Experimente agora!
VoltarHome/Jurisprudência Previdenciária

PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO. RECEBIMENTO INDEVIDO. ERRO ADMINISTRATIVO. BOA-FÉ. IRREPETIBILIDADE. TRF4. 5016752-29.2018.4.04.7001...

Data da publicação: 13/10/2022, 19:20:30

EMENTA: PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO. RECEBIMENTO INDEVIDO. ERRO ADMINISTRATIVO. BOA-FÉ. IRREPETIBILIDADE. Não havendo má-fé do segurado no recebimento indevido de benefício na via administrativa, decorrente de má aplicação de norma jurídica, interpretação equivocada ou erro da Administração, não cabe a devolução dos valores, considerando a natureza alimentar e o recebimento de boa-fé. (TRF4, AC 5016752-29.2018.4.04.7001, DÉCIMA TURMA, Relator MÁRCIO ANTÔNIO ROCHA, juntado aos autos em 10/08/2022)

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5016752-29.2018.4.04.7001/PR

RELATOR: Desembargador Federal MÁRCIO ANTONIO ROCHA

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)

APELADO: EROTILDE PISANELLI DA SILVA (AUTOR)

RELATÓRIO

Trata-se de ação ajuizada por Erotilde Pisanelli da Silva, em face do Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, objetivando a suspensão dos descontos realizados pelo INSS no benefício titularizado pela autora, assim como a irrepetibilidade dos valores recebidos de boa-fé pela autora a título de aposentadoria por idade (NB 133.732.460-1). Por fim, requer que a Autarquia ré seja condenada a indenizar a autora por danos morais. Alega que "A autora buscou junto ao INSS, em 17.05.2004, sem a assistência de procurador, a concessão do benefício de aposentadoria, pedido autuado sob o NB 133.732.460-1. Naquela ocasião, a autora somou 135 contribuições para fins de carência, razão pela qual se tornou titular de aposentadoria por idade. A prestação foi concedida com RMI de R$ 929,25 (novecentos e vinte e nove reais e vinte e cinco centavos). Ocorre que anos depois, mais precisamente na data de 31.03.2014, a autarquia previdenciária expediu o ofício n°14022001/073/2014, cujo conteúdo informa que fora constatado pela Administração que os valores no PBC referentes às competências 07/1994 a 02/1998, 11/2001, 01/2004 e 04/2004 estavam divergentes em relação ao efetivamente recolhido pela segurada (folha 99 do processo administrativo). O INSS informa que o erro administrativo ocorreu em razão de ato de servidora envolvida em irregularidade".​​​

Foi proferida sentença, publicada em 04.10.2019, cujo dispositivo ficou assim redigido (ev. 33, SENT1):

Ante o exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos formulados na petição inicial, nos termos do art. 487, I, do CPC, a fim de RECONHECER a IRREPETIBILIDADE dos valores recebidos a maior pela parte autora no lapso de 21/06/2008 a 31/05/2014, cuja soma perfez o montante de R$ 38.649,38, e condenar o INSS a:

I) CANCELAR os descontos realizados no benefício titularizado pela parte autora - 41-133.732.460-1- em razão do indébito apurada pela autarquia no total de R$ 38.649,38;

II) PAGAR o correspondente ao total dos valores descontados da renda da aposentadoria titularizada pela autora desde 05/2014 até a efetiva exclusão da consignação, observados os critérios de cálculos fixados no item "CONSECTÁRIOS LEGAIS" supra.

Os benefícios da assistência judiciária gratuita (Lei n. 1.060/1950) já foram deferidos.

Mantenho os efeitos da tutela concedida (evento 8);

Considerando a sucumbência recíproca, condeno ambas as partes ao pagamento dos honorários advocatícios à parte adversa, devendo o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS pagar honorários advocatícios ao advogado da parte autora na proporção de 50% do total do valor devido. De outro lado, deverá a parte autora pagar os honorários advocatícios ao INSS, no importe de 50% do total, observada a assistência judiciária gratuita a ela concedida.

Tratando-se de sentença ilíquida, fixo o percentual dos honorários advocatícios, desde já, no mínimo de 10%, ou 8%, ou 5%, ou 3% ou 1%, sobre o valor da condenação, a ser definida na fase de liquidação do julgado, consoante o art. 85, §§ 2º, 3º, 4º, II e 5º, do CPC, excluídas as parcelas que se vencerem após a publicação desta sentença (Súmula nº 111 do Superior Tribunal de Justiça).

O INSS está isento de custas quando demandado na Justiça Federal (art. 4º, I, da Lei nº 9.289/96).

Não há condenação da parte autora ao pagamento das custas processuais, pois é beneficiária de assistência judiciária gratuita (art. 98, I, do NCPC).

Interposta apelação, intime-se a parte contrária para contrarrazões e remetam-se os autos ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região.

Sem reexame necessário, pois o valor da condenação evidentemente não ultrapassa o limite previsto no artigo 496, parágrafo 3º, inciso I, do CPC.

O INSS apela sustentando a validade do ato administrativo de cobrança e desconto. Alega que a ré deve responder objetivamente pelos prejuízos causados ao erário e devolver os pagamentos recebidos de boa-fé. Requer o prequestionamento dos dispositivos que elenca (ev. 38).

Com contrarrazões (ev. 43), vieram os autos a esta Corte.

É o relatório.

Peço dia para julgamento.

VOTO

Restituição de valores recebidos de boa-fé na via administrativa.

Inicialmente, importante ressaltar que a administração possui o poder-dever de anular seus próprios atos, quando eivados de ilegalidade, assegurado o contraditório e ampla defesa. No entanto, em casos de pagamento posteriormente considerado indevido, decorrente de erro administrativo, entende-se que não há responsabilidade objetiva da parte autora, em razão dos princípios da segurança jurídica e da boa-fé, especialmente quando está sendo discutida a concessão de benefício previdenciário, ou seja, de caráter eminentemente alimentar.

