Apelação/Remessa Necessária Nº 5045725-55.2022.4.04.7000/PR
RELATOR: Desembargador Federal JOÃO PEDRO GEBRAN NETO
APELANTE: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO (INTERESSADO)
APELADO: ADEMILSON MANOEL GONÇALVES (IMPETRANTE)
RELATÓRIO
Trata-se de Apelação Cível interposta pela União, em face de sentença proferida nos autos de n.º 5045725-55.2022.4.04.7000 (Mandado de Segurança), pela qual o juízo de origem concedeu parcialmente a segurança, para reconhecer a nulidade do ato administrativo de Revisão de Reforma Ex Officio, determinando que a autoridade impetrada se abstenha de exigir exames médicos, submissão a juntas de inspeção de saúde ou qualquer outra condição, em qualquer tempo, a título de requisito para a manutenção dos proventos de reforma.
Sustenta a apelante, em suma, que: (a) a decisão judicial que concede o direito de reforma militar se trata de relação jurídica continuada, de trato sucessivo, passível de modificações fáticas a qualquer tempo, como é o caso da melhoria do estado de saúde do militar e, nesse sentido, os militares que foram reformados devem se submeter a inspeção de saúde para verificação de continuidade da sua invalidez; (b) a Administração possui o poder-dever de submeter o militar reformado à Inspeção de Saúde para verificação de sua condição física, por meio da autotutela administrativa, bem como dos poderes hierárquico e disciplinar, ainda que a reforma seja decorrente de decisão judicial transitada em julgado; (c) se há alteração de pressupostos fáticos que deram suporte a decisum judicial, trata-se de uma situação excepcional que autoriza a perda da eficácia da coisa julgada em face da regra rebus sic stantibus; (d) não comprovado o decurso de prazo superior a 5 (cinco) anos desde a ciência inequívoca da Administração castrense quanto à aptidão do recorrente, não se pode considerar a decadência do ato de revisar a reforma; (e) não há incompatibilidade entre a convocação para inspeção de saúde, nos termos do artigo 112-A da Lei nº 6.880/1980, e a anterior concessão judicial de reforma; (f) a inspeção de saúde realizada no bojo de processo administrativo de reforma concluiu que o impetrante permanece incapaz definitivamente para o serviço do Exército, mas detém capacidade para atividades laborativas civis, isto é, não é inválido; (g) o impetrante não logrou êxito em demonstrar de plano a ocorrência da alegada ilegalidade, sendo oportuno observar que entendimento em sentido contrário necessariamente demandaria dilação probatória, o que não é cabível na via estreita da ação mandamental.
Com contrarrazões.
É o relatório.
VOTO
1. A decisão recorrida foi proferida nos seguintes termos (
):2.1. Julgo desnecessário tecer argumentos adicionais além daqueles já invocados na decisão que deferiu o pedido de liminar, de modo que os trancrevo, para que também sirvam como fundamento desta sentença:
"Creio que o ato impugnado pelo autor é ilegal, exatamente porque fere a segurança jurídica.
Há precedentes no sentido de que a decadência do art. 54 da Lei 9.784/1999 não se consuma no período compreendido entre o ato administrativo concessivo de aposentadoria ou pensão e o julgamento de sua legalidade pelo Tribunal de Contas da União - TCU, na medida em que o ato de concessão é juridicamente complexo, aperfeiçoando-se apenas com o registro na Corte de Contas (TRF4, AC 5071745-21.2015.4.04.7100, TERCEIRA TURMA, Relatora VÂNIA HACK DE ALMEIDA, juntado aos autos em 18/07/2018).
Entretanto, é preciso interpretar com o devido rigor esse entendimento jurisprudencial.
Quando aprecia, para fins de registro, a legalidade das concessões de aposentadoria, o Tribunal de Contas da União exerce um controle externo (de caráter legislativo). Por isso, o artigo 54 da Lei nº 9.784/99 - restrito às atividades estatais precipuamente administrativas - não lhe é aplicável.
