D.E. Publicado em 15/12/2016 |
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0016512-60.2015.4.04.9999/RS
RELATOR | : | Des. Federal ROGER RAUPP RIOS |
APELANTE | : | ODETE DA SILVA DE OLIVEIRA |
ADVOGADO | : | Luiza Pereira Schardosim de Barros e outro |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
ADVOGADO | : | Procuradoria Regional da PFE-INSS |
EMENTA
CONSTITUCIONAL. PREVIDENCIÁRIO. DIREITO DE IGUALDADE. INCAPACIDADE LABORAL. BENEFÍCIOS DE INCAPACIDADE DE AUXÍLIO-DOENÇA E DE APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. MODELO BIOMÉDICO, SOCIAL E INTEGRADO (BIOPSICOSSOCIAL) DA INCAPACIDADE.
1. São três os requisitos para a concessão dos benefícios por incapacidade: a) a qualidade de segurado; b) o cumprimento do período de carência de 12 contribuições mensais; c) a incapacidade para o trabalho, de caráter permanente (aposentadoria por invalidez) ou temporária (auxílio-doença).
2. A compreensão da proteção constitucional social diante da incapacidade para o trabalho deve partir de uma interpretação sistemática do ordenamento jurídico. Em primeiro lugar, deve-se ter presente a dignidade humana (CR, art. 1º, III), os direitos fundamentais da liberdade e da igualdade (art. 5º, caput), os direitos fundamentais sociais à saúde, ao trabalho e à previdência social (art. 6º), o fundamento da ordem econômica na valorização do trabalho humano (art. 170), o primado do trabalho e os objetivos do bem-estar e justiça sociais da ordem social (art. 193) e à cobertura dos eventos de doença, invalidez e idade avançada (art. 201, I), em sintonia com a Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF).
3. A correta interpretação das normas constitucionais e legais exige a concretização do conceito jurídico de incapacidade laboral como impossibilidade de desempenho de funções específicas de uma atividade ou ocupação, resultante da interação entre doenças ou acidentes e barreiras presentes no contexto social, que acarretam em impedimentos de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, comprometendo o sustento.
4. Não há possibilidade de considerar que um diagnóstico biomédico, por si só, conclua pela incapacidade, sem qualquer consideração social, como se fosse possível imaginar que qualquer diagnóstico médico existisse fora de determinado contexto histórico, onde inclusive a própria noção do que é saúde e do que é doença é forjada. Essa dissociação entre a dimensão biomédica e a social é rejeitada na compreensão ora exposta, inviabilizando um método decisório onde haja duas etapas distintas e complementares. No modelo integrado das dimensões biomédica e social o juízo sobre a incapacidade não pode separar tais dimensões.
5. No modelo integrado da compreensão da incapacidade esta é é resultante de uma avaliação onde as duas dimensões estão presentes, indissoluvelmente relacionadas. Isso porque o que seja "impossibilidade de desempenho" e até mesmo o que seja "doentio" não são definições médicas separadas do mundo social. É na vida em sociedade que se define o que é e quando há "impossibilidade de desempenho com conseqüente incapacidade de ganho" e o que é "doentio" ou "saudável".
6. No caso dos autos, o laudo pericial indicou que a parte autora, faxineira e com 63 anos, possui artrose cervico lombar, razão pela qual é devido o benefício.
7. Termo inicial do benefício na data do requerimento administrativo, uma vez evidenciado que a incapacidade estava presente àquela data.
8. A definição dos índices de correção monetária e juros de mora deve ser diferida para a fase de cumprimento do julgado.
9. Havendo o feito tramitado perante a Justiça Estadual do Rio Grande do Sul, o INSS está isento do pagamento de custas, consoante o disposto no art. 11 da Lei Estadual n. 8.121/85, na redação dada pela Lei n. 13.471, de 23 de junho de 2010.
10. O cumprimento imediato da tutela específica independe de requerimento expresso do segurado ou beneficiário, e o seu deferimento sustenta-se na eficácia mandamental dos provimentos fundados no art. 461 do CPC/1973, bem como nos artigos 497, 536 e parágrafos e 537 do CPC/2015.
11. A determinação de implantação imediata do benefício, com fundamento nos artigos supracitados, não configura violação dos artigos 128 e 475-O, I, do CPC/1973 e 37 da CF/88.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, dar provimento à apelação, determinando a implantação do benefício, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 29 de novembro de 2016.
Des. Federal ROGER RAUPP RIOS
Relator
Documento eletrônico assinado por Des. Federal ROGER RAUPP RIOS, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 8616964v5 e, se solicitado, do código CRC FBD62A9B. | |
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Signatário (a): | Roger Raupp Rios |
Data e Hora: | 01/12/2016 13:58 |
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0016512-60.2015.4.04.9999/RS
RELATOR | : | Des. Federal ROGER RAUPP RIOS |
APELANTE | : | ODETE DA SILVA DE OLIVEIRA |
ADVOGADO | : | Luiza Pereira Schardosim de Barros e outro |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
ADVOGADO | : | Procuradoria Regional da PFE-INSS |
RELATÓRIO
Trata-se de apelação contra sentença que julgou improcedente o pedido de concessão do benefício de aposentadoria por invalidez e/ou auxílio-doença, condenando a parte autora ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios fixados em R$ 350,00 (trezentos e cinquenta reais), restando suspensa a exigibilidade da verba honorária, em razão do deferimento de AJG.
A parte autora, em suas razões, preliminarmente, aduz a nulidade da sentença por cerceamento de defesa. No mérito, sustenta que tem direito ao benefício pleiteado, já que, na condição de faxineira, possui incapacidade para o desempenho do trabalho em razão da enfermidade diagnosticada pela perícia, que a impede de realizar esforços físicos.
