lei de Benefícios da Previdência Social - LBPS) estabelece que o auxílio-doença será devido ao segurado que, havendo cumprido, quando for o caso, o período de carência exigido em lei, ficar incapacitado para o seu trabalho ou para a sua atividade habitual por mais de 15 (quinze) dias consecutivos. Por sua vez, o art. 42 da Lei nº 8.213 estatui que a aposentadoria por invalidez será concedida ao segurado que, tendo cumprido a carência, for considerado incapaz e insuscetível de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência. O art. 25 desse diploma legal esclarece, a seu turno, que a carência exigida para a concessão de ambos os benefícios é de 12 (doze) meses, salvo nos casos em que é expressamente dispensada (art. 26, II).

Em resumo, portanto, a concessão dos benefícios depende de três requisitos: (a) a qualidade de segurado do requerente à época do início da incapacidade (artigo 15 da LBPS); (b) o cumprimento da carência de 12 contribuições mensais, exceto nas hipóteses em que expressamente dispensada por lei; (c) o advento, posterior ao ingresso no RGPS, de moléstia incapacitante para o desenvolvimento de atividade laboral que garanta a subsistência do segurado.

Note-se que a concessão do auxílio-doença não exige que o segurado esteja incapacitado para toda e qualquer atividade laboral; basta que esteja incapacitado para a sua atividade habitual. É dizer: a incapacidade pode ser total ou parcial. Além disso, pode ser temporária ou permanente. Nisso, precisamente, é que se diferencia da aposentadoria por invalidez, que deve ser concedida apenas quando constatada a incapacidade total e permanente do segurado. Sobre o tema, confira-se a lição doutrinária de Daniel Machado da Rocha e de José Paulo Baltazar Júnior:

A diferença, comparativamente à aposentadoria por invalidez, repousa na circunstância de que para a obtenção de auxílio-doença basta a incapacidade para o trabalho ou atividade habitual do segurado, enquanto para a aposentadoria por invalidez exige-se a incapacidade total, para qualquer atividade que garanta a subsistência. Tanto é assim que, exercendo o segurado mais de uma atividade e ficando incapacitado para apenas uma delas, o auxílio-doença será concedido em relação à atividade para a qual o segurado estiver incapacitado, considerando-se para efeito de carência somente as contribuições relativas a essa atividade (RPS, art. 71, § 1º) (in ROCHA, Daniel Machado da. BALTAZAR JÚNIOR, José Paulo. Comentários à Lei de Benefícios da Previdência Social. 15. ed. rev., atual. e ampl. - São Paulo: Atlas, 2017).

De qualquer sorte, o caráter da incapacidade (total ou parcial) deve ser avaliado não apenas por um critério médico, mas conforme um juízo global que considere as condições pessoais da parte autora - em especial, a idade, a escolaridade e a qualificação profissional - a fim de se aferir, concretamente, a sua possibilidade de reinserção no mercado de trabalho.

Cumpre demarcar, ainda, a fungibilidade entre as ações previdenciárias, tendo em vista o caráter eminentemente protetivo e de elevado alcance social da lei previdenciária. De fato, a adoção de soluções processuais adequadas à relação jurídica previdenciária constitui uma imposição do princípio do devido processo legal, a ensejar uma leitura distinta do princípio dispositivo e da adstrição do juiz ao pedido (SAVARIS, José Antônio. Direito processual previdenciário. 6 ed., rev. atual. e ampl. Curitiba: Alteridade Editora, 2016, p. 67). Por isso, aliás, o STJ sedimentou o entendimento de que "não constitui julgamento extra ou ultra petita a decisão que, verificando não estarem atendidos os pressupostos para concessão do benefíciorequerido na inicial, concede benefício diverso cujos requisitos tenham sido cumpridos pelo segurado" (AgRG no AG 1232820/RS, Rel. Min. Laurita Vaz, 5ª Turma, j. 26/10/20, DJe 22/11/2010).

Mérito da causa

A despeito de o perito ter se posicionado no sentido da ausência de incapacidade, não é essa a conclusão que se extrai do conjunto probatório.

