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DIREITO ADMINISTRATIVO. AÇÃO INDENIZATÓRIA. DANO MORAL. CANCELAMENTO DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. SUICÍDIO DO SEGURADO. AUSÊNCIA DE NEXO CAUSAL. IMPROCEDÊN...

Data da publicação: 07/07/2020, 23:42:22

EMENTA: DIREITO ADMINISTRATIVO. AÇÃO INDENIZATÓRIA. DANO MORAL. CANCELAMENTO DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. SUICÍDIO DO SEGURADO. AUSÊNCIA DE NEXO CAUSAL. IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO. 1. O simples indeferimento de benefício previdenciário, ainda que equivocado, não é suficiente para dar ensejo a uma indenização por dano moral. 2. Não havendo nexo causal entre o indeferimento do benefício e o suicídio do segurado, indefere-se o pedido de indenização por danos morais. Precedentes deste Tribunal Regional Federal. (TRF4, AC 5002015-05.2015.4.04.7105, TERCEIRA TURMA, Relatora VÂNIA HACK DE ALMEIDA, juntado aos autos em 29/11/2018)

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5002015-05.2015.4.04.7105/RS

RELATORA: Desembargadora Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA

APELANTE: MARINA FABRICIO MACHADO GUZZO (AUTOR)

ADVOGADO: PAULO ROBERTO CACENOTE

ADVOGADO: LUIZ CARLOS CACENOTE

ADVOGADO: MARCO ANTONIO SEGATTO

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)

APELADO: OS MESMOS

RELATÓRIO

Trata-se de apelação e recurso adesivo contra sentença que, em ação de indenização por danos morais, julgou parcialmente procedentes os pedidos para condenar o INSS a pagar à autora, Marina Fabrício Machado Guzzo, o valor de R$ 40.000,00 a título de indenização por danos morais reflexos à honra e à imagem de seu cônjuge, o falecido Onivaldo Guzzo, montante a ser acrescido de juros e correção monetária conforme a fundamentação. A sentença fixou os honorários advocatícios em 20% do valor da condenação e, diante da sucumbência recíproca mas não equivalente, determinou que a parte autora arcará com 1/3 do montante em favor da parte ré e esta com os 2/3 restantes. Finalmente, a sentença decidiu que as custas processuais serão devidas na mesma proporção, isentando a parte autora em razão de litigar sob o amparo da gratuidade da justiça.

O INSS, em suas razões de apelação, defendeu a inexistência de nexo causal entre a suspensão do benefício previdenciário e o suicídio de Onivaldo, pois "a pessoa que comete suicídio (ato extremo de abdicação da vida) não se encontra em suas condições psicológicas normais". Prosseguiu afirmando que a suspensão administrativa do benefício deveu-se a constatações de fraude na concessão, ao verificar o lançamento de informações inverídicas no preenchimento dos formulários DSS 8030 apresentados por Onivaldo por ocasião do requerimento de aposentadoria. Na sequência, alegou que, segundo a jurisprudência deste Tribunal Regional Federal, o indeferimento ou cancelamento de benefício não gera direito à indenização por danos morais, pois é dever da autarquia previdenciária corrigir ilegalidades na concessão de benefícios. Subsidiariamente, em caso de manutenção da condenação, requereu sejam os juros de mora calculados de acordo com a Lei 11.960/2009.

A parte autora, nas razões de recurso adesivo, reiterando que a conduta dos agentes do INSS teve relação direta com o suicídio de Onivaldo, requereu a majoração do montante indenizatório, com a consequente condenação da autarquia a arcar integralmente com os ônus da sucumbência.

Com contrarrazões, subiram os autos.

Nesta instância a parte autora requereu prioridade da tramitação (evento 2, PET1).

É o relatório.

VOTO

Responsabilidade Civil do Estado

A responsabilidade civil do Estado está prevista no § 6º do artigo 37 da Constituição Federal:

Art. 37. (...)

§ 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.

Seguindo a linha de sua antecessora, a atual Constituição Federal estabeleceu como baliza principiológica a responsabilidade objetiva do Estado, adotando a teoria do risco administrativo. Consequência da opção do constituinte é que, de regra, os pressupostos da responsabilidade civil do Estado são três: a) uma ação ou omissão humana; b) um dano injusto ou antijurídico sofrido por terceiro; c) o nexo de causalidade entre a ação ou omissão e o dano experimentado por terceiro.

