
Apelação Cível Nº 5003697-15.2022.4.04.7213/SC
RELATOR: Desembargador Federal CELSO KIPPER
RELATÓRIO
Lais Schmidt, nascida em 23-04-1987, devidamente representada, ajuizou em 25-10-2022 ação contra o INSS, postulando o restabelecimento do benefício assistencial de amparo à pessoa com deficiência, desde o cancelamento administrativo (01-07-2022), bem como a declaração de inexistência do débito no montante de R$ 70.438,19, caracterizado como percebimento indevido pelo INSS.
Na sentença, publicada em 13-10-2023, o magistrado a quo deferiu a tutela de urgência e julgou parcialmente procedente o pedido, nos seguintes termos (evento 46 – SENT1):
III - DISPOSITIVO
Diante do exposto, julgo procedente em parte o pedido inicial, resolvendo o mérito na forma do artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil, para o fim de condenar o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS a abster-se de cobrar da parte autora por qualquer meio os valores recebidos a título de amparo assistencial NB 87/125.252.590-4, de 27/09/2017 a 31/05/2022.
Considerando que a autora decaiu da parte relativa ao objeto da perícia (restabelecimento de benefício assistencial à pessoa com deficiência), condeno a parte autora à devolução dos honorários periciais à Justiça Federal, devidamente atualizados, nos termos do § 2º do artigo 98 do Código de Processo Civil, ficando suspensa sua exigibilidade nos termos do § 3º do mesmo dispositivo legal.
Reconheço a sucumbência recíproca à razão de 50% para cada uma das partes. Assim, condeno as partes ao pagamento de honorários advocatícios ao patrono da parte adversária, que arbitro, para cada um, em 10% (dez) por cento sobre metade do valor atualizado da causa (artigo 85, §3º, I, do Código de Processo Civil). A verba devida pela parte autora fica submetida à condição suspensiva prevista no artigo 98, §3º, do Código de Processo Civil. A verba devida pelo INSS deve ser incluída em requisição de pagamento a ser expedida em favor da parte autora, sendo vedada a compensação com o valor pela parte devido (artigo 85, §14, do Código de Processo Civil).
Os valores a que se refere o item acima deverão ser requisitados ao Tribunal Regional Federal, na forma do artigo 100, §§ 3º e 4º, da Constituição Federal de 1988, e artigo 17, caput e §§ 3º e 4º, da Lei 10.259/2001.
Sem custas (artigo 4º, I e II, da Lei 9.289/1996).
No que diz respeito à abstenção de cobrança, intime-se o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS para que, no prazo de 30 dias, demonstre no processo o cabal cumprimento à decisão concessiva de tutela de urgência antecipada [abstenção], sob pena de multa diária de R$ 50,00 (cinquenta reais), nos termos do artigo 297 combinado com os artigos 536, §1º e 537, todos do Código de Processo Civil.
Sentença não sujeita à remessa necessária, com fulcro no artigo 496, §3º, inciso I, do Código de Processo Civil, eis que o proveito econômico obtido pelo autor, ainda que acrescido de correção monetária e juros de mora, jamais excederá à quantia de 1.000 salários-mínimos, patamar exigível para a admissibilidade do reexame necessário.
Em suas razões de apelação, a parte autora alegou, preliminarmente, a ocorrência de cerceamento de defesa em razão de não ter sido oportunizada a realização de outras provas além do estudo social.
No mérito, sustentou, em síntese, que preenche os requisitos de impedimento de longo prazo e de hipossuficiência econômica.
Nesse sentido, ressaltou que deve ser desconsiderada a renda da genitora da autora, a título de aposentadoria por idade, ainda que conte menos de 65 anos de idade.
Asseverou, também, que a renda líquida da irmã da autora seria de R$ 646,01, e não de R$ 1.370,00 como referido na sentença. No ponto, ressaltou que esta renda também deve ser excluída do cálculo da renda familiar, sob o argumento de que a irmã da autora ocupa vaga de emprego para portador de necessidades especiais.
Dessa forma, requereu:
b. Acolher a preliminar de nulidade da sentença por afronta ao contraditório e ampla defesa, vez que não foi oportunizada produção de provas, somente o juizo determinou prova social, e julgou antecipado mérito, mormente pelas razões que fundam a sentença e cabem prova em contrario, quanto a “outros meios de prova da miserabilidade, incpacidade da irmã EDUARDA, que ocupa vaga especial, cujo direito foi subtraido
c. No MÉRITO, requer seja reformada sentença, para excluir o valor da aposentadoria por idade rural da Genitora no valor de 1(um) salario minimo que recebe do INSS, reconhecendo preenchido requisito renda, e via de consequencia reformar a senteça, para determinar o restabelecimento do beneficio objeto da demanda, desde a indevida suspensão;
d. Se superado pedido anterior, requer seja desconsiderado no calculo da renda per capita, salario da irmã EDUARDA por ser originario de pagamento de ocupante de vaga de portador de necessidade especial, cuja prova cabal o juizo negou a Apelante, bem como pela ausencia de provas do valor/renda contemporrânea auferido pela irma, cujo LAUDO É OMISSO e via de consequencia reformar a senteça, para deteminar o restabelecimento do beneficio objeto da demanda, desde a indevida suspensão;
e. Se superrado pedido anterior requer que seja ponsiderado salario da irmã EDUARDA, liquido no inporte de R$ 643,00 mensal, e via de consequencia reformar a senteça, para determinar o restabelecimento do beneficio objeto da demanda desde a indevida suspensão;
Apresentadas as contrarrazões, vieram os autos a esta Corte para julgamento.
O Ministério Público Federal manifestou-se pelo regular prosseguimento do feito.
É o relatório.
VOTO
Preliminar
Quanto ao pedido de produção de prova testemunhal formulado pela parte autora, tenho que não merece prosperar.
Nos casos de concessão de benefício assistencial, a prova essencial para o julgador firmar sua convicção com relação ao requisito socioeconômico é o estudo social, sendo a prova oral, via de regra, dispensável.
Ademais, embora a requerente afirme que a prova testemunhal se destina a comprovar sua condição de hipossuficiência econômica, cumpre ressaltar que tais circunstâncias foram abordadas, de forma minuciosa e adequada, pela assistente social em seu respectivo estudo.
Cumpre referir que a assistente social descreveu expressamente o contexto social, as oportunidades e as limitações vivenciadas pela autora, a renda e os gastos da família, havendo, assim, elementos probatórios suficientes ao deslinde da questão.
Como se verá adiante, o vasto conjunto probatório constante dos autos, composto também por relevantes documentos previdenciários do núcleo familiar, é suficiente ao deslinde da questão, de modo que se revela-se desnecessária a produção de outras provas.
Dessa forma, não há se falar em cerceamento de defesa.
Mérito
Trata a presente ação do direito da parte autora à percepção do benefício assistencial previsto no art. 203, inciso V, da Constituição Federal, regulado pela Lei n.º 8.742/93.
A Constituição Federal instituiu o benefício assistencial ao deficiente e ao idoso nos seguintes termos:
Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente da contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:
(...)
V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.
A Lei n.º 8.742, de 7 de dezembro de 1993, veio a regular a matéria, merecendo transcrição o caput e os parágrafos 1º a 3º do art. 20, verbis:
Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de 1 (um) salário mínimo mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso com 70 (setenta) anos ou mais e que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família.
§ 1º Para os efeitos do disposto no caput, entende-se como família o conjunto de pessoas elencadas no art. 16 da Lei n. 8.213, de 24 de julho de 1991, desde que vivam sob o mesmo teto. (Redação dada pela Lei n. 9.720, de 30.11.1998)
§ 2º Para efeito de concessão deste benefício, a pessoa portadora de deficiência é aquela incapacitada para a vida independente e para o trabalho.
