
Rua Otávio Francisco Caruso da Rocha, 300, Gabinete do Des. Federal João Batista Pinto Silveira - Bairro: Praia de Belas - CEP: 90010-395 - Fone: (51)3213-3191 - www.trf4.jus.br - Email: gbatista@trf4.jus.br
Apelação Cível Nº 5000363-70.2018.4.04.7129/RS
RELATOR: Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
APELADO: RUBEM JAIR FORTES (Civilmente Incapaz - Art. 110, 8.213/91) (AUTOR)
APELADO: ELIZABETH BRAZ DO ROSARIO (Cônjuge, pai, mãe, tutor, curador ou herdeiro necessário) (AUTOR)
RELATÓRIO
Cuida-se de apelação de sentença, proferida sob a vigência do CPC/15 que, deferindo a tutela, julgou parcialmente procedente o pedido para condenar o INSS a:
a) conceder à parte autora o benefício de aposentadoria por invalidez desde a DER (12-07-19);
b) adimplir os atrasados, corrigidos monetariamente pelo INPC e com juros de acordo com a poupança a contar da citação;
c) suportar verba honorária advocatícia, arbitrada em 10% sobre o valor das parcelas vencidas até a data da sentença;
d) ressarcir os honorários periciais e eventuais custas processuais.
Recorre o INSS requerendo seja julgada improcedente a ação, sob a alegação em suma de falta de qualidade de segurado do RGPS quando do fato gerador. Prova unilateral embasada apenas em relato da parte autora e de sua irmã contrariando duas perícias judiciais técnicas realizadas. Sendo outro o entendimento, requer seja determinado que, acaso ao final mantida a condenação, sejam os cálculos de liquidação elaborados pelo próprio autor/exequente ou, eventualmente, pela contadoria judicial, permitindo-se apenas a faculdade ao réu de apresentação de cálculos de liquidação, mas excluindo sua imposição.
Processados, subiram os autos a esta Corte.
O MPF opinou pelo desprovimento do recurso.
É o relatório.
VOTO
Controverte-se, na espécie, sobre a sentença, proferida sob a vigência do CPC/15 que, deferindo a tutela, julgou parcialmente procedente o pedido para condenar o INSS a conceder à parte autora o benefício de aposentadoria por invalidez desde a DER (12-07-19).
Da remessa necessária
Inicialmente, cumpre referir que, conforme assentado pelo STJ, a lei vigente à época da prolação da sentença recorrida é a que rege o cabimento da remessa oficial (REsp 642.838/SP, rel. Min. Teori Zavascki).
As decisões proferidas sob a égide do CPC de 1973, sujeitavam-se a reexame obrigatório caso condenassem a Fazenda Pública ou em face dela assegurassem direito controvertido de valor excedente a 60 salários mínimos. O CPC de 2015, contudo, visando à racionalização da proteção do interesse público que o instituto ora em comento representa, redefiniu os valores a partir dos quais terá cabimento o reexame obrigatório das sentenças, afastando aquelas demandas de menor expressão econômica, como a generalidade das ações previdenciárias. Assim, as sentenças proferidas contra a Fazenda Pública na vigência do CPC de 2015 somente estarão sujeitas a reexame caso a condenação ou o proveito econômico deferido à outra parte seja igual ou superior a mil salários mínimos.
Considerando que o valor do salário de benefício concedido no RGPS não será superior ao limite máximo do salário de contribuição na data de início do benefício (art. 29, §2.º, da Lei n.º 8.213/91), e considerando, ainda, que nas lides previdenciárias o pagamento das parcelas em atraso restringe-se ao período não atingido pela prescrição, qual seja, os últimos 5 anos contados retroativamente a partir da data do ajuizamento da ação (art. 103, parágrafo único, da Lei n.º 8.213/91), é forçoso reconhecer que, mesmo na hipótese em que a RMI do benefício deferido na sentença seja fixada no teto máximo, o valor da condenação, ainda que acrescida de correção monetária e juros de mora, não excederá o montante exigível para a admissibilidade do reexame necessário.
Necessário ainda acrescentar que as sentenças previdenciárias não carecem de liquidez quando fornecem os parâmetros necessários para a obtenção desse valor mediante simples cálculo aritmético, o que caracteriza como líquida a decisão, para fins de aferição da necessidade de reexame obrigatório.
