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EMENTA: PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO. RECEBIMENTO INDEVIDO. ERRO ADMINISTRATIVO. BOA-FÉ. IRREPETIBILIDADE. TRF4. 5000738-41.2016.4.04.7000...

Data da publicação: 13/10/2022, 19:20:02

EMENTA: PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO. RECEBIMENTO INDEVIDO. ERRO ADMINISTRATIVO. BOA-FÉ. IRREPETIBILIDADE. Não havendo má-fé do segurado no recebimento indevido de benefício na via administrativa, decorrente de má aplicação de norma jurídica, interpretação equivocada ou erro da Administração, não cabe a devolução dos valores, considerando a natureza alimentar e o recebimento de boa-fé. (TRF4, AC 5000738-41.2016.4.04.7000, DÉCIMA TURMA, Relator MÁRCIO ANTÔNIO ROCHA, juntado aos autos em 10/08/2022)

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5000738-41.2016.4.04.7000/PR

RELATOR: Desembargador Federal MÁRCIO ANTONIO ROCHA

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (AUTOR)

APELADO: CICERO DANIEL COSMO (RÉU)

RELATÓRIO

Trata-se de ação ajuizada pelo INSS em face de Cicero Daniel Cosmo, pretendendo a devolução de valores recebidos a título de auxílio-doença (NB 536.678.095-7) e aposentadoria por invalidez (NB 600.018.300-7), nos períodos de agosto/2009 a dezembro/2012 e de janeiro/2013 a fevereiro/2014, respectivamente, concedidos em virtude de de erro administrativo.

Citado, o réu contestou a ação (evento 21, PET1), alegando: a) a ausência da má-fé; b) a irrepetibilidade da verba, em face do caráter alimentar.

Processado o feito, foi proferida sentença, publicada em 10/04/2017, cujo dispositivo ficou assim redigido (evento 37, SENT1):

Ante o exposto, julgo improcedente o pedido, resolvendo o mérito, com base no artigo 269, I, do CPC.

Condeno o autor no pagamento dos honorários, fixados em 10% do valor da causa.

O INSS apelou alegando que mesmo a natureza alimentar dos proventos não impede o ressarcimento ao INSS, consoante art. 115, da lei nº 8.213/91, salvo se comprovada a boa-fé, circunstância que não se configura no caso concreto; que atuou à luz do princípio da legalidade, dentre outros; que a restituição de parcelas indevidas é regra no direito, sob pena de enriquecimento sem causa, na forma dos 884 a 886 do Código Civil. Requer a reforma da sentneça, com a inversão dos ônus da sucumbência (evento 53, APELAÇÃO1).

Com contrarrazões, vieram os autos a esta Corte.

Em despacho, evento 2, DESPADEC1, determinei o sobrestamento do feito até a publicação do acórdão do recurso representativo da controvérsia no Tema 979, consoante a sistemática prevista nos arts. 1.036 a 1.041 do Código de Processo Civil.

Em 13/06/2022, o processo foi dessobrestado.

É o relatório.

Peço dia para julgamento.

VOTO

Benefício recebido na via administrativa. Tema 979/STJ

Inicialmente, registro que foi fixada a tese no Tema 979/STJ. Transcrevo a ementa do julgado, publicado em 23/04/2021:

PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. TEMA 979. ARTIGO 1.036 DO CPC/2015. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. ARTIGOS 884 E 885 DO CÓDIGO CIVIL/2002. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA 211 DO STJ. ART. 115, II, DA LEI N. 8.213/1991. DEVOLUÇÃO DE VALORES RECEBIDOS POR FORÇA DE INTERPRETAÇÃO ERRÔNEA E MÁ APLICAÇÃO DA LEI. NÃO DEVOLUÇÃO. ERRO MATERIAL DA ADMINISTRAÇÃO. POSSIBILIDADE DE DEVOLUÇÃO SOMENTE NA HIPÓTESE DE ERRO EM QUE OS ELEMENTOS DO CASO CONCRETO NÃO PERMITAM CONCLUIR PELA INEQUÍVOCA PRESENÇA DA BOA-FÉ OBJETIVA.
1. Da admissão do recurso especial: Não se conhece do recurso especial quanto à alegada ofensa aos artigos 884 e 885 do Código Civil, pois não foram prequestionados. Aplica-se à hipótese o disposto no enunciado da Súmula 211 do STJ. O apelo especial que trata do dissídio também não comporta conhecimento, pois não indicou as circunstâncias que identifiquem ou assemelhem os precedentes colacionados e também por ausência de cotejo analítico e similitude entre as hipóteses apresentadas. Contudo, merece conhecimento o recurso quanto à suposta ofensa ao art. 115, II, da lei n. 8.213/1991.
2. Da limitação da tese proposta: A afetação do recurso em abstrato diz respeito à seguinte tese: Devolução ou não de valores recebidos de boa-fé, a título de benefício previdenciário, por força de interpretação errônea, má aplicação da lei ou erro da Administração da Previdência Social.
3. Irrepetibilidade de valores pagos pelo INSS em razão da errônea interpretação e/ou má aplicação da lei: O beneficiário não pode ser penalizado pela interpretação errônea ou má aplicação da lei previdenciária ao receber valor além do devido. Diz-se desse modo porque também é dever-poder da Administração bem interpretar a legislação que deve por ela ser aplicada no pagamento dos benefícios. Dentro dessa perspectiva, esta Corte Superior evoluiu a sua jurisprudência passando a adotar o entendimento no sentido de que, para a não devolução dos valores recebidos indevidamente pelo beneficiário da Previdência Social, é imprescindível que, além do caráter alimentar da verba e do princípio da irrepetibilidade do benefício, a presença da boa-fé objetiva daquele que recebe parcelas tidas por indevidas pela administração. Essas situações não refletem qualquer condição para que o cidadão comum compreenda de forma inequívoca que recebeu a maior o que não lhe era devido.
4. Repetição de valores pagos pelo INSS em razão de erro material da Administração previdenciária: No erro material, é necessário que se averigue em cada caso se os elementos objetivos levam à conclusão de que houve boa-fé do segurado no recebimento da verba. Vale dizer que em situações em que o homem médio consegue constatar a existência de erro, necessário se faz a devolução dos valores ao erário.
5. Do limite mensal para desconto a ser efetuado no benefício: O artigo 154, § 3º, do Decreto n. 3.048/1999 autoriza a Administração Previdenciária a proceder o desconto daquilo que pagou indevidamente; todavia, a dedução no benefício só deverá ocorrer quando se estiver diante de erro da administração. Nesse caso, caberá à Administração Previdenciária, ao instaurar o devido processo administrativo, observar as peculiaridades de cada caso concreto, com desconto no beneficio no percentual de até 30% (trinta por cento).
6. Tese a ser submetida ao Colegiado: Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados decorrentes de erro administrativo (material ou operacional), não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela Administração, são repetíveis os valores, sendo legítimo o seu desconto no percentual de até 30% (trinta por cento) do valor do benefício mensal, ressalvada a hipótese em que o segurado, diante do caso concreto, comprova sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era possível constatar o pagamento indevido.
7. Modulação dos efeitos: Tem-se de rigor a modulação dos efeitos definidos neste representativo da controvérsia, em respeito à segurança jurídica e considerando o inafastável interesse social que permeia a questão sub examine, e a repercussão do tema que se amolda a centenas de processos sobrestados no Judiciário. Desse modo somente deve atingir os processos que tenham sido distribuídos, na primeira instância, a partir da publicação deste acórdão.
8. No caso concreto: Há previsão expressa quanto ao momento em que deverá ocorrer a cessação do benefício, não havendo margem para ilações quanto à impossibilidade de se estender o benefício para além da maioridade da beneficiária. Tratou-se, em verdade, de simples erro da administração na continuidade do pagamento da pensão, o que resulta na exigibilidade de tais valores, sob forma de ressarcimento ao erário, com descontos nos benefícios, tendo em vista o princípio da indisponibilidade do patrimônio público e em razão da vedação ao princípio do enriquecimento sem causa.
Entretanto, em razão da modulação dos efeitos aqui definidos, deixa-se de efetuar o descontos dos valores recebidos indevidamente pelo segurado.
9. Dispositivo: Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, não provido.
Acórdão sujeito ao regime previsto no artigo 1.036 e seguintes do CPC/2015.
(REsp 1381734/RN, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 10/03/2021, DJe 23/04/2021)

Como se vê, foi fixada a seguinte tese:

"Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados decorrentes de erro administrativo (material ou operacional), não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela Administração, são repetíveis os valores, sendo legítimo o seu desconto no percentual de até 30% (trinta por cento) do valor do benefício mensal, ressalvada a hipótese em que o segurado, diante do caso concreto, comprova sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era possível constatar o pagamento indevido."

