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DIREITO À SAÚDE. APELAÇÃO. MEDICAMENTOS. ADEQUAÇÃO DO TRATAMENTO. TRF4. 5024167-18.2022.4.04.7100...

Data da publicação: 31/03/2023, 07:01:15

EMENTA: DIREITO À SAÚDE. APELAÇÃO. MEDICAMENTOS. ADEQUAÇÃO DO TRATAMENTO. 1. O Superior Tribunal de Justiça em julgamento realizado sob a sistemática dos recursos repetitivos assentou que a concessão de remédios não incorporados em atos normativos do SUS exige a presença cumulativa da comprovação da imprescindibilidade ou necessidade do medicamento; da ineficácia do tratamento fornecido pelo sistema público de sáude; da incapacidade financeira do postulante e da existência de registro na ANVISA para o uso pleiteado (STJ, EDcl no REsp 1657156/RJ, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Seção, julgado em 12/09/2018, DJe 21/09/2018). 2. Caso concreto em que restou demonstrada a adequação do tratamento e das evidência científicas sobre o remédio buscado: ribociclibe 200mg para tratamento de neoplasia maligna da mama (CID 10: C50.9). (TRF4, AC 5024167-18.2022.4.04.7100, QUINTA TURMA, Relator HERMES SIEDLER DA CONCEIÇÃO JÚNIOR, juntado aos autos em 23/03/2023)

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Rua Otávio Francisco Caruso da Rocha, 300, Gab. Des. Federal Roger Raupp Rios - 6º andar - Bairro: Praia de Belas - CEP: 90010-395 - Fone: (51)3213-3277 - Email: groger@trf4.jus.br

Apelação Cível Nº 5024167-18.2022.4.04.7100/RS

RELATOR: Desembargador Federal HERMES SIEDLER DA CONCEIÇÃO JÚNIOR

APELANTE: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO (RÉU)

APELADO: VALQUIRIA PUGLIESE (AUTOR)

RELATÓRIO

Trata-se de apelação em face da sentença que julgou procedente o pedido de entrega do medicamento ribociclibe 200mg para tratamento de neoplasia maligna da mama (CID 10: C50.9). A sentença foi no seguinte sentido:

(...)

Ante o exposto, julgo procedente o pedido contra a União e o Estado do Rio Grande do Sul, para determinar aos réus que forneçam o medicamento ribociclibe 200mg, na quantidade de 63 comprimidos a cada 28 dias, de modo contínuo, ou conforme nova prescrição médica, enquanto perdurar a sua indicação.

O fornecimento do medicamento deverá ser feito na Farmácia do Estado ou no Almoxarifado Central.

Não sendo fornecido o medicamento em espécie regularmente, fica desde já autorizado o bloqueio do valor suficiente para atendimento da assistência farmacêutica. A União deve ressarcir ao Estado do Rio Grande do Sul 100% dos valores que vierem a ser bloqueados e repassados à parte autora.

A parte autora deverá renovar a prescrição médica a cada seis meses, juntamente com a informação sobre a efetividade do tratamento, administrativamente.

Em caso de cessação da necessidade do medicamento, as sobras deverão ser devolvidas ao ente público fornecedor dos itens, cf. orientações que forem repassadas administrativamente à parte autora. Em caso de descumprimento dessa determinação (devolução do excedente), a hipótese deverá ser noticiada a este Juízo para as providências cabíveis.

Demanda sem custas.

