
Apelação Cível Nº 5005589-45.2019.4.04.9999/SC
RELATOR: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
APELANTE: JUSSARA BECKER
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RELATÓRIO
Cuida-se de apelação interposta pela parte autora em face da sentença, publicada em 19/10/2018 (e.2.44), que julgou improcedente o pedido de benefício por incapacidade.
Sustenta, em síntese, que preenche os requisitos necessários a sua concessão (e.2.51).
Embora intimado, o INSS não apresentou contrarrazões.
Vieram os autos a esta Corte para julgamento.
É o relatório.
VOTO
No caso sub examine, a controvérsia recursal cinge-se à verificação da incapacidade laboral, manutenção da qualidade de segurada da autora e do cumprimento do período de carência, que pretende a concessão de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez a partir de 03/10/2016, nos termos do artigo 43 e 60 da Lei nº 8.213/91.
Em relação ao cumprimento do período de carência exigido para a concessão do benefício não procede a afirmação presente na sentença judicial de que a autora possuiu vínculos de forma esporádica, tendo um total de 06 (seis) recolhimentos durante a sua vida, pois conforme o CNIS juntado aos autos (e.2.25) verifica-se que seu ingresso ao trabalho ocorreu em 01/09/2015 e teve sua última remuneração em 10/2016, preenchendo, portanto, a carência de 12 meses. Assim, em se tratando da existência de contribuições, importante ressaltar que esta é uma relação entre INSS e empregador, a qual a autora não detém responsabilidade sobre a mesma.
Quanto a comprovação da qualidade de segurada observa-se a sua existência, uma vez que a parte autora manteve seu vínculo empegatício pelo menos até 10/2016 e logo em seguida, em 25/10/2016, requereu administrativamente seu benefício por incapacidade (e.2.18).
Pois bem. Passando à análise da incapacidade laborativa, na petição inicial, a autora alegou ser portadora das seguintes comorbidades (e.2.1):
- Transtorno afetivo bipolar, atualmente em remissão (CID 10 - F31.7)
- Anorexia Nervosa (CID 10 - F50.0 )
- Retardo mental leve - comprometimento significativo do comportamento, requerendo vigilância ou tratamento (CID 10 - F70.1)
- Transtorno afetivo bipolar, episódio atual depressivo grave sem sintomas psicóticos(CID 10 - F31.4)
- Personalidade dissocial (CID 10-F60.2)
- Episódio depressivo grave sem sintomas psicóticos (CID 10 - F32.2)
- Transtorno de alimentação não especificado (CID 10 - F50.9)
-Transtorno de personalidade com instabilidade emocional (CID 10 - F60.3)
No que pertine à incapacidade, foi realizada, em 17/07/2018 (e.5.VIDEO1), perícia médica por perito, Dr. Paulo Blank, especializado em psiquiatria, onde é possível obter os seguintes dados:
a- enfermidade (CID):
- F60.3 Transtorno de personalidade com instabilidade emocional - transtorno borderline - transtornos limítrofes com a psicose;
b- incapacidade: existente;
c- grau da incapacidade: parcial e temporária;
d- prognóstico da incapacidade: sem prazo para resolução;
e- início da doença/incapacidade: impossível fixar data do início da incapacidade, presume-se que foi em 2015 quando começaram as internações clínicas;
f- idade na data do laudo: 22 anos;
g- profissão: empacotadora;
h- escolaridade:-;
Além destas informações, o perito relata que:
- a parte autora teve três internações psiquiátricas em 2015 por anorexia nervosa;
- em 2017 a autora tentou suicídio jogando-se do prédio, tendo diversas fraturas. Na data da perícia encontra-se sem possibilidade deambular e usando cadeira de rodas, enquanto continua em tratamento das lesões;
- a parte autora apresenta comportamento impulsivo com tendências autodestrutivas;
- existe dificuldade fixar um prazo para manutenção do benefício, pois é um quadro muito complexo na área psiquiátrica, determinou assim, o prazo indeterminado.
