Apelação Cível Nº 5010095-59.2022.4.04.9999/PR
PROCESSO ORIGINÁRIO: Nº 0005546-32.2019.8.16.0072/PR
RELATORA: Juíza Federal FLÁVIA DA SILVA XAVIER
APELANTE: ANTONIO FERNANDO CLEMENTE
ADVOGADO(A): BRUNO VILAS BOAS (OAB PR070266)
ADVOGADO(A): CÍNTIA REGINA DE LIMA VIEIRA (OAB SP214484)
ADVOGADO(A): RENATA NASCIMENTO VIEIRA SANCHES (OAB PR035982)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RELATÓRIO
Trata-se de ação de procedimento comum em que é postulada a concessão de aposentadoria por tempo de contribuição (NB 193.274.409-3), mediante a averbação de tempo de trabalho rural e especial.
Processado o feito, sobreveio sentença, cujo dispositivo tem o seguinte teor:
Ante o exposto, com fulcro no art. 487, I, do CPC, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos formulados na inicial, extinguindo o feito com resolução de mérito, para determinar que o INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL – INSS, faça a AVERBAÇÃO do tempo de trabalho rural no período de– 04/01/1981 até 28/09/1987 e de 21.11.1989 a 31.10.1991, bem como, CONVERTA na proporção de 1,4 o tempo de serviço em condições especiais em comum nos períodos de 29/09/1987 a 20/11/1989 e 18/05/1992 a 06/12/1993 e 02/12/2002 a 08/04/2004 em favor do autor ANTONIO FERNANDO CLEMENTE.
JULGO IMPROCEDENTE o pedido e averbação de tempo rural de 04/01/1977 a 03/01/1981.
JULGO IMPROCEDENTE o pedido de reconhecimento de atividade especial nos períodos de 01/11/2004 até 21/06/2006; 02/01/2007 até 17/04/2010; 27/04/2010 até 30/12/2010; 12/01/2012 até 10/02/2012; 24/02/2016 até 17/02/2017 e 01/11/2017 até 10/11/2018.
JULGO IMPROCEDENTE o pedido de aposentadoria por tempo de contribuição.
Ambas as partes foram sucumbentes, todavia, a parte autora saiu mais vencida que vencedora. Assim, condeno a requerente ao pagamento das custas e despesas processuais no percentual de 70%, cabendo ao requerido o pagamento da proporção de 30%.
Fixo, ainda, os honorários advocatícios no percentual de 10% do valor atribuído à causa, a serem rateados na mesma proporção, devendo os valores serem atualizados pelo INPC desde o ajuizamento da ação, com juros de mora de acordo com o índice aplicado à poupança, a partir do trânsito em julgado desta sentença.
Considerando a gratuidade da justiça concedida a parte autora, nos termos do art. 98, §3º do CPC, determino a suspensão da exigibilidade da cobrança das custas e honorários advocatícios até a fluência do prazo de 05 (cinco) anos, a contar da sentença final; se até lá não houver alteração da situação de necessidade, ficará só então extinta a obrigação.
Cumpram-se as demais disposições do Código de Normas da Corregedoria de Justiça.
Publique-se. Registre-se. Intime-se.
A parte autora apela, sustentando a possibilidade de reconhecimento do labor rural no período de 04/01/1977 a 03/01/1981, anterior aos 12 anos de idade. Pede ainda a reafirmação da DER, com reconhecimento da especialidade da atividade exercida após o requerimento administrativo, para concessão de benefício mais vantajoso.
Sem contrarrazões, vieram os autos a este Tribunal.
É o relatório.
VOTO
MÉRITO
ATIVIDADE RURAL – SEGURADO ESPECIAL
O trabalho rural, na condição de segurado especial, encontra previsão no art. 11, VII, e § 1º da Lei 8.213/91, in verbis:
Art. 11. São segurados obrigatórios da Previdência Social as seguintes pessoas físicas:
(...)
