Apelação Cível Nº 5000865-14.2019.4.04.7213/SC
RELATORA: Desembargadora Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA
APELANTE: ELENIR APARECIDA DE OLIVEIRA (AUTOR)
ADVOGADO: TIAGO FRITZE DE PINHO (OAB SC047222)
APELANTE: HIGOR ALVES (AUTOR)
ADVOGADO: TIAGO FRITZE DE PINHO (OAB SC047222)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
RELATÓRIO
Trata-se de ação ajuizada por Higor Alves, assistido por sua mãe, Elenir Aparecida de Oliveira, em face do Instituto Nacional do Seguro Social, na qual a parte autora requereu indenização por danos morais em função do indeferimentos dos benefícios de auxílio-doença e aposentadoria a seu genitor, Valdomir Alves. Narrou que Valdomir era segurado especial da Previdência Social porque trabalhou em atividades campesinas deste criança até o advento das doenças que o levaram a óbito; que ele requereu ao INSS a concessão de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez (NB 549.316.743-0), mas o benefício lhe foi negado indevidamente por falta de comprovação de qualidade de segurado; que, em novo requerimento (NB 701.646.214), foi-lhe concedido benefício assistencial de prestação continuada, que lhe foi pago até sua morte. Argumentou que o INSS teria agido de má-fé ao conceder benefício de prestação continuada em vez de aposentadoria, bem assim que descumprira obrigações previstas nos artigos 659 e 680 da Instrução Normativa INSS/PRES nº 77/2015. Disse que deveria ter sido realizada justificação administrativa ou pesquisa externa por parte da autarquia e que os indeferimentos causaram dor e sofrimento não só a Valdomir como ao autor, por se tratar de privação de verba alimentar.
Processado o feito, sobreveio sentença que julgou improcedente o pedido e condenou a parte autora a pagar as custas do processo e os honorários advocatícios, estes fixados em 10% sobre o valor da causa. A exigibilidade das verbas de sucumbência foi suspensa pela gratuidade judiciária concedida à parte autora.
Irresignada, a parte autora apelou. Em suas razões recursais, repisou os termos da inicial, dizendo que a sentença merece reforma porque Valdomir Alves sempre trabalhou na atividade campesina e apenas procurou o INSS quando necessitou de contraprestação quando acometido por inúmeras patologias que o levaram ao óbito, não apenas pelo fato de ser portador de HIV, conforme mencionou a magistrada em sua sentença. Afirmou que no Cadastro Nacional de Informações Sociais – CNIS, o Valdomir requereu a concessão de auxílio-doença/aposentadoria por Invalidez (NB 549.316.743-0) porém o benefício, que lhe era devido, foi negado por falta de comprovação de qualidade de segurado, justificativa que considera indevida. Inconformado, Valdomir fez novo requerimento (NB 701.646.214-6), oportunidade em que lhe foi concedido benefício assistencial, o que caracterizaria má-fé do servidor da autarquia, a nulificar o ato desde a origem nos termos do artigo 103-A da Lei 8.213/91. No mais, teceu considerações sobre a Instrução Normativa INSS/PRES nº 77/2015, concluindo que o INSS deve responder pela negativa do primeiro requerimento administrativo nos termos dos artigos 927 do Código Civil em combinação com o artigo 37, § 6º, da Constituição Federal. Ao final, requereu o provimento da apelação a fim de que a sentença seja reformada, com o consequente julgamento de procedência do pedido e a inversão dos ônus da sucumbência.
Com contrarrazões, foi feita a remessa eletrônica dos autos a este Tribunal.
O Ministério Público Federal opinou pelo desprovimento da apelação.
É o relatório.
VOTO
Responsabilidade Civil do Estado
A responsabilidade civil do Estado está prevista no § 6º do artigo 37 da Constituição Federal:
Art. 37. (...)
§ 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.