O art. 115, inc. II, da Lei nº 8.213/1991, dispõe que a sua aplicação é limitada aos casos em que o pagamento do benefício tenha ocorrido por força de decisão administrativa, não se aplicando nos casos em que o pagamento do benefício se deu por decisão judicial.

Nesse sentido:

PREVIDENCIÁRIO. ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA REVOGADA EM VIRTUDE DO JULGAMENTO DE IMPROCEDÊNCIA DOS PEDIDOS. DESCABIMENTO DE RESTITUIÇÃO DOS VALORES RECEBIDOS. INAPLICABILIDADE DO ART. 115 DA LEI DE BENEFÍCIOS. 1. Não obstante tenha sido revogada a antecipação dos efeitos da tutela, é incabível a restituição dos valores recebidos a tal título, uma vez que foram alcançados à parte autora por força de decisão judicial e auferidos de absoluta boa-fé. 2. O art. 115 da Lei nº 8.213/1991 é aplicável tão somente nas hipóteses em que o pagamento do benefício tenha ocorrido por força de decisão administrativa. 3. Nos casos em que há revogação da antecipação dos efeitos da tutela, deve ser aplicado, de forma temperada, o art. 297, parágrafo único, c/c art. 520, incisos I e II do Código de Processo Civil, em vista dos princípios da segurança jurídica e da razoabilidade, bem como o princípio segundo o qual, na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum. 4. Dentro do contexto que estão inseridos os benefícios previdenciários e assistenciais, não podem ser considerados indevidos os valores recebidos por força de antecipação dos efeitos da tutela posteriormente revogada, não havendo que se falar, por consequência, em restituição, devolução ou desconto. (TRF4, AC 5008246-62.2016.404.9999, TRS/PR, Rel. Des. Federal Luiz Fernando Wowk Penteado, 05.10.2017).

APELAÇÃO CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. PERCEPÇÃO DE BENEFÍCIO. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA CONCEDIDA EM COGNIÇÃO EXAURIENTE POSTERIOMENTE REVOGADA. IMPOSSIBILIDADE. 1. O Superior Tribunal de Justiça, no julgamento dos Recursos Especiais 1.384.418/SC e 1.401.560/MT, este último representativo de controvérsia, modificando a consolidada orientação anterior, fixou entendimento no sentido de que é possível a repetição de valores recebidos do erário no influxo dos efeitos de antecipação de tutela posteriormente revogada, em face da precariedade da decisão judicial que a justifica, ainda que se trate de verba alimentar e esteja caracterizada a boa-fé subjetiva. 2. A desnecessidade de devolução de valores somente estaria autorizada no caso de recebimento com boa-fé objetiva, pela presunção de pagamento em caráter definitivo, o que não se verifica nas decisões que antecipam os efeitos da tutela. 3. Aplicação moderada da nova orientação, pois o rigorismo processual, muitas vezes, cede seu espaço em favor da efetividade dos postulados constitucionais dos direitos sociais fundamentais destinada a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social (artigo 194 da Constituição Federal). 4. A antecipação de tutela confirmada ou concedida em sentença, ou em grau de recurso, inviabiliza a restituição de valores, pois a análise foi efetuada em sede de cognição exauriente, o que mitiga o seu caráter precário e caracteriza a boa-fé objetiva. (TRF4, AC5003185-31.2014.404.7207, 6ª T., Rel. Des. Federal Osni Cardoso Filho, 16.03.2016).

Demais, não há na deliberação da autarquia previdenciária qualquer menção a eventual má-fé da beneficiária. Ou seja, é indispensável a aferição da má-fé ou boa-fé do beneficiário, que alegadamente recebeu de forma indevida o benefício. Esta identificação é fundamental para autorizar a Administração a adotar medidas para fazer cessar a ilicitude, bem como buscar a restituição de verba indevidamente recebida, quando os benefícios previdenciários são obtidos, comprovadamente, mediante fraude e má-fé, ou, em caso contrário, para preservar a condição do beneficiário que agiu de boa-fé, consoante firme orientação jurisprudencial:

PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. CUMULAÇÃO DE DUAS PENSÕES. IMPOSSIBILIDADE. PROVENTOS PAGOS À VIÚVA. REVISÃO ADMINISTRATIVA. AUDITORIA. PROCESSO ADMINISTRATIVO. ERRO OU EQUÍVOCO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. DECADÊNCIA DO DIREITO DE REVISÃO. VALORES PERCEBIDOS DE BOA-FÉ PELA BENEFICIÁRIA. CESSAÇÃO INDEVIDA. RESSARCIMENTO AO ERÁRIO. IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTES. CONSECTÁRIOS LEGAIS DA CONDENAÇÃO. PRECEDENTES DO STF (TEMA 810) E STJ (TEMA 905). CONSECTÁRIOS DA SUCUMBÊNCIA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. MAJORAÇÃO. 1. A administração possui o poder-dever de anular seus próprios atos, quando eivados de ilegalidade, assegurado o contraditório e ampla defesa. No entanto, este poder-dever não é ilimitado no tempo, ficando sujeito à observância de prazo decadencial ou, em sua ausência, aos parâmetros informadores do princípio da segurança jurídica, sendo que para os atos praticados após 01-02-1999 incide o prazo decadencial de dez anos, a contar da data da respectiva prática do ato (art. 103-A, Lei 8213/91). 2. A jurisprudência do STJ e também deste Regional são uniformes no sentido de, em face do princípio da irrepetibilidade e da natureza alimentar das parcelas, não ser possível a restituição de valores pagos indevidamente a título de benefício previdenciário, por força de interpretação equivocada, má aplicação da lei ou erro administrativo, e cujo recebimento deu-se de boa-fé pelo segurado. 4. Admitida a relativização do art. 115, II, da Lei nº 8.213/1991 e art. 154, §3º, do Decreto nº 3.048/1999, considerando o caráter alimentar da verba e o recebimento de boa-fé pelo segurado, o que se traduz em mera interpretação conforme a Constituição Federal. 5. Não comprovada a má-fé não há como afastar a fluência do prazo decadencial para anulação do ato administrativo de que decorra efeitos favoráveis para o beneficiário, nos termos do art. 54 da Lei 9.784/1999 e art. 103-A da Lei 8.213/1991. 6. Interrompe-se a decadência apenas a partir notificação do segurado sobre a instauração do procedimento administrativo tendente a cancelar o benefício. 7. Critérios de correção monetária e juros de mora conforme decisão do STF no RE nº 870.947/SE (Tema 810) e do STJ no REsp nº 1.492.221/PR (Tema 905). 8. Improvido o recurso do INSS, majora-se a verba honorária, elevando-a de 10% para 15% sobre o valor estabelecido em sentença (Súmulas 111 do STJ e 76 do TRF/4ª Região), consideradas as variáveis dos incisos I a IV do § 2º e o § 11, ambos do artigo 85 do CPC. (TRF4, AC 5000231-53.2017.4.04.7030, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DO PR, Relator MARCELO MALUCELLI, juntado aos autos em 20/02/2020).

PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. PROVENTOS PAGOS DE OFÍCIO À VIÚVA. REVISÃO ADMINISTRATIVA. AUDITORIA. DECADÊNCIA DO DIREITO DE REVISÃO. PROCESSO ADMINISTRATIVO. ERRO OU EQUÍVOCO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA QUANTO A QUALIDADE DE SEGURADO DO INSTITUIDOR. VALORES PERCEBIDOS DE BOA-FÉ PELA BENEFICIÁRIA. CARÁTER ALIMENTAR DAS PRESTAÇÕES. RESSARCIMENTO AO ERÁRIO. IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTES. CONSECTÁRIOS DA SUCUMBÊNCIA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. MAJORAÇÃO. 1. A administração possui o poder-dever de anular seus próprios atos, quando eivados de ilegalidade, assegurado o contraditório e ampla defesa. Não obstante, a jurisprudência do STJ e também deste Regional são uniformes no sentido de, em face do princípio da irrepetibilidade e da natureza alimentar das parcelas, não ser possível a restituição de valores pagos indevidamente a título de benefício previdenciário, por força de interpretação equivocada, má aplicação da lei ou erro administrativo, e cujo recebimento deu-se de boa-fé pelo segurado. 2. Improvido o recurso do INSS, majora-se a verba honorária, elevando-a de 10% para 15% sobre o montante das parcelas vencidas (Súmulas 111 do STJ e 76 do TRF/4ª Região), consideradas as variáveis dos incisos I a IV do § 2º e o § 11, ambos do artigo 85 do CPC. (TRF4, AC 5002608-09.2016.4.04.7005, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DO PR, Relator FERNANDO QUADROS DA SILVA, juntado aos autos em 20/05/2020).

PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. PAGAMENTO INDEVIDO. BOA-FÉ. ERRO DA ADMINISTRAÇÃO. VERBA DE CARÁTER ALIMENTAR. RESTITUIÇÃO DE VALORES. IMPOSSIBILIDADE. 1. Conforme a jurisprudência do STJ é incabível a devolução de valores percebidos por pensionista de boa-fé por força de interpretação errônea, má aplicação da lei ou erro da Administração. 2. É descabido ao caso dos autos o entendimento fixado no Recurso Especial 1.401.560/MT, julgado sob o rito do art. 543-C do CPC, pois não se discute na espécie a restituição de valores recebidos em virtude de antecipação de tutela posteriormente revogada. 3. Recurso Especial não provido. (REsp 1553521/CE, STJ, 2ª Turma, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, DJe 02.02.2016).

Portanto, a situação envolve a aplicabilidade do Tema 979 do Superior Tribunal de Justiça: "Devolução ou não de valores recebidos de boa-fé a título de benefício previdenciário, por força de interpretação errônea, má aplicação da lei ou erro da Administração da Previdência Social".

A matéria foi afetada à sistemática dos recursos repetitivos, com determinação de suspensão nacional de todos os processos pendentes, individuais ou coletivos (art. 1.037, II, do Código de Processo Civil), conforme decisão do Superior Tribunal de Justiça no Recurso Especial 1381734/RN, DJe de 16.08.2017:

PREVIDENCIÁRIO. PROPOSTA DE AFETAÇÃO. RECURSO ESPECIAL. RITO DOS RECURSOS ESPECIAIS REPETITIVOS. DEVOLUÇÃO DE VALORES RECEBIDOS DE BOA-FÉ. EM RAZÃO DE INTERPRETAÇÃO ERRÔNEA, MÁ APLICAÇÃO DA LEI OU ERRO DA ADMINISTRAÇÃO DA PREVIDÊNCIA SOCIAL. 1. Delimitação da controvérsia: Devolução ou não de valores recebidos de boa-fé, a título de benefício previdenciário, por força de interpretação errônea, má aplicação da lei ou erro da Administração da Previdência Social. 2. Recurso especial afetado ao rito do art. 1.036 e seguintes CPC/2015 e art. 256-I do RISTJ, incluído pela Emenda Regimental 24, de 28/09/2016. (ProAfR no REsp 1381734/RN, Rel. Min. Benedito Gonçalves, 1ª Seção, j. 09.08.2017).