VII- como segurado especial: a pessoa física residente no imóvel rural ou em algomerado urbano ou rural próximo a ele que, individualmente ou em regime de economia familiar, ainda que com o auxílio eventual de terceiros, na condição de :
produtor, seja proprietário, usufrutuário, possuidor, assentado, parceiro ou meeiro outorgados, comodatário ou arrendatário rurais, que explore atividades:
agropecurária em área de até 4 (quatro) módulos fiscais;
de seringueiro ou extrativista vegetal que exerça suas atividades nos termos do inciso XII do caput do art. 2º da Lei nº 9.985 de 18 de julho de 2000, e faça dessas atividades o principal meio de vida;
pescador artesanal ou a este assemelhado que faça da pesca profissão habitual ou principal meio de vida; e
conjugue ou companheiro, bem como filho maior de 16 (dezesseis) anos de idade ou a este equiparado, do segurado de que tratam as alíneas a e b deste inciso, que, comprovadamente, trabalhem com o grupo familiar respectivo.
§ 1º Entende-se como regime de economia familiar a atividade em que o trabalho dos membros da família é indispensável à própria subsistência e ao desenvolvimento socioeconômico do núcleo familiar e é exercido em condições de mútua dependência e colaboração, sem a utilização de empregados permanentes.
Para fins de comprovação do exercício da atividade rural, não se exige prova robusta, sendo necessário que o segurado especial apresente início de prova material (art. 106 da Lei nº 8.213/91), corroborada por prova testemunhal idônea, a teor do art. 55, § 3º, da Lei 8.213/91, sendo que se admite inclusive documentos em nome de terceiros do mesmo grupo familiar, a teor da Súmula nº 73 do TRF da 4ª Região.
Ainda sobre a prova, acrescenta-se que nos termos da Súmula 149 do STJ não se admite prova exclusivamente testemunhal para comprovação da atividade rurícola, para efeito de obtenção de benefício previdenciário. Nesse sentido, confira-se a jurisprudência do E. STJ e do TRF4:
PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ENUNCIADO ADMINISTRATIVO 3/STJ. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. AUSÊNCIA DE INÍCIO DE PROVA MATERIAL. ALTERAÇÃO DO ACÓRDÃO RECORRIDO. SÚMULA 7/STJ. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO.
1. A questão jurídica posta no recurso especial gira em torno da caracterização da condição de segurado especial, para fins de concessão de aposentadoria rural por idade.
2. O Tribunal a quo concluiu pela inexistência de efetiva atividade campesina durante o período pretendido, porquanto ausente o início de prova material exigido por lei. Rever tal entendimento demandaria o reexame do conjunto fático-probatório, vedado pela Súmula 7/STJ.
Precedentes.
3. Ademais, o reconhecimento de tempo de serviço rurícola, para efeito de aposentadoria por idade, é tema pacificado pela Súmula 149 desta Egrégia Corte, no sentido de que a prova testemunhal deve estar apoiada em um início razoável de prova material.