Seguindo a linha de sua antecessora, a atual Constituição Federal estabeleceu como baliza principiológica a responsabilidade objetiva do Estado, adotando a teoria do risco administrativo. Consequência da opção do constituinte é que, de regra, os pressupostos da responsabilidade civil do Estado são três: a) uma ação ou omissão humana; b) um dano injusto ou antijurídico sofrido por terceiro; c) o nexo de causalidade entre a ação ou omissão e o dano experimentado por terceiro.
Em se tratando de comportamento omissivo, a jurisprudência vinha entendendo que a responsabilidade do Estado deveria ter enfoque diferenciado quando o dano fosse diretamente atribuído a agente público (responsabilidade objetiva) ou a terceiro ou mesmo decorrente de evento natural (responsabilidade subjetiva).
Contudo, o tema foi objeto de análise pelo Supremo Tribunal Federal em regime de recurso repetitivo no Recurso Extraordinário nº 841.526, definindo-se que "a responsabilidade civil do Estado por omissão também está fundamentada no artigo 37, §6º, da Constituição Federal, ou seja, configurado o nexo de causalidade entre o dano sofrido pelo particular e a omissão do Poder Público em impedir a sua ocorrência - quando tinha a obrigação legal específica de fazê-lo - surge a obrigação de indenizar, independentemente de prova da culpa na conduta administrativa (...)". O julgamento foi assim ementado:
RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO POR MORTE DE DETENTO. ARTIGOS 5º, XLIX, E 37, § 6º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.
1. A responsabilidade civil estatal, segundo a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 37, § 6º, subsume-se à teoria do risco administrativo, tanto para as condutas estatais comissivas quanto paras as omissivas, posto rejeitada a teoria do risco integral.
2. A omissão do Estado reclama nexo de causalidade em relação ao dano sofrido pela vítima nos casos em que o Poder Público ostenta o dever legal e a efetiva possibilidade de agir para impedir o resultado danoso.
3. É dever do Estado e direito subjetivo do preso que a execução da pena se dê de forma humanizada, garantindo-se os direitos fundamentais do detento, e o de ter preservada a sua incolumidade física e moral (artigo 5º, inciso XLIX, da Constituição Federal).
4. O dever constitucional de proteção ao detento somente se considera violado quando possível a atuação estatal no sentido de garantir os seus direitos fundamentais, pressuposto inafastável para a configuração da responsabilidade civil objetiva estatal, na forma do artigo 37, § 6º, da Constituição Federal.
5. Ad impossibilia nemo tenetur, por isso que nos casos em que não é possível ao Estado agir para evitar a morte do detento (que ocorreria mesmo que o preso estivesse em liberdade), rompe-se o nexo de causalidade, afastando-se a responsabilidade do Poder Público, sob pena de adotar-se contra legem e a opinio doctorum a teoria do risco integral, ao arrepio do texto constitucional.
6. A morte do detento pode ocorrer por várias causas, como, v. g. , homicídio, suicídio, acidente ou morte natural, sendo que nem sempre será possível ao Estado evitá-la, por mais que adote as precauções exigíveis.
7. A responsabilidade civil estatal resta conjurada nas hipóteses em que o Poder Público comprova causa impeditiva da sua atuação protetiva do detento, rompendo o nexo de causalidade da sua omissão com o resultado danoso.
8. Repercussão geral constitucional que assenta a tese de que: em caso de inobservância do seu dever específico de proteção previsto no artigo 5º, inciso XLIX, da Constituição Federal, o Estado é responsável pela morte do detento.
9. In casu, o tribunal a quo assentou que inocorreu a comprovação do suicídio do detento, nem outra causa capaz de romper o nexo de causalidade da sua omissão com o óbito ocorrido, restando escorreita a decisão impositiva de responsabilidade civil estatal.
10. Recurso extraordinário DESPROVIDO. (STF, RE 841.526/RS, Plenário, rel. Ministro Luiz Fux, DJe 01/08/2016)
Indeferimento e Cancelamento de Benefício Previdenciário
O indeferimento e o cancelamento de benefício previdenciário pelo INSS não constituem fatos por si só aptos a gerar o dever de indenizar. Além de a decisão administrativa decorrer de interpretação dos fatos e da legislação pela autarquia – que eventualmente pode não ser confirmada na via judicial –, somente se cogita de dano moral indenizável quando demonstrada violação a direito subjetivo e efetivo abalo moral, em decorrência de procedimento flagrantemente abusivo ou ilegal por parte da administração pública, e não de simples falha no procedimento de concessão do benefício.