Isso não significa, contudo, que a própria Administração Pública (neste caso, a própria Administração Militar) possa, sine die, revisar a legalidade do ato de concessão da reforma de um militar.
Com efeito, a inexistência de decadência para o exercício do controle de legalidade do ato de concessão do benefício é restrita ao Tribunal de Contas da União, porque é prerrogativa desse órgão o controle externo de legalidade dos atos administrativos. No exercício do poder/dever de auto-tutela, os órgãos da Administração Pública estão sujeitos ao prazo decadencial de cinco anos para 'anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis aos destinatários', nos termos do art. 54 da Lei n.º 9.784/99, assim como às regras relativas à tramitação do processo administrativo, inclusive as relativas à preclusão e à coisa julgada administrativa, quando a questão não envolver ilegalidade do ato. A jurisprudência desta Corte e do Superior Tribunal de Justiça consolidou-se no sentido de ser inviável a exigência de devolução de valores pagos a maior, por alteração de interpretação ou equívoco da Administração, quando recebidos de boa-fé pelo servidor/pensionista (TRF4, AC 5074510-96.2014.4.04.7100, QUARTA TURMA, Relatora VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA, juntado aos autos em 27/01/2016).
Nesse mesmo sentido:
ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO CIVIL. UFRGS. APOSENTADORIA. RUBRICA OPÇÃO 55%. INCORPORAÇÃO DE QUINTOS E DÉCIMOS DE FC JUDICIAL. REVISÃO ADMINISTRATIVA. DECADÊNCIA. 1. A Administração terá o prazo de 5 (cinco) anos para proceder à revisão, contados da data em que foram praticados, decorrido o qual será o ato convalidado, não cabendo reavaliações, uma vez que operada a coisa julgada administrativa ou preclusão das vias de impugnação interna. 2. No caso, a revisão levada a efeito pela UFRGS decorreu de recomendação oriunda de auditoria realizada pela Secretaria de Gestão Pública do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, e não de impugnação do Tribunal de Contas da União. Assim, a Administração caducou do direito à revisão da parcela percebida pelo aposentado desde o ano de 2006. 3. Não é crível pretender-se à Administração Pública prazo eterno para a revisão dos seus atos, não sendo razoável que o administrado fique à espera de tal providência indefinidamente, em evidente prejuízo aos princípios da estabilidade e segurança jurídicas. No caso em apreço, não há notícias de que o órgão de controle tenha homologado a aposentadoria do autor, a qual foi deferida em 1990, ou seja, há mais de 25 anos. 4. Ademais, consagrou-se a possibilidade de preservação, após o decurso de razoável lapso de tempo, de atos administrativos ilegais que tragam efeitos favoráveis a seus destinatários e que estejam revestidos de aparência de legalidade, privilegiando-se, assim, a estabilidade das relações jurídicas e a proteção da confiança do administrado. 5. Apelação provida. (TRF4, AC 5066882-56.2014.4.04.7100, TERCEIRA TURMA, Relator FERNANDO QUADROS DA SILVA, juntado aos autos em 19/02/2016)
ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. APOSENTADORIA. REVISÃO. REGISTRO PELO TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO. ATO ADMINISTRATIVO COMPLEXO. FORMA DE CÁLCULO DO BENEFÍCIO. PRAZO DECADENCIAL. ARTIGO 54 DA LEI Nº 9.784/1999. 1. A inexistência de decadência para o exercício do controle de legalidade do ato de concessão do benefício é restrita ao Tribunal de Contas da União, porque é prerrogativa desse órgão o controle externo de legalidade dos atos administrativos. 2. No exercício do poder/dever de auto-tutela, os órgãos da AdministraçãoPública estão sujeitos ao prazo decadencial de cinco anos para "(...) anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários (...)" nos termos do artigo 54 da Lei nº 9.784/1999, assim como às regras relativas à tramitação do processo administrativo, inclusive as relativas à preclusão e à coisa julgada administrativa, quando a questão não envolver ilegalidade do ato. (TRF4, APELAÇÃO CÍVEL Nº 5074933-22.2015.404.7100, 4ª TURMA, Des. Federal CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JÚNIOR DJE. 26/05/2017)
Tendo isso em vista, e considerando que o Exército Brasileiro revisou a reforma do impetrante mais de 17 anos depois de concedê-la, é lícito concluir que se consumou a decadência.
