D.E. Publicado em 09/03/2017 |
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0002099-08.2016.4.04.9999/SC
RELATORA | : | Juíza Federal MARINA VASQUES DUARTE DE BARROS FALCÃO |
APELANTE | : | SANTINA GOMES DO ROSÁRIO CARVALHO e outros |
ADVOGADO | : | Mauri Raul Costa Júnior |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
ADVOGADO | : | Procuradoria Regional da PFE-INSS |
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. CONCESSÃO DE PENSÃO POR MORTE A CÔNJUGE. QUALIDADE DE SEGURADO DO FALECIDO. SAFRISTA. REQUISITOS. DIREITO AO BENEFÍCIO. CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS DE MORA. FASE DE CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. DIFERIMENTO.
1. Para a obtenção do benefício de pensão por morte deve a parte interessada preencher os requisitos estabelecidos na legislação previdenciária vigente à data do óbito, consoante iterativa jurisprudência dos Tribunais Superiores e Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF 4).
2. O tempo de serviço rural, cuja existência é demonstrada por testemunhas que complementam início de prova material, deve ser reconhecido ao trabalhador agrícola safrista.
3. O safrista é trabalhador rural contratado por pequeno prazo para o exercício de atividades de natureza temporária, consoante disciplina o art. 14-A da Lei 5.889/1973 (que regula o trabalho rural), incluído pela Lei 11.718/2008. Portanto, tem relação de emprego, cujo contrato de trabalho deve ser formalizado mediante inclusão do obreiro em Guia de Recolhimento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço e Informações à Previdência Social (GFIP), bem como mediante anotação em CTPS ou Ficha de Registro de Empregados ou, ainda, através de contrato escrito (§§ 2º e 3º do art. 14-A da referida Lei). Por via de consequência, está sujeito a contribuição previdenciária (§ 5º), cujo recolhimento é de responsabilidade do empregador (§ 7º).
4. Demonstrada a qualidade de segurado do falecido ao tempo do óbito, tem a autora, na condição de esposa, o direito ao recebimento do benefício de pensão por morte.
5. Deliberação sobre índices de correção monetária e taxas de juros diferida para a fase de cumprimento de sentença, a iniciar-se com a observância dos critérios da Lei 11.960/2009, de modo a racionalizar o andamento do processo, permitindo-se a expedição de precatório pelo valor incontroverso, enquanto pendente, no Supremo Tribunal Federal, decisão sobre o tema com caráter geral e vinculante. Precedentes do STJ e do TRF da 4ª Região.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, dar provimento à apelação da parte autora, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre/RS, 22 de fevereiro de 2017.
Juíza Federal MARINA VASQUES DUARTE DE BARROS FALCÃO
Relatora
Documento eletrônico assinado por Juíza Federal MARINA VASQUES DUARTE DE BARROS FALCÃO, Relatora, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 8814356v5 e, se solicitado, do código CRC 67EAA1AB. | |
Informações adicionais da assinatura: | |
Signatário (a): | Marina Vasques Duarte de Barros Falcão |
Data e Hora: | 28/02/2017 20:57 |
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0002099-08.2016.4.04.9999/SC
RELATORA | : | Juíza Federal MARINA VASQUES DUARTE DE BARROS FALCÃO |
APELANTE | : | SANTINA GOMES DO ROSÁRIO CARVALHO e outros |
ADVOGADO | : | Mauri Raul Costa Júnior |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
ADVOGADO | : | Procuradoria Regional da PFE-INSS |
RELATÓRIO
ARCÍDIA GOMES DO ROSÁRIO ajuizou ação ordinária contra o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), objetivando a concessão de pensão por morte do cônjuge, ESTEFANIO FERNANDES DO ROSÁRIO, cujo óbito ocorreu em 24-05-1997.