A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e deste Tribunal Regional Federal é uníssona quanto ao tema:
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. TRIBUNAL DE ORIGEM QUE, COM BASE NO ACERVO FÁTICO DA CAUSA, CONCLUIU PELA NÃO COMPROVAÇÃO DO DANO MORAL. REEXAME DE PROVAS. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ. AGRAVO INTERNO IMPROVIDO.
I. Omissis.
II. Na origem, trata-se de demanda proposta pelo ora agravante em face do INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, na qual requer a condenação do réu ao pagamento de indenização por danos morais, decorrente da indevida cassação temporária de benefício previdenciário.
III. No caso, o Tribunal a quo - mantendo a sentença de improcedência - concluiu, à luz das provas dos autos, que "não restou provado dano moral, não sendo passível de indenização o mero aborrecimento, dissabor ou inconveniente, como ocorrido no caso dos autos. Além da comprovação da causalidade, que não se revelou presente no caso concreto, a indenização somente seria possível se efetivamente provada a ocorrência de dano moral, através de fato concreto e específico, além da mera alegação genérica de sofrimento ou privação, até porque firme a jurisprudência no sentido de que o atraso na concessão ou a cassação de benefício, que depois seja restabelecido, gera forma distinta e própria de recomposição da situação do segurado, que não passa pela indenização por danos morais". Ainda segundo o acórdão, a parte autora "não juntou cópias do processo administrativo ou do outro processo judicial em que litiga contra o INSS, a fim de que este Juízo pudesse analisar se a conduta da autarquia previdenciária foi desarrazoada em algum momento (seja na época da análise administrativa de sua aposentadoria, seja atualmente, na suposta demora em pagar os valores atrasados)". Assim, não há como reconhecer, no caso - sem revolver o quadro fático dos autos -, o direito à indenização por danos morais. Incidência da Súmula 7 desta Corte. Precedentes do STJ.
IV. Agravo interno improvido. (STJ, AgInt no AREsp 960.167/SP, 2ª Turma, rel. Ministra Assusete Magalhães, DJe 10-4-2017)
PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. INDEFERIMENTO DO BENEFÍCIO NA VIA ADMINISTRATIVA. INDENIZAÇÃO. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DO DANO E DO NEXO DE CAUSALIDADE. SÚMULA 7/STJ. 1. A instância de origem, com esteio nas circunstâncias fático-probatórias da causa, concluiu que o nexo de causalidade e os danos morais em razão do indeferimento do benefício previdenciário não foram comprovados. No caso, a alteração de tal conclusão encontra óbice na Súmula 07/STJ. 2. Agravo interno não provido. (STJ, AgInt no AREsp 862.633/PB, 1ª Turma, rel. Ministro Benedito Gonçalves, DJe 29-8-2016)
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO. INDEFERIMENTO. DANO MORAL. PROVA. REEXAME. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ. INCIDÊNCIA. PROCESSUAL CIVIL. OFENSA AO ART. 1.022 DO CPC/2015 NÃO CONFIGURADA.