Em se tratando de comportamento omissivo, a jurisprudência vinha entendendo que a responsabilidade do Estado deveria ter enfoque diferenciado quando o dano fosse diretamente atribuído a agente público (responsabilidade objetiva) ou a terceiro ou mesmo decorrente de evento natural (responsabilidade subjetiva).

Contudo, o tema foi objeto de análise pelo Supremo Tribunal Federal em regime de recurso repetitivo no Recurso Extraordinário nº 841.526, definindo-se que "a responsabilidade civil do Estado por omissão também está fundamentada no artigo 37, §6º, da Constituição Federal, ou seja, configurado o nexo de causalidade entre o dano sofrido pelo particular e a omissão do Poder Público em impedir a sua ocorrência - quando tinha a obrigação legal específica de fazê-lo - surge a obrigação de indenizar, independentemente de prova da culpa na conduta administrativa (...)". O julgamento foi assim ementado:

RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO POR MORTE DE DETENTO. ARTIGOS 5º, XLIX, E 37, § 6º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.

1. A responsabilidade civil estatal, segundo a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 37, § 6º, subsume-se à teoria do risco administrativo, tanto para as condutas estatais comissivas quanto paras as omissivas, posto rejeitada a teoria do risco integral.

2. A omissão do Estado reclama nexo de causalidade em relação ao dano sofrido pela vítima nos casos em que o Poder Público ostenta o dever legal e a efetiva possibilidade de agir para impedir o resultado danoso.

3. É dever do Estado e direito subjetivo do preso que a execução da pena se dê de forma humanizada, garantindo-se os direitos fundamentais do detento, e o de ter preservada a sua incolumidade física e moral (artigo 5º, inciso XLIX, da Constituição Federal).

4. O dever constitucional de proteção ao detento somente se considera violado quando possível a atuação estatal no sentido de garantir os seus direitos fundamentais, pressuposto inafastável para a configuração da responsabilidade civil objetiva estatal, na forma do artigo 37, § 6º, da Constituição Federal.

5. Ad impossibilia nemo tenetur, por isso que nos casos em que não é possível ao Estado agir para evitar a morte do detento (que ocorreria mesmo que o preso estivesse em liberdade), rompe-se o nexo de causalidade, afastando-se a responsabilidade do Poder Público, sob pena de adotar-se contra legem e a opinio doctorum a teoria do risco integral, ao arrepio do texto constitucional.

6. A morte do detento pode ocorrer por várias causas, como, v. g. , homicídio, suicídio, acidente ou morte natural, sendo que nem sempre será possível ao Estado evitá-la, por mais que adote as precauções exigíveis.

7. A responsabilidade civil estatal resta conjurada nas hipóteses em que o Poder Público comprova causa impeditiva da sua atuação protetiva do detento, rompendo o nexo de causalidade da sua omissão com o resultado danoso.

8. Repercussão geral constitucional que assenta a tese de que: em caso de inobservância do seu dever específico de proteção previsto no artigo 5º, inciso XLIX, da Constituição Federal, o Estado é responsável pela morte do detento.

9. In casu, o tribunal a quo assentou que inocorreu a comprovação do suicídio do detento, nem outra causa capaz de romper o nexo de causalidade da sua omissão com o óbito ocorrido, restando escorreita a decisão impositiva de responsabilidade civil estatal.

10. Recurso extraordinário DESPROVIDO. (STF, RE 841.526/RS, Plenário, rel. Ministro Luiz Fux, DJe 01/08/2016)

O indeferimento e o cancelamento de benefício previdenciário pelo INSS não constituem fatos por si só suficientes a gerar o dever de indenizar. Além de a decisão administrativa decorrer de interpretação dos fatos e da legislação pela autarquia - que eventualmente pode não ser confirmada na via judicial -, somente se cogita de dano moral indenizável quando demonstrada violação a direito subjetivo e efetivo abalo moral, em decorrência de procedimento flagrantemente abusivo ou ilegal por parte da administração pública, e não de simples falha no procedimento de concessão do benefício.

