Apelação Cível Nº 5002690-40.2020.4.04.9999/SC
PROCESSO ORIGINÁRIO: Nº 0300786-64.2018.8.24.0076/SC
RELATOR: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
APELANTE: MAIARA JUST BENDO
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RELATÓRIO
Cuida-se de apelação interposta pela parte autora em face da sentença, publicada em 17-12-2019 (e. 2.65), que julgou improcedente o pedido de auxílio por incapacidade temporária desde 02-05-2018 (DER do NB 31/622.984.334-3).
Sustenta, em síntese, que preenche os requisitos necessários a sua concessão (e. 2.70). Requer a reforma da sentença com a concessão do auxílio por incapacidade temporária ou anulação da sentença para que seja realizada perícia com médico especialista em psiquiatria.
Com as contrarrazões (e. 2.73), subiram os autos a esta Corte.
É o relatório.
VOTO
A sentença ora recorrida examinou a demanda nestes termos (e. 2.64):
[...]
Na incapacidade laboral, colaborando com todos os documentos colacionados aos autos, que noticiaram o infortúnio laboral, a parte autora se submeteu à perícia médica imposta neste Juízo e o expert judicial nomeado, Dr. Roberto Y. Hamada, apresentou o laudo pericial às fls. 74/91, concluindo, em suma: "Não existe incapacidade laborativa. Parte autora com doença controlada por medicação, sem comprometimento funcional" (grifei).
Assim, da análise do acima mencionado conclui-se que para que seja devido o benefício de auxílio-doença/aposentadoria por invalidez, faz-se necessária a constatação da incapacidade laborativa total e temporária ou permanente do segurado, o que, de acordo com o laudo do Sr. Perito, não restou comprovado.
É cediço que o Juiz não está adstrito ao laudo pericial. Todavia, para poder julgar diversamente da conclusão da perícia, o julgador deve demonstrar a existência de elementos de prova tão ou mais robustos que a perícia, situação não verificada no presente caso. Impõe-se, portanto, o prestigiamento da prova técnica.
Pelo que, diante das conclusões expostas pelo perito judicial, não faz a parte autora jus ao benefício de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez.
DISPOSITIVO
Ante o exposto, julgo improcedente o pedido com resolução de mérito, com fulcro no art. 487, inciso I, do Código de Processo Civil.
Condeno a parte autora no pagamento das despesas processuais e dos honorários advocatícios, os quais desde já fixo em R$ 850,00 (oitocentos e cinqüenta reais), cuja condenação fica suspensa até que implementada a condição prevista no art. 11, § 2º, da Lei nº 1.060/50.
[...]
No caso sub examine, a controvérsia recursal cinge-se à verificação da falta de especialidade do perito judicial nas patologias psiquiátricas que acometem a parte autora e/ou a incapacidade da parte autora.
A autora alega que o perito judicial não possui especialidade na área psiquiátrica, contudo, tal alegação não procede. Isto porque é possível verificar em consulta ao site do CRMSC, que o expert nomeado pelo juízo, o médico Dr. Roberto Yasuyuki da Conceição Hamada (CRMSC 20970), possui especialidade em Psiquiatria (Registro 18997) e em Medicina de Tráfego (Registro 19018). Não bastasse isso, é possível observar no e. 2.33, p. 15 (laudo pericial), anexado o certificado de especialidade em psiquiatria do perito judicial em questão. Assim, a especialidade do perito permanece configurada, não havendo motivo para realização de nova perícia por inexistir falta de especialidade em psiquiatria.
Pois bem. A parte autora (vendedora e 27 anos de idade atualmente) objetiva a concessão de auxílio por incapacidade temporária desde 02-05-2018 (DER), por estar acometida de fibromialgia, transtorno depressivo recorrente, entre outras patologias (CID M79.7 e F33), comprovadas pela seguinte documentação clínica:
a) e. 2.7, p. 4:
b) e. 2.41, p. 2:
c) e. 2.41, p. 7:
Processado o feito, sobreveio sentença de improcedência da demanda em face de laudo pericial elaborado por médico especializado em psiquiatria que considerou a autora apta ao labor (e. 2.33, e. 2.53):
1. IDENTIFICAÇÃO
Maiara Just Bendo, sexo feminino, 25 anos de idade, estado civil solteira, escolaridade de ensino médio completo, RG: 5628688.