1. Omissis. 2. A reforma do acórdão impugnado, que fixou a ausência de caracterização de danos morais proveniente de falha do ente previdenciário no procedimento de concessão do benefício postulado, demanda reexame do quadro fático-probatório dos autos, o que não se demonstra possível na via estreita do Recurso Especial. Incidência da Súmula 7 do STJ. Precedentes do STJ. 3. Recurso Especial parcialmente conhecido e, nessa parte, não provido. (STJ, REsp 1666363/RS, 2ª Turma, rel. Ministro Herman Benjamin, DJe 16-6-2017)
RESPONSABILIDADE CIVIL. DANO MORAL. INDEFERIMENTO DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. ATO ILÍCITO, NEXO CAUSAL E DANO GRAVE INDENIZÁVEL. INEXISTÊNCIA. São três os elementos reconhecidamente essenciais na definição da responsabilidade civil - a ilegalidade, o dano e o nexo de causalidade entre um e outro. O indeferimento de benefício previdenciário, ou mesmo o cancelamento de benefício por parte do INSS, não se prestam para caracterizar dano moral. Somente se cogita de dano moral quando demonstrada violação a direito subjetivo e efetivo abalo moral, em razão de procedimento flagrantemente abusivo ou ilegal por parte da Administração, o que no caso concreto inocorreu. (TRF4, Apelação Cível 5043842-21.2014.404.7108, 4ª Turma, rel.ª Des.ª Federal Vivian Josete Pantaleão Caminha, juntado aos autos em 29-4-2016)
RESPONSABILIDADE CIVIL. DANO MORAL. INDEFERIMENTO DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. DEFERIMENTO POR MEDIDA JUDICIAL. O indeferimento do benefício previdenciário, na via administrativa, por si só, não implica direito à indenização, ainda que venha a ser restabelecido judicialmente. Isso porque a administração age no exercício de sua função pública, dentro dos limites da lei de regência e pelo conjunto probatório apresentado pelo segurado. Assim, uma vez que não apresentado erro flagrante no processo administrativo que indeferiu o benefício, tem-se que a autarquia cumpriu com sua função. (TRF4, Apelação Cível 5003404-04.2015.404.7112, 4ª Turma, rel. Des. Federal Luís Alberto D'Azevedo Aurvalle, juntado aos autos em 13-7-2017)
Com essas considerações iniciais, passa-se ao exame do caso concreto.
Caso Concreto
A sentença da juíza federal Giovana Guimarães Cortez assim solucionou a controvérsia:
2. Do caso concreto
O pedido não procede.
Como consignei no tópico acima, um dos pressupostos da responsabilidade civil, cuja natureza é subjetiva em se tratando de omissão estatal, é a ocorrência de um fato antijurídico, derivado de ato ilícito; e no caso em exame a autarquia previdenciária não praticou ato ilícito no sentido exigido pela norma jurídica como condição para o surgimento da obrigação de indenizar.
É bem verdade que se revelaram equivocados o indeferimento do benefício de Auxílio-doença n. 549.316.743-0 (DER 16/12/2011) e a concessão do Benefício Assistencial n. 701.646.214-6 (DIB 03/06/2015), já que foi posteriormente decidido na Ação n. 50005026120184047213 que Valdomir Alves, pai do demandante, era efetivamente segurado especial, de modo que fazia jus ao benefício que havia pleiteado, de natureza previdenciária.
Contudo, a ilicitude de que trata a norma jurídica ao positivar a obrigação de indenizar (Art. 927 do Código Civil) é uma ilicitude qualificada, a demandar que o agente tenha incorrido em dolo ou em culpa. E, em se tratando de indeferimento de benefício previdenciário, está jurisprudencialmente consolidado o entendimento de que a culpa do INSS que implica ato ilícito é a culpa grave.