Com efeito, Gilmar Carlos Olizaroski, atualmente com 43 anos de idade (nascido em 07/01/1980), é portador de severa condição psiquiátrica, comprovada inclusive com histórico de internamento hospitalar.

A fim de contextualizar a situação, cabe referir que o autor esteve em gozo de auxílio-doença de 18/07/2017 a 30/10/2017 (evento 1, OUT9), e é a partir da última data de cessação que pretende o restabelecimento.

Não há dúvidas sobre a qualidade de segurado e a carência, cabendo analisar a questão específica da inaptidão ao trabalho quando da data de cessação.

Segundo consta do laudo médico judicial (evento 22, LAUDO1 - 19/11/2020), elaborado por médico psiquiatra, a última profissão exercida foi como auxiliar de indústria. Seu grau de instrução é o ensino fundamental incompleto. A partir de meados de 2017, necessitou se afastar do trabalho por estar acometido de alcoolismo. No ponto, deve-se ressaltar a história psiquiátrica que relatou ao perito (sublinhei):

HISTÓRIA PSIQUIÁTRICA

Relata que é usuário de bebida há aproximadamente 5 anos. Buscou tratamento pela primeira vez em meados de 2017, através de internação psiquiátrica. Refere que já teve 2 internações em sua história, sendo a mais recente ocorrida em 10/2019. Atualmente, está sem acompanhamento psiquiátrico. Traz atestado mais recente emitido pelo MD Paulo Dorneles, CRM 16461, datado de 17/12/2019, onde relata CID 10 F10. Relata que está abstinente há 15 dias. Mora com a mãe. Refere que ocupa o dia a dia com as atividades domésticas.

O diagnóstico é de F10.2 - Transtornos mentais e comportamentais devidos ao uso de álcool - síndrome de dependência. A data provável de início da doença foi estabelecida em 2017, observando o perito que o autor não está em tratamento regular e adequado para a patologia, não havendo evidência de incapacidade para o trabalho, do ponto de vista psiquiátrico.

Esclareceu, assim, que:

Conclusão: sem incapacidade atual

- Justificativa: Não há incapacidade para o trabalho, do ponto de vista psiquiátrico O autor é portador de quadro compatível com o diagnóstico de alcoolismo, sem apresentar elementos técnicos de convicção que justifiquem incapacidade laborativa.

Não está em tratamento psiquiátrico regular e adequado.

Deve-se levar em conta as seguintes datas técnicas:

DID: meados de 2017

A metodologia utilizada para a elaboração da prova pericial consistiu na leitura prévia dos autos do processo, realização da Anamnese Psiquiátrica, composta da História Psiquiátrica passada e atual, História Familiar, História Médica pregressa e atual, Exame do Estado Mental, análise documental dos exames e atestados acostados aos autos e os apresentados no ato pericial, consulta bibliográfica, dando ênfase a artigos de medicina baseada em evidências.

- Houve incapacidade pretérita em período(s) além daquele(s) em que o(a) examinado(a) já esteve em gozo de benefício previdenciário? NÃO

- Caso não haja incapacidade atual, o(a) examinado(a) apresenta sequela consolidada decorrente de acidente de qualquer natureza? NÃO

Destaque-se que o perito judicial detém o conhecimento científico necessário ao exame do segurado, ficando ao seu cargo a análise dos exames laboratoriais ou físicos para exarar o seu diagnóstico. A desconsideração do laudo pericial somente se justificaria com base em robusto contexto probatório, constituído por exames que sejam seguramente indicativos da incapacidade para o exercício de atividade laborativa e que coloque, efetivamente, em dúvida a conclusão do expert do juízo.

Embora o julgador não esteja adstrito à perícia judicial, é inquestionável que, tratando-se de controvérsia cuja solução dependa de prova técnica, o juiz só poderá recusar a conclusão do laudo se houver motivo relevante, uma vez que o perito judicial se encontra em posição equidistante das partes, mostrando-se imparcial e com mais credibilidade. Dessa forma, a prova em sentido contrário ao laudo judicial, para prevalecer, deve ser suficientemente robusta e convincente, o que ocorreu no presente caso.