Intimado, o INSS deixou de apresentar contrarrazões.
Vieram os autos conclusos.
É o relatório.
VOTO
Do novo CPC (Lei 13.105/2015)
Consoante a norma inserta no art. 14 do CPC/2015, "a norma processual não retroagirá e será aplicável imediatamente aos processos em curso, respeitados os atos processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada". Portanto, apesar da nova normatização processual ter aplicação imediata aos processos em curso, os atos processuais já praticados, perfeitos e acabados não podem mais ser atingidos pela mudança ocorrida a posteriori.
Nesse sentido, serão examinados segundo as normas do CPC de 2015 tão somente os recursos e remessas em face de sentenças publicadas a contar do dia 18/03/2016.
Da ordem cronológica dos processos
Dispõe o art. 12 do Novo CPC (Lei nº 13.105/2015, com redação da Lei nº 13.256/2016) que "os juízes e os tribunais atenderão, preferencialmente, à ordem cronológica de conclusão para proferir sentença ou acórdão", estando, contudo, excluídos da regra do caput, entre outros, "as preferências legais e as metas estabelecidas pelo Conselho Nacional de Justiça" (§2º, inciso VII), bem como "a causa que exija urgência no julgamento, assim reconhecida por decisão fundamentada" (§2º, inciso IX).
O caso presente encontra-se dentre aqueles considerados urgentes no julgamento, vez que se refere a benefício por incapacidade, estando a parte autora, hipossuficiente, hipoteticamente impossibilitada de laborar e obter o sustento seu e de familiares.
Da preliminar de cerceamento de defesa
É garantia inerente ao Estado de Direito a fundamentação das decisões judiciais, motivo pelo qual foi incluída na Carta Magna, art. 93, inciso IX. Portanto, a violação de tal direito configura causa de nulidade da decisão proferida por órgão do Poder Judiciário. Salienta-se, de outra parte, que não fica obrigado o órgão judicial a analisar e tecer comentários acerca de todos os argumentos trazidos à tona pelas partes, podendo a fundamentação ser sucinta, desde que clarifique o motivo pelo qual se chegou ao comando constante na decisão.
Em sede de apelação, a parte autora suscitou a nulidade da sentença prolatada pelo R. Juízo a quo sob o fundamento de que esta não guarda correlação com as especificidades do caso concreto. Todavia, analisando a decisão atacada, constata-se o contrário, visto que esta resolveu o litígio expondo fundamentos suficientes para se compreender os motivos pelos quais os pedidos foram julgados improcedentes.
Neste sentido, colaciono jurisprudência do Egrégio Superior Tribunal de Justiça:
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. MOTIVAÇÃO DO ACÓRDÃO.
1. É entendimento assente de nossa jurisprudência que o órgão judicial, para expressar a sua convicção, não precisa aduzir comentários sobre todos os argumentos levantados pelas partes. Sua fundamentação pode ser sucinta, pronunciando-se acerca do motivo, que por si só, achou suficiente para a composição do litígio.
2. Agravo regimental improvido.
(AgRg no Ag 169.073/SP, Rel. Ministro JOSÉ DELGADO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 04/06/1998, DJ 17/08/1998, p. 44)
Ressalta-se que a decretação de nulidade da sentença por esta não haver exposto a análise de cada documento acostado aos autos configurar-se-ia em excessivo rigorismo e violaria o princípio da celeridade processual. Logo, mal ou bem fundamentada, a fundamentação existe, não padecendo de qualquer nulidade neste sentido.
Ademais, cumpre asseverar que a decisão, ainda que sucintamente, apresentou um comando claro e impassível de interpretações diversas que impeçam sua execução. Determinou a improcedência dos pedidos da inicial, uma vez que as duas perícias judiciais realizadas não constataram qualquer incapacidade laborativa, requisito necessário para o deferimento do benefício, bem como condenou à parte vencida ao pagamento de honorários advocatícios, suspenso pelo deferimento da AJG. Isto posto, não há que se falar em nulidade também neste ponto, visto que a sentença prestou a tutela jurisdicional requerida pela autora; cumpriu, portanto, com sua finalidade.
Deixo, pois, de acolher a preliminar suscitada.
Dos requisitos para a concessão do benefício
A concessão de benefícios por incapacidade laboral está prevista nos artigos 42 e 59 da Lei 8.213/91, verbis:
Art. 42. A aposentadoria por invalidez, uma vez cumprida, quando for o caso, a carência exigida, será devida ao segurado que, estando ou não em gozo de auxílio-doença, for considerado incapaz e insusceptível de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência, e ser-lhe-á paga enquanto permanecer nesta condição.
Art. 59. O auxílio-doença será devido ao segurado que, havendo cumprido, quando for o caso, o período de carência exigido nesta Lei, ficar incapacitado para o seu trabalho ou para a sua atividade habitual por mais de 15 dias consecutivos.
Extrai-se, da leitura dos dispositivos acima transcritos, que são três os requisitos para a concessão dos benefícios por incapacidade: a) a qualidade de segurado; b) o cumprimento do período de carência de 12 contribuições mensais; c) a incapacidade para o trabalho, de caráter permanente (aposentadoria por invalidez) ou temporária (auxílio-doença).