Além disso, a nova Lei nº 13.954, de 16 de dezembro de 2019, não pode alcançar reformas consolidadas sob a égide da legislação anterior. Já há precedentes nesse sentido:
ADMINISTRATIVO. APELAÇÃO. MILITAR. TEMPORÁRIO. REINTEGRAÇÃO. REFORMA. INCAPACIDADE DEFINITIVA. AUSENTE. LESÃO PARCIAL. RELAÇÃO DE CAUSA E EFEITO. PRESENTE. INCAPACIDADE TEMPORÁRIA. REINTEGRAÇÃO. ADIDO. COM REMUNERAÇÃO. APELAÇÃO PROVIDA. 1. A lei aplicável às relações decorridas da incapacidade do militar, seja ele de carreira, seja temporário, é aquela vigente à data do fato gerador da incapacidade. 2. Não tendo sido configurada incapacidade definitiva do militar temporário, não há que se falar em direito à reforma, mas tão somente em tratamento de saúde, em razão de haver incapacidade parcial temporária. 3. Em tratando-se de acidente/moléstia/doença com relação de causa e efeito com o serviço e que gera incapacidade parcial ou total, mas temporária, o entendimento remansoso deste Regional é no sentido de que, ainda que se cuide de militar temporário, ser-lhe-á devida a reintegração/manutenção no serviço ativo, na condição de adido (ou de agregado, se militar de carreira), para fins de tratamento de saúde, com a percepção de remuneração, até o pleno restabelecimento da saúde. 4. In casu, restou demonstrada a incapacidade parcial e temporária do militar, com relação de causa e efeito com as atividades militares, mostrando-se cabível sua reintegração para fins de tratamento de saúde, com percepção de remuneração. 5. Apelação parcialmente provida. (TRF4, AC 5010754-67.2020.4.04.7112, QUARTA TURMA, Relator VICTOR LUIZ DOS SANTOS LAUS, juntado aos autos em 27/10/2021)
ADMINISTRATIVO. MILITAR TEMPORÁRIO. REFORMA. COISA JULGADA. REINTEGRAÇÃO. VISÃO MONOCULAR. LESÃO. CONSOLIDADA. SEM RELAÇÃO DE CAUSA E EFEITO. DANO MORAL. READAPTAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. 1. A lei aplicável às relações decorridas da incapacidade do militar, seja ele de carreira, seja temporário, é aquela vigente à data do fato gerador da incapacidade. 2. Constatado que o autor apresenta cegueira no olho esquerdo (visão monocular), estando incapaz apenas para as atividades militares, não existindo, portanto, incapacidade para o exercício de atividades civis que não exijam a visão binocular, não comprovada relação de causa e efeito entre a enfermidade que o acomete e as atividades militares, e estando o quadro de saúde estabilizado e/ou consolidade, inviável a reintegração pretendida, tampouco resta possível seu encostamento para tratamento de saúde. 3. Inexistente ilegalidade no ato de licenciamento do autor, o qual está dentro dos limites da discricionariedade da Administração, razão pela qual também não há que se falar, no caso concreto, em indenização por dano moral, uma vez que não restou demonstrada comprovação de ilícito causado pela União. 4. É inaplicável, aos militares, o regime jurídico dos servidores públicos civis da União (Lei 8.112/90), não havendo que se falar, in casu, em direito à readaptação do militar nos termos do artigo 24 daquela Lei. 5. Apelação a que se nega provimento. (TRF4, AC 5002347-18.2019.4.04.7012, QUARTA TURMA, Relator VICTOR LUIZ DOS SANTOS LAUS, juntado aos autos em 29/09/2021)
Por outro lado, mesmo que se pudesse admitir a aplicação retroativa da Lei nº 13.954/19, amparando-se na tese de que aposentadorias e reformas de militares são benefícios concedidos rebus sic stantibus, ainda assim seria preciso lembrar que a nova lei teve por propósito ordenar o retorno à ativa de militares que, por ocasião de uma nova inspeção de saúde, são considerados APTOS para o serviço militar. Com efeito, o artigo 112-A da Lei n. 6.880/80, que obriga os militares reformados a se submeterem a uma revisão de suas condições de saúde, não pode ser aplicado de uma forma isolada. É preciso interpretá-lo em conjunto com o artigo 112, caput, que assim determina:
Art. 112. O militar reformado por incapacidade definitiva que for julgado apto em inspeção de saúde por junta superior, em grau de recurso ou revisão, poderá retornar ao serviço ativo ou ser transferido para a reserva remunerada, conforme dispuser regulamentação específica. (grifou-se).