§ 3º Considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa portadora de deficiência ou idosa cuja renda mensal per capita seja inferior a ¼ (um quarto) do salário mínimo.
A redação do art. 20 da LOAS, acima mencionado, foi alterada pelas Leis nº 12.435, de 06-07-2011 e nº 12.470, de 31-08-2011, passando a apresentar o seguinte teor:
Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011)
§ 1o Para os efeitos do disposto no caput, a família é composta pelo requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011)
§ 2o Para efeito de concessão deste benefício, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. (Redação dada pela Lei nº 12.470, de 2011)
§ 3o Considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011)
§ 4o O benefício de que trata este artigo não pode ser acumulado pelo beneficiário com qualquer outro no âmbito da seguridade social ou de outro regime, salvo os da assistência médica e da pensão especial de natureza indenizatória. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011)
§ 5o A condição de acolhimento em instituições de longa permanência não prejudica o direito do idoso ou da pessoa com deficiência ao benefício de prestação continuada. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011)
§ 6º A concessão do benefício ficará sujeita à avaliação da deficiência e do grau de impedimento de que trata o § 2o, composta por avaliação médica e avaliação social realizadas por médicos peritos e por assistentes sociais do Instituto Nacional de Seguro Social - INSS. (Redação dada pela Lei nº 12.470, de 2011)
§ 7o Na hipótese de não existirem serviços no município de residência do beneficiário, fica assegurado, na forma prevista em regulamento, o seu encaminhamento ao município mais próximo que contar com tal estrutura. (Incluído pela Lei nº 9.720, de 30.11.1998)
§ 8o A renda familiar mensal a que se refere o § 3o deverá ser declarada pelo requerente ou seu representante legal, sujeitando-se aos demais procedimentos previstos no regulamento para o deferimento do pedido.(Incluído pela Lei nº 9.720, de 30.11.1998)
§ 9º A remuneração da pessoa com deficiência na condição de aprendiz não será considerada para fins do cálculo a que se refere o § 3o deste artigo. (Incluído pela Lei nº 12.470, de 2011)
§ 10. Considera-se impedimento de longo prazo, para os fins do § 2o deste artigo, aquele que produza efeitos pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos. (Incluído pela Lei nº 12.470, de 2011)
Com a edição, em 06-07-2015, do Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei n.º 13.146/2015), que entrou em vigência em 02-01-2016, os §§ 2º e 9º do art. 20 da Lei 8.472/93 foram novamente alterados, assim dispondo:
§ 2o Para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015)
§ 9o Os rendimentos decorrentes de estágio supervisionado e de aprendizagem não serão computados para os fins de cálculo da renda familiar per capita a que se refere o § 3o deste artigo. (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015)
No tocante ao idoso, o art. 38 da mesma Lei, com a redação dada pela Lei n.º 9.720, de 30 de novembro de 1998, dispunha (antes de ser revogado pela Lei 12.435/2011) que a idade prevista no art. 20 reduz-se para 67 anos a partir de 1º de janeiro de 1998. Esta idade sofreu nova redução, desta feita para 65 anos, pelo art. 34, caput, da Lei n.º 10.741, de 1º de outubro de 2003 (Estatuto do Idoso), idade esta que deve ser considerada a partir de 1º de janeiro de 2004, data de início da vigência do Estatuto, nos termos do seu art. 118.
Portanto, o direito ao benefício assistencial pressupõe o preenchimento dos seguintes requisitos: a) condição de deficiente (incapacidade para o trabalho e para a vida independente, consoante a redação original do art. 20 da LOAS, impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir a participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, consoante alterações promovidas pelas Leis nº 12.435, de 06-07-2011, e nº 12.470, de 31-08-2011 e, atualmente, impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, a partir da entrada em vigor do Estatuto da Pessoa com Deficiência, em 02-01-2016) ou idoso (neste caso, considerando-se, desde 1º de janeiro de 2004, a idade de 65 anos); e b) situação de risco social (estado de miserabilidade, hipossuficiência econômica ou situação de desamparo) da parte autora e de sua família.
No tocante à condição de deficiente, cabe fazer algumas observações.
A Constituição Federal, ao instituir o benefício, remete sua regulação à lei (conforme dispuser a lei, parte final do inciso V do art. 203). No entanto, conquanto seja atribuída à lei regular, concretizar, conformar, configurar ou organizar o direito à percepção do benefício da pessoa portadora de deficiência que não tenha condições de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, não pode, nesse desiderato, estabelecer um conceito restritivo de deficiência, por várias razões.
Em primeiro lugar, da análise da norma constitucional, verifico que consta o comando de que a assistência social será prestada a quem dela necessitar, o que demonstra inequivocamente a intenção constitucional de ampliação do conjunto de beneficiários da assistência social. Em linha de consequência, tal dispositivo (caput do art. 203) serve como princípio hermenêutico ou, se se preferir, como linha orientadora na interpretação dos demais dispositivos relativos à assistência social, entre os quais o do inciso V do mesmo artigo. Daí podemos inferir uma primeira conclusão, a de que se deve interpretar a locução pessoa portadora de deficiência (inciso V do art. 203) em um sentido amplo, jamais restritivo.
Em segundo, em sua importante missão de integrar a norma constitucional, não dispõe o legislador de liberdade plena. Ao revés, está limitado pelos preceitos da própria norma constitucional, sob pena de, a não ser assim, esvaziá-la de conteúdo. Nesse sentido, o ensinamento de JOSÉ JOAQUIM GOMES CANOTILHO:
"Em alguns casos, as remissões constitucionais para as leis significa abertamente a concretização da constituição segundo as leis. Todavia, este reenvio aberto não implica arbítrio legislativo de conformação, pois sempre se terá de admitir que o cerne da regulamentação legal é determinado materialmente, de forma expressa ou implícita, por princípios recebidos na lei constitucional". (Constituição dirigente e vinculação do legislador: contributo para a compreensão das normas constitucionais programáticas. Coimbra Editora, 1994, reimpressão, p. 485).
Nesse sentido, a Constituição limita o legislador, "as suas leis devem ater-se a esse norte, sobretudo ao dos direitos fundamentais e das normas restantes fixadas na Constituição" (KLAUS STERN, O Juiz e a Aplicação do Direito, in Direito Constitucional - Estudos em Homenagem a Paulo Bonavides, Eros Roberto Grau e Willis Santiago Guerra Filho (Org.), Malheiros Editores, São Paulo, 2001, p. 515).
Em terceiro, trata-se aqui de um direito fundamental, não só porque o art. 6º da Constituição Federal inclui entre os direitos sociais a assistência aos desamparados, mas principalmente porque o art. 203, inciso V, consagra expressa e cristalinamente a garantia (rectius: o direito) de um salário mínimo mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que se encontrem em situação de desamparo. Pois bem, no âmbito das normas constitucionais definidoras de direitos fundamentais, pode-se afirmar a existência de uma eficácia vinculante reforçada para todos os poderes públicos, inclusive o legislador (INGO WOLFGANG SARLET, A Eficácia dos Direitos Fundamentais, Livraria do Advogado, Porto Alegre, 1998). O citado autor, a respeito, assim ensina:
"Neste contexto, cumpre referir a paradigmática e multicitada formulação de Krüger, no sentido de que hoje não há mais falar em direitos fundamentais na medida da lei, mas, sim, em leis apenas na medida dos direitos fundamentais, o que - de acordo com Gomes Canotilho - traduz de forma plástica a mutação operada nas relações entre a lei e os direitos fundamentais. De pronto, verifica-se que a vinculação aos direitos fundamentais significa para o legislador uma limitação material de sua liberdade de conformação no âmbito de sua atividade regulamentadora e concretizadora. Para além disso, a norma contida no art. 5º, § 1º, da CF gera, a toda evidência, uma limitação das possibilidades de intervenção restritiva do legislador no âmbito de proteção dos direitos fundamentais. Se, por um lado, apenas o legislador se encontra autorizado a estabelecer restrições aos direitos fundamentais, por outro, ele próprio encontra-se vinculado a eles, podendo mesmo afirmar-se que o art. 5º, § 1º, da CF traz em seu bojo uma inequívoca proibição de leis contrárias aos direitos fundamentais, gerando a sindicabilidade não apenas do ato de edição normativa, mas também de seu resultado, atividade, por sua vez, atribuída à Jurisdição Constitucional. Isto significa, em última ratio, que a lei não pode mais definir autonomamente (isto é, de forma independente da Constituição) o conteúdo dos direitos fundamentais, o qual, pelo contrário, deverá ser extraído exclusivamente das próprias normas constitucionais que os consagram."