No caso, considerando a DIB e a data da sentença, verifica-se de plano, não se tratar de hipótese para o conhecimento do reexame obrigatório, portanto, correta a sentença que não submeteu o feito à remessa necessária.
Quanto à aposentadoria por invalidez, reza o art. 42 da Lei nº 8.213/91:
Art. 42. A aposentadoria por invalidez, uma vez cumprida, quando for o caso, a carência exigida, será devida ao segurado que, estando ou não em gozo de auxílio-doença, for considerado incapaz e insusceptível de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência, e ser-lhe-á paga enquanto permanecer nesta condição.
Já no que tange ao auxílio-doença, dispõe o art. 59 do mesmo diploma:
Art. 59. O auxílio-doença será devido ao segurado que, havendo cumprido, quando for o caso, o período de carência exigido nesta Lei, ficar incapacitado para o seu trabalho ou para a sua atividade habitual por mais de 15 dias consecutivos.
Segundo entendimento dominante na jurisprudência pátria, nas ações em que se objetiva a concessão de aposentadoria por invalidez ou auxílio-doença, ou mesmo nos casos de restauração desses benefícios, o julgador firma seu convencimento com base na prova pericial, não deixando de se ater, entretanto, aos demais elementos de prova, sendo certo que embora possível, teoricamente, o exercício de outra atividade pelo segurado, ainda assim a inativação por invalidez deve ser outorgada se, na prática, for difícil a respectiva reabilitação, seja pela natureza da doença ou das atividades normalmente desenvolvidas, seja pela idade avançada.
Durante a instrução processual foi realizada perícia médico-judicial por psiquiatra em 23-10-18, da qual se extraem as seguintes informações (E54, E70):
a) enfermidade: diz o perito que apresenta agressividade, agitação, delírios persecutórios e alucinações... F06.6... DID... outubro de 1989, estando em fase evolutiva;
b) incapacidade: responde o perito que DII... agosto de 2018... Sim... permanente... Sim, existe um importante deterioro... Sim, a contar da data da piora psiquiátrica...Sim, de maneira permanente... Retifico o meu laudo colocando que, no ponto de vista psiquiátrico, o autor tornou-se incapaz, no ponto de vista laborativo, em Agosto de 2017, já que houve piora de seu quadro de distúrbio na área de psiquiatria. Outrossim, informo-vos que o autor teve períodos de descompensarão psiquiátrica que, inclusive, levou-o a internação. Mas, nos anos anteriores a 2017, tinha como descrição de seu quadro, problemas com epilepsia e na parte psiquiátrica: retardo mental moderado, não incapacitante;
c) tratamento: refere o perito que Sim, faz tratamento medicamentoso e psicossocial... Sim, mas sua doença é crônica e o tratamento serve para controle de sintomas alvo.
Em 04-06-19, foi realizada outra perícia judicial por neurologista da qual se extrai o seguinte (E104, E127):
(...)
Motivo alegado da incapacidade: TCE
Histórico/anamnese: Paciente com história de acidente automobilístico em 1989 com traumatismo cranioencefálico (TCE). Diz que após passou a apresentar severo quadro de esquecimento associado a distúrbios psiquiátricos. Nega qualquer outro sintoma clinico ou neurológico.
Refere distúrbios psiquiátricos.
Em uso de clorpromazina, carbamazepina, risperidona, fluoxetina e clonazepam.
A análise do perfil psicossocial concluiu que o paciente está desempregado. Trabalhava com metalurgia (sic).
Tem o ensino médio incompleto.
Documentos Apresentados Pertinentes ao Caso:
• Boletim de atendimento datado de 22/10/1989 sem CREMERS visível atestando acidente de trânsito. Baixar na neuro.
• Laudo médico datado de 26/11/2010 firmado por profissional com CREMERS 26.763 atestando CID 10 S06.7 com sequelas cognitivas. Sem condições laborais.
Documentos médicos analisados: -
Exames Complementares:
Apresentados os seguintes exames pertinentes ao caso:
• Tomografia de Crânio (05/10/1998) - Lesão sequelar pós traumática frontal bilateral.