Condeno os réus ao pagamento de honorários advocatícios fixados em R$ 4.000,00, a serem atualizados a partir desta data pelo IPCA-E, considerando que as demandas pretendendo o atendimento pelo SUS são de valor inestimável e não é cabível o arbitramento com base no valor atribuído à causa (art. 85 e parágrafo 8º do CPC). Cada réu arcará com 50% dos honorários. Quanto ao arbitramento de honorários de forma equitativa em demandas de saúde: "Nas ações que versam sobre fornecimento de medicamento, a fixação dos honorários advocatícios deve se dar de forma equitativa, uma vez que, tratando-se de tutela da saúde, a demanda tem valor econômico inestimável, sendo aplicáveis as disposições do art. 85, § 8º do CPC/15" (TRF4 5059628-22.2020.4.04.7100, SEXTA TURMA, Relatora TAÍS SCHILLING FERRAZ, juntado aos autos em 01/08/2022); e ainda, exemplificativamente, TRF4, AC 5006385-66.2021.4.04.7121, SEXTA TURMA, Relatora TAÍS SCHILLING FERRAZ, juntado aos autos em 17/06/2022; TRF4, AC 5002434-70.2021.4.04.7119, QUINTA TURMA, Relator FRANCISCO DONIZETE GOMES, juntado aos autos em 26/07/2022.

(...)

A União alega, em resumo, que: (a) como preliminar, a sentença deve ser anulada por cerceamento de defesa; (b) a parte não tem direito ao benefício da gratuidade; (c) o valor da causa não está correto; (d) no mérito, não estão preenchidos os requisitos jurisprudenciais para a entrega do remédio; (e) o remédio é de alto custo, havendo significativos impactos financeiros e orçamentários; (f) subsidiariamente, a obrigação deve ser direcionada ao Estado-membro; (g) a responsabilidade financeira deve ser proporcional; (h) deve ser observado o CAP e a denominação comum; (i) devem ser fixadas contracautelas; (j) os honorários devem ser arbitrados por apreciação equitativa em mil reais de forma proporcional.

Oportunizadas contrarrazões.

É o breve relatório.

VOTO

I - Preliminar de nulidade da sentença

O apelante defende, em preliminar, que a sentença deve ser anulada por vício havido no curso da instrução. Aduz que não foi oportunizada a realização de prova pericial. Verifico, contudo, que houve ampla instrução documental e que reputo adequada no caso concreto. O pedido de perícia, por outro lado, não indica com clareza as razões pelas quais a prova seria imprescindível diante dos elementos já apresentados no processo. Com isso, não há como reconhecer qualquer nulidade.

II - Benefício da gratuidade e valor da causa

A União defende equívoco no valor da causa e ausência dos requisitos para que o autor faça jus ao benefício da gratuidade. O valor da causa, porém, não foi contestado no momento oportuno pelo que a matéria está preclusão. Já quanto ao benefício da gratuidade, não há qualquer elemento que infirme a documentação trazida pela parte autora que recebe benefício previdenciário de aposentadoria.

III - Considerações gerais sobre o direito à saúde

O direito fundamental à saúde, enquanto prestação sindicável junto ao Poder Judiciário, encontra sólido amparo na Constituição (art. 6º, art. 196, CF/88) e na jurisprudência. Os limites da intervenção judicial sobre políticas públicas de saúde efetivamente existentes, porém, é tema em constante evolução.

Acerca da "reserva do possível" o entendimento é de que ela não justifica, por si só, o descumprimento dos deveres constitucionais impostos ao Poder Público, inclusive no que diz respeito ao direito à saúde. O alerta é do Supremo Tribunal Federal:

Cumpre advertir, desse modo, que a cláusula da "reserva do possível" - ressalvada a ocorrência de justo motivo objetivamente aferível - não pode ser invocada, pelo Estado, com a finalidade de exonerar-se, dolosamente, do cumprimento de suas obrigações constitucionais, notadamente quando, dessa conduta governamental negativa, puder resultar nulificação ou, até mesmo, aniquilação de direitos constitucionais impregnados de um sentido de essencial fundamentalidade.

(...) entre proteger a inviolabilidade do direito à vida e à saúde - que se qualifica como direito subjetivo inalienável a todos assegurado pela própria Constituição da República (art. 5º, "caput", e art. 196) - ou fazer prevalecer, contra essa prerrogativa fundamental, um interesse financeiro e secundário do Estado, entendo, uma vez configurado esse dilema, que razões de ordem ético-jurídica impõem, ao julgador, uma só e possível opção: aquela que privilegia o respeito indeclinável à vida e à saúde humanas.