4. Agravo interno não provido.
(AgInt no AREsp 1042311/AM, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 18/05/2017, DJe 23/05/2017)
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. ATIVIDADE RURAL EM REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR E COMO "BÓIA-FRIA". RECOLHIMENTO DE CONTRIBUIÇÕES. INÍCIO DE PROVA MATERIAL CORROBORADO PELA PROVA TESTEMUNHAL. REQUISITOS PREENCHIDOS. CONCESSÃO DO BENEFÍCIO. TUTELA ANTECIPADA. CONVERSÃO EM TUTELA ESPECÍFICA. 1. O tempo de serviço rural para fins previdenciários pode ser demonstrado através de início de prova material suficiente, desde que complementado por prova testemunhal idônea. 2. Restando comprovado nos autos o requisito etário e o exercício de atividade rural no período de carência, é de ser concedida a aposentadoria por idade rural à parte autora a contar do requerimento administrativo, a teor do disposto no art. 49, II, da Lei nº 8.213/91. 3. O fato de a parte autora ter recolhido contribuições previdenciárias não constitui óbice à caracterização da sua condição de segurada especial, porquanto, não raras vezes, o segurado especial, com o intuito de garantir o direito à inativação - o qual até a edição da Lei nº 8.213/91 somente era garantido aos trabalhadores rurais com 65 anos de idade e que fossem chefes ou arrimos de família - inscrevia-se na Previdência Social com o fito de assegurar assistência médica, sem, contudo, deixar de exercer, exclusivamente, a atividade rural. Isso sem falar que tais contribuições não acarretam qualquer prejuízo ao INSS, uma vez que foram vertidas aos cofres públicos. 4. Determina-se o cumprimento imediato do acórdão naquilo que se refere à obrigação de implementar o benefício, por se tratar de decisão de eficácia mandamental que deverá ser efetivada mediante as atividades de cumprimento da sentença stricto sensu previstas no art. 497 do CPC/15, sem a necessidade de um processo executivo autônomo (sine intervallo). Contudo, já tendo havido a implantação por força de antecipação de tutela, mantenho a implantação agora sob esse fundamento. (TRF4, APELAÇÃO CÍVEL Nº 5018877-65.2016.404.9999, 6ª TURMA, Des. Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA, POR MAIORIA, JUNTADO AOS AUTOS EM 16/06/2017)
Destaca-se, a propósito, que esta Turma já firmou entendimento de que os documentos civis tais como certificado de alistamento militar, certidões de casamento/nascimento, em que consta a qualificação como agricultor constituem início de prova material (STJ, AR 1166/SP, 3ª Seção, Relator Ministro Hamilton Carvalhido, DJU de 26/2/2007; TRF4, AC Nº 0002853-52.2013.404.9999, 6ª TURMA, Des. Federal SALISE MONTEIRO SANCHOTENE, , D.E. 10/11/2016; TRF4: AC 2003.71.08.009120-3/RS, 5ª Turma, Relator Desembargador Federal Celso Kipper, D.E. de 20/5/2008).
Relativamente à idade mínima, a limitação constitucional ao labor do menor de dezesseis anos de idade deve ser interpretada em favor do protegido, não lhe impedindo o reconhecimento de direitos trabalhistas/previdenciários quando tenha prova de que efetivamente desenvolveu tal atividade (TRF4, AC Nº 5018877-65.2016.404.9999, 6ª TURMA, Des. Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA, JUNTADO AOS AUTOS EM 16/06/2017; TRF4, AC Nº 5002835-30.2011.404.7213, 5a. Turma, LORACI FLORES DE LIMA, JUNTADO AOS AUTOS EM 23/03/2017).
Outrossim, há recente precedente deste Tribunal retratado nos autos da ação civil pública sob nº 5017267-34.2013.4.04.7100/RS, 6ª Turma, Rel. p/ acórdão Des. Federal Salise Monteiro Sanchotene, com o fito de que o INSS:
c.1) se abstenha de fixar idade mínima para fins de reconhecimento de tempo de serviço e de contribuição pelo exercício das atividades descritas no art. 11 da Lei 8.213/91, admitindo, para comprovação de seu exercício, os mesmos meios probatórios postos à disposição dos demais segurados;
c.2) altere seus regulamentos internos para adequá-los ao comando sentencial;
c.3) comunique às suas Gerências Executivas e Agências da Previdência Social a necessidade de fazer observar a obrigação estabelecida na sentença.
Esta Corte, por ocasião do julgamento da sessão do dia 09/04/2018, julgou integralmente procedente a ação, a fim de reconhecer a possibilidade de ser computado período de trabalho realizado antes dos 12 anos de idade, qual seja, sem a fixação de requisito etário para fins de reconhecimento de tempo de serviço e de contribuição pelo exercício das atividades descritas no art. 11 da Lei nº 8.213/91.
A decisão foi mantida pelo Supremo Tribunal Federal (RE nº 1.225.475).
Entretanto, a possibilidade da contagem do intervalo de trabalho realizado antes dos 12 (doze) anos de idade, para fins de previdência, não desonera a parte de efetivamente comprovar o efetivo labor, que não pode ser mero auxílio eventual e sem significado em relação à produtividade do grupo familiar.