Houve modulação de efeitos, restringindo sua aplicabilidade aos processos ajuizados após a sua publicação:

"Tem-se de rigor a modulação dos efeitos definidos neste representativo da controvérsia, em respeito à segurança jurídica e considerando o inafastável interesse social que permeia a questão sub examine, e a repercussão do tema que se amolda a centenas de processos sobrestados no Judiciário. Desse modo somente deve atingir os processos que tenham sido distribuídos, na primeira instância, a partir da publicação deste acórdão."

Destarte, a modulação afasta a obrigatoriedade de sua incidência aos processos já em andamento, mas não impede a incidência da sua premissa jurídica referente à necessidade de aferição da boa-fé ou da má-fé, como pressuposto para decidir sobre repetibilidade dos valores recebidos.

Nesse ponto, a tese jurídica não destoa da jurisprudência já firmada neste Tribunal:

PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. ARTIGO 20, DA LEI Nº 8.742/93 (LOAS). RISCO SOCIAL. REQUISITO NÃO PREENCHIDO. RESTITUIÇÃO DE VALORES RECEBIDOS. CARÁTER ALIMENTAR. BOA-FÉ. IRREPETIBILIDADE. 1. Indevida a restituição e/ou desconto de valores pagos aos segurados por erro administrativo e cujo recebimento deu-se de boa-fé, em face do princípio da irrepetibilidade ou da não devolução dos alimentos. 2. Relativização do estabelecido nos artigos 115, inciso II, da Lei nº 8.213/91 e 154, § 3º, do Decreto nº 3.048/99. (...) (TRF4 5079799-10.2014.404.7100, SEXTA TURMA, Relatora Des. Federal Salise Monteiro Sanchotene, 4.9.2017)

PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE DE GENITORA. BENEFÍCIO INDEVIDO. EMANCIPAÇÃO. DEVOLUÇÃO DE VALORES. BOA-FÉ. REVOGAÇÃO. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. IMPOSSIBILIDADE. (...) 3. Incontroverso o erro administrativo, levando em conta o caráter alimentar dos benefícios, e ausente comprovação de eventual má-fé do segurado, devem ser relativizadas as normas dos arts. 115, II, da Lei nº 8213/91 e 154, § 3º, do Decreto nº 3048/99. (TRF4, AC 0002425-31.2017.404.9999, SEXTA TURMA, Relator Juiz Federal Artur César de Souza, D.E. 23.8.2017)

PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO AJUIZADA PELO INSS. CARÁTER ALIMENTAR DAS PRESTAÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. AUSÊNCIA DE MÁ-FÉ. Esta Corte vem se manifestando no sentido da impossibilidade de repetição dos valores recebidos de boa-fé pelo segurado, dado o caráter alimentar das prestações previdenciárias, sendo relativizadas as normas dos arts. 115, II, da Lei nº 8.213/91, e 154, § 3º, do Decreto nº 3.048/99. Hipótese em que, diante do princípio da irrepetibilidade ou da não-devolução dos alimentos, deve ser afastada a cobrança dos valores. (TRF4 5029624-84.2015.404.7000, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DO PR, Relator Des. Federal Luiz Fernando Wowk Penteado, 9.8.2017)