• Tomografia de Crânio (19/01/2005) - Lesão sequelar pós traumática frontal bilateral.
Exame físico/do estado mental: -
Exame Neurológico:
• Lúcido, orientado, coerente;
• Deambulando sem auxílio;
• Pupilas isocóricas e fotorreagentes;
• Pares cranianos sem alterações;
• Sem déficit motor. Musculatura eutrófica e sem sinais de desuso. Movimentos de rotação, flexão e extensão da coluna vertebral preservados;
• Função cerebelar preservada;
• Reflexos presentes e simétricos;
• Sem sinais de irritação meningo radicular;
• Mini Mental – Déficit cognitivo leve.
Diagnóstico/CID:
- S09.9 - Traumatismo não especificado da cabeça
Causa provável do diagnóstico (congênita, degenerativa, hereditária, adquirida, inerente à faixa etária, idiopática, acidentária, etc.): Traumática
A doença, moléstia ou lesão decorre do trabalho exercido ou de acidente de trabalho? NÃO
O(a) autor(a) é acometido(a) de alguma das seguintes doenças ou afecções: tuberculose ativa, hanseníase, alienação mental grave, neoplasia maligna, cegueira, paralisia irreversível e incapacitante, cardiopatia grave, doença de Parkinson, espondiloartrose anquilosante, nefropatia grave, estado avançado da doença de Paget (oesteíte deformante), S.I.D.A., contaminação por radiação ou hepatopatia grave? NÃO
DID - Data provável de Início da Doença: 22/10/1989
O(a) autor(a) realiza e coopera com a efetivação do tratamento adequado ou fornecido pelo SUS para sua patologia? Não é o caso de tratamento
Em caso de recebimento prévio de benefício por incapacidade, o tratamento foi mantido durante a vigência do benefício? Não é caso de tratamento
Observações sobre o tratamento: -
Conclusão: sem incapacidade atual
- Justificativa: Já descrito no laudo.
- Houve incapacidade pretérita em período(s) além daquele(s) em que o(a) autor(a) já esteve em gozo de benefício previdenciário? NÃO
- Caso não haja incapacidade atual, o(a) autor(a) apresenta sequela consolidada decorrente de acidente de qualquer natureza? NÃO
- Foram avaliadas outras moléstias indicadas nos autos, mas que não são incapacitantes? NÃO
- Havendo laudo judicial anterior, neste ou em outro processo, pelas mesmas patologias descritas nestes autos, indique, em caso de resultado diverso, os motivos que levaram a tal conclusão, inclusive considerando eventuais tratamentos realizados no período, exames conhecidos posteriormente, fatos ensejadores de agravamento da condição, etc.: -
- Pode o perito afirmar se os sintomas relatados são incompatíveis ou desproporcionais ao quadro clínico? NÃO
- Outras considerações que o(a) perito(a) considere relevantes para a solução da causa: A Parte Autora apresentou traumatismo cranioencefálico (TCE). As lesões cerebrais já consolidaram-se não gerando consequências com significância clínica. Segundo anamnese e exame neurológico pericial a mesma não apresenta sinais ou sintomas de sequelas neurológicas relevantes.
Para simplificar e facilitar o entendimento da conclusão enumero:
1) CID 10: S09.9 (Traumatismo não especificado da cabeça)
2) Tal condição motivou a solicitação do benefício.
3) Quadro estabilizado/consolidado.
4) Quadro decorrente de acidente.
5) O simples fato da ocorrência de um traumatismo cranioencefálico (TCE), leve ou grave, não representa limitação laboral. Para isso é necessário que se dê alguma sequela ou déficit significativo vinculado a tal fatalidade. E isso não é visto no caso em questão. A análise clinica é pilar definitivo para elucidar-se possíveis deficiências. Ao exame neurológico realizado por esse Perito do Juízo não foram verificadas alterações significativas dignas de nota. Sem a presença de uma manifesta resultante traumática as condições profissionais permanecem imaculadas. Portanto, defino que a Parte Autora NÃO possui incapacidade para exercer qualquer atividade que lhe garanta subsistência do ponto de vista neurológico/neurocirúrgico. Em outras palavras, NÃO possui sequelas impeditivas ao labor.