Noticiado o falecimento da parte autora em 16-06-2013 (fl.189), foi homologado pedido de habilitação, declarando sucessores de ARCÍDIA GOMES DO ROSÁRIO, na presente demanda, Santina Gomes do Rosário Carvalho, Antonio Gomes do Rosário, Claudemir do Rosário, Vanderlei Gomes do Rosário, Terezinha Gomes do Rosário, Marli de Fátima do Rosário, Roseni do Rosário e Joãozinho Gomes do Rosário (fl.190).
Sobreveio sentença (28-10-2015) que julgou improcedentes os pedidos.
Inconformados, os autores recorreram, sustentando que a documentação acostada nos autos comprovou a atividade rural do instituidor do benefício.
Ademais, alegaram que as testemunhas foram precisas em reconhecer o labor rural de Estefanio Fernandes do Rosário como bóia-fria.
Requereram o reconhecimento do pedido inicial, para determinar a implantação do benefício de pensão por morte, retroagindo à data do óbito.
Apresentadas as contrarrazões, vieram os autos para julgamento.
VOTO
Nos termos do artigo 1.046 do Código de Processo Civil (CPC), em vigor desde 18 de março de 2016, com a redação que lhe deu a Lei 13.105, de 16 de março de 2015, suas disposições aplicar-se-ão, desde logo, aos processos pendentes, ficando revogada a Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973.
Com as ressalvas feitas nas disposições seguintes a este artigo 1.046 do CPC, compreende-se que não terá aplicação a nova legislação para retroativamente atingir atos processuais já praticados nos processos em curso e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada, conforme expressamente estabelece seu artigo 14.
Pensão por Morte
A parte autora sustentou que fora casada com Estefanio Fernandes do Rosário, trabalhador rural até seu do óbito (24-05-1997). Aduziu que em 1996 o esposo quebrou a perna e estava acometido de câncer, não podendo mais trabalhar. Alegou que requereu administrativamente o benefício de pensão por morte à autarquia previdenciária em 09-03-2012, negado sob fundamento que a última contribuição deu-se em 12/1990 (fl. 76).
Para a obtenção do benefício de pensão por morte, deve a parte interessada preencher os requisitos previstos na legislação previdenciária vigente na data do óbito, conforme dispõe a Súmula 340, do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
À época, quando do falecimento de ESTEFANIO FERNANDES DO ROSÁRIO, ocorrido em 24-05-1997, a legislação aplicável à espécie - Lei 8.213, de 24 de julho de 1991 (Plano de Benefícios da Previdência Social) - apresentava ainda na sua redação original:
Art. 74 - A pensão por morte será devida ao conjunto dos dependentes do segurado que vier a falecer, aposentado ou não, a contar da data do óbito ou da decisão judicial, no caso de morte presumida.
São, portanto, três os requisitos para a concessão do benefício de pensão por morte previdenciária:
a) o óbito (ou morte presumida);
b) a qualidade de segurada da pessoa falecida;
c) a existência de dependentes, na forma prevista no artigo 16, da Lei n. 8.213/1991.
O evento morte está comprovado pela certidão de óbito (fl. 23).
Não há discussão quanto à qualidade de dependente da requerente, porquanto esposa. Além de ser incontroverso, foi demonstrada por meio das certidões (fls. 23-34).
A dependência econômica da autora é presumida por força de lei (art. 16, inc. I, § 4º, da Lei 8.213/1991):
Art. 16. São beneficiários do Regime Geral de Previdência Social, na condição de dependentes do segurado:
I - o cônjuge, a companheira, o companheiro e o filho não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido ou que tenha deficiência intelectual ou mental que o torne absoluta ou relativamente incapaz", assim declarado judicialmente;
[...]
§ 4o A dependência econômica das pessoas indicadas no inciso I é presumida e a das demais deve ser comprovada .
A controvérsia gira em torno da qualidade de segurado do falecido.
A parte autora alega que o falecido instituidor trabalhava como boia-fria antes do seu falecimento.