(...) a missão institucional desta Suprema Corte, como guardiã da superioridade da Constituição da República, impõe, aos seus Juízes, o compromisso de fazer prevalecer os direitos fundamentais da pessoa, dentre os quais avultam, por sua inegável precedência, o direito à vida e o direito à saúde. (trecho do voto do Min Celso de Mello, STF, STA 175, Rel. Min Gilmar Mendes, DJE 30/04/2010).

A 9ª Turma desta Corte, no mesmo sentido e em decisão recente, considerou o seguinte: "a reserva do possível e o alto custo do tratamento, seguindo a linha de argumentação de Ingo Wolfgang Sarlet (Comentário ao art. 6º. In: Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva/Almedina, 2013, p. 545), não podem impedir, por si só, a concretização do direito à saúde, já que 'o que de fato é falaciosa é a forma pela qual o argumento tem sido por vezes utilizado, entre nós, como óbice à intervenção judicial e desculpa genérica para uma eventual omissão estatal no campo da efetivação dos direitos fundamentais, especialmente daqueles de cunho social'" (TRF4, AG 5033674-60.2022.4.04.0000, Nona Turma, Relator Paulo Afonso Brum Vaz, juntado aos autos em 03/08/2022).

Deveras, a alegação de "reserva do possível" apenas é legítima quando se demonstra, mediante elementos concretos e objetivamente aferíveis, a absoluta impossibilidade financeira no que tange ao cumprimento da prestação estatal exigida pela Constituição (TRF4 5039332-91.2011.4.04.7100, Sexta Turma, Relator João Batista Pinto Silveira, juntado aos autos em 05/03/2020).

As considerações ora lançadas permitem concluir que não é possível afastar o direito fundamental à sáude com amparo na genérica alegação de alto custo de um tratamento.

Sobre a entrega de medicamentos pela via judicial, em específico, o Superior Tribunal de Justiça assentou que a concessão de remédios não incorporados em atos normativos do SUS exige a presença cumulativa da comprovação da imprescindibilidade ou necessidade do medicamento; da ineficácia do tratamento fornecido pelo sistema público de sáude; da incapacidade financeira do postulante e da existência de registro na ANVISA (REsp 1657156/RJ, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Seção, julgado em 25/04/2018, DJe 04/05/2018). Quanto ao registro na ANVISA, posteriormente foi assentado que devem ser observados "os usos autorizados pela agência", o que afasta a possibilidade de fornecimento para uso "off label", salvo quando autorizado pela ANVISA (EDcl no REsp 1657156/RJ, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Seção, julgado em 12/09/2018, DJe 21/09/2018). Contudo, o próprio STJ já admitiu, em situações excepcionais, a entrega de medicamento para tratamento não previsto em bula desde que existam evidências científicas favoráveis (REsp 1729566/SP, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 04/10/2018, DJe 30/10/2018).

As disposições relativas ao processo de incorporação de medicamentos ou tratamentos junto ao Sistema Único de Sáude previstas na Lei n.º 8.080/90, portanto, não impedem a concretização do direito individual à saúde por intervenção judicial.

Por fim, nos casos de tratamento do câncer, cumpre lembrar que há uma sistemática própria. Os medicamentos são entregues por estabelecimentos habilitados. As unidades de saúde são cadastradas junto ao SUS e divididas em Centros de Assistência de Alta Complexidade em Oncologia (CACON) e Unidades de Assistência de Alta Complexidade em Oncologia (UNACON). Haverá assistência especilizada com diagnóstico e tratamento. Os próprios centros de antedimento padronizam, adquirem e prescrevem os medicamentos oncológicos. Em contrapartida, recebem recursos do Sistema Único de Saúde.

IV - Análise do caso concreto

A parte autora, Valquiria Pugliese, pede a entrega do medicamento ribociclibe 200mg para tratamento de neoplasia maligna da mama (CID 10: C50.9).