6) Acompanhamento com neurocirurgião em São Leopoldo.
7) NÃO necessita do uso de equipamentos especiais.
8) NÃO há impeditivos para a realização de qualquer atividade da vida civil.
9) Encontra-se em condição de igualdade com qualquer pessoa da mesma faixa etária.
10) NÃO necessita da assistência permanente de terceiros nas tarefas cotidianas normais como alimentar-se e higienizar-se.
11) NÃO é considerado portador de deficiência de acordo com o art 4 do Decreto n 3.298/99.
Todas as conclusões acima foram embasadas na anamnese, exame clínico neurológico e exames complementares.
(...).
1)Não cabe a esse Perito do Juízo tecer comentários sobre laudos diversos ou postura de outros especialistas. 2)Mini mental é um teste para avaliar função cognitiva e não um enquadramento. 3)A posicionamento desse Perito do Juízo já está muito claro e fundamentado em laudo pericial.
Do exame dos autos, colhem-se ainda as seguintes informações sobre a parte autora (E1, E9, E17, E125):
a) idade: 64 anos (nascimento em 07-09-56);
b) profissão: trabalhou como empregado/auxiliar de oficina/auxiliar em indústria/lavador de carros/serviços gerais entre 1978 e 01/96 em períodos intercalados;
c) histórico de benefícios: a parte autora requreu benefício assistencial em 25-02-05, indeferido em razão de perícia contrária; ajuizou a ação em 06-02-18, postulando AD/AI com o acréscimo de 25% desde a cessação administrativa do benefício assistencial (22-03-07); requereu auxílio-doença em 12-07-19, indeferido por falta de acerto de dados cadastrais, vínculos, remunerações e contribuições;
d) laudo de psiquiatra de 01-02-18 referindo CID F71 e F06. Apresenta déficit cognitivo... após acidente automobilistico em 22-10-89. Incapaz para o trabalho. Necessita supervisão permanente para realizar as atividades diárias; atestado de neurologista de 16-03-05 referindo em tratamento por sequela de traumatismo cranio encefálico, retardo mental, epilepsia e transtorno de comportamento. Sem condições para o trabalho. CID S06, F71, G40; atestado de neurologista de 26-11-10 referindo acompanhamento pós traumatismo cranioencefálico grave - com grave sequela cognitiva. Necessita afastamento de suas atividades de trabalho por definitivo. CID S06.7; atestado de psiquiatra de 09-04-15 referindo em suma CID 10 F32.2 e sem condições de exercer atividades laborativas por tempo indeterminado; atestado de psiquiatra de 21-06-17 referindo em suma que faz tratamento no CAPSII por patologia de CID10 F71... em uso de... necessita de supervisão para suas atividades diárias e não tem condições de exercer atividades laborativas; atestado de psiquiatra de 13-11-17 referindo em suma que faz tratamento no CAPSII por patologia de CID10 F71 e S06.7... em uso de... sem condições de exercer atividade laborativa por tempo indeterminado; laudo de neurocirurgião de 22-07-19 referindo em suma que Foi vítima de acidente automobilistico em 22/10/1989 com traumatisno cranioencefálico grave, evoluindo com sequela cognitiva moderada-grave progressiva, motivo pelo qual foi interditado judicialmente no ano de 2006. Avaliação atual comprova quadro de sequela definitiva e consolidada, com comprometimento cognitivo, do raciocínio, memória e orientação, havendo incapacidade para atos de vida civil, incapacidade laborativa e dependência de terceiros para atividades de vida diária. Tomografia de cranio (18/06/2019) demonstra áreas de gliose/encefalomalácea bifrontal, compatível com os déficits. CID10 T90.5, F71.0;
e) TC do crânio de 05-10-98 e de 19-01-05; solicitação de neurologista para avaliação por psiquiatra de 22-08-12 referindo com ideação suicida e grave transtorno comportamental. História de traumatismo cranioencefálico grave no passado; encaminhamento por médico ao CAPS de 20-10-12; declaração de psiquiatra em que consta internação de 24-08-12 a 13-09-12 por sintomas depressivos e psicóticos com risco de suicídio. F32.2; exame audiológico de 15-07-15; ficha de evolução do CAPS; prontuário da hospitalização em 22-10-89 em que consta acidente de trânsito;