O alcoolismo, com efeito, é reconhecido formalmente pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como enfermidade progressiva e possivelmente fatal (TRF-3 AC 2003.03.99.025780-0; Relator Des. Fed. Santos Neves; julgamento: 15/08/2005; 9ª Turma). Esta Corte também já se posicionou reiteradas vezes sobre o tema, reconhecendo o caráter hipoteticamente incapacitante da doença experimentada pelo autor (grifei):

PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. INCAPACIDADE COMPROVADA. Comprovado que o segurado está incapacitado para exercer atividades laborais, em razão de alcoolismo crônico, causador inclusive de sua morte, é devida a aposentadoria por invalidez. (TRF4, APELREEX 5002440-29.2010.404.7001, Sexta Turma, Relator p/ Acórdão Néfi Cordeiro, juntado aos autos em 29/04/2014)

PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. PENSÃO POR MORTE. REQUERIMENTO E INDEFERIMENTO NA VIA ADMINISTRATIVA. DEPENDENTE INCAPAZ. TERMO INICIAL DO BENEFÍCIO. 1. A concessão do benefício de pensão por morte depende da ocorrência do evento morte, da demonstração da qualidade de segurado do de cujus e da condição de dependente de quem objetiva a pensão. 2. Tendo em vista o livre convencimento motivado no conhecimento e avaliação das provas coligidas no processo autorizado pelo art. 131 do CPC, não acolho as conclusões do Laudo Pericial, e reconheço que o vicio do alcoolismo não abandonou o segurado com o cancelamento do auxilio-doença, pois é moléstia de natureza progressiva, visto que não foi tratada, gerou inúmeras internações hospitalares e indubitavelmente concorreu para o óbito do segurado. (...). (TRF4, AC 5002968-62.2012.404.7108, Sexta Turma, Relator p/ Acórdão Ezio Teixeira, juntado aos autos em 04/10/2013)

PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. CONCESSÃO DE AUXÍLIO-DOENÇA. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. 1. A antecipação de tutela pode ser concedida desde que verificada a presença dos requisitos contidos no art. 273 do CPC, vale dizer, a verossimilhança das alegações formuladas aliada à iminência de lesão irreparável ou de difícil reparação. 2. Em se tratando da concessão de auxílio-doença, tendo em consideração a natureza da enfermidade (alcoolismo crônico), reputa-se comprovada a verossimilhança em hipótese na qual constata-se o fato de existirem documentos contemporâneos ao requerimento administrativo que comprovam internações para desintoxicação alcoólica. 3. Consubstancia fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação o fato de a parte segurada padecer de moléstia que a incapacita para o trabalho, estando a necessitar do benefício para prover seu sustento. (TRF4, AG 0022977-85.2010.404.0000, Sexta Turma, Relator João Batista Pinto Silveira, D.E. 13/09/2010)

Analisando-se os autos, verifico que a parte autora produziu prova documental suficiente a confortar suas alegações, a qual, aliada ao teor da prova pericial, evidencia a gravidade de seu quadro incapacitante.

Fora juntada a seguinte documentação médica:

- atestado médico, emitido em 30/10/2019, informando que o autor esteve internado de 01/10/2019 a 30/10/2019 no Hospital Vida e Saúde, de Santa Rosa/RS (evento 1, ATESTMED6, fl. 01);

- atestado médico, datado de 11/10/2019, registrando que o recorrente deverá se afastar de suas atividades laborativas pelo período de um ano, por ser portador de alcoolismo crônico, com surtos psicóticos, agressividade, instabilidade emocional e delírios (evento 1, ATESTMED6, fl. 02);

- atestado médico, datado de 14/09/2017, registrando que o autor deverá se afastar do trabalho pelo período de um ano, em razão de quadro ansioso depressivo por ser portador de alcoolismo crônico, com surtos psicóticos (evento 1, ATESTMED6, fl. 03);