A necessidade de o legislador definir o conteúdo dos direitos fundamentais de forma vinculada com o sentido objetivo da norma constitucional é ressaltada pela doutrina mesmo nos casos, como o presente, em que a Constituição remete à lei a regulamentação ou concretização do direito fundamental. Nesse sentido, o ensinamento de JORGE MIRANDA:
"Mesmo quando a Constituição parece devolver para a lei a regulamentação de certos direitos ou institutos (...), o legislador não é livre de lhe emprestar qualquer conteúdo; a norma legislativa (insistimos) tem, na perspectiva global da Constituição, de possuir um sentido que seja compatível ou conforme com o sentido objectivo da norma constitucional. Fórmulas como "nos termos da lei" (...) ou equivalentes apenas podem indiciar que se trata de normas constitucionais não exeqüíveis por si mesmas" (Manual de Direito Constitucional, Tomo IV - Direitos Fundamentais, Coimbra Editora, Coimbra, 1993, pp. 280-1).
A doutrina constitucional, nacional ou estrangeira, é torrencial no sentido de que o legislador, em sua tarefa de concretização, está obrigatoriamente vinculado, antes de mais nada, ao texto constitucional, ou, em outras palavras, o texto constitucional limita a interpretação feita pelo legislador ao concretizar a norma constitucional (nesse sentido, KONRAD HESSE, El Texto Constitucional como Limite de la Interpretación, in Division de Poderes e Interpretación, ANTONIO LÓPEZ PINA (Org.), Tecnos, Madrid, 1987). Em conseqüência, o legislador encontra-se vinculado ao conteúdo constitucionalmente declarado dos direitos fundamentais, e se se aparta deste, cabe ao juiz protegê-lo, com o que é o juiz e não a lei a garantia última dos direitos (FRANCISCO RUBIO LLORENTE, La Forma del Poder, Centro de Estudios Constitucionales, Madrid, 1997, pp. 339-340).
Por fim, a impossibilidade de a lei estabelecer um conceito restritivo de deficiência é reforçada em razão de um dos objetivos constitucionais que devem servir de base à organização da seguridade social, o de universalidade da cobertura e do atendimento (Constituição Federal, art. 194, parágrafo único, inciso I). Ora, se se exigisse que para perceber o benefício assistencial deveria a pessoa ser portadora de deficiência que a incapacitasse não só para o exercício de atividade laboral, como para todos os atos da vida, a pessoa que se subsumisse na primeira hipótese (deficiência incapacitante para o trabalho) mas não na segunda (deficiência incapacitante para todos os atos da vida) ficaria completamente desprotegida da seguridade social - pois, evidentemente, não teria condições de ser segurado da previdência social -, em afronta ao princípio da dignidade da pessoa humana (CF, art. 1º, III), ao objetivo da seguridade social de universalidade da cobertura e do atendimento (CF, art. 194, parágrafo único, I) e à ampla garantia de prestação da assistência social (CF, art. 203, caput).
Por todo o exposto, a exigência, para a percepção do benefício, de ser a pessoa incapaz para a vida independente, se entendida como incapacidade para todos os atos da vida, não se encontra na Constituição. Ao contrário, tal exigência contraria o sentido da norma constitucional, seja considerada em si, seja em sintonia com os demais princípios e objetivos constitucionais acima analisados. Se aquela fosse a interpretação para a locução incapacitada para a vida independente, constante do art. 20, § 2º, da Lei n.º 8.742/93, o legislador teria esvaziado indevidamente o conteúdo material do direito fundamental da pessoa portadora de deficiência, deixando fora do seu âmbito uma ampla gama de pessoas portadoras de deficiência incapacitante para o trabalho, e, em consequência, incorreria em inconstitucionalidade.
Assim, a incapacidade para a vida independente a que se refere a Lei 8.742/93, na redação original, deve ser interpretada de forma a garantir o benefício assistencial a uma maior gama possível de pessoas portadoras de deficiência.
Nesse sentido, a incapacidade para a vida independente (a) não exige que a pessoa possua uma vida vegetativa ou que seja incapaz de locomover-se; (b) não significa incapacidade para as atividades básicas do ser humano, tais como alimentar-se, fazer a higiene e vestir-se sozinho; (c) não impõe a incapacidade de expressar-se ou de comunicar-se; e (d) não pressupõe dependência total de terceiros.
Precedentes do Egrégio Superior Tribunal de Justiça confortam tal entendimento, como demonstra a ementa a seguir transcrita:
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. ART. 20, § 2º DA LEI 8.742/93. PORTADOR DO VÍRUS HIV. INCAPACIDADE PARA O TRABALHO E PARA PROVER O PRÓPRIO SUSTENTO OU DE TÊ-LO PROVIDO PELA FAMÍLIA. LAUDO PERICIAL QUE ATESTA A CAPACIDADE PARA A VIDA INDEPENDENTE BASEADO APENAS NAS ATIVIDADES ROTINEIRAS DO SER HUMANO. IMPROPRIEDADE DO ÓBICE À PERCEPÇÃO DO BENEFÍCIO. RECURSO DESPROVIDO.
I - A pessoa portadora do vírus HIV, que necessita de cuidados freqüentes de médico e psicólogo e que se encontra incapacitada, tanto para o trabalho, quanto de prover o seu próprio sustento ou de tê-lo provido por sua família - tem direito à percepção do benefício de prestação continuada previsto no art. 20 da Lei 8.742/93, ainda que haja laudo médico-pericial atestando a capacidade para a vida independente.
II - O laudo pericial que atesta a incapacidade para a vida laboral e a capacidade para a vida independente, pelo simples fato da pessoa não necessitar da ajuda de outros para se alimentar, fazer sua higiene ou se vestir, não pode obstar a percepção do benefício, pois, se esta fosse a conceituação de vida independente, o benefício de prestação continuada só seria devido aos portadores de deficiência tal, que suprimisse a capacidade de locomoção do indivíduo - o que não parece ser o intuito do legislador.
III - Recurso desprovido.
(STJ, 5ª Turma, RESP 360.202/AL, Rel. Min. Gilson Dipp, DJU de 01-07-2002)
No mesmo sentido, reiteradas decisões deste Tribunal (v.g., AC n. 2003.04.01.027597-7/PR, 5ª Turma, de minha relatoria, DJU de 14-06-2006; AC n. 2001.04.01.068468-6/SC, 5ª Turma, Rel. Des. Federal Antônio Albino Ramos de Oliveira, DJU de 10-04-2002; AC n. 2000.71.12.003233-1, 5ª Turma, Rel. Des. Federal Victor Luiz dos Santos Laus, DJU de 12-07-2006; AC n. 2005.04.01.012524-1/RS, 5ª Turma, Rel. Des. Federal Otávio Roberto Pamplona; AC n. 2002.71.04.000395-5/RS, 6ª Turma, Rel. Des. Federal João Batista Pinto Silveira, DJU de 19-04-2006; AC n. 2005.04.01.015590-7, 6ª Turma, Rel. Des. Federal Luís Alberto D" Azevedo Aurvalle, DJU de 27-07-2005).