Não obstante as considerações esposadas pelo expert, sabe-se que o juízo não está adstrito às conclusões do laudo médico pericial, nos termos do artigo 479 do NCPC (Art. 479. O juiz apreciará a prova pericial de acordo com o disposto no art. 371, indicando na sentença os motivos que o levaram a considerar ou a deixar de considerar as conclusões do laudo, levando em conta o método utilizado pelo perito), podendo discordar, fundamentadamente, das conclusões do perito em razão dos demais elementos probatórios coligidos aos autos, inclusive os aspectos socioeconômicos, profissionais e culturais do segurado, ainda que o laudo pericial apenas tenha concluído pela sua incapacidade parcial para o trabalho (AgRg no AREsp 35.668/SP, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, DJe 20-02-2015).
Assim, tendo a perícia certificado a existência das patologias alegadas pela parte autora, o juízo de incapacidade pode ser determinado, sem sombra de dúvidas, pelas regras da experiência do magistrado, consoante preclara disposição do artigo 375 do NCPC (O juiz aplicará as regras de experiência comum subministradas pela observação do que ordinariamente acontece e, ainda, as regras de experiência técnica, ressalvado, quanto a estas, o exame pericial.).
No caso em tela, a parte autora autora juntou aos autos a seguinte documentação clínica:
a) atestado de médico, com data de 18/04/2016, relatando que a autora está em tratamento psiquiátrico por transtorno afetivo bipolar com episódio de depressão, estando impossibilitada para o trabalho (e.2.2).
b) atestados médicos, datados em 27/09/2016 e 26/10/016, declarando que a autora continua em tratamento psiquiátrico por transtorno afetivo bipolar, retardo mental leve e anorexia nervosa, permanecendo impossilitada para a trabalho (e.2.2 e 3).
c) atestado médico descrevendo que a autora encontra-se em acompanhamento clínico, apresentando piora nos sintomas de depressão e bulimia (e.2.3).
d) atestado médico, datado em 31/05/2017, relatando que a autora está em tratamento psiquiátrico por transtorno de personalidade com instabilidade, exibindo um quadro grave e sem resposta terapeutica satisfatória (e.2.4).
e) documento de alta hospitalar, datado em 05/11/2015, comprovando que a autora estave internada para tratamento de anorexia nervosa (e.2.19).
f) atestado médico, datado em 06/06/2018, declarando que a autora encontra-se em tratamento clínico por transtorno de personalidade com instabilidade e depressão moderada, sem prognósticos de melhoras (e.2.31).
g) atestado médico, datado em 30/08/2017, solictando a internação da autora:
Importante ressaltar que, analisando o caso concreto, verifica-se que a autora é portadora de doenças psiquiátricas crônicas, ou seja, não possuem cura. Observa-se que o perito judicial foi categórico neste sentido, declarando que a parte autora apresenta um quadro de transtorno borderline muito complexo e grave (e.5.VIDEO1). Ainda, para maior esclarecimento sobre o transtorno borderline, cabe destacar as seguintes informações contidas no site do Instituto Psiquiatra Paulista (www.psiquiatriapaulista.com.br):
"IMPORTANTE:
Apesar de que muitas vezes essas ações autodestrutivas não são provocados com o objetivo de, de fato, acabar com a própria vida, o risco de suicídio em pessoas com o transtorno de personalidade borderline chega a ser 40 vezes maior do na população em geral, sendo que até 10% desses pacientes cometem suicídio.
Apesar de que a maioria dos sintomas tendem a diminuir e a taxa de recidiva é baixa, o estado funcional, ou seja, a capacidade desses pacientes de realizar as suas atividades básicas e instrumentais da vida diária, não costuma melhorar muito.
Frequentemente, esses pacientes apresentam outras comorbidades associadas, como:
- Depressão;
- Transtornos de ansiedade;
- Transtorno de estresse pós-traumático;
- Transtornos alimentares;
- Drogadicção.