f) laudo judicial realizado na ação de interdição em 06-02-06 do qual se extrai que o autor apresenta incapacidade laborativa total e permanente... Sequela de traumatismo crânio-encefálico, retardo mental, epilepsia e transtorno de comportamento... S06, F71, G40... Desde o acidente automobilístico há 4 anos, após este evento vem sendo acompanhado clinica e neurologicamente devido às sequelas apresentadas... Total. As sequelas adquiridas com o referido trauma não cederam com os tratamentos realizados... permanente devido às lesões provocadas de caráter irreversível; sentença de interdição do autor proferida em 14-09-06; certidão de nascimento em que foi averbada a interdição do autor por sentença desde 14-09-06;
g) sentença em ação anterior proferida em 21-03-07 que julgou improcedente o pedido de benefício assistencial em razão do requisito da miserabilidade e revogou a tutela deferida inicialmente, tendo o autor gozado do benefício assistencial entre 2005/07, com trânsito em julgado em 17-07-07;
h) laudo do INSS de 23-07-19, com diagnóstico de CID T90.5 (sequelas de traumatismo intracraniano) e onde constou TCE grave com sequela cognitiva moderada-grave, interditado judicialmente, vem em perícia com a irmã que tem sua tutela. Como não tem qualidade de segurado, oriento sobre o LOAS. Sequela definitiva. Incapaz temporariamente. DID 22/10/1989- data do TCE de acordo com documentação médica apresentada da época do acidente e atm laudo médico. DII em 22/07/2019- data do laudo neurologico apresentado. Sugiro LI pela idade, pelo deficit cognitivo...Resultado: Existe incapacidade laborativa.
Em audiência realizada em 19-02-20, foi colhido o depoimento do autor, tendo a irmã (curadora) e o advogado respondido algumas das perguntas feitas pela magistrada (E168).
Diante de tal quadro foi concedida a aposentadoria por invalidez desde a DER (12-07-19).
Recorre o INSS requerendo seja julgada improcedente a ação, sob a alegação em suma de falta de qualidade de segurado do RGPS quando do fato gerador. Prova unilateral embasada apenas em relato da parte autora e de sua irmã contrariando duas perícias judiciais técnicas realizadas.
Tal como o MPF em seu parecer (E4), entendo que a sentença recorrida não merece reforma, devendo ser mantida por seus bem lançados fundamentos, que foram os seguintes (E170):
(...)
No caso em análise, conforme informações colhidas em audiência (ev168), com a oitiva do próprio autor, ele sofreu um acidente automobilístico em 1989, mas seguiu trabalhando até 1996. Após o acidente, surgiram várias sequelas neurológicas, inclusive a diminuição da visão. O autor informa que o seu estado clínico foi piorando com o passar do tempo, e que recebeu LOAS em 2006, tendo em vista a perda da qualidade de segurado a partir de meados dos anos 1990 (entre 1994 ou 1996). Ele reside com a irmã, que o sustenta, na residência que era de sua falecida mãe.
O médico neurologista, ao elaborar o laudo pericial, afastou qualquer incapacidade, assim expondo (ev104): “O simples fato da ocorrência de um traumatismo cranioencefálico (TCE), leve ou grave, não representa limitação laboral. Para isso é necessário que se dê alguma sequela ou déficit significativo vinculado a tal fatalidade. E isso não é visto no caso em questão. A análise clínica é pilar definitivo para elucidar-se possíveis deficiências. Ao exame neurológico realizado por esse Perito do Juízo não foram verificadas alterações significativas dignas de nota. Sem a presença de uma manifesta resultante traumática as condições profissionais permanecem imaculadas. Portanto, defino que a Parte Autora NÃO possui incapacidade para exercer qualquer atividade que lhe garanta subsistência do ponto de vista neurológico/neurocirúrgico. Em outras palavras, NÃO possui sequelas impeditivas ao labor”.
