Apelação Cível Nº 5011220-73.2020.4.04.7108/RS
RELATOR: Desembargador Federal ROGERIO FAVRETO
APELANTE: MARCIO SANDRO GOMES (Civilmente Incapaz - Art. 110, 8.213/91) (AUTOR)
APELANTE: MARCIANO LUIZ GOMES (Cônjuge, pai, mãe, tutor, curador ou herdeiro necessário) (AUTOR)
APELADO: BANCO PAN S.A. (RÉU)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
RELATÓRIO
Trata-se de ação de procedimento comum ajuizada por MARCIO SANDRO GOMES, devidamente representado por MARCIANO LUIZ GOMES, em face da CAIXA ECONÔMICA FEDERAL, objetivando:
(a) declare indevida a cobrança, determinando a cessação dos descontos promovidos junto ao benefício previdenciário NB 32/532.055.619-1, sob pena de multa diária para o caso de descumprimento;
(b) condene a parte requerida à restituição do valor pago pela autora, conforme disposto no parágrafo único do art. 42 do CDC, perfazendo, portanto, a quantia a ser restituída, no total de R$ 124.685,72;
(c) condene a parte requerida ao pagamento de indenização por danos morais, no valor mínimo de R$ 10.000,00, visando o caráter punitivo, sancionatório e para compensar os transtornos da Requerente;
(d) limite os descontos em 30% da margem consignável do autor, na eventual hipótese do juízo entender pela legalidade das contratações;
Processado o feito, foi exarada sentença, cujo dispositivo tem o seguinte teor, verbis:
Ante o exposto, julgo improcedentes os pedidos, resolvendo o mérito da demanda, na forma do art. 487, I, do CPC, nos termos da fundamentação.
Condeno a parte autora ao pagamento de honorários advocatícios sucumbenciais, que vão fixados no patamar de 10% do valor atribuído à causa, a ser corrigido monetariamente pelo INPC, desde a data do ajuizamento da ação, sopesados os critérios do art. 85, §§ 2º e 4º, III, do CPC/2015.
Contudo, a execução da verba sucumbencial resta suspensa, em razão do benefício da gratuidade judiciária concedido ao autor (ev. 3).
Sem condenação em custas (art. 4º, II, Lei 9.289/96).
Sentença publicada e registrada eletronicamente. Intimem-se.
Sentença não sujeita à remessa necessária.
Interposta eventual apelação, caberá à Secretaria intimar a parte contrária para contrarrazões, e, na sequência, remeter os autos à Corte Regional.
Transitada em julgado e não havendo outros requerimentos, dê-se baixa e arquivem-se estes autos.
A parte autora apela, sustentando, em síntese, estar desprovido de condições mentais para firmar contrato com qualquer instituição bancária (ev. 85, origin).
Instado, o Ministério Público Federal requereu o prosseguimento do feito (ev. 4).
Com contrarrazões (evs. 90 e 91, origin), vieram os autos a esta Corte.
É o relatório.
VOTO
Admissibilidade Recursal
Recebo a apelação interposta, por se tratar de recurso adequado e tempestivo, estando preenchidos os seus pressupostos formais.
Caso Concreto
Irresignada, a parte autora apela, sustentando que não possui condições de efetivar negócio jurídico com a apelada, a contar de 2007, uma vez que absolutamente incapaz.
Aduz ser beneficiário de aposentadoria por invalidez, o que demonstra sua incapacidade.
Em apertada análise, tenho que não merece reparo a sentença, da lavra do MM. Juiz Federal, Dr. Nórton Luís Benites, motivo pelo qual também a adoto como razões de decidir, verbis:
Fixadas essas premissas passo a analisar o caso em concreto.
No caso dos autos a parte autora pretende a nulidade de contratos bancários, em razão de que foram firmados por pessoa interditada, incapaz para os atos da vida civil, sem a presença do curador.
O Código Civil (Lei 10.406/2002) disciplinava, em sua redação original que:
Art. 3º São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil:
I - os menores de dezesseis anos;
II - os que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para a prática desses atos;
III - os que, mesmo por causa transitória, não puderem exprimir sua vontade.
Com a edição da Lei n.º 13.146/15 (Estatuto da Pessoa com Deficiência), que entrou em vigor na dia 02/01/2016, foi revogado o artigo supracitado. Mais do que isso, o Estatuto da Pessoa com Deficiência deu nova redação aos artigos 3º e 4º do Código Civil, in verbis:
Art. 3º São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil os menores de 16 (dezesseis) anos. (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015).