A este respeito, reputo necessário tecer algumas considerações acerca do enquadramento do trabalhador "boia-fria" no regime da Previdência Social.
Inicialmente, destaco que o fato de o trabalhador rural qualificar-se como "boia-fria" (ou volante, ou diarista) não nos induz a concluir que o mesmo esteja inserido em uma específica e determinada relação de trabalho, a apontar para uma determinada forma de vinculação à Previdência Social, e que, portanto, o classifique automaticamente em uma das espécies de segurado elencadas nos incisos do artigo 11 da Lei 8.213/91.
Com efeito, sob a denominação genérica de "boia-fria" - expressão que não foi cunhada no universo jurídico e que tem sido objeto de estudo de diversos ramos das ciências sociais e humanas - encontram-se trabalhadores rurais que exercem sua atividade sob diversas formas, seja como empregados, como trabalhadores eventuais, ou como empreiteiros. (OLIVEIRA, Oris. Criança e Adolescente: O Trabalho da Criança e do Adolescente no Setor Rural. In: BERWANGER, Jane Lúcia Wilhelm. Previdência Rural e Inclusão Social. Curitiba: Juruá, 2007, p. 90).
Certo é que os "boias-frias" constituem, em regra, a camada mais pobre dentre os trabalhadores rurais. Diversamente dos segurados especiais, eles não têm acesso a terra, trabalhando para terceiros, vendendo sua força de trabalho para a execução de etapas isoladas do ciclo de produção agrícola. Contudo, diferentemente dos empregados rurais, suas relações de trabalho não se revestem de qualquer formalização, ficando à margem, no mais das vezes, dos institutos protetivos dirigidos ao trabalho assalariado.
Assim, considerando a complexidade e diversidade das relações de trabalho e de formas de organização da produção em que estão imersos, num universo em que a informalidade e a ausência de documentação são a regra (e não por culpa dos trabalhadores, diga-se de passagem), o seu efetivo e seguro enquadramento no rol de segurados da Previdência Social demandaria extensa e profunda dilação probatória, incompatível com a necessidade de efetivação dos direitos sociais mais básicos das parcelas mais pobres da população, e mesmo com as parcas condições econômicas do trabalhador para fazer frente a processo tão complexo.
Esses fatores estão subjacentes ao entendimento dominante nesta Corte, segundo a qual o trabalhador rural volante/diarista/boia-fria é equiparado ao segurado especial quanto aos requisitos necessários para a obtenção dos benefícios previdenciários, focando-se então a questão na prova do exercício da atividade rural no respectivo período de carência. Nesse sentido: REOAC 0000600-28.2012.404.9999, Sexta Turma, Relator João Batista Pinto Silveira, D.E. 17/04/2012; AC 0020938-57.2011.404.9999, Quinta Turma, Relator Ricardo Teixeira do Valle Pereira, D.E. 15/03/2012; APELREEX 0017078-48.2011.404.9999, Quinta Turma, Relator Rogério Favreto, D.E. 16/02/2012).
No caso concreto, foram acostados os seguintes documentos:
a) Certidão de óbito de Estefanio Fernandes do Rosário, qualificado como trabalhador rural, lavrada em 26-05-1997 (fl.25);
b) Cópia da CTPS de Estefanio Fernandes do Rosário, com registros como trabalhador rural nos períodos de maio/setembro de 1977, janeiro de 1979, fevereiro/dezembro de 1980, março de 1982, fevereiro de 1986; como trabalhador florestal em dezembro de 1984 e trabalhador na fruticultura em março de 1990 (fls. 37/47);
c) Correspondência do INSS, datada de 25-04-2012, dirigida à autora, informando que não fora reconhecido o direito ao benefício requerido, não obstante afirmar que "Há indícios de atividade rural, todavia não foi considerada a filiação de segurado especial" (fl. 75).