Apesar dessa compreensão neurológica, a avaliação psiquiátrica ruma em sentido diverso. Concluiu o expert que a incapacidade do autor iniciou em agosto de 2017 em razão da piora de seus distúrbios psiquiátricos, bem como que antes de 2017 apresentava ele problemas de epilepsia e retardo mental não incapacitante (ev70). Ou seja, embora sem incapacidade do ponto de vista psiquiátrico antes de 2017, foram detectados epilepsia e retardo mental, enfermidades que, embora não tenham sido objeto de avaliação pericial, são absolutamente incapacitantes em pessoas com baixa escolaridade, como é o caso.
A avaliação administrativa também detectou, em 07.2019, a existência de incapacidade laboral decorrente de sequelas do acidente sofrido pelo autor em 1989 (traumatismo intracraniano), tendo o benefício de auxílio-doença sido indeferido em razão da perda da qualidade de segurado.
A doença, de fato, remonta a 1989, conforme suficientemente comprovado pelo prontuário médico juntado aos autos (boletim de atendimento) narrando o acidente automobilístico sofrido pelo autor e as sequelas dele resultantes (ev1, pront14).
Quanto à atual incapacidade, o próprio INSS, em 23.07.2019, reconheceu que as sequelas de traumatismo intracraniano (CID T905) implicaram sequela cognitiva moderada-grave e a sua subsequente interdição judicial. Também o INSS reconheceu que a DID remonta a 22.10.1989, sendo o acidente de trânsito, em que se verificou o traumatismo craniano, o evento gerador da incapacidade posteriormente detectada (ev125 – procadm3).
Alie-se a isso a impressão colhida em audiência a respeito da grande dificuldade do autor, inclusive para responder a perguntas simples formuladas pelo Juízo.
Em que pese o autor não comprove contribuições, nem vínculos de emprego desde a década de 1990 (seu último vínculo no CNIS remonta a 1992) - situação sugestiva de perda da qualidade de segurado desde aquela época (inclusive, em 2006, o autor recebera LOAS em vez de auxílio-doença) -, uma vez comprovada nos autos a relação de causa e efeito entre o acidente ocorrido em 1989 e as graves sequelas incapacitantes detectadas no autor desde aquela época, tenho que a data de início da sua incapacidade (DII) deve ser fixada em data bem anterior a 2006, de modo a permitir-lhe a percepção de auxílio-doença desde a DER de 2019.
O fato de o autor ter prosseguido trabalhando, mesmo após o acidente automobilístico e também após o agravamento de seu estado clínico (ev17, procadm1), deve ser considerado a seu favor. Trata-se de uma tentativa de adaptação profissional, indicativa, na verdade, da boa-fé do segurado em buscar, apesar do seu estado clínico, uma colocação profissional, sendo que somente depois de esgotadas as tentativas nesse sentido recorreu ele à prestação assistencial ou previdenciária do Estado.
Ainda que as conclusões dos peritos nomeados pelo Juízo possam, eventualmente, divergir entre si e até mesmo diferir do entendimento de outros profissionais da área médica – fato que se deve à evidente subjetividade que envolve toda análise interpretativa, como é o caso de uma avaliação médica e como se verificou na situação posta nestes autos –, não sendo elas manifestamente incongruentes, tenho que devem ser acolhidas sem outros e/ou maiores questionamentos, de modo a evitar a eternização do litígio.
Essa análise, outrossim, não pode se dar com a simples adoção de um ou de outro laudo ou opinião técnica, mas a partir do sopesamento dos demais elementos probatórios constantes dos autos que, in casu, remetem ao traumatismo craniano detectado em 1989, decorrente do acidente de trânsito sofrido pelo autor e ao subsequente e progressivo agravamento de sua situação clínica.
Quanto ao adicional de 25% requerido na inicial, indefiro-o, pois não há prova nos autos de que o(a) autor(a) não esteja em condições de executar as tarefas básicas do seu dia-a-dia, nem de que necessite, em caráter permanente, e não apenas eventual, do auxílio de terceiros.
Não se pode olvidar que o adicional em questão tem por finalidade o ressarcimento das despesas do inválido com o pagamento do salário de pessoa encarregada do seu acompanhamento permanente nos casos em que não tenha condições de executar as tarefas básicas do seu dia-a-dia; e como pressuposto a necessidade de acompanhamento permanente de terceiro, e não apenas eventual, para a realização de algumas tarefas ligadas ao cotidiano.