Art. 4º São incapazes, relativamente a certos atos ou à maneira de os exercer: (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015)
I - os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos;
II - os ébrios habituais e os viciados em tóxico; (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015)
III - aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade; (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015)
IV - os pródigos.
Parágrafo único. A capacidade dos indígenas será regulada por legislação especial. (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015)
Quanto à validade/invalidade dos negócios jurídicos assim dispõe Código Civil:
Art. 104. A validade do negócio jurídico requer:
I - agente capaz;
(...)
Art. 166. É nulo o negócio jurídico quando:
I - celebrado por pessoa absolutamente incapaz;
(...)
Art. 171. Além dos casos expressamente declarados na lei, é anulável o negócio jurídico:
I - por incapacidade relativa do agente;
Dessa forma, enquanto o negócio jurídico praticado por pessoa absolutamente incapaz é nulo, aquele praticado por pessoa relativamente incapaz é anulável (arts. 166, I e 171, I do Código Civil).
Nesta linha de raciocínio, pela redação atual da legislação, os negócios jurídicos somente podem ser tidos como nulos no que tange à incapacidade quando celebrados por menor de 16 (dezesseis) anos.
Dito isso, levando em conta as regras do direito intertemporal (art. 2.035,CC), bem como o princípio da irretroatividade, exposto nos artigo 5º, inciso XXXVI, da CF/88 e artigo 6º, da LINDB, deve-se, primeiramente, analisar a data em que foram perfectibilizados os contratos em questão. A Lei n. 13.146, que promoveu a alteração dos artigos 3º e 4º do Código Civil, foi publicada em 06/07/2015, sendo que o seu artigo 127 determina a vacatio legis em 180 (cento e oitenta) dias de sua publicação oficial.
No caso dos autos, a parte autora requer a nulidade dos seguintes contratos (ev. 1, INIC1):
- Contrato 310596248-8, relativo à cédula de crédito bancário (consignado INSS/refinanciamento) no valor de R$ 23.615,13, incluído no benefício em 21/06/2016, em 72 parcelas de R$ 711,76, com início dos descontos na competência de 07/2016 vinculados ao benefício de aposentadoria por invalidez 532.055.591-91 (evento 13, CONTR2);
- Contrato 319205746-5, relativo à cédula de crédito bancário no valor de R$ 841,42, incluído no benefício em 01/02/2018, em 72 parcelas de R$ 23,40, com início dos descontos na competência de 03/2018 vinculados ao benefício de aposentadoria por invalidez 532.055.591-91 (EVENTO 13, CONTR3);
Assim, tendo em vista que ambos contratos foram celebrados após a vigência da alteração legal, o autor era considerado relativamente incapaz à época.
A redação atual do art. 1.767, I, do CC afirma que estão sujeitos à curatela aqueles que, por causa transitória ou permanente não puderem exprimir sua vontade. Daí se conclui que os atos da vida civil efetivados pelo autor, relativamente incapaz, dependem da assistência do curador, pelo que, uma vez praticados sem assistência de seu legítimo representante, são anuláveis.
Com efeito, para os atos da vida civil o incapaz deve ser representado por curador, devidamente nomeado na ação de interdição. É a ação de interdição que declara a condição de incapaz e torna oponível contra terceiros, após publicação e anotação no registro civil.
Regulamentando a decisão de interdição, dispõe o CPC, art. 755, §3º:
§ 3º A sentença de interdição será inscrita no registro de pessoas naturais e imediatamente publicada na rede mundial de computadores, no sítio do tribunal a que estiver vinculado o juízo e na plataforma de editais do Conselho Nacional de Justiça, onde permanecerá por 6 (seis) meses, na imprensa local, 1 (uma) vez, e no órgão oficial, por 3 (três) vezes, com intervalo de 10 (dez) dias, constando do edital os nomes do interdito e do curador, a causa da interdição, os limites da curatela e, não sendo total a interdição, os atos que o interdito poderá praticar autonomamente.
No caso dos autos, em que pese o autor tenha afirmado ser incapaz para os atos da vida civil desde 2007, não logrou êxito em provar tal incapacidade. Houve interdição somente no ano de 2019, com nomeação de curador em 02/07/2019.