Outrossim, foi fixada a tese no Tema 979/STJ. Transcrevo a ementa do julgado, publicado em 23/04/2021:

PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. TEMA 979. ARTIGO 1.036 DO CPC/2015. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. ARTIGOS 884 E 885 DO CÓDIGO CIVIL/2002. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA 211 DO STJ. ART. 115, II, DA LEI N. 8.213/1991. DEVOLUÇÃO DE VALORES RECEBIDOS POR FORÇA DE INTERPRETAÇÃO ERRÔNEA E MÁ APLICAÇÃO DA LEI. NÃO DEVOLUÇÃO. ERRO MATERIAL DA ADMINISTRAÇÃO. POSSIBILIDADE DE DEVOLUÇÃO SOMENTE NA HIPÓTESE DE ERRO EM QUE OS ELEMENTOS DO CASO CONCRETO NÃO PERMITAM CONCLUIR PELA INEQUÍVOCA PRESENÇA DA BOA-FÉ OBJETIVA.
1. Da admissão do recurso especial: Não se conhece do recurso especial quanto à alegada ofensa aos artigos 884 e 885 do Código Civil, pois não foram prequestionados. Aplica-se à hipótese o disposto no enunciado da Súmula 211 do STJ. O apelo especial que trata do dissídio também não comporta conhecimento, pois não indicou as circunstâncias que identifiquem ou assemelhem os precedentes colacionados e também por ausência de cotejo analítico e similitude entre as hipóteses apresentadas. Contudo, merece conhecimento o recurso quanto à suposta ofensa ao art. 115, II, da lei n. 8.213/1991.
2. Da limitação da tese proposta: A afetação do recurso em abstrato diz respeito à seguinte tese: Devolução ou não de valores recebidos de boa-fé, a título de benefício previdenciário, por força de interpretação errônea, má aplicação da lei ou erro da Administração da Previdência Social.
3. Irrepetibilidade de valores pagos pelo INSS em razão da errônea interpretação e/ou má aplicação da lei: O beneficiário não pode ser penalizado pela interpretação errônea ou má aplicação da lei previdenciária ao receber valor além do devido. Diz-se desse modo porque também é dever-poder da Administração bem interpretar a legislação que deve por ela ser aplicada no pagamento dos benefícios. Dentro dessa perspectiva, esta Corte Superior evoluiu a sua jurisprudência passando a adotar o entendimento no sentido de que, para a não devolução dos valores recebidos indevidamente pelo beneficiário da Previdência Social, é imprescindível que, além do caráter alimentar da verba e do princípio da irrepetibilidade do benefício, a presença da boa-fé objetiva daquele que recebe parcelas tidas por indevidas pela administração. Essas situações não refletem qualquer condição para que o cidadão comum compreenda de forma inequívoca que recebeu a maior o que não lhe era devido.
4. Repetição de valores pagos pelo INSS em razão de erro material da Administração previdenciária: No erro material, é necessário que se averigue em cada caso se os elementos objetivos levam à conclusão de que houve boa-fé do segurado no recebimento da verba. Vale dizer que em situações em que o homem médio consegue constatar a existência de erro, necessário se faz a devolução dos valores ao erário.
5. Do limite mensal para desconto a ser efetuado no benefício: O artigo 154, § 3º, do Decreto n. 3.048/1999 autoriza a Administração Previdenciária a proceder o desconto daquilo que pagou indevidamente; todavia, a dedução no benefício só deverá ocorrer quando se estiver diante de erro da administração. Nesse caso, caberá à Administração Previdenciária, ao instaurar o devido processo administrativo, observar as peculiaridades de cada caso concreto, com desconto no beneficio no percentual de até 30% (trinta por cento).
6. Tese a ser submetida ao Colegiado: Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados decorrentes de erro administrativo (material ou operacional), não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela Administração, são repetíveis os valores, sendo legítimo o seu desconto no percentual de até 30% (trinta por cento) do valor do benefício mensal, ressalvada a hipótese em que o segurado, diante do caso concreto, comprova sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era possível constatar o pagamento indevido.
7. Modulação dos efeitos: Tem-se de rigor a modulação dos efeitos definidos neste representativo da controvérsia, em respeito à segurança jurídica e considerando o inafastável interesse social que permeia a questão sub examine, e a repercussão do tema que se amolda a centenas de processos sobrestados no Judiciário. Desse modo somente deve atingir os processos que tenham sido distribuídos, na primeira instância, a partir da publicação deste acórdão.
8. No caso concreto: Há previsão expressa quanto ao momento em que deverá ocorrer a cessação do benefício, não havendo margem para ilações quanto à impossibilidade de se estender o benefício para além da maioridade da beneficiária. Tratou-se, em verdade, de simples erro da administração na continuidade do pagamento da pensão, o que resulta na exigibilidade de tais valores, sob forma de ressarcimento ao erário, com descontos nos benefícios, tendo em vista o princípio da indisponibilidade do patrimônio público e em razão da vedação ao princípio do enriquecimento sem causa.
Entretanto, em razão da modulação dos efeitos aqui definidos, deixa-se de efetuar o descontos dos valores recebidos indevidamente pelo segurado.
9. Dispositivo: Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, não provido.
Acórdão sujeito ao regime previsto no artigo 1.036 e seguintes do CPC/2015.
(REsp 1381734/RN, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 10/03/2021, DJe 23/04/2021)

Como se vê, foi fixada a seguinte tese:

"Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados decorrentes de erro administrativo (material ou operacional), não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela Administração, são repetíveis os valores, sendo legítimo o seu desconto no percentual de até 30% (trinta por cento) do valor do benefício mensal, ressalvada a hipótese em que o segurado, diante do caso concreto, comprova sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era possível constatar o pagamento indevido."