No que diz respeito ao requisito econômico, é de ver-se que o parágrafo 3º do artigo 20 da Lei 8.742/93 (LOAS) prevê como critério para a concessão do benefício assistencial a idosos ou deficientes o fato de a renda familiar mensal per capita ser inferior a um quarto do salário mínimo.
Todavia, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, ao julgar, em 18-04-2013, a Reclamação nº 4.374 e o Recurso Extraordinário nº 567.985, este com repercussão geral, reconheceu e declarou, incidenter tantum, a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do artigo 20, § 3º, da Lei 8.742/93 (LOAS), por considerar que o critério ali previsto está defasado para caracterizar a situação de miserabilidade. Veja-se a ementa do último deles:
Benefício assistencial de prestação continuada ao idoso e ao deficiente. Art. 203, V, da Constituição.
A Lei de Organização da Assistência Social (LOAS), ao regulamentar o art. 203, V, da Constituição da República, estabeleceu os critérios para que o benefício mensal de um salário mínimo seja concedido aos portadores de deficiência e aos idosos que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família.
2. Art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993 e a declaração de constitucionalidade da norma pelo Supremo Tribunal Federal na ADI 1.232.
Dispõe o art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93 que "considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa portadora de deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo".
O requisito financeiro estabelecido pela lei teve sua constitucionalidade contestada, ao fundamento de que permitiria que situações de patente miserabilidade social fossem consideradas fora do alcance do benefício assistencial previsto constitucionalmente.
Ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.232-1/DF, o Supremo Tribunal Federal declarou a constitucionalidade do art. 20, § 3º, da LOAS.
3. Decisões judiciais contrárias aos critérios objetivos preestabelecidos e Processo de inconstitucionalização dos critérios definidos pela Lei 8.742/1993.
A decisão do Supremo Tribunal Federal, entretanto, não pôs termo à controvérsia quanto à aplicação em concreto do critério da renda familiar per capita estabelecido pela LOAS.
Como a lei permaneceu inalterada, elaboraram-se maneiras de se contornar o critério objetivo e único estipulado pela LOAS e de se avaliar o real estado de miserabilidade social das famílias com entes idosos ou deficientes.
Paralelamente, foram editadas leis que estabeleceram critérios mais elásticos para a concessão de outros benefícios assistenciais, tais como: a Lei 10.836/2004, que criou o Bolsa Família; a Lei 10.689/2003, que instituiu o Programa Nacional de Acesso à Alimentação; a Lei 10.219/01, que criou o Bolsa Escola; a Lei 9.533/97, que autoriza o Poder Executivo a conceder apoio financeiro a Municípios que instituírem programas de garantia de renda mínima associados a ações socioeducativas.
O Supremo Tribunal Federal, em decisões monocráticas, passou a rever anteriores posicionamentos acerca da intransponibilidade do critérios objetivos.
Verificou-se a ocorrência do processo de inconstitucionalização decorrente de notórias mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro).
4. Declaração de inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993.
5. Recurso extraordinário a que se nega provimento.
A propósito, transcrevo excerto do voto do Min. Luiz Fux, ao abordar a modulação dos efeitos da decisão (modelação que acabou por não ser aprovada):
O que se pretende? Durante esse prazo de vácuo legislativo, não se pode ter coragem de assumir o caos. Ninguém tem o direito de assumir, por hombridade, o caos legislativo, o apagão legislativo do país. A verdade é a seguinte: são tantas as situações, as violações aqui! O princípio da isonomia, o princípio da dignidade humana foram reconhecidos pelo Supremo Tribunal Federal. E exatamente para que não permaneçam essas violações, é que o juiz pode, durante esse período de vácuo legislativo, avaliar o que deve ser feito no caso concreto. Mutatis mutandis, foi isso que se estabeleceu.
Em suma, com a declaração de inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, §3º, da Lei n. 8.742/1993, os juízes, para a verificação da situação de risco social em que se encontra o pretendente do benefício assistencial e sua família, não ficam adstritos aos critérios objetivos ali traçados, podendo valer-se de outros elementos de prova que atestem a sua condição de miserabilidade.
Nesse sentido, aliás, o Superior Tribunal de Justiça já havia reconhecido, em sede de Recurso Repetitivo, a possibilidade de demonstração da condição de miserabilidade por outros meios de prova, quando a renda per capitafamiliar fosse superior a ¼ do salário mínimo, como se vê do seguinte acórdão:
RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. ART. 105, III, ALÍNEA C DA CF. DIREITO PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. POSSIBILIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DA CONDIÇÃO DE MISERABILIDADE DO BENEFICIÁRIO POR OUTROS MEIOS DE PROVA, QUANDO A RENDA PER CAPITA DO NÚCLEO FAMILIAR FOR SUPERIOR A 1/4 DO SALÁRIO MÍNIMO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
1. A CF/88 prevê em seu art. 203, caput e inciso V a garantia de um salário mínimo de benefício mensal, independente de contribuição à Seguridade Social, à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.
2. Regulamentando o comando constitucional, a Lei 8.742/93, alterada pela Lei 9.720/98, dispõe que será devida a concessão de benefício assistencial aos idosos e às pessoas portadoras de deficiência que não possuam meios de prover à própria manutenção, ou cuja família possua renda mensal per capita inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo.
3. O egrégio Supremo Tribunal Federal, já declarou, por maioria de votos, a constitucionalidade dessa limitação legal relativa ao requisito econômico, no julgamento da ADI 1.232/DF (Rel. para o acórdão Min. NELSON JOBIM, DJU 1.6.2001).
4. Entretanto, diante do compromisso constitucional com a dignidade da pessoa humana, especialmente no que se refere à garantia das condições básicas de subsistência física, esse dispositivo deve ser interpretado de modo a amparar irrestritamente a o cidadão social e economicamente vulnerável.
5. A limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade, ou seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita inferior a 1/4 do salário mínimo.
6. Além disso, em âmbito judicial vige o princípio do livre convencimento motivado do Juiz (art. 131 do CPC) e não o sistema de tarifação legal de provas, motivo pelo qual essa delimitação do valor da renda familiar per capita não deve ser tida como único meio de prova da condição de miserabilidade do beneficiado. De fato, não se pode admitir a vinculação do Magistrado a determinado elemento probatório, sob pena de cercear o seu direito de julgar.
7. Recurso Especial provido.
(REsp 1112557/MG, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 28/10/2009, DJe 20/11/2009)
Nessa linha, cumpre esclarecer que, com a edição do Estatuto da Pessoa com Deficiência, foi acrescido o parágrafo 11 ao artigo 20 da Lei n.º 8.742/93, dispondo no seguinte sentido:
§ 11. Para concessão do benefício de que trata o caput deste artigo, poderão ser utilizados outros elementos probatórios da condição de miserabilidade do grupo familiar e da situação de vulnerabilidade, conforme regulamento. (Incluído pela Lei nº 13.146, de 2015)
Registre-se que o Supremo Tribunal Federal, por ocasião do julgamento do Recurso Extraordinário 580.963/PR, realizado em 17-04-2013, declarou, outrossim, a inconstitucionalidade do parágrafo único do art. 34 do Estatuto do Idoso (Lei 10.741/03), o qual estabelece que o benefício assistencial já concedido a qualquer idoso membro da família "não será computado para os fins do cálculo da renda familiar per capita a que se refere a LOAS", baseado nos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e da isonomia, bem como no caráter de essencialidade de que se revestem os benefícios de valor mínimo, tanto previdenciários quanto assistenciais, concedidos a pessoas idosas e também àquelas portadoras de deficiência. Segundo o STF, portanto, não se justifica que, para fins do cálculo da renda familiar per capita, haja previsão de exclusão apenas do valor referente ao recebimento de benefício assistencial por membro idoso da família, quando verbas de outra natureza (benefício previdenciário), bem como outros beneficiários de tais verbas (membro da família portador de deficiência), também deveriam ser contemplados.