Veja-se, que, in casu, a própria irmã do autor, que diz ser a encarregada do seu cuidado, informa que ele, apesar de suas deficiências e do estado incapacitante, auxilia no que pode com as tarefas domésticas básicas (estender a roupa e varrer o pátio), bem como pode, sozinho, alimentar-se e ir ao banheiro (ev125, procadm3).
Concluindo, merece prosperar em parte o pedido, devendo-se observar, quanto ao cálculo e às revisões administrativas, o seguinte:
DIB: via de regra, a DIB é fixada na DER ou na DCB, conforme se trate de concessão ou restabelecimento, ainda que a DII seja anterior àquelas datas; excepcionalmente, quando a perícia judicial não constatar a existência de incapacidade laboral nem na DER, nem na DCB, mas em momento posterior, o benefício é devido desde a DII.
No caso, o benefício é devido desde a DER ou o requerimento de prorrogação formulado em 2019, em que o próprio INSS reconheceu a existência de incapacidade laboral, valendo observar que enquanto o segurado não puder trabalhar em razão de enfermidade que o torne incapaz para o trabalho ele mantém a sua vinculação com a Previdência Social.
(...).
Com efeito, no caso há provas suficientes nos autos de que a doença do autor decorre do TCE ocorrido no acidente de trânsito em 1989, e mesmo havendo alguns vínculos empregatícios após tal época (como lavador de veículos de 07-10-87 a 20-01-92) e como serviços gerais em empresa de calçados (de 11-02-93 a 23-01-96), ele foi interditado por sentença em 2006, sendo que não tenho dúvidas de que a sua incapacidade laborativa, decorrente do agravamento de suas sequelas, em especial o déficit cognitivo, já existia quando desde 1996 ele não conseguiu mais desempenhar nem aquelas atividades profissionais simples.
Dessa forma, nego provimento ao apelo nesse aspecto.
O INSS ainda requer em seu apelo que seja determinado que, acaso ao final mantida a condenação, sejam os cálculos de liquidação elaborados pelo próprio autor/exequente ou, eventualmente, pela contadoria judicial, permitindo-se apenas a faculdade ao réu de apresentação de cálculos de liquidação, mas excluindo sua imposição.
Da sentença constou que: Realização de Cálculos pelo Próprio INSS: não há ilegalidade na determinação judicial que impõe ao próprio INSS a realização dos cálculos da condenação, tendo em vista que para a sua confecção são necessários documentos e informações que já se encontram no seu sistema de dados.
Muito embora o CPC relegue ao credor a incumbência de dar início à execução, apresentando a memória de cálculo detalhada e atualizada do que entende devido, a prática da execução invertida, que ocorre quando o próprio devedor elabora e apresenta os cálculos, mostra-se um procedimento célere para a efetivação da prestação da tutela jurisdicional no cumprimento do julgado. Com efeito, esta Corte tem admitido tal procedimento sem que se caracterize mácula às normas processuais, tampouco nulidade da sentença.
O mencionado rito vem sendo empregado amplamente nas ações previdenciárias e se coaduna perfeitamente com os princípios da colaboração e economia processual, propiciando inúmeros benefícios para efetivação dos direitos e dos provimentos jurisdicionais. Em razão disso, o procedimento é consagrado pela jurisprudência pátria e se harmoniza com o novo Código de Processo Civil.
Através dele, na inauguração da fase executiva, oportuniza-se à autarquia apresentar, voluntariamente, o cálculo do valor que entende devido. Na sequência, em total sintonia com os preceitos do CPC/2015, decorrem três possibilidades: (a) se o INSS apresenta a conta e o credor manifesta concordância, os valores já poderão ser requisitados por meio de precatório ou RPV (art. 535, §3º); (b) se o INSS apresenta a conta e o credor discorda, deverá este apresentar os seus cálculos, iniciando-se o procedimento do art. 534 e determinando-se a intimação da Fazenda na forma do art. 535, sem prejuízo ao cumprimento da parcela incontroversa (art. 535, §4º); (c) se, decorrido o prazo ofertado pelo juiz, o INSS não apresenta a conta, incumbe à exequente promover o cumprimento da sentença pelo rito normal na forma dos arts. 534 e 535.