O autor, porém, não foi considerado apto para as atividades militares. Segundo a nova inspeção de saúde, ele continua "incapaz definitivamente para o serviço do Exército".
Além do mais, é preciso considerar que a legislação estabelece prazos para que o militar volte à ativa, tudo em nome da segurança jurídica. Com efeito, o artigo 112, caput e §§ 1º e 2º, da Lei n. 6.880/80 prescreve que:
Art. 112. O militar reformado por incapacidade definitiva que for julgado apto em inspeção de saúde por junta superior, em grau de recurso ou revisão, poderá retornar ao serviço ativo ou ser transferido para a reserva remunerada, conforme dispuser regulamentação específica.
§ 1º O retorno ao serviço ativo ocorrerá se o tempo decorrido na situação de reformado não ultrapassar 2 (dois) anos e na forma do disposto no § 1º do artigo 88.
§ 2º A transferência para a reserva remunerada, observado o limite de idade para a permanência nessa reserva, ocorrerá se o tempo transcorrido na situação de reformado ultrapassar 2 (dois) anos.
Portanto, não é ilegal revogar o beneficio da reforma por invalidez quando o militar voltar a ter aptidão para as atividades da caserna (o que não é o caso de Rodrigo, frise-se mais uma vez). É ilegal, porém, obrigar o militar (cuja reforma foi cancelada) a voltar ao serviço ativo quando a situação de reformado ultrapassar dois anos."
2.2. O mandado de segurança, não sendo substitutivo da ação de cobrança, nos termos da Súmula nº 269 do STF, em regra não admite execução por quantia certa contra a Fazenda Pública e, consequentemente, o pagamento via precatório.
Por outro lado, a Súmula nº 271 do STF assim dispõe:
"Concessão de mandado de segurança não produz efeitos patrimoniais em relação a período pretérito, os quais devem ser reclamados administrativamente ou pela via judicial própria."
Deve-se ressalvar, nesse contexto, a possibilidade de execução das parcelas referentes ao período posterior à propositura do mandamus. Nesse sentido:
EMBARGOS À EXECUÇÃO DE SENTENÇA. MANDADO DE SEGURANÇA. TÍTULO EXECUTIVO. Conforme dispõe a Súmula nº 271 do Supremo Tribunal Federal, o mandado de segurança não pode ser utilizado como instrumento de cobrança de dívidas pecuniárias pretéritas. Tal enunciado não possui aplicabilidade em relação às parcelas vencidas no período contido entre a impetração e a concessão da segurança, caso em que a sentença de procedência funciona como título executivo judicial, autorizando a propositura de subseqüente processo de execução. (TRF4, AG 5023654-20.2016.404.0000, PRIMEIRA TURMA, Relator AMAURY CHAVES DE ATHAYDE, juntado aos autos em 28/10/2016)"
3. Diante do exposto, concedo parcialmente a segurança, para reconhecer a nulidade do ato administrativo de Revisão de Reforma Ex Officio, determinando que a autoridade impetrada se abstenha de exigir exames médicos, submissão a juntas de inspeção de saúde ou qualquer outra condição, em qualquer tempo, a título de requisito para a manutenção dos proventos de reforma.