Para a comprovação da condição de segurado especial, a Lei 8.213/91 exige o desempenho de trabalho rural, individualmente ou em regime de economia familiar, assim entendido aquele em que o trabalho dos membros da família se mostra indispensável à própria subsistência e seja exercido em condições de mútua dependência e colaboração, sendo exigido, para o cônjuge, companheiro e filhos, comprovação do efetivo trabalho junto com o grupo.
Deste modo, mesmo que a jurisprudência aceite o reconhecimento do trabalho rural inclusive antes dos doze anos de idade, para tanto deve ficar comprovado que as atividades desenvolvidas pelas crianças e adolescentes dentro do grupo familiar iam além de um mero auxílio nas atividades cotidianas, mas que elas exerciam um trabalho indispensável e de dependência em relação aos demais membros da família, como exige a lei da previdência.
Nesse sentido, o recente julgado desta Turma:
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. REVISÃO. IDADE MÍNIMA PARA O TRABALHO RURAL. REQUISITOS LEGAIS. CONSECTÁRIOS LEGAIS.
1. Relativamente à idade mínima, a limitação constitucional ao labor do menor de dezesseis anos de idade deve ser interpretada em favor do protegido, não lhe impedindo o reconhecimento de direitos trabalhistas/previdenciários quando tenha prova de que efetivamente desenvolveu tal atividade. Entretanto, essa atividade deve ir além de um mero auxílio, ou seja, o menor deve exercer um trabalho indispensável e de dependência em relação aos demais membros da família, como exige a lei da previdência.
2. Consectários legais fixados nos termos do decidido pelo STF (Tema 810) e pelo STJ (Tema 905). (AC nº 5060204-92.2018.4.04.7000, Relator Des. Federal LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO, un., juntado aos autos em 16/03/2022).
Finalmente, no que diz respeito aos denominados boias-frias (trabalhadores informais), diante da dificuldade de obtenção de documentos, o STJ firmou entendimento no sentido de que a apresentação de prova material somente sobre parte do período pretendido não implica violação da Súmula 149/STJ, cuja aplicação é mitigada se a reduzida prova material for complementada por robusta prova testemunhal.
A partir do exposto, conclui-se, em síntese, que para o reconhecimento do labor rural permite-se:
a) o reconhecimento do tempo de serviço rural anterior ao documento mais antigo apresentado, desde que corroborado por prova testemunhal idônea e robusta (AgInt no REsp 1570030/PR, Rel. Ministra REGINA HELENA COSTA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 23/05/2017, DJe 29/05/2017);
b) o reconhecimento de documentos em nome de terceiros (parentes que compõem o grupo familiar) como início de prova material;
c) a averbação do tempo de serviço rural em regime de economia familiar sem a fixação de requisito etário;
d) que os documentos tais como certificado de alistamento militar, certidões de casamento/nascimento, em que consta a qualificação como agricultor, valham como início de prova material.
Registro ainda que o aproveitamento do tempo de atividade rural desenvolvida até 31 de outubro de 1991, independentemente do recolhimento das respectivas contribuições previdenciárias e exceto para efeito de carência, está expressamente autorizado e previsto pelo art. 55, § 2º, da Lei n.º 8.213/91, e pelo art. 127, V, do Decreto n.º 3.048/99.
CASO CONCRETO – LABOR RURAL
A sentença reconheceu o exercício de atividade rural, em regime de economia familiar, nos períodos de 04/01/1981 a 28/09/1987 e 21/11/1989 a 31/10/1991.
A parte autora pretende seja reconhecido o exercício de labor rural, em regime de economia familiar, também no período de 04/01/1977 a 03/01/1981, antes dos 12 anos de idade.