Da qualidade de segurado e do período de carência
Quanto ao período de carência (número mínimo de contribuições mensais indispensáveis para que o beneficiário faça jus ao benefício), estabelece o art. 25 da Lei de Benefícios da Previdência Social:
Art. 25. A concessão das prestações pecuniárias do Regime Geral de Previdência Social depende dos seguintes períodos de carência:
I - auxílio-doença e aposentadoria por invalidez: 12 contribuições mensais;
Na hipótese de ocorrer a cessação do recolhimento das contribuições, prevê o art. 15 da Lei nº 8.213/91 o denominado "período de graça", que permite a prorrogação da qualidade de segurado durante um determinado lapso temporal:
Art. 15. Mantém a qualidade de segurado, independentemente de contribuições:
I - sem limite de prazo, quem está em gozo de benefício;
II - até 12 (doze) meses após a cessação das contribuições, o segurado que deixar de exercer atividade remunerada abrangida pela Previdência Social ou estiver suspenso ou licenciado sem remuneração;
III - até 12 (doze) meses após cessar a segregação, o segurado acometido de doença de segregação compulsória;
IV - até 12 (doze) meses após o livramento, o segurado retido ou recluso;
V - até 3 (três) meses após o licenciamento, o segurado incorporado às Forças Armadas para prestar serviço militar;
VI - até 6 (seis) meses após a cessação das contribuições, o segurado facultativo.
§ 1º O prazo do inciso II será prorrogado para até 24 (vinte e quatro) meses se o segurado já tiver pago mais de 120 (cento e vinte) contribuições mensais sem interrupção que acarrete a perda da qualidade de segurado.
§ 2º Os prazos do inciso II ou do § 1º serão acrescidos de 12 (doze) meses para o segurado desempregado, desde que comprovada essa situação pelo registro no órgão próprio do Ministério do Trabalho e da Previdência Social.
§ 3º Durante os prazos deste artigo, o segurado conserva todos os seus direitos perante a Previdência Social.
§ 4º A perda da qualidade de segurado ocorrerá no dia seguinte ao do término do prazo fixado no Plano de Custeio da Seguridade Social para recolhimento da contribuição referente ao mês imediatamente posterior ao do final dos prazos fixados neste artigo e seus parágrafos.
Prevê a LBPS que, decorrido o período de graça na forma do § 4º, as contribuições anteriores à perda da qualidade de segurado somente serão computadas para efeitos de carência depois que o segurado contar, a partir da nova filiação à Previdência Social, com, no mínimo, 1/3 (um terço) do número de contribuições exigidas para o cumprimento da carência definida para o benefício a ser requerido.
Cumpre destacar que no caso dos segurados especiais não há obrigatoriedade de preenchimento do requisito carência conforme acima referido, sendo necessária, porém, a comprovação de atividade rural no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, mesmo que de forma descontínua. Eis a disciplina do art. 39, da Lei 8.213/91:
Art. 39. Para os segurados especiais, referidos no inciso VII do art. 11 desta Lei, fica garantida a concessão: I - de aposentadoria por idade ou por invalidez, de auxílio-doença, de auxílio-reclusão ou de pensão, no valor de 1 (um) salário mínimo, e de auxílio-acidente, conforme disposto no art. 86, desde que comprove o exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período, imediatamente anterior ao requerimento do benefício, igual ao número de meses correspondentes à carência do benefício requerido (...)
Nestes casos, o tempo de serviço rural deve ser demonstrado mediante a apresentação de início de prova material contemporânea ao período a ser comprovado, complementada por prova testemunhal idônea, não sendo esta admitida exclusivamente, a teor do art. 55, § 3º, da Lei 8.213/91, e Súmula 149 do STJ. Entretanto, embora o art. 106 da LBPS relacione os documentos aptos à comprovação da atividade rurícola, tal rol não é exaustivo, sendo admitidos outros elementos idôneos.
MÉRITO
Dos requisitos para a concessão do benefício
Conforme os arts. 42 e 59 da LBPS, são requisitos para a concessão dos benefícios por incapacidade: a) a qualidade de segurado; b) o cumprimento do período de carência de 12 contribuições mensais; c) a incapacidade para o trabalho, de caráter permanente (aposentadoria por invalidez) ou temporária (auxílio-doença).
Registre-se que não há direito se a doença ou lesão incapacitantes já estavam presentes quando da filiação ao Regime Geral de Previdência Social, salvo quando a incapacidade sobrevier por motivo de progressão ou agravamento da doença ou lesão.
Fungibilidade dos benefícios por incapacidade
São fungíveis os benefícios de auxílio-doença e de aposentadoria por invalidez, sendo facultado ao julgador, conforme a espécie de incapacidade constatada, conceder um deles, ainda que o pedido tenha sido limitado a outro (v.g., TRF4, APELREEX 0000994-98.2013.404.9999, 5ª Turma, Relator Rogerio Favreto, D.E. 17/05/2013). Isso porque o fato causador do direito é o mesmo (a doença ou incapacidade), cabendo ao Juízo a análise do direito eventualmente decorrente desse fato (REsp 293.659/SC, Relator Min. Felix Fischer, in DJ 19/3/2001; REsp - 385607, 6ª Turma, DJ 19/12/2002, p. 474, Relator Min. Hamilton Carvalhido).
Cessação do benefício
Verificando-se a recuperação para o trabalho, há possibilidade de cessação da aposentadoria por invalidez (art. 47). Quanto ao auxílio-doença, o segurado de recuperação insuscetível para sua atividade habitual deverá submeter-se a processo de reabilitação profissional, não cessando o benefício até que esteja habilitado para o desempenho de nova atividade que lhe garanta a subsistência ou, quando considerado não-recuperável, for aposentado por invalidez (artigo 62 da Lei 8.213/91).
O beneficiário de tais prestações está obrigado a submeter-se a exame médico a cargo da Previdência Social, processo de reabilitação profissional por ela prescrito e custeado, e tratamento dispensado gratuitamente, exceto o cirúrgico e a transfusão de sangue, que são facultativos (art. 101).
Da qualidade de segurado e do período de carência
O período de carência (número mínimo de contribuições mensais indispensáveis para que o beneficiário faça jus ao benefício) é de 12 contribuições mensais (art. 25).