Vejamos (ev. 1, OUT7):
Pois bem, a sentença da ação de interdição possui natureza predominantemente constitutiva. Tal sentença, em verdade, tem efeito dúplice: é declaratória quanto ao estado clínico gerador da incapacidade para exercer os atos da vida civil (que não surge com a sentença, mas antes dela); e é constitutiva quanto a retirar a possibilidade de o interditado validamente vir a praticar atos e negócios jurídicos de forma isolada. A sentença, por si só, não retroage para desconstituir negócios jurídicos anteriormente firmados pelo interditado quando ainda não havia sido interditado. A desconstituição da capacidade de exercer isoladamente atos da vida civil é em regra ex nunc, de modo que a anulação de atos jurídicos anteriores não é automática, dependendo de pronunciamento judicial expresso.
Por exceção, pode-se admitir uma retroatividade ilimitada (ex tunc) em se tratando de moléstias graves, por sua própria natureza surgidas ainda na infância ou na própria concepção, como aquelas de ordem genética, o que não é o caso dos autos (CID F31.4 - transtorno afetivo bipolar). Por isso é que, segundo jurisprudência do STJ, a sentença de interdição, salvo pronunciamento judicial expresso em sentido contrário, opera efeitos ex nunc (AgRg no REsp 1.152.996/RS, Relator Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, DJe 14/04/2014). Pretendendo o interditado retroagir ainda mais o termo inicial da incapacidade, pode fazê-lo, mas é seu o ônus de provar que, antes mesmo da sentença de interdição, já estava incapacitado para os atos da vida civil. Ausente comprovação a respeito, permanece incólume a regra geral de efeito ex nunc da interdição. Sobre o tema, confira-se:
PROCESSO CIVIL E DIREITO CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. CONTRATO DE MÚTUO. DESCONTO EM FOLHA DE PAGAMENTO. CLÁUSULA INERENTE À ESPÉCIE CONTRATUAL. SUPRESSÃO UNILATERAL DA CLÁUSULA DE CONSIGNAÇÃO PELO DEVEDOR. IMPOSSIBILIDADE. NULIDADE ABSOLUTA DO CONTRATO DE MÚTUO. NÃO OCORRÊNCIA. SENTENÇA DE INTERDIÇÃO POR INCAPACIDADE ABSOLUTA COM TRÂNSITO EM JULGADO. EFEITOS EX NUNC. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. 1. É válida a cláusula que autoriza o desconto, na folha de pagamento do empregado ou servidor, da prestação do empréstimo contratado, a qual não pode ser suprimida por vontade unilateral do devedor, eis que da essência da avença celebrada em condições de juros e prazo vantajosos para o mutuário (REsp n. 728.6563/RS, Segunda Seção, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, DJU de 22.8.2005). 2. Segundo o entendimento desta Corte Superior, a sentença de interdição, salvo pronunciamento judicial expresso em sentido contrário, opera efeitos ex nunc. Prececentes. 3. No caso, como o contrato de mútuo objeto do presente processo foi celebrado muito antes da expedição da sentença de interdição, é certo que não foi alcançado pelos seus efeitos. 4. Agravo regimental não provido. (AgRg no REsp 1152996/RS, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 08/04/2014, DJe 14/04/2014).
Nessa linha, ainda:
PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. MILITAR. REVISÃO DO ATO DE LICENCIAMENTO. REFORMA POR INCAPACIDADE. PRESCRIÇÃO DO FUNDO DE DIREITO. INTERDIÇÃO. EFEITOS EX NUNC. I. Decorridos mais de cinco anos entre a data do ato administrativo de licenciamento do ex-militar e a propositura da ação judicial, aplica-se a prescrição quinquenal prevista no artigo 1º do Decreto nº 20.910/32, a qual atinge o próprio fundo de direito. II. Incapacidade absoluta anterior não evidenciada. III. A sentença de interdição tem efeitos ex nunc. (TRF4, AC 5029595-88.2016.4.04.7100, TERCEIRA TURMA, Relator ROGERIO FAVRETO, juntado aos autos em 05/12/2019)