Realizada audiência de instrução e julgamento em 08-09-2015, na qual foram ouvidas três testemunhas:
Depoimento da testemunha Terezinha Freitas da Silva:
Que conheceu Estefanio; que conheceu ele no interior, que ele trabalhava por dia, que a depoente e o marido também trabalhavam por dia, por empreitada, porque gente pobre tem que se virar; que ele trabalhava na roça, carpia, roçava, cortava; que quando conheceu ele, já era casado e tinha filhos; que ele sempre trabalhou na agricultura; que ele trabalhou de carteira assinada na Fischer Agrícola; que não lembra datas, mas quando foi visitá-lo ele estava enfermo, na cama, já não podia mais trabalhar; que dona Arcídia era a esposa dele e trabalhava na roça também; que depois do óbito do marido a dona Arcídia continuou trabalhando na roça. Nada mais.
Depoimento da testemunha Feliciano Alves dos Santos:
Que conheceu Estefanio quando ele já era casado e tinha filhos; que ele trabalhava por dia, não trabalhava fichado; que o depoente trabalhou com ele algumas vezes colhendo maçã, podando às vezes; que ele ficou um pouco de cama antes de falecer, não lembra quanto; que trabalhou com ele em duas safras, no ano de 1995. Nada mais.
Depoimento da testemunha José Calhan de Figueiredo:
Que conheceu Estefanio porque ele trabalhava para o depoente nos anos de 1994/1995, limpando roça; que sabia que ele trabalhava para um e outro por aí; que fora o depoente sabia que ele trabalhava para outros também; que ele trabalhava na roça; que na época ele já era velhinho, as firmas não pegavam mais ele; que esteve no velório dele; que sabe que ele trabalhava para um e para outro assim por dia, só o que sabe; que sabe que ele trabalho na Fischer. Nada mais.
O tempo de serviço rural pode ser comprovado mediante a produção de prova material suficiente, ainda que inicial, complementada por prova testemunhal idônea - quando necessária ao preenchimento de eventuais lacunas - não sendo esta admitida exclusivamente, a teor do art. 55, § 3º, da Lei n. 8.213/1991, e Súmula 149 do Superior Tribunal de Justiça - STJ.
Embora o art. 106 da Lei de Benefícios relacione os documentos aptos a essa comprovação, tal rol não é exaustivo, sendo certa a possibilidade de alternância das provas ali referidas.
Não se exige prova plena da atividade rural de todo o período correspondente à carência, de forma a inviabilizar a pretensão, mas um início de documentação que, juntamente com a prova oral, possibilite um juízo de valor seguro acerca dos fatos que se pretende comprovar.
Na hipótese, a certidão de óbito na qual o instituidor do benefício está qualificado como trabalhador rural, torna-se hábil a configurar início de prova material acerca da atividade rural desenvolvida pela pessoa falecida até a data do óbito.
A propósito, precedente do Superior Tribunal de Justiça (STJ):
"PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA RURAL POR IDADE. CERTIDÃO DE CASAMENTO NA QUAL CONSTA A QUALIFICAÇÃO DO CÔNJUGE COMO AGRICULTOR OU RURAL. EXTENSÃO À ESPOSA, DESDE QUE VENHA ACOMPANHADO DE PROVA TESTEMUNHAL IDÔNEA. FALECIMENTO DO MARIDO, SEPARAÇÃO JUDICIAL OU DE FATO NÃO CONDUZEM À EXTEMPORANEIDADE DO DOCUMENTO PÚBLICO.