Registre-se que aquele que deveria estar ou se encontrava no gozo de benefício por incapacidade, com cancelamento indevido, conserva a condição de segurado, por respeito ao direito adquirido (artigo 5º, XXXVI, da Constituição).
Período de graça
Ainda que deixe de contribuir, o vínculo ao sistema perdura nas hipóteses do art. 15 (I - sem limite de prazo, quem está em gozo de benefício; II - até 12 (doze) meses após a cessação das contribuições, o segurado que deixar de exercer atividade remunerada abrangida pela Previdência Social ou estiver suspenso ou licenciado sem remuneração;III - até 12 (doze) meses após cessar a segregação, o segurado acometido de doença de segregação compulsória;IV - até 12 (doze) meses após o livramento, o segurado retido ou recluso;V - até 3 (três) meses após o licenciamento, o segurado incorporado às Forças Armadas para prestar serviço militar; VI - até 6 (seis) meses após a cessação das contribuições, o segurado facultativo), período esse prorrogável (no caso do inciso II será prorrogado para até 24 (vinte e quatro) meses se o segurado já tiver pago mais de 120 (cento e vinte) contribuições mensais sem interrupção que acarrete a perda da qualidade de segurado, acrescidos de 12 (doze) meses para o segurado desempregado, desde que comprovada essa situação pelo registro no órgão próprio do Ministério do Trabalho e da Previdência Social).
Nesse contexto, "a perda da qualidade de segurado ocorrerá no dia seguinte ao do término do prazo fixado no Plano de Custeio da Seguridade Social para recolhimento da contribuição referente ao mês imediatamente posterior ao do final dos prazos fixados neste artigo e seus parágrafos" (parágrafo 4º do artigo acima citado).
Só então, ultrapassados esses prazos, termina a qualidade de segurado (art. 15, p. 4º).
Ainda quanto à qualidade de segurado, decorrido o período de graça, na forma do § 4º, as contribuições anteriores à perda da qualidade de segurado somente serão computadas para efeitos de carência depois que o segurado contar, a partir da nova filiação à Previdência Social, com, no mínimo, 1/3 (um terço) do número de contribuições exigidas para o cumprimento da carência definida para o benefício a ser requerido.
Carência e segurados especiais rurais
Nessa hipótese, não há carência, desde que comprovada a atividade rural no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, mesmo que de forma descontínua (art. 39).
Data de início do benefício (DIB)
A DIB da aposentadoria por invalidez será: (a) quando precedida de auxílio-doença, desde a cessação deste (art. 43, "caput"); (b) para segurado empregado, desde logo constatada a invalidez em perícia, sem, portanto, auxílio-doença imediatamente anterior, a contar do 16º dia do afastamento da atividade ou a partir da data do requerimento, se entre o afastamento e o requerimento decorrerem mais de trinta dias (art. 43, p. 1º, I); (c) para segurados empregado doméstico, contribuinte individual, especial ou facultativo, da data do início da incapacidade ou da data da entrada do requerimento, se entre estas decorrerem mais de 30 dias (art. 43, p. 1º, II).
A DIB do auxílio-doença será a partir do 16º dia de afastamento da atividade, para segurado empregado, e para os demais segurados, desde a data da incapacidade, até quando esta perdurar (art. 60).
A DIB, a ser fixada em decorrência de litígio judicial, deve observar: (a) a constatação indicada pelo perito, uma vez suficientemente apontada; (b) inexistindo tal definição pelo perito, conforme a avaliação holística do histórico da parte segurada, considerando, entre outros fatores eventualmente trazidos aos autos, a situação de saúde do segurado, a doença e sua evolução; (c) nesta hipótese, em que a fixação do termo inicial do benefício tendo como marco a perícia judicial (ou sua juntada) dever ser feita com parcimônia, sob pena de se promover o "enriquecimento ilícito do Instituto, que, simplesmente por contestar a ação, estaria postergando o pagamento de um benefício devido por um fato anterior à própria citação judicial" (AgRg no Ag 515.543/SP, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, 5ª Turma, julgado em 16/05/2006, DJ 19/06/2006 p. 177).
Na hipótese de restabelecimento de benefício por incapacidade, e em sendo a incapacidade decorrente da mesma doença que justificou a concessão do benefício cancelado, há presunção de continuidade do estado incapacitante a ensejar a fixação da data de início do benefício (DIB) ou termo inicial da condenação desde a data do indevido cancelamento.
Por fim, quando não se tratar de restabelecimento do benefício, e a perícia judicial não conseguir fixar a data do início da incapacidade, a data de início do benefício ou termo inicial da condenação poderá ser fixada na data da elaboração do laudo médico pericial em Juízo.
Mérito: modelo integrado biomédico e social da incapacidade
A compreensão da proteção constitucional social diante da incapacidade para o trabalho deve partir de uma interpretação sistemática do ordenamento jurídico. Em primeiro lugar, deve-se ter presente a dignidade humana (CR, art. 1º, III), os direitos fundamentais da liberdade e da igualdade (art. 5º, caput), os direitos fundamentais sociais à saúde, ao trabalho e à previdência social (art. 6º), o fundamento da ordem econômica na valorização do trabalho humano (art. 170), o primado do trabalho e os objetivos do bem-estar e justiça sociais da ordem social (art. 193) e à cobertura dos eventos de doença, invalidez e idade avançada (art. 201, I).
Arrolados os princípios pertinentes ao âmbito de proteção constitucional, o próximo passo é compreender o que é incapacidade enquanto categoria jurídica, para o que é imprescindível visualizá-la como fenômeno socialmente relevante que o direito destaca e juridiciza.