2. DISCUSSÃO E CONCLUSÃO
Trata-se de pericianda de 25 anos de idade que compareceu, desacompanhada, à perícia médica judicial previamente agendada. Informou, na anamnese (entrevista clínica), que trabalhava como vendedora. Encontra-se SEM Benefício Previdenciário AD (Auxílio-Doença), desde 02/05/2018 (DER).
Informou, na anamnese (entrevista clínica), que em 2017 iniciou com dores e sintomas depressivos, realizou diversos exames de imagem, sendo todos normais. Foi então encaminhada para o psiquiatra que fez o diagnóstico de Transtorno Depressivo Recorrente e Fibromialgia, sendo então indicado o tratamento medicamentoso.
Sua queixa clínica atual refere-se à dores no corpo, sintomas depressivos, pensamentos negativos.
Exame do Estado Mental:
Aparência: apresentou-se vestida adequadamente para clima, vestindo calça jeans, moletom casaco, boa higiene pessoal.
Consciência: normovigil
Atenção: normotenaz.
Sensopercepção: sem ilusões ou alucinações.
Orientação: orientado alopsiquicamente.
Memória: sem alterações.
Inteligência: não testada
Afeto: levemente depressivo.
Pensamento: curso normal.
Juízo Crítico: preservado.
Conduta: colaborativa, vitimizadora
Linguagem: normolálica.
Sono: sem alterações.
Foi aplicada a escala de Hamilton para depressão, na qual a paciente obteve um total de 12 pontos, ou seja, depressão leve controlada com a medicação, sem comprometimento funcional.
[...]
Pelo anteriormente arrazoado, sob o ponto de vista técnico (médicopericial), considerando a história clínica, exame físico geral e segmentar, além da verificação do contido nas 73 folhas dos autos, esse perito conclui que NÃO existe incapacidade laborativa.
É o laudo.
Os pontos controvertidos serão esclarecidos nas respostas aos quesitos apresentados pelas partes.
1. QUESITOS PARA PERÍCIA MÉDICA
1.1. QUESITOS DO JUIZ
1. O(a) periciando(a) sofre de alguma enfermidade?
Resposta: Sim.
2. Em caso positivo, qual(ais) a(s) doença (s)?
Resposta: Fibromialgia e Transtorno Depressivo Recorrente.
3. Essa(s) enfermidade(s) causa(m) incapacidade laborativa?
Resposta: Não.
4. Em caso positivo, a incapacidade laborativa é de que natureza (total e definitiva ou total e temporária)?
Resposta: Prejudicado, não existe incapacidade.
5. Se não existir incapacidade laborativa total (definitiva ou temporária), existe ao menos redução definitiva da capacidade laborativa?
Resposta: Não.
6. Em caso de existir apenas redução definitiva/incapacidade laborativa parcial permanente, a causa dessa redução está relacionada com a atividade profissional do(a) periciando (a)?
Resposta: Prejudicado, não existe incapacidade.
7. É possível indicar a data de início da(s) doença(s)?
Resposta: Referiu que em 2017.
8. É possível indicar a data de início da incapacidade laborativa (total e definitiva ou total e temporária) ou a data em que se tornou definitiva a redução da capacidade laborativa?
Resposta: Prejudicado, não existe incapacidade.
9. Demais esclarecimentos que o perito judicial entender relevantes.
Resposta: Parte autora com doença controlada com medicação, sem comprometimento funcional.
1.2. QUESITOS DO INSS
1. Queixa que o(a) periciado(a) apresenta no ato da perícia.
Resposta: Sintomas depressivos, queixas somáticas.
2. Doença, lesão ou deficiência diagnosticada por ocasião da perícia (com CID).
Resposta: Transtorno Depressivo Recorrente CID F33.