A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e deste Tribunal Regional Federal é assente quanto ao tema:

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. TRIBUNAL DE ORIGEM QUE, COM BASE NO ACERVO FÁTICO DA CAUSA, CONCLUIU PELA NÃO COMPROVAÇÃO DO DANO MORAL. REEXAME DE PROVAS. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ. AGRAVO INTERNO IMPROVIDO.
I. Omissis.
II. Na origem, trata-se de demanda proposta pelo ora agravante em face do INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, na qual requer a condenação do réu ao pagamento de indenização por danos morais, decorrente da indevida cassação temporária de benefício previdenciário.
III. No caso, o Tribunal a quo - mantendo a sentença de improcedência - concluiu, à luz das provas dos autos, que "não restou provado dano moral, não sendo passível de indenização o mero aborrecimento, dissabor ou inconveniente, como ocorrido no caso dos autos. Além da comprovação da causalidade, que não se revelou presente no caso concreto, a indenização somente seria possível se efetivamente provada a ocorrência de dano moral, através de fato concreto e específico, além da mera alegação genérica de sofrimento ou privação, até porque firme a jurisprudência no sentido de que o atraso na concessão ou a cassação de benefício, que depois seja restabelecido, gera forma distinta e própria de recomposição da situação do segurado, que não passa pela indenização por danos morais". Ainda segundo o acórdão, a parte autora "não juntou cópias do processo administrativo ou do outro processo judicial em que litiga contra o INSS, a fim de que este Juízo pudesse analisar se a conduta da autarquia previdenciária foi desarrazoada em algum momento (seja na época da análise administrativa de sua aposentadoria, seja atualmente, na suposta demora em pagar os valores atrasados)". Assim, não há como reconhecer, no caso - sem revolver o quadro fático dos autos -, o direito à indenização por danos morais. Incidência da Súmula 7 desta Corte. Precedentes do STJ.
IV. Agravo interno improvido. (STJ, AgInt no AREsp 960.167/SP, 2ª Turma, rel. Ministra Assusete Magalhães, DJe 10-4-2017)

PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. INDEFERIMENTO DO BENEFÍCIO NA VIA ADMINISTRATIVA. INDENIZAÇÃO. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DO DANO E DO NEXO DE CAUSALIDADE. SÚMULA 7/STJ.
1. A instância de origem, com esteio nas circunstâncias fático-probatórias da causa, concluiu que o nexo de causalidade e os danos morais em razão do indeferimento do benefício previdenciário não foram comprovados. No caso, a alteração de tal conclusão encontra óbice na Súmula 07/STJ.
2. Agravo interno não provido. (STJ, AgInt no AREsp 862.633/PB, 1ª Turma, rel. Ministro Benedito Gonçalves, DJe 29-8-2016)

PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO. INDEFERIMENTO. DANO MORAL. PROVA. REEXAME. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ. INCIDÊNCIA. PROCESSUAL CIVIL. OFENSA AO ART. 1.022 DO CPC/2015 NÃO CONFIGURADA.
1. Omissis.
2. A reforma do acórdão impugnado, que fixou a ausência de caracterização de danos morais proveniente de falha do ente previdenciário no procedimento de concessão do benefício postulado, demanda reexame do quadro fático-probatório dos autos, o que não se demonstra possível na via estreita do Recurso Especial. Incidência da Súmula 7 do STJ. Precedentes do STJ.
3. Recurso Especial parcialmente conhecido e, nessa parte, não provido. (STJ, REsp 1666363/RS, 2ª Turma, rel. Ministro Herman Benjamin, DJe 16-6-2017)

RESPONSABILIDADE CIVIL. DANO MORAL. INDEFERIMENTO DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. ATO ILÍCITO, NEXO CAUSAL E DANO GRAVE INDENIZÁVEL. INEXISTÊNCIA. São três os elementos reconhecidamente essenciais na definição da responsabilidade civil - a ilegalidade, o dano e o nexo de causalidade entre um e outro. O indeferimento de benefício previdenciário, ou mesmo o cancelamento de benefício por parte do INSS, não se prestam para caracterizar dano moral. Somente se cogita de dano moral quando demonstrada violação a direito subjetivo e efetivo abalo moral, em razão de procedimento flagrantemente abusivo ou ilegal por parte da Administração, o que no caso concreto inocorreu. (TRF4, Apelação Cível 5043842-21.2014.404.7108, 4ª Turma, rel.ª Des.ª Federal Vivian Josete Pantaleão Caminha, juntado aos autos em 29-4-2016)