Do mesmo modo que outros elementos da vida social juridicizados, os diversos conceitos veiculados pelo direito referem-se a determinadas realidades, cuja nomeação possibilita não-só sua percepção, como também atua decisivamente em sua dinâmica no mundo das relações sociais juridicizadas. Nessa medida, ao lidar com conceitos o jurista não pode fazê-lo na fria assepsia da abstração alheia ao mundo, ambiente onde carne e ossos habitam, em especial quando se persegue o significado de incapacidade para a proteção constitucional previdenciária.
Com efeito, capacidade e incapacidade, eficiência e deficiência, segurança e risco, são binômios que só ganham sentido a partir dos corpos inseridos no mundo onde habitam. Mundo esse gestado pela relação complexa entre as diversas esferas da vida pessoal, corporal, psíquica, social, política, laboral e cultural, onde uma dimensão constrói a outra e é por ela simultaneamente construída. Não há, de fato, existência humana fora do tempo e do espaço socialmente construídos e vividos. Daí que saúde e doença, capacidade e incapacidade, eficiência e deficiência só possam ser corretamente compreendidos no tempo histórico, que é sempre e necessariamente social.
Postas essas premissas, não há como interpretar os artigos 42 (um corpo humano concreto, historicamente "considerado incapaz e insuscetível de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência" - nas palavras da lei) e 59 (um corpo humano concreto e histórico que "ficar incapacitado para o seu trabalho ou para sua atividade habitual" - igualmente na dicção legal) fora das coordenadas normativas constitucionais, fora da historicidade e da concretude.
Nesse quadro, não há conceituação juridicamente correta de incapacidade senão mediante a consideração conjunta da dimensão biomédica (aqui abrangendo também as avaliações psicológicas) e da dimensão social, uma vez que a falta de uma dessas dimensões inviabiliza no mundo concreto e na história onde tomam sentido e existência os conceitos e as realidades da saúde, da doença e da capacidade para o trabalho ou atividade habitual.
Com efeito, o debate sobre benefícios por incapacidade pode ser lido, dentre tantas formas, pelo destaque de alguns momentos: (1) a constatação dos limites estritamente biomédicos, (2) o desafio da fundamentação pela invocação de causas supralegais e (3) a invocação de analogia ou interpretação extensiva com o modelo constitucional da deficiência. Diante dessa evolução, aqui se sustenta, como fundamento jurídico para o reconhecimento do direito a benefícios relativos à incapacidade, um conceito juridicamente correto e adequado de incapacidade (4).
Em um primeiro momento, apercebeu-se a inadequação da compreensão da incapacidade, numa perspectiva estritamente biomédica, como "impossibilidade de desempenho de funções específicas de uma atividade ou ocupação, em consequência de alterações morfopsicofisiológicas, provocadas por doença ou acidente". Essa constatação levou à consideração de circunstâncias como idade e escolaridade do segurado (momento 2), denominadas nesse debate como "causas supralegais" (Rafael Machado de Oliveira, "Incapacidade biopsicossocial no Direito Previdenciário", disponível em http://www.egov.ufsc.br/portal/conteudo/incapacidade-biopsicossocial-no-direito-previdenci%C3%A1rio, 31/08/2016).
Diante disso, num terceiro momento, invocou-se interpretação extensiva, assim como do recurso à analogia, como fundamentos para alcançar circunstâncias sociais que, em acréscimo à avaliação biomédica, levem eventualmente à conclusão pela proteção previdenciária por incapacidade (João Augusto Câmara da Silveira, "O conceito de incapacidade no âmbito do benefício previdenciário da aposentadoria por invalidez", Revista Direito e Liberdade, disponível em http://www.esmarn.tjrn.jus.br/revistas/index.php/revista_direito_e_liberdade/article/viewFile/711/640, 31/08/2016).
Nesse sentido, a propósito, a elaboração doutrinária e jurisprudencial que, passo a passo, consolidam a noção de "invalidade social", atentando para as circunstâncias de cada caso (idade, tipo de incapacidade, escolaridade, profissão, potencial agravamento, possibilidade de tratamento, risco na permanência na atividade, dentre outros) e valendo-se inclusive em analogia à proteção jurídica da deficiência, terreno onde a chamada abordagem biopsicossocial é juridicamente expressa e obrigatória.
A argumentação que fundamenta este voto diferencia-se das posições acimas resumidas. Nelas, o elemento central para a constatação da incapacidade é o diagnóstico médico de doença ou acidente que impossibilita o exercício de atividade profissional. A dimensão social terá relevância e será considerada quando acrescer elementos em situações onde, "a priori", o diagnóstico biomédico, por si só, não gera convencimento pela incapacidade e, daí, a situação exige maior investigação.
Na compreensão do conceito de incapacidade ora proposta afirma-se que não há possibilidade de considerar que um diagnóstico biomédico, por si só, conclua pela incapacidade, sem qualquer consideração social, como se fosse possível imaginar que qualquer diagnóstico médico existisse fora de determinado contexto histórico, onde inclusive a própria noção do que é saúde e do que é doença é forjada. Essa dissociação entre a dimensão biomédica e a social é rejeitada na compreensão ora exposta, inviabilizando um método decisório onde haja duas etapas distintas e complementares. No modelo integrado das dimensões biomédica e social o juízo sobre a incapacidade não pode separar tais dimensões.
No modelo integrado da compreensão da incapacidade essa conclusão é resultante de uma avaliação onde as duas dimensões estão presentes, indissoluvelmente relacionadas. Isso porque o que seja "impossibilidade de desempenho" e até mesmo o que seja "doentio" não são definições médicas separadas do mundo social. É na vida em sociedade que se define o que é e quando há "impossibilidade de desempenho com conseqüente incapacidade de ganho" e o que é "doentio" ou "saudável".