Outros sintomas que podem estar presentes em situações de estresse extremo (seja desencadeado por uma rejeição ou pela sensação de abandono), sem necessariamente haver outro transtorno associado incluem: pensamentos paranóicos, episódios dissociativos e alucinações".
Assim, perante um diagnóstico de doenças psiquiátricas graves que só possuem tratamento médico de controle, associado às suas condições pessoais (empacotadora), dificuldades nos estudos e no convívio social por ter sido vítima de bulling, apresentando o início da doença com 16 anos de idade (e.2.26) e a realização de tentativa de suícídio, fica demonstrada a efetiva incapacidade definitiva para o exercício da atividade profissional mesmo não apresentando uma idade avançada, bem como a impossilidade de integrar o processo de reabilitação profissional.
Portanto, ainda que o laudo pericial realizado tenha concluído pela incapacidade temporária da parte autora, a confirmação da existência das moléstias incapacitantes referidas na exordial, corroborada pela documentação clínica supra, associada às suas condições pessoais - habilitação profissional (empacotadora), idade atual (24 anos de idade) e, ainda, à circunstância de já estar afastada do trabalho, demonstra a efetiva incapacidade definitiva para o exercício de qualquer atividade profissional, o que enseja, indubitavelmente, a concessão de auxílio-doença desde a DER (25/10/2016), o qual deverá ser convertido em aposentadoria por invalidez a contar da data do presente julgamento.
Dos consectários
Segundo o entendimento das Turmas previdenciárias do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, estes são os critérios aplicáveis aos consectários:
Correção monetária
A correção monetária incidirá a contar do vencimento de cada prestação e será calculada pelos índices oficiais e aceitos na jurisprudência, quais sejam:
- INPC no que se refere ao período posterior à vigência da Lei 11.430/2006, que incluiu o art. 41-A na Lei 8.213/91, conforme deliberação do STJ no julgamento do Tema 905 (REsp mº 1.495.146 - MG, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, D DE 02-03-2018), o qual resta inalterada após a conclusão do julgamento de todos os EDs opostos ao RE 870947 pelo Plenário do STF em 03-102019 (Tema 810 da repercussão geral), pois foi rejeitada a modulação dos efeitos da decisão de mérito.
Juros moratórios
Os juros de mora incidirão à razão de 1% (um por cento) ao mês, a contar da citação (Súmula 204 do STJ), até 29/06/2009.
A partir de 30/06/2009, incidirão segundo os índices oficiais de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança, conforme art. 5º da Lei 11.960/09, que deu nova redação ao art. 1º-F da Lei 9.494/97, cuja constitucionalidade foi reconhecida pelo STF ao julgar a 1ª tese do Tema 810 da repercussão geral (RE 870.947), julgado em 20/09/2017, com ata de julgamento publicada no DJe n. 216, de 22/09/2017.
Honorários advocatícios
Incide, no caso, a sistemática de fixação de honorários advocatícios prevista no art. 85 do NCPC, porquanto a sentença foi proferida após 18/03/2016 (data da vigência do NCPC definida pelo Pleno do STJ em 02/04/2016).
Invertidos os ônus sucumbenciais, estabeleço a verba honorária em 10% (dez por cento) sobre as parcelas vencidas (Súmula 76 do TRF4), considerando as variáveis dos incisos I a IV do § 2º do artigo 85 do NCPC.
Custas Processuais
O INSS é isento do pagamento das custas no Foro Federal (art. 4º, inciso I, da Lei nº 9.289/96) e responde por metade do valor no Estado de Santa Catarina (art. 33, parágrafo único, da Lei Complementar estadual 156/97).