- atestado médico, datado de 18/07/2017, registrando que o demandante deverá se afastar de suas atividades laborativas pelo período de 120 (cento e vinte) dias, em razão de depressão grave por ser portador de alcoolismo crônico, com surtos psicóticos (evento 1, ATESTMED6, fl. 04);

- receituários de medicamentos (evento 1, RECEIT7);

- atestado médico, emitido em 27/09/2021, informando que o autor esteve internado no Hospital Campina, na unidade da Saúde Mental, de 26/08/2021 a 27/09/2021 (evento 37, ATESTMED2);

- declaração emitida pela Associação Hospital de Caridade de Alecrim, registrando que o recorrente esteve internado de 16/10/2017 a 19/10/2017, em razão de tratamento para desintoxicação alcoólica (evento 44, PET1, fl. 04).

Nesse passo, constata-se que o lastimável quadro clínico retratado nos autos remonta a, pelo menos, o ano de 2017, conforme reconhecido na perícia médica judicial. Ora, cabe ao julgador verificar, além da conclusão do laudo pericial, todos os documentos, exames e atestados médicos anexados aos autos, e, no cotejo de todos esses elementos, concluir pela aptidão ou inaptidão.

Nesse contexto, deve ser considerado que o caso dos autos versa sobre indivíduo acometido de patologia que, consabidamente, apresenta intervalos assintomáticos, os quais se intercalam com períodos de crise, nos quais o sujeito acometido da referida doença, efetivamente, fica incapacitado para o desempenho das suas atividades laborativas.

A próposito, confira-se o recente julgado da Nona Turma deste Tribunal:

PREVIDENCIÁRIO. APELAÇÃO CÍVEL. RESTABELECIMENTO DE AUXÍLIO-DOENÇA. ENFERMIDADE ENTÃO ASSINTOMÁTICA. INCAPACIDADE COMPROVADA NA ÉPOCA DO CANCELAMENTO. JULGAMENTO NA FORMA DO ART. 942 DO NCPC (COLEGIADO AMPLIADO). 1. As doenças e sua evolução no tempo ostentam circunstâncias incompatíveis com juízos absolutos de certeza, devendo o intérprete socorrer-se de evidências e de sua condição de ser no mundo para a uma compreensão mais consentânea com realidade vivenciada pelo paciente, sobretudo quando o vaticínio inexorável pode jogar o indivíduo em um limbo absoluto: sem poder trabalhar e sem benefício previdenciário. 2. Quando constatada moléstia que apresenta períodos consabidamente assintomáticos como alcoolismo, é possível retroagir o termo inicial da incapacidade à época em que o demandante ostentava a qualidade de segurado, a despeito de a perícia ter apontado data posterior em razão da documentação clínica obtida somente com a progressão da doença. (TRF4, AC 5010295-73.2017.4.04.7208, NONA TURMA, Relator para Acórdão PAULO AFONSO BRUM VAZ, juntado aos autos em 17/03/2023)

Diante disso, deve-se dar provimento à apelação a fim de que o auxílio-doença seja restabelecido desde a equivocada cessação (31/10/2017).

Nesse sentido, entendo ser prematura, neste momento processual, a concessão de aposentadoria por invalidez, visto que o conjunto probatório não comprovou o caráter definitivo da incapacidade laborativa, sendo necessária avaliação do quadro aliado à idade do demandante, bem como o prognóstico de melhora mediante o tratamento adequado, conforme orientação médica.

No que é pertinente à data de cessação, a partir da vigência da Lei n. 13.457, deve ser observado, na falta de prazo certo para a cessação do benefício, o que dispõe o art. 60, § 9º, da Lei n. 8.213: Na ausência de fixação do prazo de que trata o § 8o deste artigo, o benefício cessará após o prazo de cento e vinte dias, contado da data de concessão ou de reativação do auxílio-doença, exceto se o segurado requerer a sua prorrogação perante o INSS, na forma do regulamento, observado o disposto no art. 62 desta Lei.