Dois exemplos deixam isso bem claro: a biografia conhecida de Stephen Hawking e a história da homossexualidade.
Hawking é uma celebridade científica e até midiática mundial. Não somente graças à sua persistência, mas em especial pelo acesso a tratamento e equipamentos adequados, esse físico lecionou por anos e hoje é diretor de pesquisa em Departamento de Matemática Aplicada e Física Teórica da prestigiada Universidade de Cambridge, ostentando capacidade para a vida acadêmica profissional, com vasta produção contemporânea. Sua história é exemplo vivo de como a "impossibilidade de desempenho", mesmo diante de doença tão severa (esclerose lateral amiotrófica) não pode ser, por si só, dissociada do contexto social, conclusiva pela incapacidade. A dimensão social, portanto, é decisiva para avaliar a "impossibilidade para desempenho", elemento nuclear do conceito de incapacidade.
A homossexualidade, enquanto orientação sexual, até pouco tempo atrás, provocou diagnósticos onde a terapia era a internação compulsória (isso para não falar da insistência de alguns ainda hoje querem considerá-la doentia, ao ponto de defenderem recursos públicos para terapias de saúde "de conversão"). A mesma pessoa, com a mesma corporalidade e psiquismo, alguns anos atrás diagnosticada com grave distúrbio, estigmatizada até como ameaça à sociedadel hoje é considerada distante de qualquer patologia. A dimensão social, portanto, é decisiva não-somente para avaliar "a impossibilidade de desempenho", mas também para interpretar o outro elemento nuclear do conceito de incapacidade, qual seja, "impossibilidade de desempenho provocada por doença".
Assentar um modelo integrado de compreensão da incapacidade não significa colocar em questão todo e qualquer diagnóstico médico conclusivo e, tantas vezes na prática, indisputável quanto à incapacidade de alguém. Trata-se de explicitar que a evidência da incapacidade medicamente atestada de alguém totalmente imobilizado (por esclerose, por exemplo) produz-se porque está (corretamente) implícito que, em tais circunstâncias presumidas ou demonstradas, efetivamente tão elevado grau de imobilidade gera a situação, para aquele indivíduo, social e historicamente situado, de incapacidade como impossibilidade de desempenho para atividades que garantam a subsistência.
Expostos esses fundamentos, conclui-se que a correta interpretação das normas constitucionais e legais exige a concretização do conceito jurídico de incapacidade como impossibilidade de desempenho de funções específicas de uma atividade ou ocupação, em consequência da interação entre doenças ou acidentes e barreiras presentes no contexto social, que resultam em impedimentos de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, comprometendo o sustento do segurado.
Acrescento mais alguns exemplos.
Hipótese nítida de aplicação do modelo integrado da incapacidade é a de mulher de idade avançada, com baixa escolaridade, impossibilitada fisicamente para serviços domésticos remunerados, em contexto social onde eventual tentativa de reabilitação ver-se-ia frustrada por crise no mercado de trabalho, associada ou não à carência de serviços públicos de educação. Como é fácil de ver, alegar que do ponto de vista médico tal segurada poderia desempenhar atividade escriturária seria desconhecer a abordagem biopsicossocial com prejuízo concreto e grave à segurada e frustração do dever constitucional de proteção social.
O mesmo se concluiria diante de alegação de capacidade para labor rural por segurada portadora de algumas limitações, à consideração de que as atividades rurais desempenhadas por mulheres são mais leves. O modelo social, ao revelar precisamente o contrário (a carga de trabalho rural feminino é mais pesada que a masculina), fornece conclusão oposta, vale dizer, pela presença de incapacidade.
O modelo integrado, ademais, abre espaço para concluir pela incapacidade em hipótese onde, apesar de parecer biomédico atestar taxativamente pela capacidade atual de segurado, as condições sociais concretas e disponíveis em que desempenha sua função acarretem, de modo previsível e plausível, dano efetivo à saúde, considerando o seu estado atual e as barreiras que enfrenta.
Por outro lado, o modelo social abre espaço para concluir pela capacidade para o trabalho sempre que, não obstante alguma limitação, o indivíduo tiver à sua disposição meios socialmente acessíveis, que lhe permitam desempenhar adequadamente e sem prejuízo à saúde as funções atinentes à sua ocupação.
Não por acaso, a compreensão jurídica vigente da deficiência, tanto na Lei Orgânica da Assistência Social (Lei n. 8.472/1993, com a redação da Lei nº 12.435/2011), como na Lei nº 13.146/2015 (Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência - Estatuto da Pessoa com Deficiência), quanto na Lei Complementar nº 142/2013 (sobre a aposentadoria da pessoa com deficiência segurada no RGPS), adotam essa abordagem biopsicossocial, cujo fundamento maior se encontra na Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, incorporada ao direito brasileiro com estatura constitucional.