Para tanto, acostou aos autos os seguintes documentos:
1952 – Título de eleitor do pai do autor, onde consta a profissão lavrador;
1954 – Certidão de casamento do pai do autor onde consta a profissão lavrador;
1970 – Título de eleitor do pai do autor onde consta a profissão lavrador;
1973 – Recibo de entrega de declaração de imposto de renda do pai do autor, onde consta o endereço Fazenda Santa Sofia;
1973 – Nota fiscal no nome do pai do autor junto a cafeeira Preti de venda de mercadoria;
1973 - Declaração de imposto de renda do pai do autor, onde consta o endereço Fazenda Santa Sofia e declaração de exploração agropecuária e pasto;
1975 - Declaração de imposto de renda do pai do autor, onde consta a ocupação agricultor;
1977 -1980 – Histórico escolar do autor em escola rural no município de Colorado;
1995 – Certidão de casamento do autor, onde consta a profissão lavrador;
1998 – Carteirinha do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Colorado do pai do autor;
Os documentos apresentados servem como início de prova material da atividade rural do requerente, não sendo demais frisar que a jurisprudência não exige "a comprovação da atividade rural ano a ano, de forma contínua" pois início de prova material não significa prova cabal, mas algum "registro por escrito que possa estabelecer liame entre o universo fático e aquilo que expresso pela testemunhal." (TRF 4ª Região - AC n° 2000.04.01.128896-6/RS, Relator Juiz João Surreaux Chagas, DJU de 25-7-2001, p. 215).
Em Juízo, o autor declarou o seguinte:
ANTONIO FERNANDES CLEMENTE - 52 anos; trabalho como motorista de caminhão; sou empregado do Claudinei Tomé; comecei a trabalhar na roça com 08 para 09 anos; estudava de manhã e no outro período trabalhava; estudei até a quarta série do primário; depois que terminei os estudos, ai trabalhava o dia todo; morava na fazenda Santa Sofia, aqui em Colorado, do João Dias; meu pai tomava conta da fazenda; eu tinha que ajudar no café, milho, feijão; as vezes recebia diária, outras meu pai não cobrava para agradar o patrão; fiquei na fazenda até 1985/1986, quando me mudei para a cidade; no período do tempo da fazenda, eu trabalhava somente ali, salvo no final do período que cheguei a trabalhar para um vizinho fazenda diária; na cidade continuei como boia-fria, as vezes ia com meu pai, outras sozinhos; meu pai era gato, mas além de trabalhar com ele, trabalhava para outros gatos; já trabalhei para o Zé Cabeludo, o Bonifácio, e outros que não lembro; fiquei de boia-fria até 1987, quando fui registrado na usina, como tratorista; fiquei até 1989 na usina, quando saí e voltei a trabalhar de boia-fria, como tratorista, motorista, serviços gerais, mas sempre na roça; por volta de 1992 para 1993, voltei para a usina, como tratorista
As três testemunhas relataram o que segue:
ANTONIO PAULO DE ARAUJO SOBRINHO - conheci o autor na fazenda Santa Sofia. eu também trabalhava nessa fazenda; meu pai era porcenteiro; o pai dele também era porcenteiro; a fazenda era do João Dias, ficava aqui em Colorado; o autor regulava uns 07 para 08 anos; tinha escola no bairro; o autor estudou até a quarta série; trabalhava até meio dia, depois disso ia para a escola; nessa fazenda era só café; eu sai em 1985, saí primeiro; sei que ele ficou lá mais um tempo, mas não lembro; naquela época era só na fazenda que a gente trabalhava; era mais de cinco famílias que tinha na fazenda e cada um tocava um tanto de café;
SIMONI FERNANDES RODRIGUES - nasci numa fazenda próxima do autor; o lugar que nasci ficava no "Calegari", já o autor morava num local chamado "Piratininga", salvo engano na fazenda Santa Sofia; na adolescência nos encontramos como boia-fria, quando mudamos para a cidade, pois trabalhamos juntos para algumas pessoas; eu tinha 12 para 13 anos quando já ia para a roça, colher algodão, café, feijão, mandioca; eu encontrava o autor, que tinha em torno de dois anos mais velho e também trabalhava de boia-fria; eu trabalhei até os 25 anos de idade na roça; posso afirmar que o autor também trabalhou na roça nesse período, pois a gente pegava a mesma condução, em que pese pegarmos a condução em pontos diferentes; recordo dos gatos Zé cabeludo, cilso, Luizinho, entre outros; ia em todas as roças da região, inclusive, no estado de São Paulo; tinha serviço o ano todo; nasci em 1971.