Com efeito, por regra, o mero indeferimento de benefício previdenciário não constitui conduta ilícita do INSS apta a ensejar dano moral, ainda que, posteriormente, o benefício seja concedido na esfera judicial. Nesse sentido:
EMENTA: ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. TEMPO DE SERVIÇO. EMPRESA PÚBLICA E SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA. PERSONALIDADE JURÍDICA DE DIREITO PRIVADO. IMPOSSIBILIDADE DE CONTAGEM COMO TEMPO DE SERVIÇO PÚBLICO FEDERAL. MORA NA IMPLANTAÇÃO DO BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. DANO MORAL. NÃO COMPROVADO AGIR ILÍCITO DA ADMINISTRAÇÃO. . A regra constitucional vigente é a de que as empresas públicas e as sociedades de economia mista têm personalidade jurídica de direito privado, e por isso o tempo de serviço nelas prestado pode ser considerado apenas para fins de aposentadoria e disponibilidade (art. 103 da Lei n.º 8.112/90). . O mero indeferimento de benefício previdenciário não caracteriza conduta ilícita por parte da Autarquia Previdenciária que enseje a reparação de dano moral. Para caracterização do dever de reparar eventual dano moral decorrente de indeferimento de benefício previdenciário é necessário que o indeferimento decorra de dolo ou erro grave por parte da administração. . Uma vez ausente a comprovação de ofensa ao patrimônio subjetivo da parte autora, bem como de o ato administrativo ter sido desproporcionalmente desarrazoado, inexiste direito à indenização por dano moral. (TRF4, APELREEX 5025067-21.2010.404.7100, Quarta Turma, Relator p/ Acórdão Luís Alberto D'azevedo Aurvalle, juntado aos autos em 20/03/2015)
LEGITIMIDADE ATIVA DA SUCESSÃO DE PESSOA FÍSICA FALECIDA PARA BUSCAR JUDICIALMENTE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS SOFRIDOS PELO DE CUJUS. RESPONSABILIDADE CIVIL. DANO MORAL. INDEFERIMENTO DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. A sucessão (os herdeiros) e, até mesmo o espólio, possuem legitimidade ativa para pleitear indenização por danos morais sofridos pelo de cujus. O indeferimento do benefício previdenciário, na via administrativa, por si só, não implica direito à indenização, ainda que venha a ser restabelecido judicialmente. Isso porque a administração age no exercício de sua função pública, dentro dos limites da lei de regência e pelo conjunto probatório apresentado pelo segurado. Assim, uma vez que não apresentado erro flagrante no processo administrativo que indeferiu o benefício, tem-se que a autarquia cumpriu com sua função. Incabível indenização por danos morais. (TRF4, AC 5008936-56.2015.4.04.7112, QUARTA TURMA, Relator CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR, juntado aos autos em 16/10/2017)
Dessarte, a ilicitude configura-se somente em caso de erro grave da autarquia previdenciária.
No presente caso, a situação guarda semelhança com as dos precedentes transcritos, porque não ficou demonstrado que o INSS incorreu em erro grave ou em dolo ao indeferir os auxílios-doença ao genitor do demandante (deferindo-lhe benefício assistencial no segundo requerimento). Nem mesmo foi juntada aos autos cópia dos processos administrativos concernentes aos benefícios por incapacidade negados ao falecido pai do demandante, NBs 549.316.743-0 e 701.646.214-6, em que a autarquia teria praticado as conduta alegadamente dolosas contra ele.
Não obstante, ao acessar os autos da Ação n. 50005026120184047213 e, neles, o processo administrativo atinente ao Benefício n. 701.646.214-6, constato que tal pedido já foi cadastrado como benefício de prestação continuada, muito provavelmente em função do indeferimento anterior do Auxílio-doença n. 549.316.743-0 em função da compreensão do INSS de que o então requerente não se enquadrava como segurado especial. Cabia à parte autora, pois, a fim de demonstrar que o aludido pedido anterior (Auxílio-doença n. 549.316.743-0) havia sido indeferido em face de erro crasso ou dolo da autarquia, apresentar no presente processo o respectivo processo administrativo e apontar, nele, qual teria sido a falta da autarquia e em que fase do processo ela ocorreu. Mas, como afirmei, o referido processo administrativo nem mesmo foi juntado a estes autos. O que foi acostado a esta ação judicial foi a entrevista prestada por Valdomir Alves naquele primeiro processo que tramitou perante a autarquia, que não dá suficiente sustentação à tese da inicial de que teria havido dolo no indeferimento do benefício previdenciário por incapacidade. Perceba-se que, embora tenha dito que trabalhou em atividade rural de 07/2009 até a data da entrevista (realizada em 05/04/2012) e requerido o benefício como segurado especial, Valdomir reportou também que "nas entressafras também trabalha como servente de pedreiro entre outros serviços" e que "recebe o bolsa família" (Evento 1, ANEXO9). Trata-se de informação que enfraquece a alegação de que se trataria de segurado especial e desse modo exclui o alegado caráter de erro grave do ato de indeferimento; e não há qualquer indicativo de que se esteja a tratar de dolo.