Houve modulação de efeitos, restringindo sua aplicabilidade aos processos ajuizados após a sua publicação:

"Tem-se de rigor a modulação dos efeitos definidos neste representativo da controvérsia, em respeito à segurança jurídica e considerando o inafastável interesse social que permeia a questão sub examine, e a repercussão do tema que se amolda a centenas de processos sobrestados no Judiciário. Desse modo somente deve atingir os processos que tenham sido distribuídos, na primeira instância, a partir da publicação deste acórdão."

Destarte, a modulação afasta a obrigatoriedade de sua incidência aos processos já em andamento, mas não impede a incidência da sua premissa jurídica referente à necessidade de aferição da boa-fé ou da má-fé, como pressuposto para decidir sobre repetibilidade dos valores recebidos.

Nesse ponto, a tese jurídica não destoa da jurisprudência já firmada neste Tribunal:

PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. ARTIGO 20, DA LEI Nº 8.742/93 (LOAS). RISCO SOCIAL. REQUISITO NÃO PREENCHIDO. RESTITUIÇÃO DE VALORES RECEBIDOS. CARÁTER ALIMENTAR. BOA-FÉ. IRREPETIBILIDADE. 1. Indevida a restituição e/ou desconto de valores pagos aos segurados por erro administrativo e cujo recebimento deu-se de boa-fé, em face do princípio da irrepetibilidade ou da não devolução dos alimentos. 2. Relativização do estabelecido nos artigos 115, inciso II, da Lei nº 8.213/91 e 154, § 3º, do Decreto nº 3.048/99. (...) (TRF4 5079799-10.2014.404.7100, SEXTA TURMA, Relatora Des. Federal Salise Monteiro Sanchotene, 4.9.2017)

PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE DE GENITORA. BENEFÍCIO INDEVIDO. EMANCIPAÇÃO. DEVOLUÇÃO DE VALORES. BOA-FÉ. REVOGAÇÃO. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. IMPOSSIBILIDADE. (...) 3. Incontroverso o erro administrativo, levando em conta o caráter alimentar dos benefícios, e ausente comprovação de eventual má-fé do segurado, devem ser relativizadas as normas dos arts. 115, II, da Lei nº 8213/91 e 154, § 3º, do Decreto nº 3048/99. (TRF4, AC 0002425-31.2017.404.9999, SEXTA TURMA, Relator Juiz Federal Artur César de Souza, D.E. 23.8.2017)

PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO AJUIZADA PELO INSS. CARÁTER ALIMENTAR DAS PRESTAÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. AUSÊNCIA DE MÁ-FÉ. Esta Corte vem se manifestando no sentido da impossibilidade de repetição dos valores recebidos de boa-fé pelo segurado, dado o caráter alimentar das prestações previdenciárias, sendo relativizadas as normas dos arts. 115, II, da Lei nº 8.213/91, e 154, § 3º, do Decreto nº 3.048/99. Hipótese em que, diante do princípio da irrepetibilidade ou da não-devolução dos alimentos, deve ser afastada a cobrança dos valores. (TRF4 5029624-84.2015.404.7000, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DO PR, Relator Des. Federal Luiz Fernando Wowk Penteado, 9.8.2017)

PREVIDENCIÁRIO. REVISÃO DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. REMESSA EX OFFICIO. INEXISTÊNCIA. AUDITORIA. AUXÍLIO-DOENÇA. FRAUDE NÃO DEMONSTRADA. RETOMADA DA CAPACIDADE LABORAL E RETORNO À ATIVIDADE LABORAL. NÃO COMPROVADAS. VALORES DEVIDOS E PERCEBIDOS DE BOA-FÉ. RESSARCIMENTO AO ERÁRIO. IMPOSSIBILIDADE. CONSECTÁRIOS DA SUCUMBÊNCIA. MAJORAÇÃO. 1. Hipótese em que a sentença não está sujeita à remessa ex officio, a teor do disposto no artigo 496, § 3º, I, do Código de Processo Civil. 2. A Administração possui o poder-dever de anular seus próprios atos, quando eivados de ilegalidade, assegurado o contraditório e ampla defesa. 3. A jurisprudência do STJ e também deste regional são uniformes no sentido de, em face do princípio da irrepetibilidade e da natureza alimentar das parcelas, não ser possível a restituição de valores pagos indevidamente a título de benefício previdenciário, por força de interpretação equivocada, má aplicação da lei ou erro administrativo, e cujo recebimento deu-se de boa-fé pelo segurado. 4. Admitida a relativização do art. 115, II, da Lei nº 8.213/1991 e art. 154, §3º, do Decreto nº 3.048/1999, considerando o caráter alimentar da verba e o recebimento de boa-fé pelo segurado, o que se traduz em mera interpretação conforme a Constituição Federal. (...) (TRF4, AC 5010235-23.2014.4.04.7009, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DO PR, Relator Des. Federal Fernando Quadros da Silva, 26/04/2021)

No caso, peço vênia para transcrever a fundamentação da sentença, da lavra do MM. Juiz Federal, Dr. FÁBIO DELMIRO DOS SANTOS, que fez sucinta e precisa análise dos fatos e valoração da prova:

Narra a autora que em 17/05/2004, sem a assistência de advogado, requereu o benefício de Aposentadoria por Idade (NB nº 133.732.460-1), o qual foi concedido pela autarquia previdenciária com RMI de R$ 929,25 (novecentos e vinte e nove reais e vinte e cinco centavos).

Afirma que, em virtude de erro administrativo decorrente de ato de servidora envolvida em irregularidade, em 31/03/2014, a autarquia previdenciária expediu o ofício n°14022001/073/2014 informando a constatação de divergência entre os valores informados no PBC das competências 07/1994 a 02/1998, 11/2001, 01/2004 e 04/2004 e aqueles efetivamente recolhidos pela segurada.