Assegura-se assim, ao autor, a possibilidade de requerimento de prorrogação, a partir do decurso do prazo legal de 120 (cento e vinte) dias a contar da publicação do acórdão.

Quanto ao prazo prescricional, nas relações jurídicas de trato sucessivo em que a Fazenda Pública figure como devedora, quando não tiver sido negado o próprio direito reclamado, a prescrição atinge apenas as prestações vencidas antes do quinquênio anterior à propositura da ação. Considerando a data de ajuizamento da ação (05/11/2019) e o termo inicial do benefício (31/10/2017), não há parcelas prescritas, portanto.

O pagamento das parcelas em atraso deverá observar os parâmetros abaixo.

Correção monetária e juros

Após o julgamento, pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, em regime de repercussão geral, do Tema 810 (RE n. 870.947), a que se seguiu, o dos embargos de declaração da mesma decisão, rejeitados e com afirmação de inexistência de modulação de efeitos, deve a atualização monetária obedecer ao Tema 905 do Superior Tribunal de Justiça, que estabelece para as condenações judiciais de natureza previdenciária:

As condenações impostas à Fazenda Pública de natureza previdenciária sujeitam-se à incidência do INPC, para fins de correção monetária, no que se refere ao período posterior à vigência da Lei 11.430/2006, que incluiu o art. 41-A na Lei 8.213.

Assim, a correção monetária das parcelas vencidas dos benefícios previdenciários será calculada conforme a variação dos seguintes índices, que se aplicam conforme a pertinente incidência ao período compreendido na condenação:

- IGP-DI de 05/96 a 03/2006 (art. 10 da Lei n.º 9.711/98, combinado com o art. 20, §§5º e 6º, da Lei n.º 8.880/94);

- INPC a partir de 04/2006 (art. 41-A da lei 8.213)

Os juros de mora, de 1% (um por cento) ao mês, serão aplicados a contar da citação (Súmula 204 do STJ), até 29 de junho de 2009. A partir de 30 de junho de 2009, os juros moratórios serão computados de forma equivalente aos aplicáveis à caderneta de poupança, conforme dispõe o art. 5º da Lei nº 11.960, que deu nova redação ao art. 1º-F da Lei nº 9.494.

Por fim, a partir de 09/12/2021, conforme o disposto no art. 3º da Emenda Constitucional n.º 113, deverá incidir, para os fins de atualização monetária, de remuneração do capital e de compensação da mora, apenas a taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (SELIC), acumulada mensalmente.

Inversão dos ônus sucumbenciais

Diante do resultado do julgamento, invertem-se os ônus sucumbenciais em desfavor da autarquia.

A sucumbência do INSS impõe a sua condenação ao pagamento do respectivo ônus. Afinal, a autarquia previdenciária foi condenada à concessão do benefício previdenciário postulado pelo autor.

O INSS é isento do pagamento das custas na Justiça Federal (art. 4º, I, d, da Lei nº 9.289) e na Justiça do Estado do Rio Grande do Sul (art. 5º, I, da Lei Estadual/RS nº 14.634, que instituiu a Taxa Única de Serviços Judiciais desse Estado). Ressalve-se, contudo, que tal isenção não exime a autarquia previdenciária da obrigação de reembolsar eventuais despesas processuais, tais como a remuneração de peritos e assistentes técnicos e as despesas de condução de oficiais de justiça (art. 4º, I e parágrafo único, Lei nº 9.289; art. 2º c/c art. 5º, ambos da Lei Estadual/RS nº 14.634).

Essa regra deve ser observada mesmo no período anterior à Lei Estadual/RS nº 14.634, tendo em vista a redação conferida pela Lei Estadual nº 13.471/2010 ao art. 11 da Lei Estadual nº 8.121. Frise-se, nesse particular, que, embora a norma estadual tenha dispensado as pessoas jurídicas de direito público também do pagamento das despesas processuais, restou reconhecida a inconstitucionalidade formal do dispositivo nesse particular (ADIN estadual nº 70038755864). Desse modo, subsiste a isenção apenas em relação às custas.