Este TRF, aliás, já vinha julgando no sentido da desconsideração do interpretação restritiva do artigo 34, parágrafo único, do Estatuto do Idoso.
Assim, no cálculo da renda familiar per capita, deve ser excluído o valor auferido por idoso com 65 anos ou mais a título de benefício assistencial ou benefício previdenciário de renda mínima (EIAC nº 0006398-38.2010.404.9999/PR, julgado em 04-11-2010), ou de benefício previdenciário de valor superior ao mínimo, até o limite de um salário mínimo, bem como o valor auferido a título de benefício previdenciário por incapacidade ou assistencial em razão de deficiência, independentemente de idade (EIAC N.º 2004.04.01.017568-9/PR, Terceira Seção, julgado em 02-07-2009). Ressalto que tal pessoa, em decorrência da exclusão de sua renda, também não será considerada na composição familiar, para efeito do cálculo da renda per capita.
De outro lado, no período entre 11-08-1997 (data da entrada em vigor da Medida Provisória nº 1.473-34, sucessivamente reeditada até a Medida Provisória nº 1.599-51/1998, convertida na Lei nº 9.720/1998) e 06-07-2011 (data da edição da Lei nº 12.435/2011), não podem ser incluídos no cálculo da renda familiar os rendimentos auferidos por irmãos ou filhos maiores de 21 anos e não inválidos, bem assim por avós, tios, sobrinhos, primos e outros parentes não relacionados no art. 16 da Lei de Benefícios. Isso porque o art. 20, §1º, da Lei nº 8.742/93, na redação dada pela Lei nº 9.720, de 30-11-1998 (e desde antes, com a edição da MP 1.473-34, acima mencionada), dispõe que se entende como família, para efeito de concessão do benefício assistencial, o conjunto de pessoas, que vivam sob o mesmo teto, elencadas no art. 16 da Lei de Benefícios - entre as quais não se encontram aquelas antes referidas.
O egrégio Supremo Tribunal Federal tem assentado, por decisões monocráticas de seus Ministros, que decisões que excluem do cálculo da renda familiar per capita os rendimentos auferidos por pessoas não relacionadas no art. 16 da Lei de Benefícios não divergem da orientação traçada no julgamento da ADI 1.232-1, como se constata, v. g., de decisões proferidas pelos Ministros GILMAR MENDES (AI 557297/SC - DJU de 13-02-2006) e CARLOS VELLOSO (Reclamação 3891/RS - DJU de 09-12-2005).
Porém, a partir da entrada em vigor da Lei n.º 12.435, de 06-07-2011, que alterou a redação do art. 20, § 1º, da Lei n.º 8.742/93, o conceito de família, para efeito de concessão do benefício assistencial, passou a ser o conjunto de pessoas, que vivam sob o mesmo teto, ali elencadas ("Para os efeitos do disposto no caput, a família é composta pelo requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.").
Vale ressaltar, também, que sempre que os necessários cuidados com a parte autora, em decorrência de sua deficiência, incapacidade ou avançada idade, acarretarem gastos - notadamente com medicamentos, alimentação especial, fraldas descartáveis, tratamento médico, psicológico e fisioterápico, entre outros -, tais despesas podem ser levadas em consideração na análise da condição de miserabilidade da família do demandante. Aliás, se o objetivo do legislador, tanto o constituinte quanto o ordinário, é a proteção social reforçada da pessoa portadora de deficiência e do idoso, passa ao largo do princípio da razoabilidade entendimento que inclui na renda familiar - para efeito, justamente, de averiguar o preenchimento de requisito à concessão de benefício em favor daqueles - valores desde já comprometidos com os cuidados inerentes à incapacidade e à avançada idade. A posição aqui defendida, ademais, não afronta o entendimento do Supremo Tribunal Federal esposado na ADI 1.232-1, como demonstram as decisões monocráticas dos Ministros CARLOS VELLOSO (Reclamação 3891/RS - DJU de 09-12-2005), CELSO DE MELLO (Reclamações 3750/PR, decisão de 14-10-2005, e 3893/SP, decisão de 21-10-2005) e CARLOS BRITTO (RE 447370 - DJU de 02-08-2005).
Por fim, a eventual circunstância de a parte autora ser beneficiária e perceber renda proveniente do Programa Bolsa Família, que, segundo consta no site do Ministério do Desenvolvimento Social e de Combate à Fome (http://www.mds.gov.br/bolsafamilia/), "é um programa de transferência direta de renda que beneficia famílias em situação de pobreza e de extrema pobreza em todo o País" e "tem como foco de atuação os 16 milhões de brasileiros com renda familiar per capita inferior a R$ 70 mensais, e está baseado na garantia de renda, inclusão produtiva e no acesso aos serviços públicos", não só não impede a percepção do benefício assistencial do art. 203, V, da Constituição Federal, como constitui forte indicativo de que a unidade familiar encontra-se em situação de risco social.
Do caso dos autos
No caso dos autos, a condição de pessoa com deficiência resta incontroversa, tendo em vista que a autora apresenta paralisia cerebral (evento 34).
Nesse sentido, verifico que o benefício assistencial foi concedido a partir de 17-06-2002 e cessado em 01-07-2022, unicamente sob a alegação de a renda mensal familiar per capita ser superior a ¼ do salário mínimo (evento 16).
Com relação ao requisito socioeconômico, contudo, entendo que não restou evidenciada a situação de risco social.
No laudo social, realizado em 10-06-2023, a assistente social informou que a família é composta por 4 pessoas (a autora, seu pai, com 67 anos de idade, sua mãe, com 60, e uma irmã, com 19 anos), e a renda da família era de, aproximadamente, R$ 4.010,00, proveniente dos benefícios de aposentadoria por idade percebidos pelos genitores da autora (R$ 1.320,00 + R$ 1.320,00) e pelo salário da irmã da autora como laboratorista (R$ 1.370,00).
Além disso, constam as seguintes informações no laudo social (evento 34):
• Dos Fatos:
Realizei uma entrevista semiestruturada com sua mãe, a qual me relatou que Lais quando tinha 03 meses de idade, teve paralisia cerebral, desde então, apresentou desenvolvimento neuropsicomotor prejudicado. Ela chegou a frequentar a escola regular, no entanto, como não conseguia acompanhar,a família acabou tirando-a e atualmente frequenta a APAE, todos os dias.
Dona Ivone (mãe) me informa que quando Lais tinha 15 anos começou a receber o benefício, com 21 anos foi suspenso, a família entrou judicialmente e o benefício retornou, sendo suspenso novamente em junho de 2022. Lais tem mais 03 irmãos, uma reside com ela, a Eduarda (19 anos) e os outros são casados, tem suas próprias vidas e não conseguem auxiliar financeiramente os pais e suas irmãs. Mas os vínculos familiares entre eles estão fortalecidos.
No momento, Lais faz uso da medicação Sertralina, a qual está sendo fornecida via SUS.
A família reside em um imóvel próprio, fruto da herança do avô paterno de Lais, construção recente de alvenaria, em boas condições de habitação, com 03 quartos, sala, cozinha, dois banheiros, 01 lavabo e garagem aos fundos.Afamília nega ser proprietária de outros imóveis ou veículo.
A renda mensal da família é proveniente da aposentadoria dos seus pais, cada um recebe um salário mínimo vigente. As despesas fixas são água R$70,00; luz R$300,00; internet R$80,00; 01 botijão de gás por mês, cerca de um salário mínimo em alimentação; a medicação utilizada pela sua mãe R$101,40, conforme foto do comprovante em anexo. Sem contar as despesas com transporte, vestuário, lazer e algum outro gasto esporádico.