1. A certidão de casamento na qual consta a qualificação do marido como agricultor ou rural é documento público hábil a comprovar o início de prova material do trabalho da esposa no meio agrícola, entretanto deve vir acompanhado de idônea prova testemunhal como observado pelo acórdão a quo. 2. A ocorrência do falecimento do marido, a separação judicial ou de fato do casal, em momento até mesmo anterior ao implemento da idade para o gozo do benefício, não são eventos aptos a gerar a extemporaneidade ou a desnaturar a validade e a eficácia da certidão de casamento, desde que a prova testemunhal produzida ateste a continuidade do labor da mulher nas lides rurais. Nesse sentido: "Ainda que a certidão pública nas condições acima seja a única prova material e não haja prova documental do labor rural após o óbito do cônjuge qualificado como trabalhador rural, está caracterizada a qualidade de segurado especial se a continuidade do labor agrícola for atestada por robusta prova testemunhal (AgRg no AREsp 100.566/MG, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, Dje 24/04/2012)". A propósito, confiram-se: AgRg no AREsp 105.451/MG, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, Primeira Turma, DJe 20/03/2014; e AgRg no Ag 1.424.675/MT, Rel. Min. Og Fernandes, Sexta Turma, Dje 04/10/2012. 3. Agravo regimental não provido.
(AgRg no AREsp 119028 / MT, Re. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, DJe 15/04/2014)
E da jurisprudência do Tribunal Regional Federal da 4ª Região:
PREVIDENCIÁRIO. SALÁRIO-MATERNIDADE. TRABALHADORA RURAL BÓIA-FRIA. CERTIDÃO DE NASCIMENTO. DOCUMENTO COMPROBATÓRIO HÁBIL. REQUISITOS LEGAIS DEMONSTRADOS. HONORÁRIOS ADVOCATÍCOS. MAJORAÇÃO. 1. As certidões da vida civil são hábeis a constituir início probatório da atividade rural, nos termos na jurisprudência pacífica do Egrégio STJ. 2. Demonstrada a maternidade e a qualidade de trabalhadora rural bóia-fria, mediante início razoável de prova documental, corroborada pela prova testemunhal, durante período equivalente ao da carência, é devido o salário-maternidade. 3. Em ações de salário-maternidade, o valor da condenação de apenas quatro salários mínimos exige ponderação para montante maior que o usual 10%, sob pena de aviltamento do trabalho técnico do patrono da parte autora. (TRF4, APELAÇÃO CÍVEL Nº 0007858-84.2015.404.9999, 6ª TURMA, Des. Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA, POR UNANIMIDADE, D.E. 29/07/2015, PUBLICAÇÃO EM 30/07/2015)
Ademais, os depoimentos prestados pelas testemunhas convergem no mesmo sentido, de que o falecido foi trabalhador rural com eventual registro em CTPS, e ou como bóia-fria, mantendo-se ativo até o momento em que houve piora do quadro de saúde. A existência de eventuais lacunas e contradições por parte das testemunhas não as desqualificam, tendo em vista o fato gerador óbito ter ocorrido há mais de 15 anos, bem como a avançada idade dos depoentes.
Este Tribunal e o STJ entendem que, dadas as circunstâncias em que prestado o labor como boia-fria, deve a esta categoria de segurado ser estendidos os benefícios destinados aos segurados especiais, no caso, o previsto no artigo 39, I, da Lei 8213/91:
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. TRABALHADORA RURAL. SALÁRIO-MATERNIDADE. CERTIDÃO DE NASCIMENTO. VALIDADE, COMO INÍCIO DE PROVA MATERIAL, CORROBORADO POR PROVA TESTEMUNHAL. PRECEDENTES DO STJ. REEXAME DE MATÉRIA FÁTICA, NO ÂMBITO DO RECURSO ESPECIAL.
IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO.
I. Na forma da jurisprudência do STJ, "o registro civil de nascimento é documento hábil para comprovar a condição de rurícola da mãe, para efeito de percepção do benefício previdenciário de salário-maternidade. A propósito: 'É considerado início razoável de prova material o documento que seja contemporâneo à época do suposto exercício de atividade profissional, como a certidão de nascimento da criança.' (AgRg no AREsp 455.579/RS, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, DJe 06/05/2014)" (STJ, AgRg no AREsp 320.560/PB, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, DJe de 27/05/2014).