ANTONIO JOAQUIM DA SILVA - conheci o autor quando trabalhamos de boia-fria em 1990 ou 1991; a gente morava em colorado; as vezes pegávamos condução no mesmo ponto, as vezes mudava; quem contratava era o Ze cabeludo e outros gatos que não lembro o nome; calculo que por uns 03 anos trabalhamos juntos como boia-fria; na época era colheita de algodão, ralear algodão, mexia com café; depois desses 03 anos perdemos contato porque mudei de cidade;
Como exposto acima, a possibilidade da contagem do intervalo de trabalho realizado antes dos 12 (doze) anos de idade, para fins de previdência, não desonera a parte de efetivamente comprovar o efetivo labor, que não pode ser mero auxílio eventual e sem significado em relação à produtividade do grupo familiar.
Para a comprovação da condição de segurado especial, a Lei 8.213/91 exige o desempenho de trabalho rural, individualmente ou em regime de economia familiar, assim entendido aquele em que o trabalho dos membros da família se mostra indispensável à própria subsistência e seja exercido em condições de mútua dependência e colaboração, sendo exigido, para o cônjuge, companheiro e filhos, comprovação do efetivo trabalho junto com o grupo.
Deste modo, mesmo que a jurisprudência aceite o reconhecimento do trabalho rural inclusive antes dos doze anos de idade, para tanto deve ficar comprovado que as atividades desenvolvidas pelas crianças e adolescentes dentro do grupo familiar iam além de um mero auxílio nas atividades cotidianas, mas que elas exerciam um trabalho indispensável e de dependência em relação aos demais membros da família, como exige a lei da previdência.
No caso, além do depoimento do autor, apenas uma testemunha relatou ter conhecido o autor antes dos 12 anos de idade.
Além disso, os depoimentos do autor e da testemunha destoam quanto ao exercício da atividade. O autor disse que estudava pela manhã e laborava à tarde. Já a testemunha disse que o autor laborava pela manhã e estudava a tarde.
Por fim, a família era composta por 9 membros, sendo o autor o segundo filho mais novo, o que levanta dúvidas acerca da indispensabilidade do seu trabalho, quando criança.
Assim, a prova produzida nos autos é frágil, o que impede o provimento do recurso.
REAFIRMAÇÃO DA DER
É cediço que o INSS permite a reafirmação do requerimento quando o segurado preencher os requisitos para a concessão de benefício mais vantajoso no curso do processo administrativo, consoante sucessivas Instruções Normativas que editou.
Quanto ao tema, o e. STJ recentemente submeteu a julgamento o Tema n° 995, em que examinou a possibilidade de ser considerado o tempo de contribuição posterior ao ajuizamento da ação, reafirmando-se a data de entrada do requerimento - DER - para o momento de implementação dos requisitos necessários à concessão de benefício previdenciário.
No julgamento do referido Tema, realizado em 2-12-2019, aquela Corte fixou o entendimento de que é possível a reafirmação da DER (Data de Entrada do Requerimento) para o momento em que implementados os requisitos para a concessão do benefício, mesmo que isso se dê no interstício entre o ajuizamento da ação e a entrega da prestação jurisdicional nas instâncias ordinárias, nos termos dos arts. 493 e 933 do CPC/2015, observada a causa de pedir.
Referido acórdão restou assim ementado:
PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. ENUNCIADO ADMINISTRATIVO 3/STJ. REAFIRMAÇÃO DA DER (DATA DE ENTRADA DO REQUERIMENTO). CABIMENTO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
1. O comando do artigo 493 do CPC/2015 autoriza a compreensão de que a autoridade judicial deve resolver a lide conforme o estado em que ela se encontra. Consiste em um dever do julgador considerar o fato superveniente que interfira na relação jurídica e que contenha um liame com a causa de pedir.
2. O fato superveniente a ser considerado pelo julgador deve guardar pertinência com a causa de pedir e pedido constantes na petição inicial, não servindo de fundamento para alterar os limites da demanda fixados após a estabilização da relação jurídico-processual.