RESPONSABILIDADE CIVIL. DANO MORAL. INDEFERIMENTO DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. DEFERIMENTO POR MEDIDA JUDICIAL. O indeferimento do benefício previdenciário, na via administrativa, por si só, não implica direito à indenização, ainda que venha a ser restabelecido judicialmente. Isso porque a administração age no exercício de sua função pública, dentro dos limites da lei de regência e pelo conjunto probatório apresentado pelo segurado. Assim, uma vez que não apresentado erro flagrante no processo administrativo que indeferiu o benefício, tem-se que a autarquia cumpriu com sua função. (TRF4, Apelação Cível 5003404-04.2015.404.7112, 4ª Turma, rel. Des. Federal Luís Alberto D'Azevedo Aurvalle, juntado aos autos em 13-7-2017)

Com essas considerações passa-se ao exame do caso concreto.

Caso Concreto

O INSS, ao revisar e cancelar o benefício previdenciário de Onivaldo Guzzo, ex-esposo da autora, causou-lhe, segundo consta na inicial, abalo moral que culminou com o suicídio do segurado.

Colhe-se dos autos que investigações internas feitas pela autarquia concluíram que a atividade exercida pelo de cujus de 10-10-1973 a 13-10-1996 não era especial, pois ele havia laborado, no período, como auxiliar de escritório. Pelo desenrolar dos atos processuais na esfera administrativa, o INSS respeitou o devido processo legal. Onivaldo foi intimado para apresentar defesa, esta foi julgada insuficiente e um ofício lhe foi endereçado em 22 de dezembro de 2006, informando-lhe da suspensão do benefício. O suicídio ocorreu dias depois, em 5 de janeiro de 2007.

O ato extremo de eliminação da vida consta registrado nas cartas deixadas por Onivaldo. As missivas são, de fato, um testemunho do sofrimento psicológico vivenciado pelo segurado. Por ilustrativo, transcreve-se uma delas (evento 1, INF5):

Queridos filhos e esposa

Após o cancelamento do meu beneficio através do INSS. Não tive mais opção senão desistir de viver. Portanto, peço desculpas e que me perdoem por ter deixado vocês numa situação difícil.
Eu não suportaria ver vocês passando por necessidades sem poder ajudá-los.
Como não existe “justiça” com quem trabalha, paga rigorosamente os impostos e sempre procurou fazer as coisas certas. Eu não tenho condições de lutar contra este sistema corrupto, falso e que beneficia quem tem dinheiro...
Com vários problemas de saúde que possuo, eu só atrapalharia a vida de vocês, razão pela qual decidi fazer o que fiz. Porem, caso isso não ocorra, peço para que não me reanimem em caso de morrer no local. Pois este é o meu ultimo desejo.
Volto a dizer que vocês foram e são as pessoas que eu mais amei e continuarei amando na próxima existência, por isso, peço perdão por não ter lutado contra esta podridão chamada Brasil X INSS.
Não permita que a Juliana e o Fabricio, me vejam no estado que me encontro e diga-lhes que eu os amo e estarei sempre vigiando e junto ate a eternidade.

Com amor,

(assinatura)

04/01/2007

É um desabafo que comove, sem dúvida, mas o quanto do sofrimento psicológico retratado nas cartas tem relação com a atuação do INSS não é possível aferir. O próprio juízo de primeiro grau reconheceu que não há liame entre a conduta dos prepostos da autarquia e o suicídio de Onivaldo, cabendo lembrar que, no mais das vezes, as causas de um suicídio são multifatoriais. Carece de prova a tese de que o agir da administração foi a única ou ao menos a causa preponderante do suicídio. Há de se concordar com a sentença, também, na parte em que afirma que entendimento diverso poderia resultar em compreensão inadequada; seriam suicidas, pelo viés que a parte autora intenta fazer prevalecer, "muitos outros segurados que têm seus benefícios previdenciários suspensos, aquelas pessoas que são pegas pela 'malha fina' da Receita Federal, os que são cobrados em execuções judiciais" e, ademais, "todas as pessoas que são processadas criminalmente". Rejeita-se semelhante entendimento, com o que se conclui que, desse ponto de vista, a pretensão indenizatória não merece prosperar por lhe faltar um dos pressupostos do dever de indenizar - o nexo de causalidade.

Pede-se vênia, então, para reproduzir trecho da sentença no particular, adotando-se-o como razão de decidir:

Apesar deste Juízo se sensibilizar profundamente com a dor que motivou o cometimento do suicídio por parte do Sr. Onivaldo, ao que se extrai da atuação da Força Tarefa Previdenciária, não existe nexo causal que ligue a atuação administrativa com o suicídio em si. É dizer, não é possível atribuir ao INSS o ato do segurado de tirar a própria vida.