II. Hipótese em que o Tribunal de origem, analisando o acervo fático-probatório, concluiu que "os documentos juntados aos autos constituem início razoável de prova material. A prova testemunhal, por sua vez, é precisa e convincente do labor rural da autora, na condição de segurada especial bóia-fria, no período de carência legalmente exigido".
III. Reconhecida, na origem, a condição de trabalhadora rural, com fundamento no contexto fático-probatório dos autos, para fins de percepção do salário-maternidade, constitui óbice à revisão do acórdão, no âmbito do Recurso Especial, o disposto na Súmula 7/STJ.
IV. Agravo Regimental improvido.
(AgRg no AREsp 517.671/PR, Rel. Ministra ASSUSETE MAGALHÃES, SEGUNDA TURMA, julgado em 21/08/2014, DJe 03/09/2014)
De qualquer maneira, ainda, o depoimento prestado por José Calhan de Figueiredo revela que o autor pode inclusive enquadrar-se no conceito de safrista/segurado empregado.
O safrista é trabalhador rural contratado por pequeno prazo para o exercício de atividades de natureza temporária, consoante disciplina o art. 14-A da Lei 5.889/1973 (que regula o trabalho rural), incluído pela Lei 11.718/2008. Portanto, tem relação de emprego, cujo contrato de trabalho deve ser formalizado mediante inclusão do obreiro em Guia de Recolhimento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço e Informações à Previdência Social (GFIP), bem como mediante anotação em CTPS ou Ficha de Registro de Empregados ou, ainda, através de contrato escrito (§§ 2º e 3º do art. 14-A da referida Lei). Por via de consequência, está sujeito a contribuição previdenciária (§ 5º), cujo recolhimento é de responsabilidade do empregador (§ 7º).
Ademais, da mesma forma que o bóia-fria, também para o safrista devem ser mitigadas as exigências relativas à apresentação de prova documental, pois, guardadas as diferenças, têm em comum a hipossuficiência e o fato de atuarem em um universo no qual a regra é a informalidade e a ausência de documentação, a despeito da existência de normativa legal que deveria, no caso do safrista, protegê-lo.
Por tais razões, em que pese este Tribunal equiparar o boia-fria ao segurado especial, no caso concreto entendo que o autor deve ser considerado empregado safrista, tendo seus dependentes direito à pensão por morte prevista no artigo 74 da Lei 8213/91, sendo de se considerar presumidos os recolhimentos das contribuições previdenciárias pelos empregadores (art. 33, § 5º, da Lei 8212/91).
Estando o instituidor vinculado ao RGPS na condição de segurado empregado rural (art. 11, I, alínea a, da Lei 8213/91), mantido o período de graça em razão do artigo 15, II, da Lei 8213/91, quando de seu óbito, tenho que deve ser concedida a pensão por morte a sua dependente.
Assim, encontra-se perfeitamente evidenciada a qualidade de segurado do instituidor do benefício, pela produção da prova documental e testemunhal; preenchidos, então, os requisitos legais para a concessão do benefício postulado à autora, há que se reformar a sentença de improcedência.
Termo inicial
O marco inicial do benefício deve ser fixado na data do óbito do segurado do segurado (24-05-1997), nos termos da redação original do artigo 74, da Lei 8.213/91, observada a prescrição quinquenal.
Saliente-se que os efeitos financeiros estendem-se até o óbito da requerente, em 16-06-2013.
Como a autora logrou êxito na integralidade do pedido, invertem-se os ônus da sucumbência, nos termos do art. 21, parágrafo único, do Código de Processo Civil (CPC), para condenar a requerida ao pagamento de custas e honorários advocatícios, como segue:
Consectários. Juros moratórios e correção monetária.
A questão da atualização monetária das quantias a que é condenada a Fazenda Pública, dado o caráter acessório de que se reveste, não deve ser impeditiva da regular marcha do processo no caminho da conclusão da fase de conhecimento.