Relata que após a revisão do benefício a nova RMI foi reduzida ao valor de R$ 640,94 (seiscentos e quarenta reais e noventa e quatro centavos), havendo, ainda, a existência de complemento negativo e consequente débito com a Fazenda no importe de R$ 38.649,38 (trinta e oito mil, seiscentos e quarenta e nove reais e trinta e oito centavos), o qual foi consignado no próprio benefício mensal da autora.

Argumenta que, tendo sido requerido em 2004 sem a assistência de qualquer procurador, o que demonstra sua boa-fé no recebimento dos valores, o benefício possui natureza alimentar, configurando, também, um direito adquirido.

Ao final, pede o reconhecimento da irrepetibilidade dos valores recebidos de boa-fé; a manutenção do benefício de aposentadoria em sua forma integral; a condenação do demandado à indenização por danos morais fixados em R$38.649,38.

Em sua defesa, o INSS sustenta que o ato administrativo de auditoria que resultou na revisão da renda da autora mostra-se correto, haja vista o procedimento que corrigiu o valor da RMI fundar-se na prerrogativa de autotutela de seus atos.

Da análise do processo de concessão de benefício da autora extrai-se as seguintes informações:

- o requerimento de concessão foi protocolado à época pela segurada sem o auxílio de procurador (evento 6 - PROCADM2);

- entre o ano de 1978 e 1998 a autora integrou a sociedade Londri - Veículos LTDA (evento 6 - PROCADM2 - pgs. 5 a 10 e 15);

- a partir de 22/05/2001, a autora passou a integrar a sociedade Arruda e Pisanelli LTDA (evento 6 - PROCADM2 - pg. 16);

- os dados relativos às contribuições vinculadas à segurada constavam no CNIS à época da concessão (evento 6 - PROCADM2 - pgs. 22 a 26);

- verificada em 03/05/2013 a existência de divergências em valores de salários-de-contribuição contidos no PBC, foi iniciado procedimento de revisão (evento 6 - PROCADM3 - pg. 8);

- realizada a revisão da RMI, o INSS remeteu correspondência, notificando segurada acerca das divergências nos valores das contribuições nas competências de 07/1994 a 02/1998, 11/2001, 01/2004 a 04/2004 (evento 6 - PROCADM3 - pg. 32 e PROCADM4 - pg. 1);

- foi apresentada defesa administrativa (evento 6 - PROCADM4 - pgs. 3 a 14);

- a defesa foi considerada improcedente na via administrativa, confirmando a revisão (evento 6 - PROCADM4 - pg. 48);

- inserido novo documento ao processo de revisão, constatou-se que os recolhimentos relativos ao lapso de 04/1995 a 07/1996 estavam corretos (evento 6 - PROCADM5 - pgs. 19, 20, 22);

- constatado o recolhimento regular acerca das competências de 04/1995 a 07/1996, surgiu a necessidade de esclarecimentos quanto à abrangência da revisão (evento 6 - PROCADM5 - pg. 40);

- a segurada foi notificada acerca da improcedência da sua defesa (evento 6 - PROCDM6 - pg. 5);

- foi apresentado pela segurada recurso administrativo (evento 6 - PROCDM7 - pg. 2);

- apresentado o recurso administrativo pela autora, a Gerência Executiva de Londrina concluiu pela manutenção do benefício com indébito consignado a fim de saldar o indébito de R$ 38.649,38, cuja consignação foi realizada em 05/2014 (evento 6 - PROCADM7 - pg. 37).

Pois bem.

A restituição de valores pagos pelo INSS na via administrativa ou judicial é intensamente questionada em juízo e, na grande maioria dos casos, a solução da quaestio envolve a apreciação da boa-fé, notoriamente reconhecida pelos Tribunais pátrios como causa de inexigibilidade da restituição.

Com efeito, a solução da controvérsia em considerável parcela dos casos não representa maiores dificuldades, pois a boa-fé do segurado é reiteradamente admitida nas hipóteses de erro do INSS na interpretação da legislação e consequente pagamento de benefícios, concessão de benefícios por força de antecipação da tutela jurisdicional posteriormente revogada etc.

Porém, o caso em debate possui singularidades que exigem a análise mais profunda do tema, mormente acerca da exata conformação do instituto da boa-fé, hábil a eximir o segurado do dever de restituição.

Verifico, da análise dos autos, que a postulante teve concedia aposentadoria com RMI em valor superior ao devido. Tal fato é incontroverso e o que importa, para a resolução da lide, é a verificação acerca da exigibilidade ou não da devolução imposta pela autarquia previdenciária, à luz da boa-fé.

Há casos em que as razões que levam ao erro na concessão mostram-se facilmente perceptíveis, hipóteses em que mesmo o leigo não poderia eximir-se da responsabilidade por eventual vantagem obtida de forma indevida. Porém, a verificação de divergência entre os valores de alguns dos salários-de-contribuição que integram o PBC demandaria análise mais criteriosa, exigível apenas de profissional habilitado.

No caso dos autos, o benefício foi requerido pela autora sem o auxílio profissional. Além disso, os valores dos salários-de-contribuição adotados pelo INSS à época da concessão foram extraídos do CNIS pelo próprio órgão.

Nesse sentir, tenho que a conduta da autora no ato de concessão do benefício e mesmo durante todo o período de indevida percepção da benesse em valor superior ao devido pode ser albergada pela sustentada boa-fé.

Conquanto se reconheça a irrepetibilidade dos valores pagos sob o manto da boa-fé, há de se admitir que a jurisprudência ainda não delimitou, especificamente, os exatos contornos do referido instituto.

E a boa-fé comporta duas acepções: uma de caráter objetivo, representando uma verdadeira regra de conduta; a outra sob o enfoque subjetivo, revelando o ânimo do agente, e por isso também chamada boa-fé estado, atrelada a elementos internos, principalmente psicológicos.