PREVIDENCIÁRIO. REVISÃO DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. REMESSA EX OFFICIO. INEXISTÊNCIA. AUDITORIA. AUXÍLIO-DOENÇA. FRAUDE NÃO DEMONSTRADA. RETOMADA DA CAPACIDADE LABORAL E RETORNO À ATIVIDADE LABORAL. NÃO COMPROVADAS. VALORES DEVIDOS E PERCEBIDOS DE BOA-FÉ. RESSARCIMENTO AO ERÁRIO. IMPOSSIBILIDADE. CONSECTÁRIOS DA SUCUMBÊNCIA. MAJORAÇÃO. 1. Hipótese em que a sentença não está sujeita à remessa ex officio, a teor do disposto no artigo 496, § 3º, I, do Código de Processo Civil. 2. A Administração possui o poder-dever de anular seus próprios atos, quando eivados de ilegalidade, assegurado o contraditório e ampla defesa. 3. A jurisprudência do STJ e também deste regional são uniformes no sentido de, em face do princípio da irrepetibilidade e da natureza alimentar das parcelas, não ser possível a restituição de valores pagos indevidamente a título de benefício previdenciário, por força de interpretação equivocada, má aplicação da lei ou erro administrativo, e cujo recebimento deu-se de boa-fé pelo segurado. 4. Admitida a relativização do art. 115, II, da Lei nº 8.213/1991 e art. 154, §3º, do Decreto nº 3.048/1999, considerando o caráter alimentar da verba e o recebimento de boa-fé pelo segurado, o que se traduz em mera interpretação conforme a Constituição Federal. (...) (TRF4, AC 5010235-23.2014.4.04.7009, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DO PR, Relator Des. Federal Fernando Quadros da Silva, 26/04/2021)

No caso, peço vênia para transcrever a fundamentação da sentença, da lavra da MM. Juiza Federal, Dra. Vanessa de Lazzari Hoffmann, que fez sucinta e precisa análise dos fatos e valoração da prova:

(...)

É fato incontroverso o recebimento indevido dos benefícios de auxílio-doença e aposentadoria por invalidez, concedidos ao autor em virtude de erro administrativo.

Aliás, neste sentido a sentença proferida nos autos nº 50543679520144047000, movida pelo autor para restabelecimento do benefício de incapacidade, da qual cito o seguinte trecho:

"...

Para verificar a condição laborativa da parte autora, foi determinada a produção de prova pericial. O laudo apresentado pela médica psiquiatra esclareceu que:

O autor tem histórico de alcoolismo e internamentos psiquiátricos por esta condição, encerrados em 2012. Informa que se manteve abstinente do álcool nos 2 últimos anos, e que teria tido um episódio de lapso de uso há 15 dias, o que não caracteriza recaída. O autor não realiza tratamento psiquiátrico no momento. Tem histórico de internamentos psiquiátricos desde 2009 até 2012, mas sem especificação da data do primeiro internamento. Faz tratamento neurológico pela epilepsia, em uso de fenobarbital 200 mg/dia, e refere que teve uma crise epiléptica há 2 dias. Exame do estado mental no momento sem alterações patológicas. Capacidade civil preservada. Não há dados objetivos que caracterizem incapacidade psiquiátrica desde a DCB até o momento. O autor tem queixas neurológicas atuais e tratamento pela neurologia. Sugere-se perícia neurológica a critério judicial (evento 15).

Por sua vez, o perito especialista em neurologia afirmou que:

# JUSTIFICATIVAS

O autor é portador dos diagnósticos de epilepsia não especificada e alcoolismo. Nesta perícia relatou que permanece consumindo bebidas alcoólicas numa frequência variável, normalmente em momentos de "maior nervosismo". Utiliza um anticonvulsivante em dose terapêutica e afirma que suas crises epilépticas estão controladas, desde que o uso da medicação seja regular. O exame físico neurológico do autor evidenciou a existência de um quadro de ataxia da marcha e de tremores grosseiros nos 4 membros, além de aparente alteração da sensibilidade tátil/dolorosa, que provavelmente é decorrente de danos ao sistema nervoso pelo alcoolismo de longa data. Aparentemente não foi realizada investigação deste quadro neurológico e o autor não está fazendo tratamento específico para o mesmo, permanecendo ao mesmo tempo a consumir bebidas alcoólicas. As alterações neurológicas observadas interferem na capacidade laborativa do autor.

# CONCLUSÕES

O autor é portador de alterações neurológicas, provavelmente relacionadas ao seu alcoolismo, que o incapacitam para o exercício da sua atividade laboral. Não é possível afirmar que esta incapacidade é definitiva, uma vez que o autor pode apresentar melhora ao menos parcial dos seus sintomas com a suspensão do consumo de álcool, com tratamento medicamentoso específico e tratamento fisioterápico; sugiro reavaliação em 4 meses. É importante salientar que o autor afirmou não estar sofrendo crises epilépticas, estando esta doença controlada. Não existem elementos que indiquem a existência de incapacidade pregressa decorrente da epilepsia. DII em 20/11/2012 conforme descrição do exame físico do autor presente no laudo de perícia do INSS realizado nesta data. Não há incapacidade para os atos da vida civil (evento 23).