Firmado em sentença, em apelação ou remessa oficial o cabimento dos juros e da correção monetária por eventual condenação imposta ao ente público e seus termos iniciais, a forma como serão apurados os percentuais correspondentes, sempre que se revelar fator impeditivo ao eventual trânsito em julgado da decisão condenatória, pode ser diferida para a fase de cumprimento, observando-se a norma legal e sua interpretação então em vigor. Isso porque é na fase de cumprimento do título judicial que deverá ser apresentado, e eventualmente questionado, o real valor a ser pago a título de condenação, em total observância à legislação de regência.
O recente art. 491 do NCPC, ao prever, como regra geral, que os consectários já sejam definidos na fase de conhecimento, deve ter sua interpretação adequada às diversas situações concretas que reclamarão sua aplicação. Não por outra razão seu inciso I traz exceção à regra do caput, afastando a necessidade de predefinição quando não for possível determinar, de modo definitivo, o montante devido. A norma vem com o objetivo de favorecer a celeridade e a economia processuais, nunca para frear o processo.
E no caso, o enfrentamento da questão pertinente ao índice de correção monetária, a partir da vigência da Lei 11.960/09, nos débitos da Fazenda Pública, embora de caráter acessório, tem criado graves óbices à razoável duração do processo, especialmente se considerado que pende de julgamento no STF a definição, em regime de repercussão geral, quanto à constitucionalidade da utilização do índice da poupança na fase que antecede a expedição do precatório (RE 870.947, Tema 810).
Tratando-se de débito, cujos consectários são totalmente regulados por lei, inclusive quanto ao termo inicial de incidência, nada obsta a que seja diferida para a fase de cumprimento do julgado em que, a propósito, poderão as partes, se assim desejarem, mais facilmente conciliar acerca do montante devido, de modo a finalizar definitivamente o processo.
Sobre esta possibilidade, já existe julgado da Terceira Seção do STJ, em que assentado que "diante a declaração de inconstitucionalidade parcial do artigo 5º da Lei n. 11.960/09 (ADI 4357/DF), cuja modulação dos efeitos ainda não foi concluída pelo Supremo Tribunal Federal, e por transbordar o objeto do mandado de segurança a fixação de parâmetros para o pagamento do valor constante da portaria de anistia, por não se tratar de ação de cobrança, as teses referentes aos juros de mora e à correção monetária devem ser diferidas para a fase de execução. 4. Embargos de declaração rejeitados". (EDcl no MS 14.741/DF, Rel. Ministro JORGE MUSSI, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 08/10/2014, DJe 15/10/2014).
Na mesma linha vêm decidindo as duas turmas de Direito Administrativo desta Corte (2ª Seção), à unanimidade, (Ad exemplum: os processos 5005406-14.2014.404.7101 3ª Turma, julgado em 01-06-2016, e 5052050-61.2013.404.7000, 4ª Turma, julgado em 25/05/2016)
Portanto, em face da incerteza quanto ao índice de atualização monetária, e considerando que a discussão envolve apenas questão acessória no contexto da lide, à luz do que preconizam os art. 4º, 6º e 8º do novo Código de Processo Civil, mostra-se adequado e racional diferir-se para a fase de execução a solução em definitivo acerca dos critérios de correção, ocasião em que, provavelmente, a questão já terá sido dirimida pelo tribunal superior, o que conduzirá à observância, pelos julgadores, ao fim e ao cabo, da solução uniformizadora.
A fim de evitar novos recursos, inclusive na fase de cumprimento de sentença, e anteriormente à solução definitiva pelo STF sobre o tema, a alternativa é que o cumprimento do julgado se inicie, adotando-se os índices da Lei 11.960/2009, inclusive para fins de expedição de precatório ou RPV pelo valor incontroverso, diferindo-se para momento posterior ao julgamento pelo STF a decisão do juízo sobre a existência de diferenças remanescentes, a serem requisitadas, acaso outro índice venha a ter sua aplicação legitimada.