Era por certo cabível uma averiguação mais detalhada por parte do INSS. Todavia, nem mesmo se sabe as circunstâncias do indeferimento, se, por exemplo, houve ou não intimação para apresentação de documentos, pois, como dito, o demandante não instruiu este processo com cópia daquele processo administrativo. Assim, não há prova de que o equívoco na análise dos requerimentos por parte do INSS tenha configurado erro grave e muito menos dolo, de maneira que não se pode afirmar que tenha havido ato ilícito.
Além disso, não ficou demonstrado que o genitor do demandante ou o próprio demandante tenham sofrido especial comoção com o indeferimento do requerimento de auxílio-doença e com a concessão do segundo benefício pleiteado como benefício assistencial. O fato de Valdomir Alves estar naquela época acometido de doença grave (Aids) não enseja, salvo melhor juízo, essa especial gravidade, porque se trata, por assim dizer, de aspectos diferentes da vida.
A rigor, quando se discute acerca da ocorrência de lesão ao patrimônio imaterial da pessoa, ao que se infere da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, à luz da dignidade da pessoa humana, para se aferir se determinada situação ensejou dano moral, basta perquirir sobre se ela ofendeu, com alguma seriedade, direito da personalidade, de modo que o dano moral caracteriza-se por uma ofensa, e não por uma dor ou um padecimento, que são somente efeitos. Ou seja, o que se deve levar em consideração é a gradação da ilicitude, porque o dimensionamento do abalo subjetivo é por demais difícil:
DIREITO CIVIL. POSSIBILIDADE DE ABSOLUTAMENTE INCAPAZ SOFRER DANO MORAL. O absolutamente incapaz, ainda quando impassível de detrimento anímico, pode sofrer dano moral. O dano moral caracteriza-se por uma ofensa, e não por uma dor ou um padecimento. Eventuais mudanças no estado de alma do lesado decorrentes do dano moral, portanto, não constituem o próprio dano, mas eventuais efeitos ou resultados do dano. Já os bens jurídicos cuja afronta caracteriza o dano moral são os denominados pela doutrina como direitos da personalidade, que são aqueles reconhecidos à pessoa humana tomada em si mesma e em suas projeções na sociedade. A CF deu ao homem lugar de destaque, realçou seus direitos e fez deles o fio condutor de todos os ramos jurídicos. A dignidade humana pode ser considerada, assim, um direito constitucional subjetivo - essência de todos os direitos personalíssimos -, e é o ataque a esse direito o que se convencionou chamar dano moral. (REsp 1.245.550-MG, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 17/3/2015, DJe 16/4/2015. Grifo não-original)
Com isso, se a falta cometida (a ofensa à norma jurídica) não é grave, deve-se descartar também a ideia de que tenha havido desgaste moral significativo. Aliás, do contrário, correr-se-ia o risco de envidar condenações injustas, pela desproporção entre a gravidade do fato e suas consequências (que podem ser mais sérias não pela força do ato praticado mas pela suscebitibilidade fora do comum de quem foi afetado).
Nesse cenário, na situação ora em análise, como não houve a culpa grave do INSS que a jurisprudência entende como necessária para a caracterização de ato ilícito, pode-se afirmar que também não houve dano.
O pedido de condenação por dano moral, por conseguinte, não procede.