Verifica-se que a medicação possui registro na ANVISA e a parte é hipossuficiente (e. 10, decl14-20). Resta, então, averiguar se o medicamento é imprescindível ou necessário e se o tratamento fornecido pelo Sistema Único de Saúde é eficaz.

Nesse aspecto, não vejo razão para afastar as conclusões da sentença e cujo trecho, extraído da anterior tutela provisória, adoto como fundamentação:

(...)

A nota técnica apresentou as seguintes conclusões:

6.1 Efetividade, eficácia e segurança:

O succinato de ribociclibe é um inibidor seletivo da proteína quinase dependente de ciclina (CDK) 4 e 6. Estas quinases participam do mecanismo que conduz à progressão do ciclo celular e consequente proliferação do tumor. Seu uso, portanto, reduz a atividade das quinases tendo como consequência a diminuição da progressão tumoral (6).

Sua eficácia no tratamento do câncer de mama metastático ou avançado, positivo para receptores hormonais e HER-2 negativo, em mulheres que se encontram na fase pós-menopausa, foi avaliado por dois ensaios clínicos de fase 3.

O primeiro, conhecido como MONALEESA-2, citado pela parte autora, trata-se de um ensaio randomizado, controlado por placebo, publicado em 2016, que avaliou a eficácia e segurança do tratamento de primeira linha com ribociclibe associado ao letrazol versus letrazol em monoterapia, sendo cada grupo com 334 mulheres que cumpriam com as condições supracitadas, e encontrou, ao final do seguimento de 18 meses, sobrevida livre de progressão em 63% (IC95% 54,6 a 70,3) das mulheres tratadas com a associação e de 42,2% (IC95% 34,8 a 49,5) naquelas que receberam apenas o letrazol, demonstrando um hazard ratio de 0,56 (IC95% 0,43 a 0,72; P<0,01). Eventos adversos de grau 3 e 4 foram prevalentes nas pacientes tratadas, sendo neutropenia (59,3%) e leucopenia (21,0%) os mais frequentes, levando 7,5% das mulheres tratadas a abandonar o tratamento (7). A combinação de ribociclibe e letrazol não impactou na qualidade de vida das participantes (8).

O segundo estudo, MONALEESA-3, também randomizado e controlado por placebo, publicado em fevereiro de 2020, incluiu 726 pacientes (sendo 237 que já haviam sido submetidos a algum tratamento quimioterápico prévio e 489 virgens de quimioterapia) e avaliou a sobrevida destes pacientes após tratamento com ribociclibe associado ao fulvestranto versus fulvestranto em monoterapia. O uso da terapia combinada mostrou benefício estatístico em termos de mortalidade, sumarizado em hazard ratio de 0,72 (IC95% 0,57 a 0,92; P=0,0045) para mortalidade em 42 meses após início da terapia. Dentre os 237 pacientes que já haviam sido expostos a outro esquema terapêutico e, portanto, receberam a intervenção como tratamento de segunda linha, a mediana de sobrevida livre de progressão variou entre 32,5 a 40,2 meses naqueles que receberam ribociclibe associado ao fulvestranto e entre 9,1 e 14,6 naqueles que receberam fulvestranto em monoterapia (9).