Neste ponto, tem razão o INSS na sua argumentação deduzida na peça de defesa. Ainda que o segurado tenha sofrido abalo moral com o procedimento da Autarquia, tal, por si só, não enseja um liame direto e objetivo com o suicídio. De outro modo, seriam suicidas muitos outros segurados que têm seus benefícios previdenciários suspensos, aquelas pessoas que são pegas pela “malha fina” da Receita Federal, os que são cobrados em execuções judiciais. E, também, todas as pessoas que são processadas criminalmente, que podem resultar condenadas ou absolvidas; nem por isso cometem o ato extremo abdicativo da vida.

Em que pese o informante e a testemunha ouvidos na instrução terem dito que o Sr. Onivaldo não tinha problemas de saúde, "estava normal" (evento 52), é certo que a reação que o segurado teve ao procedimento do INSS foi muito além do que comumente acontece em casos que tais. Foi uma reação extrema, não se podendo estabelecer uma relação de causa e efeito direta e imediata.

Perfilho o mesmo entendimento do Procurador Federal quando este refere que "o nexo que se pretende estabelecer no presente caso, entre a suspensão de um benefício da previdência e o suicídio de uma pessoa, máxima vênia é o nexo estabelecido na mente de um suicida, uma pessoa que, pelos motivos mais diversos que não sejam a suspensão de um benefício previdenciário, não se encontra em suas condições psíquicas “normais”.

Vê-se que, desde o recebimento da comunicação de suspensão do benefício, em 29/12/2006 (evento 3, procadm2, fl. 125), ou desde a data da própria suspensão, em 22/12/2006 (ofício de recurso e cálculo do débito pelo INSS no evento 3, procadm2, fls. 123/124), até o dia do óbito, em 05/01/2007, ocorreram poucos dias. Esgotada a via administrativa, poderia o segurado ter buscado auxílio de outras pessoas para o ingresso na via judicial, sendo que ele já tinha Advogado constituído, o qual patrocinara a defesa administrativa. Não cabe a este Juízo incursionar na mente do segurado, sua forma de percepção da vida, seus sentimentos. No entanto, ao meu sentir, não há como se estabelecer o nexo causal entre a atuação do INSS e o suicídio, seja adotando-se a teoria da "causalidade adequada", segundo a qual causa é a condição apta e própria ou adequada a produzir um evento segundo o que ordinariamente acontece; seja adotando-se a teoria da "interrupção do nexo causal ou da relação causal imediata", pela qual "deve considerar-se adequado o antecedente que aparecer em último lugar e, portanto, tido como causa imediata, de sorte que a última condição, pelo simples aspecto cronológico, deve ser considerada causa do dano" (in: STOCO, Rui. Tratado de Responsabilidade Civil. Doutrina e Jurisprudência. Editora Revista dos Tribunais. 7ª ed. SP: 2007).

Superada essa primeira questão, observa-se que o acolhimento do pedido justificou-se por outro fundamento. O magistrado sentenciante, verificando ter havido ilegalidade da cessação do benefício, deferiu a pretensão indenizatória. Reproduz-se o trecho da sentença que dá sequência ao acima transcrito:

Nada obstante, em que pese não se possa estabelecer o nexo causal entre a cessação do benefício pelo INSS e o evento morte, cumpre examinar a questão posta em causa, ainda, sob outro viés, qual seja, a ilegalidade do ato administrativo de suspensão do benefício e o abalo moral sofrido pelo segurado (desconsiderando o ato de suicídio por si só).

Embora esteja dentro do poder-dever da Administração realizar investigação sobre irregularidades, mormente porque existiam fraudes em benefícios com atuação direta de servidores da Autarquia, nota-se que a suspensão do benefício revelou-se ilegal, conforme se extrai da sentença e acórdão do processo n. 2007.71.55.000573-0 (ação de restabelecimento de benefício).

Tal ato administrativo, que foi considerado ilegal pelo Poder Judiciário, como dito, contribuiu para sensível abalo psicológico do segurado. Não é possível aferir até que ponto, mas se percebe que se somou para a consequência extrema do ato de supressão da própria vida, tendo em vista as cartas manuscritas.