Laís, neste momento, possui uma rede de apoio fortalecida, porém, seus pais são idosos e também necessitam de amparo. No entanto, entende-se que neste momento a família não se encontra em vulnerabilidade financeira.
E, referente ao processo de requerimento do BPC, Dona Ivone (mãe) me informa que foi feito conforme solicitações de documentos a ela, a qual apenas os apresentou no INSS e aguardou a resposta.
Pois bem. Conforme destacado na sentença, cabe reiterar que devem ser desconsiderados para o cálculo da renda familiar os valores auferidos pelo pai da autora, até o limite de 01 salário mínimo, a titulo de aposentadoria por idade, por contar mais 65 anos de idade.
Por outro lado, deve ser computada a renda da mãe da autora a título de aposentadoria por idade, notadamente em razão de possuir menos de 65 anos de idade, nos termos da fundamentação supra.
Com relação à renda auferida pela irmã da parte autora, observa-se que o contracheque comprova que os valores líquidos auferidos pela autora eram, de fato, de aproximadamente R$ 1.370,00, não podendo ser desconsiderado o valor referente ao pagamento adiantado efetuado pela empresa (evento 1 – CHEQ20).
No tocante à desconsideração da renda auferida pela irmã da autora, cumpre ressaltar que não se desconhece que esta exerce a atividade na condição de pessoa com deficiência (PCD) (evento 1 - ATESTMED19). Todavia, inexiste demonstração que tal atividade seja exercida na condição de aprendiz como alega a parte autora, o que autorizaria, nos termos do art. 20, § 9º, da Lei 8.742/93, a desconsideração desta renda. Aliás, no contracheque acostado aos autos, consta que a autora exerce o cargo de “Laboratorista”, sem qualquer referência à condição de aprendiz.
De qualquer forma, ainda que fossem desconsiderados os valores auferidos pela irmã da autora, a condição de hipossuficiência econômica não restaria comprovada.
Isso porque, conforme ressaltado pela assistente social, a família da autora não se encontra em vulnerabilidade financeira, bem como possui renda superior às despesas mensais ordinárias.
Além disso, a família da autora reside em imóvel próprio, com ótimas condições de habitabilidade, consoante se verifica dos registros fotográficos anexados no estudo social (evento 34).
O que se percebe, de modo efetivo, é que a renda per capita, mesmo desconsiderando os valores auferidos pelo genitor e pela irmã da autora, é de, pelo menos, 1/2 do salário mínimo e que, embora esse elemento objetivo não seja exclusivo para se aferir o risco social, não há demonstração da condição de miserabilidade por outros meio de prova.
Diante de tais circunstâncias, entendo que a família da parte autora não está submetida à situação de risco social, razão pela qual é indevido o benefício assistencial.
Por tais razões, deve ser mantida a sentença.
Honorários advocatícios
Na sentença, foram fixados honorários advocatícios nestes termos:
Reconheço a sucumbência recíproca à razão de 50% para cada uma das partes. Assim, condeno as partes ao pagamento de honorários advocatícios ao patrono da parte adversária, que arbitro, para cada um, em 10% (dez) por cento sobre metade do valor atualizado da causa (artigo 85, §3º, I, do Código de Processo Civil). A verba devida pela parte autora fica submetida à condição suspensiva prevista no artigo 98, §3º, do Código de Processo Civil. A verba devida pelo INSS deve ser incluída em requisição de pagamento a ser expedida em favor da parte autora, sendo vedada a compensação com o valor pela parte devido (artigo 85, §14, do Código de Processo Civil).
Tendo em vista a sucumbência recursal da parte autora, majoro a verba honorária para 12% sobre a mesma base de cálculo fixada na sentença (metade do valor atualizado da causa), em favor do INSS. A verba devida pela parte autora fica submetida à condição suspensiva prevista no artigo 98, §3º, do Código de Processo Civil.
Conclusão
Apelação da parte autora desprovida, uma vez que indevido o restabelecimento do benefício assistencial.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação da parte autora.
Documento eletrônico assinado por JOSÉ ANTONIO SAVARIS, Juiz Federal Convocado, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40004489995v10 e do código CRC 2b1a36f9.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): JOSÉ ANTONIO SAVARIS
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Apelação Cível Nº 5003697-15.2022.4.04.7213/SC
RELATOR: Juiz Federal JOSÉ ANTONIO SAVARIS
VOTO DIVERGENTE
O i. relator decide por bem negar provimento à apelação da parte autora nestes termos:
No caso dos autos, a condição de pessoa com deficiência resta incontroversa, tendo em vista que a autora apresenta paralisia cerebral (evento 34).
Nesse sentido, verifico que o benefício assistencial foi concedido a partir de 17-06-2002 e cessado em 01-07-2022, unicamente sob a alegação de a renda mensal familiar per capita ser superior a ¼ do salário mínimo (evento 16).
Com relação ao requisito socioeconômico, contudo, entendo que não restou evidenciada a situação de risco social.
No laudo social, realizado em 10-06-2023, a assistente social informou que a família é composta por 4 pessoas (a autora, seu pai, com 67 anos de idade, sua mãe, com 60, e uma irmã, com 19 anos), e a renda da família era de, aproximadamente, R$ 4.010,00, proveniente dos benefícios de aposentadoria por idade percebidos pelos genitores da autora (R$ 1.320,00 + R$ 1.320,00) e pelo salário da irmã da autora como laboratorista (R$ 1.370,00).
Além disso, constam as seguintes informações no laudo social (evento 34):
• Dos Fatos:
Realizei uma entrevista semiestruturada com sua mãe, a qual me relatou que Lais quando tinha 03 meses de idade, teve paralisia cerebral, desde então, apresentou desenvolvimento neuropsicomotor prejudicado. Ela chegou a frequentar a escola regular, no entanto, como não conseguia acompanhar,a família acabou tirando-a e atualmente frequenta a APAE, todos os dias.
Dona Ivone (mãe) me informa que quando Lais tinha 15 anos começou a receber o benefício, com 21 anos foi suspenso, a família entrou judicialmente e o benefício retornou, sendo suspenso novamente em junho de 2022. Lais tem mais 03 irmãos, uma reside com ela, a Eduarda (19 anos) e os outros são casados, tem suas próprias vidas e não conseguem auxiliar financeiramente os pais e suas irmãs. Mas os vínculos familiares entre eles estão fortalecidos.
No momento, Lais faz uso da medicação Sertralina, a qual está sendo fornecida via SUS.
A família reside em um imóvel próprio, fruto da herança do avô paterno de Lais, construção recente de alvenaria, em boas condições de habitação, com 03 quartos, sala, cozinha, dois banheiros, 01 lavabo e garagem aos fundos.Afamília nega ser proprietária de outros imóveis ou veículo.
A renda mensal da família é proveniente da aposentadoria dos seus pais, cada um recebe um salário mínimo vigente. As despesas fixas são água R$70,00; luz R$300,00; internet R$80,00; 01 botijão de gás por mês, cerca de um salário mínimo em alimentação; a medicação utilizada pela sua mãe R$101,40, conforme foto do comprovante em anexo. Sem contar as despesas com transporte, vestuário, lazer e algum outro gasto esporádico.
Laís, neste momento, possui uma rede de apoio fortalecida, porém, seus pais são idosos e também necessitam de amparo. No entanto, entende-se que neste momento a família não se encontra em vulnerabilidade financeira.
E, referente ao processo de requerimento do BPC, Dona Ivone (mãe) me informa que foi feito conforme solicitações de documentos a ela, a qual apenas os apresentou no INSS e aguardou a resposta.