3. Causa provável da(s) doença/moléstia(s)/incapacidade.
Resposta: Multifatorial.
4. Doença/moléstia ou lesão decorrem do trabalho exercido? Justifique indicando o agente de risco ou agente nocivo causador.
Resposta: Não.
5. A doença/moléstia ou lesão decorrem de acidente de trabalho? Em caso positivo, circunstanciar o fato, com data e local, bem como se reclamou assistência médica e/ou hospitalar.
Resposta: Não.
6. Doença/moléstia ou lesão torna o(a) periciado(a) incapacitado(a) para o exercício do último trabalho ou atividade habitual? Justifique a resposta, descrevendo os elementos nos quais se baseou a conclusão.
Resposta: Não.
7. Sendo positiva a resposta ao quesito anterior, a incapacidade do(a) periciado(a) é de natureza permanente ou temporária? Parcial ou total?
Resposta: Prejudicado, não existe incapacidade.
[...]
1.3. QUESITOS DO AUTOR
1. A Autora possui alguma lesão ou doença? Se afirmativa a resposta, qual?
Resposta: Sim, transtorno depressivo e fibromialgia.
[...]
3. Esta doença ou todas as doenças gera(m) incapacidade? Que tipo de incapacidade? Para que atos? Quando ocorreu o início da incapacidade?
Resposta: Não.
4. Qual o resultado que pode advir do não atendimento do tratamento proposto, bem como do não afastamento de atividades que acarretem ou agravem o risco de lesão?
Resposta: Prejudicado, não existe incapacidade.
5. O trabalho realizado pela requerente é penoso?
Resposta: Não.
6. Requer grande esforço físico?
Resposta: Não.
7.Requer carregamento de materiais pesados? Pode ser considerado como atividade de risco ao aumento da lesão?
Resposta: Não.
8. Essa lesão provoca dores?
Resposta: Não.
9. Ela provoca o impedimento, diminuição ou influi de algum modo para a realização de atividades habituais?
Resposta: Não.
10. Caso positiva a resposta acima, em que grau e de que forma?
Resposta: Prejudicado, não existe incapacidade.
11. Quando o requerido indeferiu o benefício previdenciário, já era a requerente portadora desta doença ou lesão?
Resposta: Sim.
[...]
1)A autora manteve/mantém corretamente seu tratamento médico? Qual a medicação? Qual a dosagem? É considerada alta?
Sim. Venlafaxina 75mg; Pregabalina 300mg; Clorpromazina 50mg; Bromazepam 6mg; Nortriptilina 75mg.
2)A autora tentou suicídio? Quais oportunidades?
Sim, em 25/10/2017.
3)Considerando o tratamento médico e as ideações suicidas, a autora possui capacidade laborativa?
A paciente não apresenta ideação suicida atual.
4)O tratamento médico impede ou diminui de algum modo a realização de atividades habituais?
Não.
Não obstante as considerações esposadas pelo expert, sabe-se que o juízo não está adstrito às conclusões do laudo médico pericial, nos termos do artigo 479 do NCPC (Art. 479. O juiz apreciará a prova pericial de acordo com o disposto no art. 371, indicando na sentença os motivos que o levaram a considerar ou a deixar de considerar as conclusões do laudo, levando em conta o método utilizado pelo perito), podendo discordar, fundamentadamente, das conclusões do perito em razão dos demais elementos probatórios coligidos aos autos, inclusive os aspectos socioeconômicos, profissionais e culturais do segurado, ainda que o laudo pericial apenas tenha concluído pela sua incapacidade parcial para o trabalho (AgRg no AREsp 35.668/SP, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, DJe 20-02-2015).