PROCESSO CIVIL. INTERDIÇÃO. EFEITOS DA SENTENÇA. PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. AUXÍLIO-DOENÇA. LAUDO PERICIAL. INCAPACIDADE LABORAL. REQUISITOS. COMPROVAÇÃO. PRESCRIÇÃO. CONSECTÁRIOS. TUTELA ESPECÍFICA. Via de regra, a decisão proferida em processos interditórios possuem efeitos ex nunc, excepcionando-se quando houver comprovado retardo mental grave ou severo, e preexistente, o que não se apresentou na hipótese em apreço, por conta de se tratar de enfermidade degenerativa gradativa. Destarte, não há falar em efeitos retroativos da interdição. Nas ações em que se objetiva a aposentadoria por invalidez, auxílio-doença ou auxílio-acidente, o julgador firma seu convencimento, via de regra, com base na prova pericial. Preenchidos os requisitos para concessão do auxílio-doença anteriormente percebido e cessado administrativamente, porquanto a incapacidade laboral já se fazia presente na ocasião, deve ser o mesmo deferido, com a posterior conversão para aposentadoria por invalidez, ressalvada a prescrição quinquenal. Para fins de atualização monetária e juros haverá a incidência, uma única vez, até o efetivo pagamento, dos índices oficiais de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança, a contar de 01-07-2009, data em que passou a viger a Lei n.º 11.960, de 29-06-2009, publicada em 30-06-2009, que alterou o art. 1.º-F da Lei n.º 9.494/97. No período imediatamente anterior, desde abril de 2006, o indexador aplicável é o INPC (art. 31 da Lei n.º 10.741/03, c/c a Lei n.º 11.430/06, precedida da MP n.º 316, de 11-08-2006, que acrescentou o art. 41-A à Lei n.º 8.213/91, e REsp. n.º 1.103.122/PR). Honorários periciais a cargo do INSS. Sem custas. Omissões que se suprem. Concessão da tutela específica, com vistas à imediata implantação do benefício (TRF4ª Região, QOAC 2002.71.00.050349-7, 3ª Seção, Relator para acórdão Des. Federal Celso Kipper, de 02-10-2007). (TRF4, APELREEX 2007.70.01.000726-7, SEXTA TURMA, Relator JOSÉ FRANCISCO ANDREOTTI SPIZZIRRI, D.E. 17/03/2010)
No caso em foco, sequer foram juntados laudos periciais ou atestados médicos visando informar a data de início da incapacidade civil.
Também a sentença que decretou a interdição nada referiu a respeito.
Confira-se (ev. 52, OUT2):
Sem maiores delongas, segundo jurisprudência pacífica, a sentença de interdição, salvo pronunciamento judicial expresso em sentido contrário, opera efeitos ex nunc. No caso, a sentença proferida pela Juíza Luciane Di Domenico Haas, da Vara de Família e Sucessões, da Comarca de Sapucaia do Sul/RS, nada refere sobre os efeitos retroativos da interdição de Márcio Sandro Gomes. Somado a isso, não foi apresentado laudo pericial contemporâneo da referida incapacidade, razão pela qual reputo válido os atos praticados pelo autor, relativamente incapaz, à época em que foram firmados os contratos bancários (2016 e 2018).
Ademais, tratando-se de fato constitutivo do direito alegado, o ônus probatório extreme de dúvidas cabia à parte autora, nos termos do art. 373, inciso I, do CPC. A parte requerente, em sede de réplica (ev. 40), requereu perícia grafotécnica, porém, desistiu.
Destarte, entendo que restou comprovada a validade da contratação dos empréstimos consignados, assim como a disponibilização do numerário à parte requerente e a autorização para desconto em folha, de modo que a improcedência dos pedidos formulados na presente ação é a medida que se impõe.
Por fim, com referência à indenização em dobro, esta somente é admitida nas hipóteses em que há prova de que o credor agiu com má-fé; não havendo demonstração de que o credor agiu de forma consciente ao exigir o que lhe era indevido, descabe a cominação da penalidade (AC, 200370000263464/PR, Terceira Turma, Rel. Roger Raupp Rios, DJ 13/08/2008). Logo, eventual repetição/compensação não poderá ser em dobro, diante da ausência da comprovação da má-fé do banco requerido no caso concreto, já que no momento da contratação não há prova de que havia informação no benefício do autor acerca da interdição.
Quanto ao pedido de condenação por danos morais, melhor sorte não assiste à parte autora. Explico.
A responsabilidade civil, em sentido lato, consiste na obrigação de reparação dos danos sofridos por outrem, tendo por finalidade precípua o restabelecimento do equilíbrio violado pelo dano.
O princípio que sustenta a responsabilidade civil contemporânea é o da reposição do prejudicado ao status quo ante.
Conforme artigo 186 do Código Civil de 2002, existe um dever legal de não lesar, com a correlata obrigação de indenizar sempre que, por meio de um comportamento contrário àquele dever, se cause algum prejuízo injusto a outrem.
Por sua vez, o artigo 927 do novo Código Civil, além de fixar a regra geral para a indenização, prevê, no seu parágrafo único, a possibilidade de imputação da responsabilidade na sua modalidade objetiva - teoria do risco da atividade, verbis:
Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts.186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.