Pois bem. Conforme destacado na sentença, cabe reiterar que devem ser desconsiderados para o cálculo da renda familiar os valores auferidos pelo pai da autora, até o limite de 01 salário mínimo, a titulo de aposentadoria por idade, por contar mais 65 anos de idade.
Por outro lado, deve ser computada a renda da mãe da autora a título de aposentadoria por idade, notadamente em razão de possuir menos de 65 anos de idade, nos termos da fundamentação supra.
Com relação à renda auferida pela irmã da parte autora, observa-se que o contracheque comprova que os valores líquidos auferidos pela autora eram, de fato, de aproximadamente R$ 1.370,00, não podendo ser desconsiderado o valor referente ao pagamento adiantado efetuado pela empresa (evento 1 – CHEQ20).
No tocante à desconsideração da renda auferida pela irmã da autora, cumpre ressaltar que não se desconhece que esta exerce a atividade na condição de pessoa com deficiência (PCD) (evento 1 - ATESTMED19). Todavia, inexiste demonstração que tal atividade seja exercida na condição de aprendiz como alega a parte autora, o que autorizaria, nos termos do art. 20, § 9º, da Lei 8.742/93, a desconsideração desta renda. Aliás, no contracheque acostado aos autos, consta que a autora exerce o cargo de “Laboratorista”, sem qualquer referência à condição de aprendiz.
De qualquer forma, ainda que fossem desconsiderados os valores auferidos pela irmã da autora, a condição de hipossuficiência econômica não restaria comprovada.
Isso porque, conforme ressaltado pela assistente social, a família da autora não se encontra em vulnerabilidade financeira, bem como possui renda superior às despesas mensais ordinárias.
Além disso, a família da autora reside em imóvel próprio, com ótimas condições de habitabilidade, consoante se verifica dos registros fotográficos anexados no estudo social (evento 34).
O que se percebe, de modo efetivo, é que a renda per capita, mesmo desconsiderando os valores auferidos pelo genitor e pela irmã da autora, é de, pelo menos, 1/2 do salário mínimo e que, embora esse elemento objetivo não seja exclusivo para se aferir o risco social, não há demonstração da condição de miserabilidade por outros meio de prova.
Diante de tais circunstâncias, entendo que a família da parte autora não está submetida à situação de risco social, razão pela qual é indevido o benefício assistencial.
Por tais razões, deve ser mantida a sentença.
Peço vênia para dissentir da solução alvitrada por Sua Excelência, porquanto entendo ser irrefutável a ideia de que o exercício de atividade laborativa, mediante inclusão em programas sociais de apoio às pessoas com deficiência, não tem o condão de privá-lo da prestação assistencial.
Até o ano de 2011, o dependente do segurado com deficiência intelectual e mental não podia exercer qualquer atividade laborativa remunerada. Com o advento da Lei n° 12.470/2011 (também conhecida como Lei Romário), que alterou a Lei nº 8.213/91, especificamente nos artigos 16, incisos I e III, 72, parágrafo 3° e 77, parágrafo 2°, incisos II e III, e parágrafo 4°, foi preservado o direito ao trabalho das pessoas com deficiência intelectual e mental, dependentes do segurado: "filho ou irmão que tenham deficiência intelectual ou mental e que tenham sido declarados judicialmente absoluta ou relativamente incapazes". Tivemos a consagração da garantia do direito de trabalhar do dependente segurado.
Ao exercer uma atividade remunerada o dependente/trabalhador com deficiência passará para a condição de contribuinte obrigatório da Previdência Social. A nova ordem da Lei n° 12.470/2011 redirecionou a imprópria designação de "inválido" não mais a atrelando à condição da deficiência da pessoa e a sua capacidade para o trabalho. Passou a permitir que os dependentes com deficiência intelectual e com deficiência mental ingressassem no mundo do trabalho com a redução de 30% do valor da pensão. Com isso, passaram também à condição de contribuintes do sistema previdenciário. Lembre-se que essas duas condições de beneficiário e contribuinte são permitidas, com natureza semelhante a outras previstas na própria lei previdenciária
Mais recentemente, a Lei n° 13.183/2015 acrescentou o parágrafo 6º ao artigo 77 da Lei n° 8.213/1991, garantindo o direito à pensão integral pelo dependente com deficiência intelectual ou mental ou com deficiência grave, mesmo que este tenha um trabalho remunerado ou seja microempreendedor. Isso significa que a pessoa com deficiência intelectual/mental/grave pode ingressar no mundo do trabalho sem qualquer alteração no valor de sua pensão previdenciária e acumular os valores recebidos da pensão e da remuneração recebida por exercer uma atividade laborativa:
"§ 6º O exercício de atividade remunerada, inclusive na condição de microempreendedor individual, não impede a concessão ou manutenção da parte individual da pensão do dependente com deficiência intelectual ou mental ou com deficiência grave."
Diante disso, considerando que a irmã da autora trabalha em vaga de pessoa com deficiência (e.
), sua renda de valor mínimo deve ser excluída da renda familiar.Logo, tendo a parte autora somente a renda de valor mínimo de sua genitora de menos de 65 anos de idade, resta configurada a vulnerabilidade social, pois, no que diz respeito ao requisito econômico, cabe ressaltar o Plenário do Supremo Tribunal Federal, ao julgar, em 18-04-2013, a Reclamação nº 4374 e o Recurso Extraordinário nº 567985, este com repercussão geral, reconheceu e declarou, incidenter tantum, a inconstitucionalidade do parágrafo 3º do artigo 20 da Lei 8.742/93 (LOAS), por considerar que o critério ali previsto - ser a renda familiar mensal per capita inferior a um quarto do salário mínimo - está defasado para caracterizar a situação de vulnerabilidade, razão pela está consolidada a jurisprudência deste Tribunal (v.g. AC 5001745-37.2018.4.04.7214, 9ª TURMA, de minha Relatoria, juntado aos autos em 13/12/2019; AC 5014437-21.2019.4.04.9999, 9ª TURMA, Relator Des. Federal CELSO KIPPER, juntado aos autos em 12/12/2019; AC 5018881-97.2019.4.04.9999, 10ª TURMA, Relator Des. Federal LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO, juntado aos autos em 04/02/2020; AC 5025288-22.2019.4.04.9999, 10ª TURMA, Relator Des. Federal MÁRCIO ANTÔNIO ROCHA, juntado aos autos em 07/02/2020; AC 5001203-69.2019.4.04.9999, 6ª TURMA, Relator Des. Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA, juntado aos autos em 17/10/2019; AC 5005447-10.2017.4.04.7122, 5ª TURMA, Relator Des. Federal OSNI CARDOSO FILHO, juntado aos autos em 26/08/2019).
Sendo assim, é devido o benefício assistencial desde a indevida cessação, em 01-07-2022.
Dos consectários
Segundo o entendimento das Turmas previdenciárias do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, estes são os critérios aplicáveis aos consectários:
Correção monetária
Em relação aos benefícios assistenciais, devem ser observados os seguintes critérios de correção monetária, porquanto não afetados pela decisão do STJ no Tema 905:
- INPC (de 04/2006 a 29/06/2009, conforme o art. 31 da Lei n.º 10.741/03, combinado com a Lei n.º 11.430/06, precedida da MP n.º 316, de 11/08/2006, que acrescentou o art. 41-A à Lei n.º 8.213/91).
- IPCA-E (a partir de 30-06-2009, conforme decisão do STF na 2ª tese do Tema 810 (RE 870.947), j. 20/09/2017, ata de julgamento publicada no DJe n. 216, de 22-09-2017, com eficácia imediata nos processos pendentes, nos termos do artigo 1.035, § 11, do NCPC e acórdão publicado em 20-11-2017, cuja modulação foi rejeitada pela maioria do Plenário do STF por ocasião do julgamento dos embargos de declaração em 03-10-2017).