Em 2021, após demanda interna e externa de incorporação, a CONITEC publicou um relatório preliminar de avaliação de incorporação do abemaciclibe, palbociclibe e succinato de ribociclibe para o tratamento de mulheres adultas com câncer de mama avançado ou metastático, com HR+ e HER-2 negativo (4). Como parte deste relatório, há revisão sistemática de ensaios clínicos randomizados buscando responder a pergunta “qual a eficácia e segurança do abemaciclibe, palbociclibe ou ribociclibe para o tratamento de câncer de mama avançado ou metastático RH+ e HER2- comparada à exemestano, letrozol, anastrazol ou fulvestranto?”. Foram incluídos 43 estudos na análise final, provenientes de 13 estudos, sendo ECR de fase 2 ou 3, e totalizando uma população de 5.812 participantes do sexo feminino. Os estudos apresentaram avaliação de abemaciclibe, anastrozol, capecitabina, exemestano, fulvestranto, letrozol, loperamida, palbociclibe, ribociclibe e tamoxifeno, e quando possível os resultados foram combinados através de metanálise em rede (network meta analysis, NMA, que combina estimativas diretas e indiretas em uma rede de intervenções em uma única análise). Especificamente para o ribociclibe em associação com fulvestranto foram encontrados apenas os estudos acima descritos. Como conclusões gerais da análise, demonstrou-se que uso do abemaciclibe, succinato de ribociclibe ou palbociclibe promovem o aumento da sobrevida livre de progressão quando comparado aos tratamentos atualmente disponíveis no SUS. Com relação aos dados de sobrevida global não foi possível compará-los por meio da NMA devido a alguns estudos possuírem dados imaturos para este tipo de análise, no entanto, com base nos estudos disponíveis sugere-se que haja aumento deste desfecho devido ao aumento observado na sobrevida livre de progressão.

6.2 Benefício/efeito/resultado esperado da tecnologia: aumento de sobrevida livre de progressão e possível aumento de sobrevida global.

(...)

6.3 Conclusão técnica: favorável.

6.4 Justificativa:

Há evidência de que ribociclibe associado à hormonioterapia aumente sobrevida livre de progressão e reduza mortalidade em paciente com neoplasia de mama avançada positiva para receptores hormonais e HER-2 negativo, como no caso em tela, embora a magnitude do impacto em sobrevida global ainda esteja incerta.

Cabe considerar que o fármaco excedeu limiar de disposição a pagar em análises de custo-efetividade conduzidas por países de mais alta renda, sendo somente incorporado após negociação de preço, e que também nas análises conduzidas para a realidade brasileira aferiu-se alto custo para o benefício obtido. No entanto, a agência responsável pela avaliação e incorporação de tecnologias no sistema público brasileiro, CONITEC, após consideração de eficácia, segurança, custo-efetividade e impacto orçamentário, e também de debate público com a sociedade, determinou pela incorporação da terapia. Entre os fármacos avaliados para o cenário clínico, ribociclibe apresentou melhor perfil de custo-efetividade e atualmente parece apresentar o menor preço entre as terapias baseadas em inibidores de ciclina (anti-CDk4/6).

(grifou-se)

O medicamento está registrado na Anvisa para tratamento da doença que acomete o autor (nota técnica, itens 5.1 e 5.2). Há parecer da Conitec recomendando a incorporação ao SUS (item 5.4). Não está previsto em Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas do Ministério da Saúde para a situação clínica do demandante (item 5.6).

(...)

Neste caso, a farmácia deverá conceder o desconto decorrente da incidência do coeficiente de adequação de preços (CAP) sobre o preço de fábrica (PF), respeitando assim o preço máximo de venda ao governo (PMVG), que, em geral, é consideravelmente inferior àquele adotado na venda a particular. A aquisição operacionalizada pelo hospital ou pela parte autora em decorrência da inércia dos entes públicos não é razão para a não aplicação do CAP e o hospital ou a parte autora deverá informar ao juízo eventual recusa do fornecedor na aplicação do CAP, o que poderá ensejar a aplicação das sanções previstas na Lei nº 10.742/2003 e na Lei nº 8.078/90.

Caso seja necessária a realização de bloqueio judicial de valor, fica condicionado à apresentação de três orçamentos atualizados, conforme os termos da Resolução CMED nº 3, de 2 de março de 2011.

Ante o exposto, defiro a antecipação dos efeitos da tutela para determinar ao Estado do Rio Grande do Sul que, por intermédio da Farmácia do Estado, providencie o fornecimento do medicamento ribociclibe 200mg, na quantidade de 63 comprimidos a cada 28 dias, pelo período de quatro ciclos, cabendo à União ressarcir administrativamente ao Estado 100% do valor.

(...)