No que concerne ao preparo e ao porte de remessa e retorno, sublinhe-se a existência de norma isentiva no CPC (art. 1.007, caput e § 1º), o qual exime as autarquias do recolhimento de ambos os valores.

Desse modo, cumpre reconhecer a isenção do INSS em relação ao recolhimento das custas processuais, do preparo e do porte de retorno, cabendo-lhe, todavia, o pagamento das despesas processuais.

Consideradas as disposições do art. 85 do Código de Processo Civil, arbitra-se a verba honorária sobre as parcelas vencidas até a data do acórdão (Súmula 111 do Superior Tribunal de Justiça e Súmula 76 do Tribunal Regional Federal da 4ª Região), no percentual mínimo de cada faixa de valor estabelecida no § 3º desse artigo.

Prequestionamento

O enfrentamento das questões suscitadas em grau recursal, assim como a análise da legislação aplicável, são suficientes para prequestionar junto às instâncias Superiores os dispositivos que as fundamentam. Assim, deixo de aplicar os dispositivos legais ensejadores de pronunciamento jurisdicional distinto do que até aqui foi declinado. Desse modo, evita-se a necessidade de oposição de embargos de declaração tão somente para este fim, o que evidenciaria finalidade procrastinatória do recurso, passível de cominação de multa.

Implantação imediata do benefício

Considerando os termos do art. 497 do CPC, que repete dispositivo constante do art. 461 do antigo CPC, e o fato de que, em princípio, esta decisão não está sujeita a recurso com efeito suspensivo (TRF4, AC 2002.71.00.050349-7, Terceira Seção, Relator para Acórdão Celso Kipper, D.E. 01/10/2007), o julgado deve ser cumprido imediatamente, observando-se o prazo de trinta dias úteis para a implantação do benefício postulado.

Na hipótese de a parte autora já se encontrar em gozo de benefício previdenciário, deve o INSS implantar o benefício deferido judicialmente apenas se o valor de sua renda mensal atual for superior ao daquele.

TABELA PARA CUMPRIMENTO PELA CEAB
CUMPRIMENTOImplantar Benefício
NB
ESPÉCIEAuxílio por Incapacidade Temporária
DIB31/10/2017
DIPPrimeiro dia do mês da decisão que determinou a implantação/restabelecimento do benefício
DCB
RMIA apurar
OBSERVAÇÕESPermitido o desconto dos valores já pagos a título de antecipação de tutela, bem como dos valores nominais dos benefícios previdenciários recebidos no mesmo período, para evitar concomitâncias, observada a tese firmada no julgamento do IRDR nº 14 desta Corte. Quanto à Data de Cessação do Benefício (DCB), observar o prazo legal de 120 (cento e vinte) dias a contar da publicação do acórdão, assegurando-se ao autor efetuar requerimento de prorrogação na esfera administrativa.

Requisite a Secretaria da 5ª Turma o cumprimento desta decisão à CEAB (Central Especializada de Análise de Benefícios).

Dispositivo

Em face do que foi dito, voto por dar parcial provimento à apelação, a fim de determinar ao INSS que conceda à parte autora o benefício postulado, nos termos da fundamentação, determinando, ainda, a inversão dos ônus sucumbenciais e a implantação imediata do auxílio-doença, por meio da CEAB.



Documento eletrônico assinado por OSNI CARDOSO FILHO, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40004167774v15 e do código CRC 74b9b454.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): OSNI CARDOSO FILHO
Data e Hora: 1/12/2023, às 23:24:6


5011014-48.2022.4.04.9999
40004167774.V15


Conferência de autenticidade emitida em 09/12/2023 04:01:10.

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5011014-48.2022.4.04.9999/RS

RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO

APELANTE: GILMAR CARLOS OLIZAROSKI

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

EMENTA

PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE. RESTABELECIMENTO DE AUXÍLIO-DOENÇA. LAUDO PERICIAL. CONTEXTO PROBATÓRIO. ÔNUS SUCUMBENCIAIS. CUSTAS. HONORÁRIOS. IMPLANTAÇÃO IMEDIATA DO BENEFICIO.