Assim, tendo a perícia certificado a existência das patologias alegadas pela parte autora (fibromialgia e transtorno depressivo recorrente), o juízo de incapacidade pode ser determinado, sem sombra de dúvidas, pelas regras da experiência do magistrado, consoante preclara disposição do artigo 375 do NCPC (O juiz aplicará as regras de experiência comum subministradas pela observação do que ordinariamente acontece e, ainda, as regras de experiência técnica, ressalvado, quanto a estas, o exame pericial.). Destaca-se que tal orientação vem prevalecendo no âmbito do Egrégio STJ ao ratificar, monocraticamente, decisões que levaram em consideração os aspectos socioeconômicos, profissionais e culturais do segurado para superar o laudo pericial (v.g. AREsp 1409049, Rel. Min. NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, DJ 21-02-2019).
O perito judicial afirma que o tratamento da autora não impede ou diminui a realização das atividades habituais (e. 2.53, p. 2), concluindo que a mesma está capacitada para o labor. Contudo, por causa da utilização de diversas medicações em alta dosagem, há, inclusive, atestados do médico assistente efetivamente mencionando que os efeitos colaterais das medicações causam comprometimento funcional e sonolência na autora (v. atestados colacionados supra e. 2.41, p. 2, 7). Igualmente, o perito responde que a patologia que autora está acometida não lhe causa dor (e. 2.33, p. 14), mas fibromialgia é uma doença conhecida por causar dores e que está também ligada ao transtorno depressivo, assim informa trecho extraído da matéria no site do Dr. Drauzio Varella (grifei):
Além da forte relação com o sexo feminino, a doença tem laços estreitos com a depressão. Cerca de 50% dos fibromiálgicos apresentam também esse transtorno grave, com um quadro agravando o outro: a dor e o descrédito provocam reclusão, piorando a depressão, que por sua vez intensifica a dor – de forma real, e não psicológica. (https://drauziovarella.uol.com.br/reumatologia/fibromialgia-nao-e-coisa-da-sua-imaginacao/)
Assim, o princípio da prevenção-precaução está direcionado para proteger bens jurídicos de hierarquia constitucional: vida e saúde. E aqui, ao contrário do que se tem corriqueiramente, não há outro bem jurídico que esteja a periclitar diante desses. Não há qualquer colidência de princípios ou direitos fundamentais. Ao contrário, a prevenção/precaução impõe-se como inafastável justamente na medida em que preserva o conteúdo essencial dos direitos humanos fundamentais e constitucionais à vida e à saúde. Note-se, por outro lado, que o princípio da precaução tem aplicabilidade quando existe a dúvida científica e a prevenção quando existe a certeza do dano. Esta diferença vai ter importância porque muitas vezes sequer a perícia consegue identificar a relação de causalidade entre a atividade desenvolvida pelo segurado e as patologias ou morbidades que o acometem.
Embora não tenha sido identificada a sua incapacidade para o trabalho pelo perito do juízo, a parte autora é portadora de uma patologia grave (depressão é o mal do século para alguns especialistas). A obrigação de voltar ao trabalho, sem condições, poderá desencadear o agravamento ou mesmo à irreversibilidade do quadro sintomático e à incapacidade definitiva.
Me parece esta relação de causalidade foi deixada de lado pelos peritos, que negligenciaram no seu mister de auxiliar o juiz, deixando de prestar uma informação de capital importância ao deslinde do conflito. Perícias incompletas, que obrigam o juiz a avançar por uma seara que não tem o domínio seguro. Definir o que é tarefa do perito e o que é tarefa do juiz não é mister simplório quando se trata da definição da (in)capacidade.
O certo é que a prevenção/precaução, enquanto princípio superior de aplicação subjetiva e objetivamente universalizada, que deveria ter sido aplicada pelo perito, se não o for, resulta submetida ao juiz, ao qual é vedado declarar o non liquet, pois precisa decidir o indecidível (Luhmann).