Implantação do benefício
Reconhecido o direito da parte, impõe-se a determinação para a imediata implantação do benefício, nos termos do art. 497 do NCPC [Art. 497. Na ação que tenha por objeto a prestação de fazer ou de não fazer, o juiz, se procedente o pedido, concederá a tutela específica ou determinará providências que assegurem a obtenção de tutela pelo resultado prático equivalente.] e da jurisprudência consolidada da Colenda Terceira Seção desta Corte (QO-AC nº 2002.71.00.050349-7, Rel. p/ acórdão Des. Federal Celso Kipper). Dessa forma, deve o INSS implantar o benefício em até 45 dias, a contar da publicação do presente acórdão, conforme os parâmetros acima definidos, incumbindo ao representante judicial da autarquia que for intimado dar ciência à autoridade administrativa competente e tomar as demais providências necessárias ao cumprimento da tutela específica.
Saliente-se, por oportuno, que, na hipótese de a parte autora estar auferindo benefício previdenciário, deve o INSS implantar o benefício ora deferido apenas se o valor da renda mensal atual desse benefício for superior ao daquele.
Faculta-se, outrossim, à parte beneficiária manifestar eventual desinteresse quanto ao cumprimento desta determinação.
Conclusão
Reforma-se a sentença para reconhecer o direito da autora à concessão AUXÍLIO-DOENÇA a partir da DER ocorrida em 25/10/2016, com a conversão do benefício em APOSENTADORIA POR INVALIDEZ a partir deste julgamento.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por dar provimento ao apelo da autora e determinar a imediata implantação do benefício
Documento eletrônico assinado por PAULO AFONSO BRUM VAZ, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40002134715v51 e do código CRC f09e953c.Informações adicionais da assinatura:
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Apelação Cível Nº 5005589-45.2019.4.04.9999/SC
RELATOR: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
APELANTE: JUSSARA BECKER
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE. VINCULAÇÃO AO LAUDO. INOCORRÊNCIA. PROVA INDICIÁRIA.
1. O juízo não está adstrito às conclusões do laudo médico pericial, nos termos do artigo 479 do NCPC ( O juiz apreciará a prova pericial de acordo com o disposto no art. 371, indicando na sentença os motivos que o levaram a considerar ou a deixar de considerar as conclusões do laudo, levando em conta o método utilizado pelo perito), podendo discordar, fundamentadamente, das conclusões do perito em razão dos demais elementos probatórios coligido aos autos.
2. Embora o caderno processual não contenha elementos probatórios conclusivos com relação à incapacidade do segurado, caso não se possa chegar a uma prova absolutamente conclusiva, consistente, robusta, é adequado que se busque socorro na prova indiciária e nas evidências.
3. Ainda que o laudo pericial tenha concluído pela existência da incapacidade parcial e temporária, no caso concreto observa-se que a autora é portadora de doenças psiquiátricas extremamente graves, apresentando assim incapacidade total e definitiva para qualquer atividade laborativa.
4. Apelação da parte autora provida.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia Turma Regional Suplementar de Santa Catarina do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar provimento ao apelo da autora e determinar a imediata implantação do benefício, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Florianópolis, 17 de novembro de 2020.
Documento eletrônico assinado por PAULO AFONSO BRUM VAZ, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40002134716v5 e do código CRC 0312317d.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO Virtual DE 10/11/2020 A 17/11/2020
Apelação Cível Nº 5005589-45.2019.4.04.9999/SC
RELATOR: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
PRESIDENTE: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
APELANTE: JUSSARA BECKER
ADVOGADO: ERICK ROETGER SILVA (OAB SC039244)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 10/11/2020, às 00:00, a 17/11/2020, às 16:00, na sequência 390, disponibilizada no DE de 28/10/2020.
Certifico que a Turma Regional suplementar de Santa Catarina, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DE SANTA CATARINA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PROVIMENTO AO APELO DA AUTORA E DETERMINAR A IMEDIATA IMPLANTAÇÃO DO BENEFÍCIO.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
Votante: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
Votante: Juíza Federal ELIANA PAGGIARIN MARINHO
Votante: Desembargador Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ
ANA CAROLINA GAMBA BERNARDES
Secretária
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