Fala-se, atualmente, na relevância e aplicabilidade do princípio da boa-fé objetiva, sustentáculo sobre a qual se erige toda uma nova visão afeta ao direito civil e processual civil.

A análise do direito comparado demonstra a existência de indícios de utilização princípio da boa-fé objetiva ainda no Direito Romano (“pactos adjetos aos atos de boa-fé”), o que demonstra o contínuo crescimento de tal instituto.

Trata-se de cláusula geral implícita nas relações jurídicas, capaz de imprimir singular conteúdo ético às tratativas e demais atuações do cidadão na sociedade, vinculando juridicamente as partes.

No direito civil, o princípio da boa-fé objetiva é regra de conduta, hábil a guiar os contratantes desde a fase inicial e até o esgotamento do objeto do contrato. Tal princípio também pode ser utilizado como vetor interpretativo, auxiliando a hermenêutica contratual, o que pode ser facilmente verificado mediante análise conjunta dos artigos 112 e 113 do Código Civil.

E aquele que deixar de observar, na execução do contrato, o princípio da boa-fé objetiva pode ser civilmente responsabilizado nos termos do art. 187 do Código Civil.

Ainda nesse sentir, compete informar que o Enunciado n. 37 do Conselho da Justiça Federal (CJF) ensina que “a responsabilidade civil decorrente do abuso do direito independe de culpa, e fundamenta-se somente no critério objetivo-finalístico”, evidenciando a importância e o alcance do princípio da boa-fé objetiva.

(...)

Na linha da orientação acima e no que respeita ao caso apreciado nos autos, o conteúdo ético da boa-fé subjetiva confere o necessário equilíbrio entre os direitos e deveres das partes, a fim de eximir o segurado da restituição quando seu desconhecimento for desculpável, e, noutro giro, referido instituto legitima a exigibilidade da cobrança dos valores quando o desconhecimento se assentar em culpa do segurado, ainda que inexistente dolo ou culpa grave.

Veja-se, portanto, que tanto a boa-fé objetiva quanto a subjetiva respaldam a atuação da autora, a qual adotou conduta ética e diligente, pautada em padrões razoáveis, pelo que o aventado desconhecimento da percepção de renda superior a devida mostra-se desculpável.

Destarte, julgo procedente o pedido para reconhecer a irrepetibilidade do valor de R$ 38.649,38.

Acolhido o pedido, deixo de analisar o requerimento subsidiário.

Dos valores descontados a serem devolvidos à segurada

Conforme informado nos autos, em 05/2014, foi consignado desconto na renda da aposentadoria da autora com o intuito de saldar o indébito de R$ 38.649,38 (evento 6 - PROCADM7 - pg. 37).

Em cumprimento à decisão que antecipou os efeitos da tutela (evento 8), a referida consignação foi excluída no benefício 41-133.732.460-1 em 30/11/2018 (evento 17).

Reconhecido o direito à irrepetibilidade do indébito de R$ 38.649,38, faz jus a autora ao recebimento dos valores correspondentes aos descontos realizados sobre a renda de sua aposentadoria desde 05/2014 até a efetiva exclusão da consignação.

Do dano moral

Requer a parte autora, também, a condenação da Autarquia Federal ao pagamento de danos morais. Aduz ser devida indenização atinente os danos morais, uma vez que a modificação do valor da RMI, bem como a solicitação de restituição de valores, com descontos mensais de 30% do valor do benefício alimentar, representa uma significativa ameaça e angústia psicológica vivenciada pelo segurada.

No caso dos autos, no entanto, não verifico a existência de dano moral, tampouco dever de indenizar por parte da autarquia previdenciária.

O dissabor descrito pela parte autora, acerca da revisão administrativa de sua renda decorrente de erro na concessão, não se consubstancia em gravame social de qualquer espécie, por enquadrar-se naquilo que se considera comum. Vale dizer, não se configura dano moral o mero exercício pelo INSS da autotutela de seus atos.

Ademais, lembro que a previdência social é um bem de todos os segurados, a justificar a utilização de métodos mais rigorosos para concessão/revisão de benefícios, protegendo o sistema da eventual concessão indevida de benesses.

Assinalo que, no caso dos autos, apesar do reconhecimento judicial da irrepetibilidade dos valores recebidos a maior pela segurada, não é possível condenar o INSS em danos morais apenas por sustentar posição distinta da defendida pela parte autora. Em assim sendo, todo decreto de procedência deveria vir acompanhado de condenação em danos morais, evidentemente incabíveis.

E conforme iterativa e notória jurisprudência, o mero dissabor ou aborrecimento não tem o condão de estabelecer o dever de indenizar sob a ótica do dano moral (STJ - RESP 200600946957, LUIS FELIPE SALOMÃO, STJ - QUARTA TURMA, DJE DATA:02/09/2010; RESP 200500701885, ALDIR PASSARINHO JUNIOR, STJ - QUARTA TURMA, DJE DATA:01/06/2010).

No caso dos autos, também não restou comprovada a existência de abalo psicológico, constrangimento, humilhação ou qualquer outro elemento capaz de viabilizar a condenação do réu ao pagamento de indenização a titulo de danos morais. Nesse sentido:

PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. REQUISITOS PRESENTES. INTERPRETAÇÃO INTEGRATIVA DO LAUDO PERICIAL. DANO MORAL. INOCORRÊNCIA. PARCELAS EM ATRASO. CORREÇÃO MONETÁRIA. JUROS MORATÓRIOS. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS E PERICIAIS. CUSTAS NA JUSTIÇA ESTADUAL. 7. Indevida a condenação em danos morais, vez que não se logrou demonstrar a ocorrência de dor, humilhação ou angústia, ônus da parte requerente. Ademais, o desconforto gerado pela suspensão indevida do benefício previdenciário será compensada pelo pagamento das parcelas que a apelante deixou de receber, acrescidas de correção monetária e juros de mora. (...) (AC 200501990196946, JUÍZA FEDERAL ROGÉRIA MARIA CASTRO DEBELLI, TRF1 - 2ª TURMA SUPLEMENTAR, e-DJF1 DATA:04/05/2011 PAGINA:229.) G. N.