De fato, o laudo médico inicial já indicava o uso do remédio por ausência de outras alternativas (e.01, laudo5). Posteriormente, a Nota Técnica foi favorável à entrega (e. 17)

Considero, assim, que estão preenchidos todos os requisitos para que o medicamento seja entregue pela via judicial na exata forma em que definido em representativo de controvérsia (REsp 1657156/RJ, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Seção, julgado em 25/04/2018, DJe 04/05/2018).

Por todas essa razões, a hipótese é de desprovimento do recurso com a manutenção da sentença de primeiro grau quanto ao mérito.

V - Responsabilidade administrativa e financeira

Embora exista solidariedade no direito à saúde, como já apontado antes, prevaleceu no Supremo que o órgão judicial dever avaliar concretamente o direcionamento da obrigação de acordo com as competências constitucionais e legais aplicáveis aos entes políticos, determinando-se, quando for o caso, o ressarcimento a quem suportou o ônus financeiro das providências (STF, RE 855.178 ED, Relator Min. Luiz Fux, julgado em 23/05/2019).

Para tanto, é preciso considerar as atribuições administrativas (relacionadas com a entrega de prestações de saúde) e financeiras (relacionadas com o custeio do direito à saúde) dentro dos integrantes da federação brasileira.

Sobre a responsabilidade administrativa, a Lei n.º 8.080/90 prevê uma organização “regionalizada e hierarquizada em níveis de complexidade crescente” (art. 8º) e dispõe que a União tem competência expressa para a descentralização dos serviços de saúde de abrangência estadual para os Estados membros e os de abrangência municipal para os Municípios (art. 16, XV). Os Estados membros, por sua vez, podem descentralizar para os Municípios os serviços e as ações de saúde (art. 17, I), mas possuem o dever de atuar de forma supletiva nas ações descentralizadas (art. 17, II).

O detalhamento infralegal das atribuições sanitárias (Decreto n.º 7.508/11) traz as diretrizes gerais sobre a organização do Sistema Único de Saúde (SUS) e prevê que caberá às Comissões Intergestores pactuar "a organização e o funcionamento das ações e serviços de saúde integrados em redes de atenção à saúde” (art. 30). Da mesma forma, devem ser consideradas as diretrizes normativas estabelecidas pelo Ministério da Saúde, como, por exemplo, o Regulamento do Sistema Único de Saúde (Portaria n.º 2.048/09).

O complexo conjunto normativo do direito à saúde permite concluir o seguinte: "a competência para atender diretamente o cidadão, inclusive como porta de entrada para o sistema de saúde e com o fornecimento da ação, medicamento ou produto de saúde pleiteado é, como regra geral, do Estado membro. Em algumas situações, tais atribuições são compartilhadas com os entes municipais e, muito raramente, a atribuição material é da União" (TRF4 5006370-51.2021.4.04.7104, Sexta Turma, Relator João Batista Pinto Silveira, juntado aos autos em 07/04/2022).

No caso dos autos, incide a regra geral, de sorte que, como o Estado-membro já se encontra aparelhado e próximo do cidadão através da sua estrutura de atendimento, é impositivo que a responsabilidade administrativa pelo cumprimento da ordem judicial seja direcionada ao ente estadual. Como, porém, subsiste a solidariedade, nada impede que o cumprimento forçado seja promovido em face dos demais réus.

Sobre a responsabilidade financeira, compete a todos os entes políticos a destinação de recursos para políticas de saúde (art. 198, §1º, CF/88). Os recursos da União, que constituem importante receita para essa política, são destinados de acordo com "as necessidades de saúde da população, as dimensões epidemiológica, demográfica, socioeconômica, espacial e de capacidade de oferta de ações e de serviços de saúde", com observância da Lei n.º 8.080/90 e da Constituição Federal (art. 17, Lei Complementar n.º 141/12).

Além disso, os principais encargos vão previstos no Regulamento do Sistema Único de Saúde (Portaria n.º 2.048/09). A título exemplificativo, os procedimentos de média complexidade são custeados pelos Estados-membros com apoio da União (Portaria n.º 2.048/09, Anexo II, Capítulo I, item 9), enquanto os procedimento de alta complexidade são custeados pela União (Portaria n.º 2.048/09, Anexo II, Capítulo I, item 23). Para os tratamento de câncer, é dever da União viabilizar o financiamento da política de saúde (art. 8º, II, Portaria n.º 876/13). É também dever da União prestar cooperação financeira aos demais entes políticos (art. 16, XIII, Lei n.º 8.080/90).