Nessa linha, salientando os deveres constitucionais de proteção envolvidos na apreciação jurídica dessa questão, transcrevo as ponderações do Juiz Federal Marcelo Cardozo da Silva, apresentadas em sessão de julgamento (APELAÇÃO CÍVEL Nº 0006808-86.2016.4.04.9999/RS):
"O conteúdo normativo do conceito de incapacidade laboral, atrelado às exigências constitucionais de suficiência de cobertura previdenciária para os casos de doença e invalidez, gera múltiplas considerações para a análise jurídica:
a) considerações a partir do preceito da proporcionalidade enquanto proibição de insuficiência dos deveres de proteção, visando-se a verificar se o conceito jurídico de incapacidade laboral atualmente empregado pela política pública, basilar para a conseqüência jurídica da proteção social exigida pelo artigo 201, I, da Constituição, atende às exigências constitucionais de cobertura, que, por seu turno, encontra-se normativamente amalgamada com outros princípios veiculadores de direitos fundamentais (saúde, trabalho, assistência aos desamparados - artigo 6º, caput, da Constituição);
b) considerações sobre as relações normativas, de possível intersecção, entre o conceito de incapacidade laboral e o conceito de deficiência, previsto no Artigo 2º da Convenção Sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, que é integrador dos modelos médico e social; referida Convenção, porque internalizada ao direito brasileiro pelo procedimento previsto no artigo 5º, parágrafo 3º, da Constituição, apresenta status constitucional;
c) considerações sobre se o conceito de incapacidade laboral adotado pela política pública previdenciária, porque fundado essencialmente em alterações morfopsicofisiológicas padecidas pelo corpo, gera ofensa ao princípio da igualdade (artigo 5º, caput, da Constituição) por possível discriminação institucional contra grupos socialmente vulneráveis, por exemplo, contra idosos, boias-frias (artigo 3º, IV, da Constituição).
Tem-se, assim, como possível que o atual conceito de incapacidade laboral empregado pela Previdência Social, sustentado em um modelo essencialmente médico que se cinge a uma apreciação da correlação entre alterações morfopsicofisiológicas padecidas e a impossibilidade de realização de funções específicas de uma atividade ou ocupação por parte do segurado, apresenta-se como provavelmente antijurídico, pois que não englobante da complexa relação de interação existente entre: i) doenças/incapacidades/disfuncionalidades; ii) profissão ou ocupação; e iii) barreiras sociais e fatores pessoais que possam obstruir a plena e efetiva participação do segurado, em condições de igualdade, no mercado de trabalho.
Por consequência, também há se questionar a suficiência do sistema probatório empregado pela política pública (e, em larga escala, em Juízo também) para fins de averiguação de alegações de incapacidade laboral, pois que fundado exclusivamente em perícias médicas, que têm, como base de perquirição, à evidência, questionamentos próprios do modelo médico.
Portanto, caso se venha a adotar um modelo integrado médico e social para averiguação da incapacidade laboral, há a necessidade de alteração do paradigma probatório para abarcar também os questionamentos do modelo social, tal como, aliás, deu-se no âmbito da conceituação de deficiência a partir da internalização da Convenção das Pessoas com Deficiência, que gerou, no INSS, a construção de um modelo de perícias médicas/sociais integrado para fins de aplicação da Lei Complementar 142/2013, com o desenvolvimento e utilização, tomando-se por base a Classificação Internacional de Funcionalidades (CIF) da Organização Mundial da Saúde, do Índice de Funcionalidade Brasileiro (IF-BrA).
3. O modelo integrado médico/social de incapacidade laboral não necessariamente exigirá, em todos os casos, a realização de perícias sociais.
De fato, há alterações morfopsicofisiológicas que já trazem em si possíveis (para não se dizer lógicas) conclusões sobre uma situação de incapacidade laboral. Nesses casos, não haveria necessidade de realização de pericial social integrada específica, pois que as respostas às indagações, que por ela seriam trazidas, já seriam, de antemão, conhecidas.
Em verdade, a integração dos modelos médico/social exigiria a realização de atividades periciais integradas (médica e social) exatamente naquelas hipóteses em que, das condições pessoais e sociais do segurado, consideradas suas específicas atividades laborais, formação, idade, barreiras sociais, possam provir previsões, fundadas em evidências, de que esteja a vivenciar incapacidade laboral."
Do caso concreto
A presente ação foi distribuída em 19/06/2013 no Juízo Estadual de Torres/RS, com pedidos atinentes a benefícios por incapacidade.
No que diz respeito ao requisito da incapacidade, durante a instrução processual, foram realizadas duas perícias judiciais (fls. 26/44 e 61/62). A primeira, efetuada em 03/12/2013, conduzida pelo médico Carlos Rippa Maltz, especialista em Ortopedia e Traumatologia, atestou ser a parte autora portadora de artrose cervico lombar (CID M54.5, M54.2 e M71.1), afastando, porém, a existência de incapacidade para as atividades laborativas. A segunda, executada em 17/12/2014, conduzida pela médica Tamara Mucenic, especialista em Reumatologia, atestou não ser a parte autora portadora de qualquer doença incapacitante, apenas apresentando degenerações leves e fraturas simples já consolidadas, sem sequelas, negando a existência de incapacidade para as atividades laborativas.
Todavia, limitar-se a tal análise biomédica seria incongruente com o conteúdo normativo do direito à proteção social por incapacidade laboral, conforme a compreensão acima delineada.
Deste modo, cuidando-se de trabalhadora em atividade eminentemente braçal (faxineira), com idade avançada (63 anos), há que se indagar quais as efetivas possibilidades de trabalho e renda, mormente em contextos de crise econômica (veja-se o crescimento nos últimos tempos dos índices de desemprego e a queda dos rendimentos vinculados ao trabalho no país).
Considerando esse cenário, a sentença recorrida comporta reforma, a fim de que se reconheça à parte autora o benefício de aposentadoria por invalidez a contar da data do requerimento administrativo, já que a documentação médica disponível nos autos (fls. 12-17) revela o quadro incapacitante à época do pedido encaminhado ao INSS.
Custas, honorários advocatícios e periciais
Os honorários advocatícios são devidos pelo INSS no percentual de 10% sobre o valor das parcelas vencidas até a data da sentença de procedência ou do acórdão que reforma a sentença de improcedência, nos termos da Súmula nº 111 do Superior Tribunal de Justiça e Súmula nº 76 deste TRF.
Honorários periciais a cargo da parte vencida.
O INSS está isento do pagamento de custas, mas obrigado ao pagamento de eventuais despesas processuais, consoante o disposto no art. 11 da Lei Estadual n. 8.121/85, na redação dada pela Lei n. 13.471, de 23 de junho de 2010.