Desta forma, não configurada a existência de dano moral, tal pedido deve ser julgado improcedente.

Dessa forma, ressalvadas as hipóteses de fraude e de má-fé, não é cabível a restituição dos valores de recebidos de boa-fé pelo segurado ou beneficiário por força de erro administrativo.

No caso, como bem destacou a sentença, o benefício foi requerido pela autora sem o auxílio profissional e os os valores dos salários-de-contribuição adotados pelo INSS à época da concessão foram extraídos do CNIS pelo próprio INSS, não havendo prova de que a parte segurada tenha concorrido, com má-fé, para eventual alteração dos dados contidos naquele banco de informações.

Nesse contexto, deve ser improvido o recurso quanto à necessidade de devolução de valores em favor do INSS.

Honorários Advocatícios

Embora o Juízo de origem não tenha fixado o percentual, remetendo para a fase de liquidação, os honorários do INSS devem incidir nos percentuais mínimos de cada faixa prevista no art. 85, § 3º, do Código de Processo Civil.

Fica mantida a distribuição da sucumbência como fixada na sentença.

Por conta da sucumbência na fase recursal, improvido o apelo do INSS, sua condenação em honorários é majorada em 50%, considerando as variáveis do art. 85, § 2º, I a IV, e § 11, do Código de Processo Civil, e o entendimento desta Turma em casos símeis:

PREVIDENCIÁRIO. (...) CONSECTÁRIOS DA SUCUMBÊNCIA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. MAJORAÇÃO. (...) 6. Nas ações previdenciárias os honorários advocatícios são devidos pelo INSS no percentual de 10% sobre o valor das parcelas vencidas até a data da sentença de procedência ou do acórdão que reforma a sentença de improcedência, nos termos das Súmulas 111 do STJ e 76 do TRF/4ª Região. Confirmada a sentença, majora-se a verba honorária, elevando-a para 15% sobre o montante das parcelas vencidas, consideradas as variáveis dos incisos I a IV do § 2º e o § 11, ambos do artigo 85 do CPC. (...) (TRF4, AC 5004859-05.2017.4.04.9999, TRS/PR, Rel. Des. Federal Fernando Quadros da Silva, j. 27.02.2019).

Prequestionamento

Objetivando possibilitar o acesso das partes às Instâncias Superiores, considero prequestionadas as matérias constitucionais e/ou legais suscitadas nos autos, conquanto não referidos expressamente os respectivos artigos na fundamentação do voto, nos termos do art. 1.025 do Código de Processo Civil.

Conclusão

- apelação improvida.

Dispositivo

Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação do INSS.



Documento eletrônico assinado por MÁRCIO ANTÔNIO ROCHA, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40002095742v11 e do código CRC a956d7e4.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): MÁRCIO ANTÔNIO ROCHA
Data e Hora: 10/8/2022, às 16:3:1


5016752-29.2018.4.04.7001
40002095742.V11


Conferência de autenticidade emitida em 13/10/2022 16:20:30.

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5016752-29.2018.4.04.7001/PR

RELATOR: Desembargador Federal MÁRCIO ANTONIO ROCHA

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)

APELADO: EROTILDE PISANELLI DA SILVA (AUTOR)

EMENTA

PREVIDENCIÁRIO. benefício. recebimento indevido. erro administrativo. Boa-fé. irrepetibilidade.

Não havendo má-fé do segurado no recebimento indevido de benefício na via administrativa, decorrente de má aplicação de norma jurídica, interpretação equivocada ou erro da Administração, não cabe a devolução dos valores, considerando a natureza alimentar e o recebimento de boa-fé.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia Turma Regional Suplementar do Paraná do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento à apelação do INSS, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Curitiba, 02 de agosto de 2022.



Documento eletrônico assinado por MÁRCIO ANTÔNIO ROCHA, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40002095743v6 e do código CRC f7122bcb.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): MÁRCIO ANTÔNIO ROCHA
Data e Hora: 10/8/2022, às 16:3:1


5016752-29.2018.4.04.7001
40002095743 .V6


Conferência de autenticidade emitida em 13/10/2022 16:20:30.

Poder Judiciário
Tribunal Regional Federal da 4ª Região

EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 26/07/2022 A 02/08/2022

Apelação Cível Nº 5016752-29.2018.4.04.7001/PR

RELATOR: Desembargador Federal MÁRCIO ANTONIO ROCHA

PRESIDENTE: Desembargadora Federal CLAUDIA CRISTINA CRISTOFANI

PROCURADOR(A): MAURICIO GOTARDO GERUM

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)

APELADO: EROTILDE PISANELLI DA SILVA (AUTOR)

ADVOGADO: ANDRE BENEDETTI DE OLIVEIRA (OAB PR031245)

Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 26/07/2022, às 00:00, a 02/08/2022, às 16:00, na sequência 944, disponibilizada no DE de 15/07/2022.

Certifico que a Turma Regional suplementar do Paraná, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:

A TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DO PARANÁ DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DO INSS.

RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal MÁRCIO ANTONIO ROCHA

Votante: Desembargador Federal MÁRCIO ANTONIO ROCHA

Votante: Desembargador Federal LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO

Votante: Desembargadora Federal CLAUDIA CRISTINA CRISTOFANI

SUZANA ROESSING

Secretária



Conferência de autenticidade emitida em 13/10/2022 16:20:30.

O Prev já ajudou mais de 140 mil advogados em todo o Brasil.Faça cálculos ilimitados e utilize quantas petições quiser!

Experimente agora