O panorama normativo em questão traz a inafastável conclusão de que, enquanto ausente diretrizes firmes sobre ações específicas, "a responsabilidade pelo custeio é integralmente da União, isto até que haja pactuação em sentido diferente por meio das Comissões Intergestores Bipartite e Tripartite ou por meio de outras diretrizes do Ministério da Saúde" (TRF4, AC 5011985-10.2021.4.04.7108, Sexta Turma, Relator João Batista Pinto Silveira, juntado aos autos em 28/07/2022).

No caso dos autos, dadas as premissas acima, tenho que a responsabilidade financeira final deve ser atribuída à União, exatamente como constou na sentença. E caso tenha havido, no curso da demanda, a imposição de medidas com custos financeiros ao ente sem responsabilidade, caberá aos demais réus promover o ressarcimento na via administrativa.

VI - Denominação comum

No concernente ao deferimento do fármaco pela Denominação Comum Brasileira e não pelo nome comercial, cumpre esclarecer que, efetivamente, os medicamentos a serem adquiridos pelo SUS não ficam vinculados ao nome comercial, mas sim ao seu princípio ativo. Dessa forma, caso seja encontrada outra marca ou genérico do mesmo princípio ativo, poderá ser adquirido para cumprimento desta decisão, desde que não cause prejuízo à eficácia do tratamento da parte autora.

VII - Coeficiente de Adequação de Preços (CAP)

A União alega que deve ser utilizado o Coeficiente de Adequação de Preços (CAP) para eventual aquisição do medicamento. Trata-se de coeficiente utlizado nas compras de medicamentos promovidas pelo poder público (art. 1º da Resolução CMED n.º 3, de 02/03/2011).

Ocorre que a presença de condições favoráveis para a aquisição de medicamentos é dirigida à administração pública. Trata-se de um incentivo às boas práticas negociais. Não por outro motivo que deve ser oportunizado o cumprimento espontâneo de obrigações judicialmente impostas, franqueando-se ao poder público os esforços legítimos para obtenção do procedimento ou produto de saúde com melhores condições de preço. Assim, bastará que o ente público cumpra a obrigação voluntariamente que poderá utilizar o Coeficiente de Adequação de Preços (CAP).

Por outro lado, na hipótese de injustificada resistência no cumprimento das decisões judiciais, muitas vezes relacionada com a aquisição de remédios, a transferência do dever de compra para terceiros não pode vir acompanhada de ônus incompatível com a posição de credor do poder público frente à política de saúde não atendida. É dizer, não se pode exigir do particular que obtenha as mesmas condições favoráveis do poder público (assim: TRF4, AG 5021457-19.2021.4.04.0000, Turma Regional Suplementar do PR, Relatora Cláudia Cristina Cristofani, juntado aos autos em 12/08/2021).

Não prospera, portanto, o recurso da União no ponto.

VIII - Contracautelas

A União alega subsidiariamente que devem ser fixadas contracautelas. Contudo, as medidas já foram definidas em extensão adequada pelo magistrado de origem. Não há razão para impor maior ônus à parte que deve o direito à saúde devidamente reconhecido em juízo. Nega-se provimento ao recurso da União no ponto.

IX - Honorários advocatícios

No contexto do direito à sáude, a jurisprudência do Tribunal Regional Federal da 4ª Região está pacificada no sentido de que o objeto do processo é bem inestimável, a saber, o direito à saúde (assim: AC 5053538-70.2021.4.04.7000, Turma Regional Suplementar do PR, Relatora Cláudia Cristina Cristofani, juntado aos autos em 08/06/2022; AC 5002521-87.2020.4.04.7207, Turma Regional Suplementar de SC, Relator Paulo Afonso Brum Vaz, juntado aos autos em 19/05/2022).