É possível dizer que houve uma ofensa moral ao Sr. Onivaldo enquanto ainda era vivo. Houve uma lesão aos seus direitos da personalidade, à sua honra e à imagem. Por outro lado, em que pese a compensação por dano moral seja devida, em regra, apenas ao próprio ofendido, tanto a doutrina quanto a jurisprudência têm firmado sólida base na defesa da possibilidade de os parentes do ofendido a ele ligados afetivamente postularem, conjuntamente com a vítima, compensação pelo prejuízo experimentado, conquanto sejam atingidos de forma indireta pelo ato lesivo.

Trata-se do dano reflexo, também chamado de dano por ricochete, porquanto outras pessoas, de algum modo vinculadas à vítima, acabam por experimentar, por via reflexa, a dor e o sofrimento.

Depois do óbito de Onivaldo a questão da suspensão do benefício foi judicializada. No processo nº 2007.71.55.000573-0 determinou-se o restabelecimento da aposentadoria titularizada pelo falecido e sua conversão em pensão por morte em favor da autora e de seus filhos. Em grau de recurso a sentença foi alterada apenas na parte em que reconheceu a decadência do direito de a administração revisar o ato concessório do benefício. Contudo, ante a não-comprovação de qualquer ilegalidade na concessão, prevaleceu a ordem de restabelecimento dos proventos, tendo a decisão passado em julgado aos 23-4-2014.

Em suma, a cessação do benefício revelou-se, ao fim e ao cabo, ilegal. Isso, porém, não conduz à procedência do pleito indenizatório.

A suspensão do pagamento do benefício ou o seu indeferimento não constitui, em princípio, ato ilegal. Se há suspeita de que o segurado não preencheu os requisitos para a concessão de determinado benefício, é dever da autarquia previdenciária apurar se estes foram ou não preenchidos. Esse proceder não gera constrangimento ou abalo a ponto de caracterizar dano moral. Para que isso ocorra, seria necessário que a autarquia extrapolasse os limites de seu poder-dever, agindo de forma manifestamente ilegal, valendo-se, por exemplo, de procedimento vexatório, situação não verificada no caso. Nada no acervo probatório indica tenha havido lesão ao patrimônio moral de Onivaldo. A questão do cancelamento de seu benefício foi um dissabor da vida contemporânea, a que todos os que vivem em sociedade estão sujeitos. E, como é sabido, dissabores ou meros aborrecimentos não causam dano moral. Este tipo de lesão exige um sofrimento significativo, que extrapole aqueles inerentes ao cotidiano da complexa vida em sociedade. E há de se ter presente, ainda, que a ordem jurídica coloca à disposição dos jurisdicionados um plexo de instrumentos processuais destinados à correção de erros administrativos. A questão da aposentadoria de Onivaldo, portanto, podia ser tratada nos próprios autos do pedido de concessão ou em juízo, oportunidade em que receberia as parcelas vencidas acrescidas de juros e correção monetária.

Indevida, assim, a condenação pleiteada.

A igual norte a orientação deste Tribunal Regional Federal:

PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO/CONTRIBUIÇÃO. CONCESSÃO. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. DESCABIMENTO. 1. Omissis. 2. Ausente a comprovação de ofensa ao patrimônio subjetivo do autor, inexiste direito à indenização por dano moral. O desconforto gerado pelo não-recebimento temporário do benefício resolve-se na esfera patrimonial, através do pagamento de todos os atrasados, com juros e correção monetária. (TRF4, AC 5002129-08.2010.404.7108, 5ª Turma, rel. Des. Federal Rogério Favreto, D.E. 13-11-2012)

E, mais a calhar, o seguinte precedente, em que se discutiu justamente o suicídio de um segurado da Previdência:

ADMINISTRATIVO. DANO MORAL. INDEFERIMENTO DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. INDEVIDA INDENIZAÇÃO. O simples indeferimento de benefício previdenciário, ainda que equivocado, não é o bastante para dar ensejo a uma indenização por dano moral. Não há o menor elemento probatório que possa caracterizar a existência de nexo causal entre o indeferimento do benefício e o suicídio, ocorrido mais de um ano depois. (TRF4, Apelação Cível 5013774-97.2014.404.7202, 4ª Turma, rel. Juiz Federal Eduardo Gomes Philippsen, juntado aos autos em 24-7-2017)

Em conclusão, e sem deixar de lamentar o episódio ocorrido, verifica-se que não estão presentes os pressupostos do dever de indenizar, razão pela qual merece prosperar o recurso do INSS a fim de que a sentença seja reformada e o pedido julgado improcedente, restando prejudicado o recurso adesivo da parte autora.