Cumpre destacar que, em nenhuma das hipóteses, o rito previsto no Código de Processo Civil sofre violação ou é dispensado. A execução invertida, com efeito, consubstancia-se em oportunidade para cumprimento espontâneo do julgado com a apresentação da conta. Assim, merece ser confirmada a sentença no ponto.
Os consectários estão de acordo com os parâmetros estabelecidos por esta Turma, não havendo recurso quanto a esses.
Estando preenchidos os requisitos estabelecidos pela Segunda Seção do STJ no julgamento do AgInt nos EREsp 1.539.725/DF (não conhecimento integral ou desprovimento do recurso interposto pela parte já condenada ao pagamento de honorários na origem, em decisão publicada na vigência do CPC/2015), o percentual dos honorários advocatícios deve ser majorado para que a faixa inicial seja fixada em 15% da condenação (art. 85, §3.º, I, CPC/15), ainda observando-se a limitação estabelecida pela Súmula 76 desta Corte.
Por fim ressalto que o autor já está em gozo de aposentadoria por invalidez em razão da tutela deferida na sentença.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação.
Documento eletrônico assinado por JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40002160233v25 e do código CRC 44ac494a.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
Data e Hora: 20/11/2020, às 11:8:32
Conferência de autenticidade emitida em 30/11/2020 20:03:02.

Rua Otávio Francisco Caruso da Rocha, 300, Gabinete do Des. Federal João Batista Pinto Silveira - Bairro: Praia de Belas - CEP: 90010-395 - Fone: (51)3213-3191 - www.trf4.jus.br - Email: gbatista@trf4.jus.br
Apelação Cível Nº 5000363-70.2018.4.04.7129/RS
RELATOR: Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
APELADO: RUBEM JAIR FORTES (Civilmente Incapaz - Art. 110, 8.213/91) (AUTOR)
APELADO: ELIZABETH BRAZ DO ROSARIO (Cônjuge, pai, mãe, tutor, curador ou herdeiro necessário) (AUTOR)
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. CONCESSÃO DE APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. execução invertida. cabimento.
1. Comprovado pelo conjunto probatório que a parte autora é portadora de enfermidade(s) que a incapacita(m) total e permanentemente para o trabalho, e desde quando mantinha a qualidade de segurado, é de ser mantida a sentença que concedeu a aposentadoria por invalidez desde a DER. 2. A execução invertida consubstancia-se em oportunidade para cumprimento espontâneo do julgado com a apresentação da conta. Cabimento.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 18 de novembro de 2020.
Documento eletrônico assinado por JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40002160234v4 e do código CRC 28c6461c.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
Data e Hora: 20/11/2020, às 11:8:32
Conferência de autenticidade emitida em 30/11/2020 20:03:02.

EXTRATO DE ATA DA SESSÃO Telepresencial DE 18/11/2020
Apelação Cível Nº 5000363-70.2018.4.04.7129/RS
RELATOR: Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
PRESIDENTE: Desembargadora Federal TAIS SCHILLING FERRAZ
PROCURADOR(A): JOÃO HELIOFAR DE JESUS VILLAR
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
APELADO: RUBEM JAIR FORTES (Civilmente Incapaz - Art. 110, 8.213/91) (AUTOR)
ADVOGADO: CARLOS ALBERTO BORRE (OAB RS039679)
APELADO: ELIZABETH BRAZ DO ROSARIO (Cônjuge, pai, mãe, tutor, curador ou herdeiro necessário) (AUTOR)
ADVOGADO: CARLOS ALBERTO BORRE (OAB RS039679)
MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (MPF)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Telepresencial do dia 18/11/2020, na sequência 69, disponibilizada no DE de 09/11/2020.
Certifico que a 6ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 6ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
Votante: Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
Votante: Desembargadora Federal TAIS SCHILLING FERRAZ
Votante: Juiz Federal JULIO GUILHERME BEREZOSKI SCHATTSCHNEIDER
PAULO ROBERTO DO AMARAL NUNES
Secretário
Conferência de autenticidade emitida em 30/11/2020 20:03:02.