O INSS (evento 48), esclareceu que o benefício de aposentadoria por invalidez (NB 600.018.300-7) foi cessado ante a constatação de irregularidade na concessão do benefício de auxílio-doença (NB 536.678.095-7) que o originou. A autarquia ré justificou que o benefício anterior foi concedido sem que o autor preenchesse o período de carência necessário, sendo que a defesa apresentada pelo postulante administrativamente foi considerada insuficiente.

Noto que, da análise do processo administrativo juntado aos autos (evento 41), a parte foi considerada incapaz pelos peritos do INSS desde 04/05/2009, sendo-lhe concedido o benefício de auxílio-doença NB 536.678.095-7 desde 03/08/2009. Todavia, de acordo com os dados do CNIS (evento 44 - CNIS1), a parte autora contribuiu com o RGPS até 29/11/1996, tendo retomado suas contribuições apenas em 05/2009, data de início da incapacidade verificada pelos peritos em sede administrativa. Deste modo, a parte não havia cumprido a carência necessária para a concessão do benefício, sendo a sua concessão, portanto, equivocada. Observo ainda, que a defesa apresentada em sede administrativa (evento 52) não logrou demonstrar que o autor manteve a qualidade de segurado no período entre sua última contribuição ao RGPS e o início da incapacidade verificado pelos peritos. Assim, a autarquia agiu acertadamente quando da suspensão do benefício de aposentadoria por invalidez, visto que o autor não cumpria os requisitos necessários à concessão do benefício que o originou.

Finalmente, considerando que os benefícios NB 536.678.095-7 e NB 600.018.300-7, foram concedidos em virtude de erro administrativo, e que, a última contribuição da parte autora foi em 08/2009 a parte autora manteria sua qualidade de segurado até, no máximo, 15/10/2011, visto que não conta com mais de 120 contribuições ao RGPS e tão somente caso comprovasse situação de desemprego involuntário. Assim, a parte também não tinha qualidade de segurado na data de início da incapacidade fixada pelo perito judicial.

..."

Logo, resta para apreciação somente a pretensão de ressarcimento dos valores pagos indevidamente.

O enriquecimento sem causa sempre foi vedado no ordenamento jurídico brasileiro, mesmo antes da explícita previsão contida no art. 884 do Código Civil atual.

Especificamente em relação aos benefícios previdenciários, há a previsão legal do art. 115 da Lei nº 8.213/91, que permite o desconto de benefício além do devido.

No que respeita ao poder de autotutela da administração pública, cumpre evocar os enunciados das súmulas n.ºs 346 e 473, do Supremo Tribunal Federal, abaixo transcritos:

"A administração pública pode declarar a nulidade dos seus próprios atos." (Súmula n.º 346)

"A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial." (Súmula n.º 473)

Segundo jurisprudência do Tribunal Regional da 4ª Região, o ressarcimento de valores pagos indevidamente a título de benefício previdenciário depende ainda da análise de duas circunstâncias: se houve pagamento por erro da Administração e a boa-fé de quem recebeu. Neste sentido:

PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. BENEFÍCIO CASSADO. CARÁTER ALIMENTAR DAS PRESTAÇÕES. IRREPETIBILIDADE DOS VALORES RECEBIDOS. BOA-FÉ.Tendo em vista a natureza alimentar dos benefícios e da irrepetibilidade dos valores recebidos de boa-fé, não é devida a devolução de valores previdenciários pagos por força de erro administrativo. (TRF4 5039369-16.2014.404.7100, SEXTA TURMA, Relator MARCELO DE NARDI, juntado aos autos em 06/04/2017)