3. A reafirmação da DER (data de entrada do requerimento administrativo), objeto do presente recurso, é um fenômeno típico do direito previdenciário e também do direito processual civil previdenciário. Ocorre quando se reconhece o benefício por fato superveniente ao requerimento, fixando-se a data de início do benefício para o momento do adimplemento dos requisitos legais do benefício previdenciário.
4. Tese representativa da controvérsia fixada nos seguintes termos: É possível a reafirmação da DER (Data de Entrada do Requerimento) para o momento em que implementados os requisitos para a concessão do benefício, mesmo que isso se dê no interstício entre o ajuizamento da ação e a entrega da prestação jurisdicional nas instâncias ordinárias, nos termos dos arts. 493 e 933 do CPC/2015, observada a causa de pedir.
5. No tocante aos honorários de advogado sucumbenciais, descabe sua fixação, quando o INSS reconhecer a procedência do pedido à luz do fato novo.
6. Recurso especial conhecido e provido, para anular o acórdão proferido em embargos de declaração, determinando ao Tribunal a quo um novo julgamento do recurso, admitindo-se a reafirmação da DER.
Julgamento submetido ao rito dos recursos especiais repetitivos.
(REsp nº 1727063/SP, Rel. Min. MAURO CAMPBELL, 1ª Seção, DJe de 2-12-2019)
Em seu voto, o eminente Ministro Relator ainda destacou que o fenômeno da reafirmação da DER está atrelado aos princípios da primazia do acertamento da função jurisdicional, da economia processual, da instrumentalidade e da efetividade processuais, além do que atende à garantia constitucional da razoável duração do processo.
Bem por isso, se ainda não implementadas as condições suficientes para a outorga do benefício na data do requerimento administrativo, inexiste óbice para considerar-se a satisfação dos requisitos até a data do julgamento pelo Tribunal de apelação, por imperativo da economia processual, desde que observado o necessário contraditório.
A parte autora pretende a reafirmação da DER com o reconhecimento da especialidade da atividade após o requerimento administrativo (05/06/2019).
A sentença reconheceu a especialidade da atividade nos períodos de 29/09/1987 a 20/11/1989, 18/05/1992 a 06/12/1993 e 02/12/2002 a 08/04/2004. Negou a especialidade nos períodos de 01/11/2004 a 21/06/2006, 02/01/2007 a 17/04/2010, 27/04/2010 a 30/12/2010, 12/01/2012 a 10/02/2012, 24/02/2016 a 17/02/2017 e 01/11/2017 a 10/11/2018.
Conforme CNIS (evento 52, OUT2), o autor laborou para o mesmo empregador antes e após a DER, até 29/02/2020, em vínculo examinado na sentença e cuja especialidade foi negada.
Assim, não há como considerar-se especial a atividade após a DER.
Ainda, considerando-se o tempo rural e especial reconhecidos na sentença, o autor totalizava, na DER (05/06/2019), 27 anos, 8 mses e 13 dias.
Portanto, ainda que demonstrada a permanência do labor até a presente data, o autor não preencheria os requisitos necessários à concessão do benefício.
Negado provimento ao apelo também quanto ao ponto.
HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS
A partir da jurisprudência do STJ (em especial do AgInt nos EREsp 1539725/DF, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, Segunda Seção, julgado em 09/08/2017, DJe 19/10/2017), para que haja a majoração dos honorários em decorrência da sucumbência recursal, é preciso o preenchimento dos seguintes requisitos simultaneamente: (a) sentença publicada a partir de 18/03/2016 (após a vigência do CPC/2015); (b) recurso não conhecido integralmente ou improvido; (c) existência de condenação da parte recorrente no primeiro grau; e (d) não ter ocorrido a prévia fixação dos honorários advocatícios nos limites máximos previstos nos §§2º e 3º do artigo 85 do CPC (impossibilidade de extrapolação). Acrescente-se a isso que a majoração independe da apresentação de contrarrazões.