1. O direito à aposentadoria por invalidez e ao auxílio-doença pressupõe o preenchimento de 3 (três) requisitos: (1) a qualidade de segurado ao tempo de início da incapacidade, (2) a carência de 12 (doze) contribuições mensais, ressalvadas as hipóteses previstas no art. 26, II, da Lei nº 8.213, que a dispensam, e (3) aquele relacionado à existência de incapacidade impeditiva para toda e qualquer atividade (aposentadoria por invalidez) ou para seu trabalho habitual (auxílio-doença) em momento posterior ao ingresso no RGPS, aceitando-se, contudo, a derivada de doença anterior, desde que agravada após esta data, nos termos dos arts. 42, § 2º, e 59, parágrafo único; ambos da Lei nº 8.213.

2. A desconsideração de laudo pericial judicial justifica-se diante de significativo contexto probatório, constituído por documentos seguramente indicativos quanto à inaptidão para o exercício de atividade laborativa.

3. Diante da prova no sentido de que a parte autora está inapta ao exercício de qualquer tipo de atividade remunerada que possa prover suas necessidades desde a equivocada cessação do auxílio-doença, tem direito ao restabelecimento do benefício.

4. A sucumbência do Instituto Nacional do Seguro Social impõe a sua condenação ao pagamento do respectivo ônus. O INSS é isento em relação ao recolhimento das custas processuais, do preparo e do porte de retorno, cabendo-lhe, todavia, o pagamento das despesas processuais.

5. Em ações previdenciárias, os honorários advocatícios devem ser arbitrados em percentual sobre o valor das parcelas vencidas até a data da sentença de procedência ou do acórdão que reforma a sentença de improcedência (Súmulas 76, do Tribunal Regional Federal da 4ª Região e 111, do Superior Tribunal de Justiça).

6. Determinada a implantação imediata do benefício.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação, a fim de determinar ao INSS que conceda à parte autora o benefício postulado, determinando, ainda, a inversão dos ônus sucumbenciais e a implantação imediata do auxílio-doença, por meio da CEAB, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 21 de novembro de 2023.



Documento eletrônico assinado por OSNI CARDOSO FILHO, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40004167775v3 e do código CRC 3fd750f5.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): OSNI CARDOSO FILHO
Data e Hora: 1/12/2023, às 23:24:6


5011014-48.2022.4.04.9999
40004167775 .V3


Conferência de autenticidade emitida em 09/12/2023 04:01:10.

Poder Judiciário
Tribunal Regional Federal da 4ª Região

EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 13/11/2023 A 21/11/2023

Apelação Cível Nº 5011014-48.2022.4.04.9999/RS

RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO

PRESIDENTE: Desembargador Federal ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL

PROCURADOR(A): FLÁVIO AUGUSTO DE ANDRADE STRAPASON

APELANTE: GILMAR CARLOS OLIZAROSKI

ADVOGADO(A): NEUSA LEDUR KUHN (OAB RS050967)

ADVOGADO(A): CASSIO LEDUR KUHN (OAB RS097494)

ADVOGADO(A): ADRIANA REGINA SCHMIDT (OAB RS097227)

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 13/11/2023, às 00:00, a 21/11/2023, às 16:00, na sequência 291, disponibilizada no DE de 31/10/2023.

Certifico que a 5ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:

A 5ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO, A FIM DE DETERMINAR AO INSS QUE CONCEDA À PARTE AUTORA O BENEFÍCIO POSTULADO, DETERMINANDO, AINDA, A INVERSÃO DOS ÔNUS SUCUMBENCIAIS E A IMPLANTAÇÃO IMEDIATA DO AUXÍLIO-DOENÇA, POR MEIO DA CEAB.

RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO

Votante: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO

Votante: Desembargador Federal ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL

Votante: Desembargador Federal HERMES SIEDLER DA CONCEIÇÃO JÚNIOR

LIDICE PEÑA THOMAZ

Secretária



Conferência de autenticidade emitida em 09/12/2023 04:01:10.

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