Juros moratórios
Os juros de mora incidirão à razão de 1% (um por cento) ao mês, a contar da citação (Súmula 204 do STJ), até 29/06/2009.
A partir de 30/06/2009, incidirão segundo os índices oficiais de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança, conforme art. 5º da Lei 11.960/09, que deu nova redação ao art. 1º-F da Lei 9.494/97, cuja constitucionalidade foi reconhecida pelo STF ao julgar a 1ª tese do Tema 810 da repercussão geral (RE 870.947), julgado em 20/09/2017, com ata de julgamento publicada no DJe n. 216, de 22/09/2017.
SELIC
A partir de dezembro de 2021, a variação da SELIC passa a ser adotada no cálculo da atualização monetária e dos juros de mora, nos termos do art. 3º da Emenda Constitucional nº 113/2021:
"Nas discussões e nas condenações que envolvam a Fazenda Pública, independentemente de sua natureza e para fins de atualização monetária, de remuneração do capital e de compensação da mora, inclusive do precatório, haverá a incidência, uma única vez, até o efetivo pagamento, do índice da taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (Selic), acumulado mensalmente."
Honorários advocatícios
Incide, no caso, a sistemática de fixação de honorários advocatícios prevista no art. 85 do CPC, porquanto a sentença foi proferida após 18/03/2016 (data da vigência do CPC definida pelo Pleno do STJ em 02/04/2016).
Invertidos os ônus sucumbenciais, estabeleço a verba honorária em 10% (dez por cento) sobre as parcelas vencidas (Súmula 111 do STJ), considerando as variáveis previstas no artigo 85, § 2º, incisos I a IV do CPC.
Custas Processuais
O INSS é isento do pagamento de custas (art. 4º, inciso I, da Lei nº 9.289/96 e Lei Complementar Estadual nº 156/97, com a redação dada pelo art. 3º da LCE nº 729/2018).
Tutela específica - implantação do benefício
Considerando a eficácia mandamental dos provimentos fundados nos artigos 497 e 536 do NCPC, quando dirigidos à Administração Pública, e tendo em vista que a presente decisão não está sujeita, em princípio, a recurso com efeito suspensivo, determino o cumprimento do acórdão no tocante à implantação do benefício da parte autora, especialmente diante do seu caráter alimentar e da necessidade de efetivação imediata dos direitos sociais fundamentais.
TABELA PARA CUMPRIMENTO PELA CEAB | |
---|---|
CUMPRIMENTO | Restabelecer Benefício |
NB | 1252525904 |
DIB | 02/07/2022 |
DIP | Primeiro dia do mês da decisão que determinou a implantação/restabelecimento do benefício |
DCB | |
RMI | A apurar |
OBSERVAÇÕES |
Requisite a Secretaria da 9ª Turma, à CEAB-DJ-INSS-SR3, o cumprimento da decisão e a comprovação nos presentes autos, no prazo de 20 (vinte) dias.
Dispositivo
Ante o exposto, com a vênia do eminente Relator, voto por dar provimento à apelação e determinar a imediata implantação do benefício.
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Apelação Cível Nº 5003697-15.2022.4.04.7213/SC
RELATOR: Desembargador Federal CELSO KIPPER
EMENTA
CONCESSÃO DE BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. CONDIÇÃO DE DEFICIENTE. SITUAÇÃO DE RISCO SOCIAL. REQUISITOS NÃO PREENCHIDOS.
1. O direito ao benefício assistencial pressupõe o preenchimento dos seguintes requisitos: a) condição de deficiente (incapacidade para o trabalho e para a vida independente, consoante a redação original do art. 20 da LOAS, impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir a participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, consoante alterações promovidas pelas Leis nº 12.435, de 06-07-2011, e nº 12.470, de 31-08-2011 e, atualmente, impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, a partir da entrada em vigor do Estatuto da Pessoa com Deficiência, em 02-01-2016) ou idoso (neste caso, considerando-se, desde 1º de janeiro de 2004, a idade de 65 anos); e b) situação de risco social(estado de miserabilidade, hipossuficiência econômica ou situação de desamparo) da parte autora e de sua família.
2. Não comprovada a situação de risco social da parte autora, é indevido o benefício assistencial.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 9ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por maioria, vencido o Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ, negar provimento à apelação da parte autora, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Florianópolis, 12 de novembro de 2024.
Documento eletrônico assinado por CELSO KIPPER, Juiz Federal Convocado, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40004489996v5 e do código CRC 129bdb29.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 01/10/2024 A 08/10/2024
Apelação Cível Nº 5003697-15.2022.4.04.7213/SC
RELATOR: Juiz Federal JOSÉ ANTONIO SAVARIS
PRESIDENTE: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
PROCURADOR(A): MARCUS VINICIUS AGUIAR MACEDO
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 01/10/2024, às 00:00, a 08/10/2024, às 16:00, na sequência 802, disponibilizada no DE de 19/09/2024.
Certifico que a 9ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
APÓS O VOTO DO JUIZ FEDERAL JOSÉ ANTONIO SAVARIS NO SENTIDO DE NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DA PARTE AUTORA, NO QUE FOI ACOMPANHADO PELA JUÍZA FEDERAL LUÍSA HICKEL GAMBA E A DIVERGÊNCIA INAUGURADA PELO DESEMBARGADOR FEDERAL PAULO AFONSO BRUM VAZ NO SENTIDO DE DAR PROVIMENTO À APELAÇÃO E DETERMINAR A IMEDIATA IMPLANTAÇÃO DO BENEFÍCIO, O JULGAMENTO FOI SOBRESTADO NOS TERMOS DO ART. 942 DO CPC/2015.
Votante: Juiz Federal JOSÉ ANTONIO SAVARIS
Votante: Juíza Federal LUÍSA HICKEL GAMBA
Votante: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
ALEXSANDRA FERNANDES DE MACEDO
Secretária
MANIFESTAÇÕES DOS MAGISTRADOS VOTANTES
Divergência - GAB. 91 (Des. Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ) - Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ.
Acompanha o(a) Relator(a) - GAB. 93 (Des. Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ) - Juíza Federal LUÍSA HICKEL GAMBA.
Acompanho o(a) Relator(a)
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 05/11/2024 A 12/11/2024
Apelação Cível Nº 5003697-15.2022.4.04.7213/SC
RELATOR: Juiz Federal JOSÉ ANTONIO SAVARIS
PRESIDENTE: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
PROCURADOR(A): MARCELO VEIGA BECKHAUSEN
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 05/11/2024, às 00:00, a 12/11/2024, às 16:00, na sequência 793, disponibilizada no DE de 23/10/2024.
Certifico que a 9ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
PROSSEGUINDO NO JULGAMENTO, APÓS OS VOTOS DOS DESEMBARGADORES FEDERAIS CLAUDIA CRISTINA CRISTOFANI E RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA ACOMPANHANDO O RELATOR, A 9ª TURMA DECIDIU, POR MAIORIA, VENCIDO O DESEMBARGADOR FEDERAL PAULO AFONSO BRUM VAZ, NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DA PARTE AUTORA, NOS TERMOS DO VOTO DO RELATOR.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal CELSO KIPPER
Votante: Desembargadora Federal CLAUDIA CRISTINA CRISTOFANI
Votante: Desembargador Federal RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA
ALEXSANDRA FERNANDES DE MACEDO
Secretária
MANIFESTAÇÕES DOS MAGISTRADOS VOTANTES
Acompanha o(a) Relator(a) - GAB. 103 (Des. Federal CLAUDIA CRISTINA CRISTOFANI) - Desembargadora Federal CLAUDIA CRISTINA CRISTOFANI.
Acompanho o(a) Relator(a)
Acompanha o(a) Relator(a) - GAB. 61 (Des. Federal RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA) - Desembargador Federal RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA.
Acompanho o(a) Relator(a)
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Identificações de pessoas físicas foram ocultadas