Na espécie, diante do não acolhimento do apelo, impõe-se a majoração dos honorários advocatícios de 10% sobre a base de cálculo fixada na sentença para 15% sobre a mesma base de cálculo, com base no artigo 85, §11, do CPC, mantida a proporção de 70%, suspensa a exigibilidade em razão da gratuidade da justiça.
PREQUESTIONAMENTO
Objetivando possibilitar o acesso das partes às instâncias superiores, considero prequestionadas as matérias constitucionais e/ou legais suscitadas, conquanto não referidos expressamente os respectivos artigos na fundamentação do voto.
CONCLUSÃO
Apelo da PARTE AUTORA: improvido.
DISPOSITIVO
Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação, nos termos da fundamentação.
Documento eletrônico assinado por FLAVIA DA SILVA XAVIER, Juíza Federal Convocada, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40004413847v12 e do código CRC 4694dcbc.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): FLAVIA DA SILVA XAVIER
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Apelação Cível Nº 5010095-59.2022.4.04.9999/PR
PROCESSO ORIGINÁRIO: Nº 0005546-32.2019.8.16.0072/PR
RELATORA: Juíza Federal FLÁVIA DA SILVA XAVIER
APELANTE: ANTONIO FERNANDO CLEMENTE
ADVOGADO(A): BRUNO VILAS BOAS (OAB PR070266)
ADVOGADO(A): CÍNTIA REGINA DE LIMA VIEIRA (OAB SP214484)
ADVOGADO(A): RENATA NASCIMENTO VIEIRA SANCHES (OAB PR035982)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. concessão de APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. atividade rural. período anterior aos 12 anos de idade. reafirmação da DER. INSUFICIÊNCIA no caso concreto.
1. Mesmo que a jurisprudência aceite o reconhecimento do trabalho rural inclusive antes dos doze anos de idade, para tanto deve ficar comprovado que as atividades desenvolvidas pelas crianças e adolescentes dentro do grupo familiar iam além de um mero auxílio nas atividades cotidianas, mas que elas exerciam um trabalho indispensável e de dependência em relação aos demais membros da família, como exige a lei da previdência.
2. No julgamento do Tema 995, o STJ fixou o entendimento de que é possível a reafirmação da DER (Data de Entrada do Requerimento) para o momento em que implementados os requisitos para a concessão do benefício, mesmo que isso se dê no interstício entre o ajuizamento da ação e a entrega da prestação jurisdicional nas instâncias ordinárias, nos termos dos arts. 493 e 933 do CPC/2015, observada a causa de pedir.
3. Caso em que, ainda que demonstrada a permanência do labor até a presente data, o autor não preencheria os requisitos necessários à concessão do benefício mediante reafirmação da DER.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 10ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Curitiba, 16 de abril de 2024.
Documento eletrônico assinado por FLAVIA DA SILVA XAVIER, Juíza Federal Convocada, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40004413848v5 e do código CRC b8d715ce.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 09/04/2024 A 16/04/2024
Apelação Cível Nº 5010095-59.2022.4.04.9999/PR
RELATORA: Juíza Federal FLÁVIA DA SILVA XAVIER
PRESIDENTE: Desembargador Federal MÁRCIO ANTONIO ROCHA
PROCURADOR(A): FÁBIO BENTO ALVES
APELANTE: ANTONIO FERNANDO CLEMENTE
ADVOGADO(A): BRUNO VILAS BOAS (OAB PR070266)
ADVOGADO(A): CÍNTIA REGINA DE LIMA VIEIRA (OAB SP214484)
ADVOGADO(A): RENATA NASCIMENTO VIEIRA SANCHES (OAB PR035982)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 09/04/2024, às 00:00, a 16/04/2024, às 16:00, na sequência 624, disponibilizada no DE de 26/03/2024.
Certifico que a 10ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 10ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO.
RELATORA DO ACÓRDÃO: Juíza Federal FLÁVIA DA SILVA XAVIER
Votante: Juíza Federal FLÁVIA DA SILVA XAVIER
Votante: Desembargador Federal MÁRCIO ANTONIO ROCHA
Votante: Desembargador Federal LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO
SUZANA ROESSING
Secretária
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