Embora o juiz utilize a sua condição de ser-no-mundo, experiência, vivência e a tradição, como subsídios para encontrar a melhor compreensão da relação fato-direito, o ideal é que tais supostos sejam previamente manejados e avaliados pelo profissional médico, vale dizer, pelo próprio sistema sanitário (médico). A experiência, embora com ele não se confunda, sempre é subsídio do conhecimento científico. É, podemos dizer, um pressuposto inafastável para a ele se chegar. É isso que os peritos recusam: deixar-se levar pela experiência e a vivência como suportes do conhecimento científico que precisam ter, auscultando os sentidos das inconfundíveis observações individuais sobre o mesmo fenômeno como movimento dialético que altera o seu saber e respectivo objeto, e que precisam ser levados à tona e desvelados. Melhor dizendo, submetidos ao crivo do processo dialógico, para debate das partes e avaliação judicial. A experiência, enquanto essência histórica do homem, permite uma melhor aproximação com a coisa (mesma) como ela é.
Ao que vejo, faltou aos peritos e ao juiz do caso um pouco mais de outridade (alteridade). A decisão judicial não precisa ser consequencialista apenas do ponto de vista econômico. O consequencialismo para valer é aquele que reflete as consequências da decisão em um sentido amplo (holístico). O segurado, como qualquer autor de uma demanda judicial, sofre os efeitos negativos e positivos da decisão judicial. A pergunta é: até que ponto se pode, respeitada a dignidade da pessoa, impingir ao segurado o castigo de ter que trabalhar com sofrimento, com dores, falta de forças e submetido a tratamentos fármacos (analgesia) que atenuem as dores resultantes de suas limitações para determinadas atividades, mas que sempre impõem efeitos colaterais graves?
Têm-se visto laudos periciais que asseveram ser possível o trabalho de rural, por exemplo, nada obstante os problemas sérios na coluna, mediante analgesia e fisioterapia, como se tais paliativos não tivessem custo e não demandassem tempo, muitas vezes incompatível como as condições e local de trabalho. Um vício dos mais graves das perícias está em referir o perito que “no momento da perícia o segurado não apresentou sintomas que pudessem induzir à incapacidade”. Quando assim age, o perito culmina por congelar (em uma fotografia!) o quadro como se as doenças não tivessem “antes”, “durante” e “depois” (passado, presente e futuro). Esta atitude apaga o passado, celebra o presente e mata o futuro.
Com efeito, a perícia é muito mais uma anamnese qualificada e estudo da patologia desde o seu início (instalação), progressão e projeção para o futuro (perspectiva de cura, estabilização ou avanço da doença), do que outra coisa. Perícias incompletas, vai-se repetir à exaustão, ao invés de ajudarem, tornam a decisão judicial mais complicada e, às vezes, impossível. Ao olvidar o futuro, conectado com o passado e o presente, o perito-médico atua de forma imprevidente. Vale dizer, sem a devida atenção aos princípios universais da prevenção/precaução. Não cogita os riscos (evitáveis) de sua decisão (laudo é tomada de decisão) na perspectiva daqueles que serão afetados por sua decisão (as consequências).
Também ao juiz, no seu decidir, revela-se imperdoável não inserir a variável prevenção/precaução dirigida a inibir ou atenuar os riscos de a decisão desencadear uma situação de prejuízo insuperável ao segurado que se encontre em vias de incapacidade. Causará prejuízos também ao Estado-Previdência, que, ali na frente, resultado do trabalho em condições desumanas imposto ao segurado, terá que arcar com os ônus de uma incapacidade definitiva e as decorrências de contar com um indivíduo desabilitado que demandará tratamento mais oneroso, benefício mais dispendioso e, provavelmente, a impossibilidade de readaptação para outras atividades.
Ressalte-se, outrossim, que a depressão é um dos transtornos mentais mais recorrentes na população geral. Ocorre em todas as faixas etárias, sendo responsável por altos custos de tratamento, diretos e indiretos, e produzindo grandes prejuízos para o indivíduo e para a sociedade devido à sua natureza crônica, alta morbidade e mortalidade.
De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), a depressão é uma das doenças mais frequentes na população mundial. Um problema sério de saúde pública que gera elevados índices de absenteísmo, inclusive nos serviços públicos judiciais. Em inúmeros casos, embora não em todos, a depressão está relacionada com as condições de trabalho.
Feitas estas considerações, no caso em apreço, o laudo pericial complementar referiu o seguinte (e. 2.53):
1)A autora manteve/mantém corretamente seu tratamento médico? Qual a medicação? Qual a dosagem? É considerada alta?