Ao analisar a sentença e as provas dos autos, nada aponta tenha a autarquia agido de forma flagrantemente abusiva ou ilegal no trato da questão envolvendo o segurado Valdomir Alves. Como salientado pela juíza singular, na ação nº 50005026120184047213 o requerimento de benefício nº 701.646.214-6 foi cadastrado como benefício de prestação continuada, talvez em função do indeferimento anterior do requerimento de auxílio-doença (NB 549.316.743-0). O INSS compreendeu que Valdomir Alves não se enquadrava na categoria de segurado especial, sendo que a parte autora não logrou demonstrar que essa compreensão decorreu de erro crasso ou dolo da autarquia (aliás, a parte nem mesmo juntou ao presente processo os autos daquele requerimento administrativo). Já a entrevista prestada por Valdomir ao servidor da autarquia por ocasião do primeiro requerimento não revela o elemento subjetivo necessário para caracterizar a má-fé do servidor. Embora Valdomiro tenha dito que trabalhou em atividades rurais de julho de 2009 até a data da entrevista (5-4-2012), reportou, também, que nas entressafras trabalha como servente de pedreiro, entre outros serviços, e que recebe bolsa-família (evento 1, ANEXO9). As informações enfraquecem a alegação de que se tratava de segurado especial, pelo que não se vislumbra tenha havido erro grave no ato de indeferimento, muito menos má-fé por parte do funcionário da autarquia.
Assim, ao negar o benefício o INSS agiu no exercício regular do seu poder-dever de autotutela a partir da interpretação do ordenamento jurídico e à vista dos fatos que lhe foram apresentados, não havendo que se falar em conduta ilícita, erro grosseiro ou má-fé, razão pela qual a pretensão indenizatória não merece prosperar.
Ausente o ato ilícito e o dano, descaracterizado está o dever de indenizar, do que se conclui que não merece prosperar a pretensão recursal.
A título de reforço de argumentação, colaciona-se os seguinte precedentes:
CANCELAMENTO/INDEFERIMENTO DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. DANO MORAL. CONDUTA ILÍCITA OU OMISSIVA DO PODER PÚBLICO. NÃO COMPROVAÇÃO. DEVER DE INDENIZAR. INEXISTÊNCIA. São três os elementos reconhecidamente essenciais na definição da responsabilidade civil - a ilegalidade, o dano e o nexo de causalidade entre um e outro. O indeferimento de benefício previdenciário, ou mesmo o cancelamento/não prorrogação de benefício por parte do INSS não se prestam para caracterizar dano moral. Somente se cogita da existência de dano quando demonstrada violação a direito subjetivo e efetivo abalo moral, em razão de procedimento flagrantemente abusivo ou ilegal por parte da Administração, o que no caso concreto inocorreu. (TRF4, AC 0020736-12.2013.404.9999, 4ª Turma, rel.ª Des.ª Federal Vivian Josete Pantaleão Caminha, D.E. 8-5-2017)
ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. INSS. DANO MORAL. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO DE AUXÍLIO-DOENÇA CESSADO NA ESFERA ADMINISTRATIVA. POSTERIOR CONCESSÃO JUDICIAL. REGULARIDADE DA CONDUTA DA AUTARQUIA. IMPROCEDÊNCIA. - Omissis. - Sendo regular o ato administrativo da autarquia que indefere pedido de concessão ou de prorrogação de auxílio-doença com observância de todos os requisitos legais para a sua prática, inclusive manifestação de profissional habilitado, e não havendo prova de abusos, não há direito à reparação por pretensos danos morais, a despeito de posterior análise judicial favorável ao segurado. - Omissis. (TRF4, AC 5021121-41.2015.404.7108, 3ª Turma, Juíza Federal Maria Isabel Pezzi Klein, juntado aos autos em 9-2-2017)
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO/CONTRIBUIÇÃO. CONCESSÃO. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. DESCABIMENTO. 1. Omissis. 2. Ausente a comprovação de ofensa ao patrimônio subjetivo do autor, inexiste direito à indenização por dano moral. O desconforto gerado pelo não-recebimento temporário do benefício resolve-se na esfera patrimonial, através do pagamento de todos os atrasados, com juros e correção monetária. (AC 5002129-08.2010.404.7108, 5ª Turma, rel. Des. Federal Rogério Favreto, D.E. 13-11-2012)
ADMINISTRATIVO. DANO MORAL. INDEFERIMENTO DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. INDEVIDA INDENIZAÇÃO. O simples indeferimento de benefício previdenciário, ainda que equivocado, não é o bastante para dar ensejo a uma indenização por dano moral. Não há o menor elemento probatório que possa caracterizar a existência de nexo causal entre o indeferimento do benefício e o suicídio, ocorrido mais de um ano depois. (Apelação Cível 5013774-97.2014.404.7202, 4ª Turma, rel. Juiz Federal Eduardo Gomes Philippsen, juntado aos autos em 24-7-2017)
Passa-se a fixar os honorários advocatícios em grau de recurso.