PREVIDENCIÁRIO. DEVOLUÇÃO DE VALORES RECEBIDOS INDEVIDAMENTE. NATUREZA ALIMENTAR. IMPOSSIBILIDADE.Independentemente da questão relativa ao prazo prescricional, o benefício previdenciário concedido administrativamente e recebido de boa-fé é insuscetível de repetição, consoante decidiu o Superior Tribunal de Justiça, de acordo com a sistemática de representativo de controvérsia (REsp 1384418/SC, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 12/06/2013, DJe 30/08/2013). No mesmo sentido: REsp 1.244.182/PB, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Seção, DJe 19.10.2012; TRF4, APELREEX 5020951-74.2012.404.7108, Quinta Turma, Relator p/ Acórdão Rogerio Favreto, juntado aos autos em 26/09/2013; TRF4, APELREEX 5000344-83.2011.404.7008, Sexta Turma, Relator p/ Acórdão Celso Kipper, D.E. 26/04/2013; TRF4 5021044-52.2012.404.7200, Sexta Turma, Relator p/ Acórdão Celso Kipper, D.E. 26/04/2013. Apelação provida. (TRF4, AC 5055962-32.2014.404.7000, QUINTA TURMA, Relator PAULO AFONSO BRUM VAZ, juntado aos autos em 22/03/2017)No caso concreto, para a prova de efetivo recebimento dos valores pelo réu, são suficientes os documentos de fls. 24-25/PROCADM7/ev1, consistente em relação de créditos do benefício em comento. Além disso, sequer o réu torna a questão controversa.

Ocorre que também não se discute que houve erro da Administração, o qual foi inclusive informado na petição inicial (fl. 2/INIC1/ev1).

A defesa do réu centra-se no fato do mesmo ter recebido os benefícios previdenciários de boa-fé, sem que se possa lhe atribuir fato malicioso.

De fato, não há alegação ou comprovação da má-fé do réu.

Neste contexto, o pedido deve ser julgado improcedente.

Entendo que se aplica ao caso o entendimento jurisprudencial já firmado em casos símeis, conforme precedentes antes transcritos, no sentido da irrepetibilidade dos valores recebidos a título de benefício previdenciário, na ausência de prova de má-fé do segurado, considerando-se que a má-fé deve ser provada, enquanto a boa-fé pode ser presumida.

Nesse sentido:

PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. AUXÍLIO-DOENÇA. REQUISITOS. LAUDO TÉCNICO. INCAPACIDADE. DOENÇA PREEXISTENTE. NÃO CONFIGURAÇÃO. MÁ-FÉ NÃO COMPROVADA. (...) 4. Ao contrário da boa-fé, a má-fé não se presume. 5. (...) (TRF4, AC 5014793-16.2019.4.04.9999, QUINTA TURMA, Relator ALTAIR ANTONIO GREGÓRIO, 30/09/2020)

PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. COMPETÊNCIA DELEGADA DA JUSTIÇA ESTADUAL. ART. 109, § 3º, DA CF. FORO DE DOMICÍLIO DA PARTE AUTORA. MÁ-FÉ. NÃO PRESUMIDA. PRESUNÇÃO IURIS TANTUM DE BOA FÉ. (...) 2. Em nosso ordenamento jurídico, a má-fé, inclusive a processual, não se presume, devendo sempre ser cabalmente provada, não bastando ilações com base em meros indícios para afastar a boa-fé das informações prestadas pelas partes, essa sim objeto de presunção iuris tantum. (TRF4 5016289-70.2020.4.04.0000, TERCEIRA SEÇÃO, Relator PAULO AFONSO BRUM VAZ, 26/06/2020)

Merece destaque a circunstância do benefício ter sido concedido por erro da administraçção assim admitido pelo INSS, e não houve alegação ou comprovação da má-fé do réu, como bem destacou a sentença, o que constitui evidente indício de sua boa-fé, circunstância que aliada ao erro administrativo, impede a obrigatoriedade da devolução pretendida.

Frisa-se que a modulação de efeitos do Tem 979/STJ afasta a obrigatoriedade de sua incidência aos processos já em andamento, remanescendo a aplicabilidade da jurisprudência então predominante, no sentido da irrepetibilidade na ausência de prova da má-fé.

Logo, o apelo não merece provimento.

Honorários Advocatícios

Em grau recursal, consoante entendimento firmado pelo Superior Tribunal de Justiça, a majoração é cabível quando se trata de "recurso não conhecido integralmente ou desprovido, monocraticamente ou pelo órgão colegiado competente" (STJ, AgInt nos EREsp 1539725/DF, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, 2ª S., DJe 19.10.2017).