Sim. Venlafaxina 75mg; Pregabalina 300mg; Clorpromazina 50mg; Bromazepam 6mg; Nortriptilina 75mg.
2)A autora tentou suicídio? Quais oportunidades?
Sim, em 25/10/2017. (subliinhei)
Parece evidente que uma pessoa com esse diagnóstico (transtorno depressivo recorrente e fibromialgia), histórico de tentativa de suicídio (v. prontuário de entrada na emergência hospitalar no e. 2.9, p. 9), utilização de diversas medicações em alta dosagem que incluem efeitos colaterais como sonolência, que efetivamente causa comprometimento funcional – embora possam os sintomas ser varáveis de caso a caso – não pode retornar ao trabalho. Assim, diante da conclusão contraditória do jusperito que vai de encontro com a documentação clínica juntada pela autora e a própria informação ofertada pelo perito acerca das patologias que acometem a autora e repercussão destas na sua saúde e aptidão laboral, é forçoso reconhecer a existência de incapacidade, consoante pardigmático julgado realizado no âmbito do Colegiado Ampliado:
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE. VINCULAÇÃO AO LAUDO. INOCORRÊNCIA. PROVA INDICIÁRIA. DOENÇA PSIQUIÁTRICA. DEPRESSÃO. TRANSTORNO DE HUMOR. TRABALHADOR DA ÁREA DA SAÚDE. IMPOSSIBILIDADE DE RETORNO AO TRABALHO. APOSENTADORIA POR INCAPACIDADE DEFINITIVA CONCEDIDA APÓS SUCESSIVOS PERÍODOS DE AUXÍLIO-DOENÇA. COLEGIADO AMPLIADO. ART. 942, CPC. [...] 4. O laudo pericial diagnosticou transtorno de humor. O chamado Transtorno distímico, típico da depressão, segundo a literatura médica, é um sintoma que leva ao humor deprimido na maior parte do dia, na maioria dos dias, por um período de pelo menos dois anos, acompanhado de dois ou mais dos seguintes sintomas: apetite diminuído ou aumentado, insônia ou hipersonia, diminuição da energia e fadiga, baixa da auto–estima, diminuição da concentração e da capacidade de tomada de decisões. Parece evidente que uma pessoa com esse diagnóstico, embora possam os sintomas ser varáveis de caso a caso, não está apta a retornar ao trabalho (atendente de enfermagem), dado que se trata de atividade profissional consabidamente desgastante do ponto de vista emocional, sobretudo em período de pandemia que vem levando o sistema de saúde do país ao colapso em algumas localidades. 5. Hipótese em que, diante da conclusão contraditória dos peritos especializados em psiquiatria ("não há indicativo de incapacidade laborativa atual, não obstante a existência de patologias psiquiátricas em tratamento (consulta psiquiátrica a cada 2 meses e medicamentos"), que deixaram de examinar o contexto profissional em que a segurada exerce atividade profissional, é forçoso reconhecer a existência de incapacidade definitiva, tendo em vista o longo tempo de tratamento sem qualquer melhora e o histórico de benefícios por incapacidade concedidos administrativamente, que não é bom nem para a autora, nem para o INSS, nem para a sociedade, tornando-se uma via crucis para a segurada essa persistente circularidade. 6. Apelação da parte autora provida. (TRF4, AC nº 5019762-45.2017.4.04.9999, Turma Regional Suplementar de Santa Catarina, de minha relatoria, por maioria, j. 30-06-2020).
Portanto, ainda que o laudo pericial realizado tenha concluído pela aptidão laboral da parte autora, a confirmação da existência das moléstias incapacitantes referidas na exordial (fibromialgia e transtorno depressivo recorrente: CID M79.7 e F33), corroborada pela documentação clínica supra, associada às suas condições pessoais (vendedora e 27 anos de idade), demonstra a efetiva incapacidade temporária para o exercício da atividade profissional, o que enseja, indubitavelmente, a concessão de AUXÍLIO POR INCAPACIDADE TEMPORÁRIA desde 02-05-2018 (DER do NB 31/622.984.334-3, cf. e. 2.6) até ulterior reavaliação do INSS.