No caso em exame, o magistrado adotou essa diretriz, fixando a verba honorária em quantia adequada e compatível com o trabalho desenvolvido.

X - Dispositivo

Concluo que o recurso da União foi integralmente desprovido. Em razão disso, considerando o trabalho adicional em grau recursal realizado, a importância e a complexidade da causa, nos termos do art. 85, §2.º e §11.º do CPC, os honorários advocatícios devem ser majorados para que a verba seja acrescida em 50% do valor definido na sentença (art. 85, §3.º, I, CPC)

Ante o exposto, voto por negar provimento ao recurso da União.



Documento eletrônico assinado por HERMES SIEDLER DA CONCEICAO JUNIOR, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40003755435v6 e do código CRC 5ee93e59.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): HERMES SIEDLER DA CONCEICAO JUNIOR
Data e Hora: 23/3/2023, às 18:25:24


5024167-18.2022.4.04.7100
40003755435.V6


Conferência de autenticidade emitida em 31/03/2023 04:01:15.

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Apelação Cível Nº 5024167-18.2022.4.04.7100/RS

RELATOR: Desembargador Federal HERMES SIEDLER DA CONCEIÇÃO JÚNIOR

APELANTE: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO (RÉU)

APELADO: VALQUIRIA PUGLIESE (AUTOR)

EMENTA

DIREITO À SAÚDE. APELAÇÃO. MEDICAMENTOS. ADEQUAÇÃO DO TRATAMENTO.

1. O Superior Tribunal de Justiça em julgamento realizado sob a sistemática dos recursos repetitivos assentou que a concessão de remédios não incorporados em atos normativos do SUS exige a presença cumulativa da comprovação da imprescindibilidade ou necessidade do medicamento; da ineficácia do tratamento fornecido pelo sistema público de sáude; da incapacidade financeira do postulante e da existência de registro na ANVISA para o uso pleiteado (STJ, EDcl no REsp 1657156/RJ, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Seção, julgado em 12/09/2018, DJe 21/09/2018).

2. Caso concreto em que restou demonstrada a adequação do tratamento e das evidência científicas sobre o remédio buscado: ribociclibe 200mg para tratamento de neoplasia maligna da mama (CID 10: C50.9).

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento ao recurso da União, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 21 de março de 2023.



Documento eletrônico assinado por HERMES SIEDLER DA CONCEICAO JUNIOR, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40003755436v4 e do código CRC 0fe5e487.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): HERMES SIEDLER DA CONCEICAO JUNIOR
Data e Hora: 23/3/2023, às 18:25:24


5024167-18.2022.4.04.7100
40003755436 .V4


Conferência de autenticidade emitida em 31/03/2023 04:01:15.

Poder Judiciário
Tribunal Regional Federal da 4ª Região

EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 14/03/2023 A 21/03/2023

Apelação Cível Nº 5024167-18.2022.4.04.7100/RS

RELATOR: Desembargador Federal HERMES SIEDLER DA CONCEIÇÃO JÚNIOR

PRESIDENTE: Desembargador Federal ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL

PROCURADOR(A): RICARDO LUÍS LENZ TATSCH

APELANTE: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO (RÉU)

APELADO: VALQUIRIA PUGLIESE (AUTOR)

ADVOGADO(A): THAISA MARTINS BRITZ (OAB RS107528)

Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 14/03/2023, às 00:00, a 21/03/2023, às 16:00, na sequência 225, disponibilizada no DE de 03/03/2023.

Certifico que a 5ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:

A 5ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO DA UNIÃO.

RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal HERMES SIEDLER DA CONCEIÇÃO JÚNIOR

Votante: Desembargador Federal HERMES SIEDLER DA CONCEIÇÃO JÚNIOR

Votante: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO

Votante: Desembargador Federal ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL

PAULO ROBERTO DO AMARAL NUNES

Secretário



Conferência de autenticidade emitida em 31/03/2023 04:01:15.

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