Entrementes, para que se obtenha o dever de indenizar, não basta se perquirir, ou não, da culpa da Administração. É preciso que o lesado demonstre:(a) ocorrência de efetivo prejuízo; (b) conduta culposa (em sentido lato) da pessoa apontada como responsável; (c) nexo de causalidade entre o fato lesivo (comissivo ou omissivo) e o dano sofrido.
Anoto que o nexo de causalidade constitui fator determinante para verificação da existência do dever de indenizar, devendo ser apreciado à luz da teoria da causalidade adequada, segundo a qual somente a causa apta ou conduta direta e imediata relevante para a produção do resultado gera o dever de indenizar.
Isso porque o nexo causal evidencia uma relação intrínseca entre o ato lesivo e o dano sofrido. A constatação de existência de nexo pressupõe um juízo de probabilidade, dentro da "lógica do razoável", levando em consideração a causa apta e imediata determinante do evento danoso.
Ressalto, por oportuno, que o ordenamento jurídico pátrio prevê casos específicos de responsabilidade civil sem culpa, mas nunca sem relação causal.
Quanto à possibilidade de condenação à reparação de danos morais, o pressuposto ensejador do direito é a existência efetiva de dano moralmente relevante e indenizável, entendido este como aquele que atinge a esfera legítima de afeição da vítima, que agride seus valores, que humilha, que causa dor e não aquele que fato que simplesmente causa dissabores (STF, AgReg em RE nº 387.014-9/SP, Rel. Min. Carlos Velloso, 2ª T., publicado em 25/06/04).
Vale dizer que o dano moral não decorre pura e simplesmente de qualquer perturbação do bem-estar que possa vir a afligir a subjetividade do indivíduo. Exige, de modo concreto, constrangimento, vexame ou situação que implique em degradação do indivíduo.
Assim, forte nessas razões e apoiado no princípio da razoabilidade, merece ser julgado improcedente o pedido indenizatório.
Registro que o fato do autor ser beneficiário de auxílio invalidez em nada altera o julgado, porquanto, para o caso em tela em que há pessoa relativamente incapaz, o balisador é o provimento judicial em ação de interdição e, como bem apontou o juízo a quo, a ação de interdição é datada do ano de 2019, posterior à assinatura dos contratos controversos.
Esta Turma reconhece se anulável o negócio jurídico firmado, antes do ajuizamento da ação de interdição, contudo cabe ao autor provar a incapacidade retroativa, o que não houve no presente caso:
AÇÃO MONITÓRIA. CONTRATOS BANCÁRIOS. INTERDIÇÃO. DATA DE INÍCIO DA INCAPACIDADE FIXADA NA SENTENÇA DE INTERDIÇÃO. PRESUNÇÃO. NULIDADE DOS CONTRATOS. ART. 166 DO CC/2002. SUCUMBÊNCIA. 1. Tratando de contrato de financiamento firmado antes do ajuizamento da ação de interdição, o negócio jurídico é anulável, desde que o mutuário comprove que não tinha discernimento na época da celebração da avença. Logo, é do mutuário o ônus da prova de que já apresentava incapacidade negocial por ocasião em que firmou os contratos, não se podendo falar em retroatividade dos efeitos da sentença de interdição. 2. No caso dos autos, todavia, a sentença de interdição expressamente reconheceu a existência de incapacidade para os atos da vida civil desde 06/01/2007. Logo, em que pese o desconhecimento da CEF acerca da existência da incapacidade civil do mutuário, fixada a data de início da incapacidade em sentença judicial transitada em julgado em data anterior, resta presumida a inexistência de capacidade e, em consequência, são nulos os negócios jurídicos firmados posteriormente, a teor do disposto no art. 166 do Código Civil/2002, na medida em que os incapazes não podem praticar nenhum negócio jurídico válido sem que estejam representados, razão pela deve ser provido o recurso para reformar a sentença, reconhecendo-se a nulidade dos negócios jurídico firmados entre as partes. 3. Tendo em vista a reforma da sentença devem ser invertidos os ônus sucumbenciais para condenar a CEF ao pagamento de honorários advocatícios fixados em 10% sobre o valor da causa, devidamente atualizados. (TRF4, AC 5001714-32.2013.4.04.7201, TERCEIRA TURMA, Relatora MARGA INGE BARTH TESSLER, juntado aos autos em 13/12/2019)
Insta reiterar que na ação de interdição não há qualquer menção ao reconhecimento da incapacidade outrora, apenas a reconhece e concede a curatela sem efeitos ex tunc.