Dos consectários
Segundo o entendimento das Turmas previdenciárias do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, estes são os critérios aplicáveis aos consectários:
Correção monetária
A correção monetária incidirá a contar do vencimento de cada prestação e será calculada pelos índices oficiais e aceitos na jurisprudência, quais sejam:
- INPC no que se refere ao período posterior à vigência da Lei 11.430/2006, que incluiu o art. 41-A na Lei 8.213/91, conforme deliberação do STJ no julgamento do Tema 905 (REsp mº 1.495.146 - MG, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, D DE 02-03-2018), o qual resta inalterada após a conclusão do julgamento de todos os EDs opostos ao RE 870947 pelo Plenário do STF em 03-10-2019 (Tema 810 da repercussão geral), pois foi rejeitada a modulação dos efeitos da decisão de mérito.
Juros moratórios
Os juros de mora incidirão à razão de 1% (um por cento) ao mês, a contar da citação (Súmula 204 do STJ), até 29/06/2009.
A partir de 30/06/2009, incidirão segundo os índices oficiais de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança, conforme art. 5º da Lei 11.960/09, que deu nova redação ao art. 1º-F da Lei 9.494/97, cuja constitucionalidade foi reconhecida pelo STF ao julgar a 1ª tese do Tema 810 da repercussão geral (RE 870.947), julgado em 20/09/2017, com ata de julgamento publicada no DJe n. 216, de 22/09/2017.
Honorários advocatícios
Incide, no caso, a sistemática de fixação de honorários advocatícios prevista no art. 85 do NCPC, porquanto a sentença foi proferida após 18/03/2016 (data da vigência do NCPC definida pelo Pleno do STJ em 02/04/2016).
Invertidos os ônus sucumbenciais, estabeleço a verba honorária em 10% (dez por cento) sobre as parcelas vencidas (Súmula 76 do TRF4), considerando as variáveis dos incisos I a IV do § 2º do artigo 85 do NCPC.
Custas Processuais
O INSS é isento do pagamento de custas (art. 4º, inciso I, da Lei nº 9.289/96 e Lei Complementar Estadual nº 156/97, com a redação dada pelo art. 3º da LCE nº 729/2018).
Implantação do benefício
Reconhecido o direito da parte, impõe-se a determinação para a imediata implantação do benefício de auxílio por incapacidade temporária, nos termos do art. 497 do NCPC [Art. 497. Na ação que tenha por objeto a prestação de fazer ou de não fazer, o juiz, se procedente o pedido, concederá a tutela específica ou determinará providências que assegurem a obtenção de tutela pelo resultado prático equivalente.] e da jurisprudência consolidada da Colenda Terceira Seção desta Corte (QO-AC nº 2002.71.00.050349-7, Rel. p/ acórdão Des. Federal Celso Kipper). Dessa forma, deve o INSS implantar o benefício em até 45 dias, a contar da publicação do presente acórdão, conforme os parâmetros acima definidos, incumbindo ao representante judicial da autarquia que for intimado dar ciência à autoridade administrativa competente e tomar as demais providências necessárias ao cumprimento da tutela específica.
Saliente-se, por oportuno, que, na hipótese de a parte autora estar auferindo benefício previdenciário, deve o INSS implantar o benefício ora deferido apenas se o valor da renda mensal atual desse benefício for superior ao daquele.
Faculta-se, outrossim, à parte beneficiária manifestar eventual desinteresse quanto ao cumprimento desta determinação.
Conclusão
Reforma-se a sentença para conceder à parte autora auxílio por incapacidade temporária desde 02-05-2018 (DER do NB 31/622.984.334-3) até ulterior reavaliação do INSS.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por dar provimento à apelação da parte autora e determinar a imediata implantação do benefício.