Os juros de mora, incidentes desde a citação, como acessórios que são, também deverão ter sua incidência garantida na fase de cumprimento de sentença, observadas as disposições legais vigentes conforme os períodos pelos quais perdurar a mora da Fazenda Pública.
Evita-se, assim, que o presente feito fique paralisado, submetido a infindáveis recursos, sobrestamentos, juízos de retratação e até ações rescisórias, com comprometimento da efetividade da prestação jurisdicional, apenas para solução de questão acessória.
Diante disso, difere-se para a fase de cumprimento de sentença a forma de cálculo dos consectários legais, adotando-se inicialmente o índice da Lei 11.960/2009, restando prejudicado o recurso e/ou remessa necessária no ponto.
Honorários advocatícios
Os honorários advocatícios devem ser fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor das parcelas vencidas até a data do presente julgamento, a teor das Súmulas 111, do STJ, e 76, do TRF da 4ª Região.
Custas
O INSS é isento do pagamento das custas no Foro Federal (art. 4, I, da Lei nº 9.289/96) e na Justiça Estadual do Rio Grande do Sul, devendo, contudo, pagar eventuais despesas processuais, como as relacionadas a correio, publicação de editais e condução de oficiais de justiça (artigo 11 da Lei Estadual nº 8.121/85, com a redação da Lei Estadual nº 13.471/2010, já considerada a inconstitucionalidade formal reconhecida na ADInº 70038755864, julgada pelo Órgão Especial do TJ/RS); para os feitos ajuizados a partir de 2015 é isento o INSS da taxa única de serviços judiciais, na forma do estabelecido na lei estadual nº 14.634/2014 (artigo 5º). Tais isenções não se aplicam quando demandado na Justiça Estadual do Paraná (Súmula 20 do TRF4), devendo ser ressalvado, ainda, que no Estado de Santa Catarina (art. 33, parágrafo único, da Lei Complementar Estadual nº 156/97), a autarquia responde pela metade do valor.
Conclusão
O apelo da parte autora resta provido para que o benefício seja deferido desde o óbito do segurado instituidor, observada a prescrição quinquenal (art. 103, parágrafo único, da Lei 8213/91). Os efeitos financeiros estendem-se até o óbito da requerente, em 16-06-2013. Habilitados sucessores. Diferida para a fase de execução a forma de cálculo dos consectários legais.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por dar provimento à apelação da parte autora.
Juíza Federal MARINA VASQUES DUARTE DE BARROS FALCÃO
Relatora
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 22/02/2017
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0002099-08.2016.4.04.9999/SC
ORIGEM: SC 05002036720128240024
RELATOR | : | Juíza Federal MARINA VASQUES DUARTE DE BARROS FALCÃO |
PRESIDENTE | : | Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA |
PROCURADOR | : | Dr. Flávio Augusto de Andrade Strapason |
APELANTE | : | SANTINA GOMES DO ROSÁRIO CARVALHO e outros |
ADVOGADO | : | Mauri Raul Costa Júnior |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
ADVOGADO | : | Procuradoria Regional da PFE-INSS |
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 22/02/2017, na seqüência 1478, disponibilizada no DE de 09/02/2017, da qual foi intimado(a) INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, a DEFENSORIA PÚBLICA e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) 6ª TURMA, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU DAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DA PARTE AUTORA.
RELATOR ACÓRDÃO | : | Juíza Federal MARINA VASQUES DUARTE DE BARROS FALCÃO |
VOTANTE(S) | : | Juíza Federal MARINA VASQUES DUARTE DE BARROS FALCÃO |
: | Des. Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA | |
: | Juíza Federal GABRIELA PIETSCH SERAFIN |
Lídice Peña Thomaz
Secretária de Turma
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