Implantação
A Terceira Seção desta Corte, ao julgar a Questão de Ordem na Apelação Cível nº 2002.71.00.050349-7, firmou entendimento no sentido de que, nas causas previdenciárias, deve-se determinar a imediata implementação do benefício, valendo-se da tutela específica da obrigação de fazer prevista no art. 461 do CPC/1973, bem como nos artigos 497, 536 e parágrafos e 537 do CPC/2015, independentemente de requerimento expresso por parte do segurado ou beneficiário (QUOAC 2002.71.00.050349-7, Relator p/ Acórdão Celso Kipper, D.E. 01/10/2007).
Em razão disso, sendo procedente o pedido, o INSS deverá implantar o benefício concedido no prazo de 45 dias, consoante os parâmetros acima definidos, sob pena de multa.
Em homenagem aos princípios da celeridade e da economia processual, tendo em vista que o INSS vem opondo embargos de declaração sempre que determinada a implantação imediata do benefício, alegando, para fins de prequestionamento, violação dos artigos 128 e 475-O, I, do CPC/1973, e 37 da CF/1988, esclareço que não se configura a negativa de vigência a tais dispositivos legais e constitucionais. Isso porque, em primeiro lugar, não se está tratando de antecipação ex officio de atos executórios, mas, sim, de efetivo cumprimento de obrigação de fazer decorrente da própria natureza condenatória e mandamental do provimento judicial; em segundo lugar, não se pode, nem mesmo em tese, cogitar de ofensa ao princípio da moralidade administrativa, uma vez que se trata de concessão de benefício previdenciário determinada por autoridade judicial competente.
Da compensação de prestações inacumuláveis
Explicito que devem ser abatidos das prestações devidas na presente demanda os valores eventualmente já adimplidos pelo INSS a título de benefício inacumulável no mesmo período, seja administrativamente ou em razão de antecipação de tutela.
Correção Monetária e Juros de mora
Segundo o art. 491 do NCPC, "na ação relativa à obrigação de pagar quantia, ainda que formulado pedido genérico, a decisão definirá desde logo a extensão da obrigação, o índice de correção monetária, a taxa de juros, o termo inicial de ambos e a periodicidade da capitalização dos juros, se for o caso". Todavia, as recentes controvérsias acerca dos índices de correção monetária e juros de mora devidos pela Fazenda Pública, atualmente previstos na Lei n.º 11.960/2009, originadas após o julgamento das ADIs 4.357 e 4.425 (inconstitucionalidade da TR como índice de correção monetária dos precatórios) pelo Supremo Tribunal Federal têm inviabilizado a aplicação do dispositivo. Isso porque ainda pende de julgamento o Recurso Extraordinário n.º 870.947 (tema 810), no qual a Suprema Corte irá decidir sobre a constitucionalidade dos índices também em relação aos momentos anteriores à expedição dos precatórios.
Nesse contexto, a controvérsia jurisprudencial a respeito do tema, de natureza acessória, tem impedido o trânsito em julgado das ações previdenciárias, considerando os recursos interpostos pelas partes aos Tribunais Superiores, fadados ao sobrestamento até que haja solução definitiva. Diante disso, as Turmas integrantes das 2ª e 3ª Seções desta Corte passaram a diferir para a fase de cumprimento do julgado a definição dos índices aplicáveis, os quais devem seguir a legislação vigente ao tempo de cada período em que ocorreu a mora da Fazenda Pública. Tal sistemática já foi adotada pelo Superior Tribunal de Justiça no julgamento do MS n.º 14.741/DF, relator Min. Jorge Mussi, Terceira Seção, DJe 15/10/2014. Assim, a conclusão da fase de conhecimento do litígio não deve ser obstada por discussão que envolve tema acessório, de aplicação pertinente justamente à execução do julgado, mormente quando existente significativa controvérsia judicial sobre a questão, pendente de solução pela Suprema Corte.
Sendo assim, fica diferida para a fase de cumprimento do julgado a estipulação dos índices de juros e correção monetária legalmente estabelecidos para cada período.
Conclusão
A apelação da parte autora foi provida, para condenar o INSS a conceder aposentadoria por invalidez ao autor.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por dar provimento à apelação, determinando a implantação do benefício.
É o voto.
Des. Federal ROGER RAUPP RIOS
Relator
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 29/11/2016
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0016512-60.2015.4.04.9999/RS
ORIGEM: RS 00064979520138210072
RELATOR | : | Des. Federal ROGER RAUPP RIOS |
PRESIDENTE | : | Paulo Afonso Brum Vaz |
PROCURADOR | : | Dr. Jorge Luiz Gasparini da Silva |
SUSTENTAÇÃO ORAL | : | Presencial - DRA. JANE BERWANGER |
APELANTE | : | ODETE DA SILVA DE OLIVEIRA |
ADVOGADO | : | Luiza Pereira Schardosim de Barros e outro |
APELADO | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
ADVOGADO | : | Procuradoria Regional da PFE-INSS |
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 29/11/2016, na seqüência 1167, disponibilizada no DE de 16/11/2016, da qual foi intimado(a) INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, a DEFENSORIA PÚBLICA e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) 5ª TURMA, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU DAR PROVIMENTO À APELAÇÃO, DETERMINANDO A IMPLANTAÇÃO DO BENEFÍCIO.
RELATOR ACÓRDÃO | : | Des. Federal ROGER RAUPP RIOS |
VOTANTE(S) | : | Des. Federal ROGER RAUPP RIOS |
: | Des. Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ | |
: | Des. Federal ROGERIO FAVRETO |
Lídice Peña Thomaz
Secretária de Turma
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