Documento eletrônico assinado por PAULO AFONSO BRUM VAZ, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40002651360v22 e do código CRC 46e03677.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): PAULO AFONSO BRUM VAZ
Data e Hora: 26/7/2021, às 16:35:33
Conferência de autenticidade emitida em 03/08/2021 04:01:05.
Apelação Cível Nº 5002690-40.2020.4.04.9999/SC
PROCESSO ORIGINÁRIO: Nº 0300786-64.2018.8.24.0076/SC
RELATOR: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
APELANTE: MAIARA JUST BENDO
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE. VINCULAÇÃO AO LAUDO. INOCORRÊNCIA. PROVA INDICIÁRIA.
1. O juízo não está adstrito às conclusões do laudo médico pericial, nos termos do artigo 479 do NCPC (O juiz apreciará a prova pericial de acordo com o disposto no art. 371, indicando na sentença os motivos que o levaram a considerar ou a deixar de considerar as conclusões do laudo, levando em conta o método utilizado pelo perito), podendo discordar, fundamentadamente, das conclusões do perito em razão dos demais elementos probatórios coligido aos autos.
2. Embora o caderno processual não contenha elementos probatórios conclusivos com relação à incapacidade do segurado, caso não se possa chegar a uma prova absolutamente conclusiva, consistente, robusta, é adequado que se busque socorro na prova indiciária e nas evidências.
3. Hipótese em que a documentação clínica juntada pela demandante revela que a conclusão do jusperito está dissociada do quadro clínico de fibromialgia (doença conhecida por causar dor) e transtorno depressivo recorrente apresentado pela autora, porquanto há efetivas indicações dos médicos assistentes mencionando que os efeitos colaterais das medicações causam comprometimento funcional e sonolência na autora, ao passo que o expert nomeado pelo juízo sustenta que não somente a doença que acomete a autora não causa dor, mas também que o tratamento medicamentoso não a impede ou compromete a realização das atividades habituais laborativas.
4. Ainda que o laudo pericial realizado tenha concluído pela aptidão laboral da parte autora, a confirmação da existência das moléstias incapacitantes referidas na exordial (fibromialgia e transtorno depressivo recorrente: CID M79.7 e F33), corroborada pela documentação clínica, associada às suas condições pessoais (vendedora e 27 anos de idade), demonstra a efetiva incapacidade temporária para o exercício da atividade profissional, o que enseja, indubitavelmente, a concessão de auxílio por incapacidade temporária desde 02-05-2018 (DER do NB 31/622.984.334-3) até ulterior reavaliação do INSS.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia Turma Regional Suplementar de Santa Catarina do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar provimento à apelação da parte autora e determinar a imediata implantação do benefício, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Florianópolis, 21 de julho de 2021.
Documento eletrônico assinado por PAULO AFONSO BRUM VAZ, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40002651361v6 e do código CRC 634d9759.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): PAULO AFONSO BRUM VAZ
Data e Hora: 26/7/2021, às 16:35:33
Conferência de autenticidade emitida em 03/08/2021 04:01:05.
EXTRATO DE ATA DA SESSÃO Virtual DE 14/07/2021 A 21/07/2021
Apelação Cível Nº 5002690-40.2020.4.04.9999/SC
RELATOR: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
PRESIDENTE: Desembargador Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ
APELANTE: MAIARA JUST BENDO
ADVOGADO: CRISTIANA DAGOSTIN RECCO (OAB SC034899)
ADVOGADO: RAFAEL FURLANETTO DE NES (OAB SC043589)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 14/07/2021, às 00:00, a 21/07/2021, às 16:00, na sequência 390, disponibilizada no DE de 05/07/2021.
Certifico que a Turma Regional suplementar de Santa Catarina, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DE SANTA CATARINA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DA PARTE AUTORA E DETERMINAR A IMEDIATA IMPLANTAÇÃO DO BENEFÍCIO.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
Votante: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
Votante: Desembargador Federal CELSO KIPPER
Votante: Desembargador Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ
ANA CAROLINA GAMBA BERNARDES
Secretária
Conferência de autenticidade emitida em 03/08/2021 04:01:05.