Dessa forma, nega-se provimento ao apelo.
Honorários Advocatícios
O atual CPC inovou de forma significativa com relação aos honorários advocatícios, buscando valorizar a atuação profissional dos advogados, especialmente pela caracterização como verba de natureza alimentar (§ 14, art. 85, CPC) e do caráter remuneratório aos profissionais da advocacia.
Cabe ainda destacar que o atual diploma processual estabeleceu critérios objetivos para fixar a verba honorária que buscam valorizara advocacia, evitando o arbitramento de honorários em percentual ou valor aviltante que, ao final, poderia acarretar verdadeiro desrespeito à profissão. Ao mesmo tempo, objetiva desestimular os recursos protelatórios pela incidência de majoração da verba em cada instância recursal.
A partir dessas considerações, tenho que os honorários advocatícios devidos à taxa de 10% sobre o valor da causa foram adequadamente fixados, pois conforme previsto no art. 85 do novo CPC.
Assim sendo, em atenção ao disposto no art. 85, § 2º c/c § 11, do novo CPC, majoro a verba honorária para o patamar de 12% incidentes sobre o mesmo valor, permanecendo a exigibilidade suspensa em vista da AJG concedida.
Prequestionamento
Objetivando possibilitar o acesso das partes às Instâncias Superiores, considero prequestionadas as matérias constitucionais e/ou legais suscitadas nos autos, conquanto não referidos expressamente os respectivos artigos na fundamentação do voto, nos termos do art. 1.025 do Código de Processo Civil.
Conclusão
- apelação improvida;
- honorários advocatícios majorados na instância recursal.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação.
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Apelação Cível Nº 5011220-73.2020.4.04.7108/RS
RELATOR: Desembargador Federal ROGERIO FAVRETO
APELANTE: MARCIO SANDRO GOMES (Civilmente Incapaz - Art. 110, 8.213/91) (AUTOR)
APELANTE: MARCIANO LUIZ GOMES (Cônjuge, pai, mãe, tutor, curador ou herdeiro necessário) (AUTOR)
APELADO: BANCO PAN S.A. (RÉU)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
EMENTA
CIVIL. PROCESSUAL. ADMINISTRATIVO. CONTRATO DE MÚTUO BANCÁRIO. consignado. incapacidade.
1. Tratando de contrato de financiamento firmado antes do ajuizamento da ação de interdição, o negócio jurídico é anulável, desde que o mutuário comprove que não tinha discernimento na época da celebração da avença. Logo, é do mutuário o ônus da prova de que já apresentava incapacidade negocial por ocasião em que firmou os contratos, não se podendo falar em retroatividade dos efeitos da sentença de interdição.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 12 de abril de 2022.
Documento eletrônico assinado por ROGERIO FAVRETO, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40003123249v4 e do código CRC ca39288c.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 04/04/2022 A 12/04/2022
Apelação Cível Nº 5011220-73.2020.4.04.7108/RS
RELATOR: Desembargador Federal ROGERIO FAVRETO
PRESIDENTE: Desembargador Federal ROGERIO FAVRETO
PROCURADOR(A): CARMEM ELISA HESSEL
APELANTE: MARCIO SANDRO GOMES (Civilmente Incapaz - Art. 110, 8.213/91) (AUTOR)
ADVOGADO: BRUNO FINGER VIECELLI (OAB RS074254)
ADVOGADO: LUIS HENRIQUE FINGER DOS SANTOS (OAB RS090949)
APELANTE: MARCIANO LUIZ GOMES (Cônjuge, pai, mãe, tutor, curador ou herdeiro necessário) (AUTOR)
ADVOGADO: BRUNO FINGER VIECELLI (OAB RS074254)
ADVOGADO: LUIS HENRIQUE FINGER DOS SANTOS (OAB RS090949)
APELADO: BANCO PAN S.A. (RÉU)
ADVOGADO: SIGISFREDO HOEPERS (OAB RS039885)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (MPF)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 04/04/2022, às 00:00, a 12/04/2022, às 14:00, na sequência 486, disponibilizada no DE de 24/03/2022.
Certifico que a 3ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 3ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal ROGERIO FAVRETO
Votante: Desembargador Federal ROGERIO FAVRETO
Votante: Desembargadora Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA
Votante: Desembargadora Federal MARGA INGE BARTH TESSLER
GILBERTO FLORES DO NASCIMENTO
Secretário
Conferência de autenticidade emitida em 20/04/2022 04:01:29.