Honorários Advocatícios

Tratando-se de sentença publicada já na vigência do novo Código de Processo Civil, aplicável o disposto em seu artigo 85 quanto à fixação da verba honorária.

Considerando a improcedência do pedido, as custas e os honorários ficam a cargo da parte autora, os quais se fixa em 10% do valor da causa (R$ 1.014.525,63), devidamente atualizado, nos termos do III do § 4º do artigo 85 do CPC/2015.

Ainda, levando em conta o trabalho adicional do procurador na fase recursal, a verba honorária fica majorada em 2%, forte no § 11 do artigo 85 do CPC/2015.

Fica suspensa a exigibilidade dos valores enquanto mantida a situação de insuficiência de recursos que ensejou a concessão da gratuidade da justiça (evento 11, na origem), conforme o § 3º do artigo 98 do novo CPC.

Dispositivo

Ante o exposto, voto por dar provimento à apelação do INSS e julgar prejudicado o recurso adesivo, invertidos os ônus da sucumbência.



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Data e Hora: 29/11/2018, às 16:31:5


5002015-05.2015.4.04.7105
40000728606.V36


Conferência de autenticidade emitida em 07/07/2020 20:42:21.

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5002015-05.2015.4.04.7105/RS

RELATORA: Desembargadora Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA

APELANTE: MARINA FABRICIO MACHADO GUZZO (AUTOR)

ADVOGADO: PAULO ROBERTO CACENOTE

ADVOGADO: LUIZ CARLOS CACENOTE

ADVOGADO: MARCO ANTONIO SEGATTO

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)

APELADO: OS MESMOS

EMENTA

DIREITO ADMINISTRATIVO. AÇÃO INDENIZATÓRIA. DANO MORAL. CANCELAMENTO DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. SUICÍDIO DO SEGURADO. AUSÊNCIA DE NEXO CAUSAL. IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO.

1. O simples indeferimento de benefício previdenciário, ainda que equivocado, não é suficiente para dar ensejo a uma indenização por dano moral.

2. Não havendo nexo causal entre o indeferimento do benefício e o suicídio do segurado, indefere-se o pedido de indenização por danos morais. Precedentes deste Tribunal Regional Federal.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade dar provimento à apelação do INSS e julgar prejudicado o recurso adesivo, invertidos os ônus da sucumbência, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 27 de novembro de 2018.



Documento eletrônico assinado por VÂNIA HACK DE ALMEIDA, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40000728607v4 e do código CRC 3d9d601f.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): VÂNIA HACK DE ALMEIDA
Data e Hora: 29/11/2018, às 16:31:5


5002015-05.2015.4.04.7105
40000728607 .V4


Conferência de autenticidade emitida em 07/07/2020 20:42:21.

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 27/11/2018

Apelação Cível Nº 5002015-05.2015.4.04.7105/RS

RELATORA: Desembargadora Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA

PRESIDENTE: Desembargador Federal ROGERIO FAVRETO

PROCURADOR(A): CÍCERO AUGUSTO PUJOL CORRÊA

APELANTE: MARINA FABRICIO MACHADO GUZZO (AUTOR)

ADVOGADO: PAULO ROBERTO CACENOTE

ADVOGADO: LUIZ CARLOS CACENOTE

ADVOGADO: MARCO ANTONIO SEGATTO

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)

APELADO: OS MESMOS

Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 27/11/2018, na sequência 691, disponibilizada no DE de 08/11/2018.

Certifico que a 3ª Turma , ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

A 3ª TURMA , DECIDIU, POR UNANIMIDADE DAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DO INSS E JULGAR PREJUDICADO O RECURSO ADESIVO, INVERTIDOS OS ÔNUS DA SUCUMBÊNCIA.

RELATORA DO ACÓRDÃO: Desembargadora Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA

Votante: Desembargadora Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA

Votante: Desembargadora Federal MARGA INGE BARTH TESSLER

Votante: Desembargador Federal ROGERIO FAVRETO

MÁRCIA CRISTINA ABBUD

Secretária



Conferência de autenticidade emitida em 07/07/2020 20:42:21.

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