Honorários Advocatícios
Tratando-se de sentença publicada já na vigência do novo Código de Processo Civil, aplicável o disposto em seu artigo 85 quanto à fixação da verba honorária.
Considerando a improcedência do pedido, as custas e os honorários ficam a cargo da parte autora, os quais vão mantidos em 10% do valor da causa, devidamente atualizado, nos termos do III do § 4º do artigo 85 do Código de Processo Civil.
Ainda, levando em conta o trabalho adicional do procurador na fase recursal, a verba honorária fica majorada em 2%, forte no § 11 do artigo 85 do Código de Processo Civil.
Fica suspensa a exigibilidade dos valores enquanto mantida a situação de insuficiência de recursos que ensejou a concessão da gratuidade da justiça, conforme o § 3º do artigo 98 do Código de Processo Civil.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação.
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Signatário (a): VÂNIA HACK DE ALMEIDA
Data e Hora: 20/5/2020, às 11:53:0
Conferência de autenticidade emitida em 07/07/2020 02:42:26.
Apelação Cível Nº 5000865-14.2019.4.04.7213/SC
RELATORA: Desembargadora Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA
APELANTE: ELENIR APARECIDA DE OLIVEIRA (AUTOR)
ADVOGADO: TIAGO FRITZE DE PINHO (OAB SC047222)
APELANTE: HIGOR ALVES (AUTOR)
ADVOGADO: TIAGO FRITZE DE PINHO (OAB SC047222)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
EMENTA
DIREITO ADMINISTRATIVO. AÇÃO INDENIZATÓRIA. DANO MORAL. INDEFERIMENTO DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. EXERCÍCIO REGULAR DE DIREITO. AUSÊNCIA DE CONDUTA ILÍCITA E DE DANO. IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO.
1. O indeferimento de benefício previdenciário, ainda que equivocado, não causa dano moral, a menos que haja procedimento flagrantemente abusivo ou ilegal por parte da administração pública.
2. Não havendo ilícito no agir do INSS, pois no exercício regular de um direito (poder-dever de autotutela), nem demonstrado o dano, não merece prosperar o pedido de indenização por danos morais em decorrência do indeferimento de benefício previdenciário. Precedentes.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 19 de maio de 2020.
Documento eletrônico assinado por VÂNIA HACK DE ALMEIDA, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40001610095v3 e do código CRC 89e29b29.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): VÂNIA HACK DE ALMEIDA
Data e Hora: 20/5/2020, às 11:53:0
Conferência de autenticidade emitida em 07/07/2020 02:42:26.
EXTRATO DE ATA DA SESSÃO Virtual DE 11/05/2020 A 19/05/2020
Apelação Cível Nº 5000865-14.2019.4.04.7213/SC
RELATORA: Desembargadora Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA
PRESIDENTE: Desembargadora Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA
PROCURADOR(A): JOSE OSMAR PUMES
APELANTE: HIGOR ALVES (AUTOR)
ADVOGADO: TIAGO FRITZE DE PINHO (OAB SC047222)
APELANTE: ELENIR APARECIDA DE OLIVEIRA (AUTOR)
ADVOGADO: TIAGO FRITZE DE PINHO (OAB SC047222)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 11/05/2020, às 00:00, a 19/05/2020, às 14:00, na sequência 876, disponibilizada no DE de 29/04/2020.
Certifico que a 3ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 3ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO.
RELATORA DO ACÓRDÃO: Desembargadora Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA
Votante: Desembargadora Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA
Votante: Desembargadora Federal MARGA INGE BARTH TESSLER
Votante: Desembargador Federal ROGERIO FAVRETO
MÁRCIA CRISTINA ABBUD
Secretária
Conferência de autenticidade emitida em 07/07/2020 02:42:26.