Improvido o apelo do INSS, majoro a verba honorária, elevando-a em 50% sobre o valor fixado na sentença, considerando as variáveis do art. 85, § 2º, I a IV, § 3º e § 11, do Código de Processo Civil, respeitados os limites máximos de cada faixa, e considerando o entendimento desta Turma em casos símeis:

PREVIDENCIÁRIO. (...) CONSECTÁRIOS DA SUCUMBÊNCIA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. MAJORAÇÃO. (...) 6. Nas ações previdenciárias os honorários advocatícios são devidos pelo INSS no percentual de 10% sobre o valor das parcelas vencidas até a data da sentença de procedência ou do acórdão que reforma a sentença de improcedência, nos termos das Súmulas 111 do STJ e 76 do TRF/4ª Região. Confirmada a sentença, majora-se a verba honorária, elevando-a para 15% sobre o montante das parcelas vencidas, consideradas as variáveis dos incisos I a IV do § 2º e o § 11, ambos do artigo 85 do CPC. (...) (TRF4, AC 5004859-05.2017.4.04.9999, TRS/PR, Rel. Des. Federal Fernando Quadros da Silva, j. 27.02.2019)

Prequestionamento

Objetivando possibilitar o acesso das partes às Instâncias Superiores, considero prequestionadas as matérias constitucionais e/ou legais suscitadas nos autos, conquanto não referidos expressamente os respectivos artigos na fundamentação do voto, nos termos do art. 1.025 do Código de Processo Civil.

Conclusão

- apelação improvida;

Dispositivo

Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação.



Documento eletrônico assinado por MÁRCIO ANTÔNIO ROCHA, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40003368653v19 e do código CRC 377dc91d.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): MÁRCIO ANTÔNIO ROCHA
Data e Hora: 10/8/2022, às 15:16:32


5000738-41.2016.4.04.7000
40003368653.V19


Conferência de autenticidade emitida em 13/10/2022 16:20:02.

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5000738-41.2016.4.04.7000/PR

RELATOR: Desembargador Federal MÁRCIO ANTONIO ROCHA

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (AUTOR)

APELADO: CICERO DANIEL COSMO (RÉU)

EMENTA

PREVIDENCIÁRIO. benefício. recebimento indevido. erro administrativo. Boa-fé. irrepetibilidade.

Não havendo má-fé do segurado no recebimento indevido de benefício na via administrativa, decorrente de má aplicação de norma jurídica, interpretação equivocada ou erro da Administração, não cabe a devolução dos valores, considerando a natureza alimentar e o recebimento de boa-fé.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia Turma Regional Suplementar do Paraná do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Curitiba, 02 de agosto de 2022.



Documento eletrônico assinado por MÁRCIO ANTÔNIO ROCHA, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40003368654v3 e do código CRC 6bbc6149.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): MÁRCIO ANTÔNIO ROCHA
Data e Hora: 10/8/2022, às 15:16:32

5000738-41.2016.4.04.7000
40003368654 .V3


Conferência de autenticidade emitida em 13/10/2022 16:20:02.

Poder Judiciário
Tribunal Regional Federal da 4ª Região

EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 26/07/2022 A 02/08/2022

Apelação Cível Nº 5000738-41.2016.4.04.7000/PR

RELATOR: Desembargador Federal MÁRCIO ANTONIO ROCHA

PRESIDENTE: Desembargadora Federal CLAUDIA CRISTINA CRISTOFANI

PROCURADOR(A): MAURICIO GOTARDO GERUM

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (AUTOR)

APELADO: CICERO DANIEL COSMO (RÉU)

ADVOGADO: MARIA APARECIDA XAVIER DA SILVA (OAB PR084758)

Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 26/07/2022, às 00:00, a 02/08/2022, às 16:00, na sequência 996, disponibilizada no DE de 15/07/2022.

Certifico que a Turma Regional suplementar do Paraná, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:

A TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DO PARANÁ DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO.

RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal MÁRCIO ANTONIO ROCHA

Votante: Desembargador Federal MÁRCIO ANTONIO ROCHA

Votante: Desembargador Federal LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO

Votante: Desembargadora Federal CLAUDIA CRISTINA CRISTOFANI

SUZANA ROESSING

Secretária



Conferência de autenticidade emitida em 13/10/2022 16:20:02.

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