A presente sentença gera efeitos patrimoniais, relativamente aos valores que deixaram de ser pagos por conta da decisão administrativa após a data da propositura do presente mandamus, os quais poderão ser exigidos em sede de cumprimento de sentença, para pagamento mediante precatório/requisição, corrigidos pelos índices de correção e juros previstos no Manual de Cálculos da Justiça Federal.
Custas ex lege.
Sem honorários (art. 25 da Lei nº 12.016/2009).
Sentença publicada e registrada eletronicamente. Intimem-se.
Pois bem.
2. No que diz respeito à convocação para revisão dos requisitos que ensejaram a reforma, o art. 112-A do Estatuto dos militares, Lei nº 6.880/80, prevê que:
"Art. 112-A. O militar reformado por incapacidade definitiva para o serviço ativo das Forças Armadas ou reformado por invalidez poderá ser convocado, por iniciativa da Administração Militar, a qualquer momento, para revisão das condições que ensejaram a reforma. (Incluído pela Lei nº 13.954, de 2019)
§ 1º O militar reformado por incapacidade definitiva para o serviço ativo das Forças Armadas ou reformado por invalidez é obrigado, sob pena de suspensão da remuneração, a submeter-se à inspeção de saúde a cargo da Administração Militar. (Incluído pela Lei nº 13.954, de 2019)
§ 2º Na hipótese da convocação referida no caput deste artigo, os prazos previstos no art. 112 desta Lei serão interrompidos. (Incluído pela Lei nº 13.954, de 2019)"
Tem a administração, diante disso, o poder-dever de verificar, em caso de indícios de incompatibilidade e por amostragem, realizando nova perícia, se subsistem os motivos que ensejaram a reforma; e, ainda, em caso negativo, de adotar as providências pertinentes.
Entendo, nessa linha, que a reforma militar não se caracteriza como direito adquirido, mas como relação jurídica de trato continuado, uma vez que o quadro de saúde que lhe deu origem é passível de evolução, de modo que a superveniente ausência dos motivos que ensejaram a concessão do benefício justifica sua interrupção.
Além disso tal condição de relação jurídica de trato continuado é inerente à natureza de concessão da reforma militar, de sorte que, mesmo antes de constar na norma de regência uma previsão expressa, não haveria qualquer empecilho quanto a se proceder à revisão das condições que ensejaram a concessão do benefício.
Frise-se, portanto: o ato administrativo de revisão das condições que motivaram a concessão da reforma militar não depende de previsão expressa, mas da própria natureza jurídica de trato continuado do benefício.
Nessa medida, não vejo óbice quanto à revisão dos benefícios concedidos, mesmo que judicialmente e antes da inovação legislativa.
Assim os julgados:
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. INSPEÇÃO DE SAÚDE. MILITAR REFORMADO JUDICIALMENTE. APLICAÇÃO DO ARTIGO 112-A DA LEI 6.880/80. REVISÃO DO ATO DE REFORMA. RELAÇÃO JURÍDICA DE TRATO CONTINUADO. PRESCRIÇÃO. INOCORRÊNCIA. RECURSO DESPROVIDO. 1. Tratando-se de incapacidade na qual é possível a modificação da situação fática, não há óbice à realização de nova avaliação médica na via administrativa. 2. Nesse sentido, o art. 112-A da Lei 6.880/80 dispõe que o militar reformado por incapacidade definitiva poderá ser convocado, por iniciativa da Administração Militar, a qualquer momento, para revisão das condições que ensejaram a reforma. Cuida-se, assim, de relação de trato continuado, razão pela qual não há falar em prescrição no caso em análise. (...) (TRF4, AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 5022320-38.2022.4.04.0000, 4ª Turma, Desembargador Federal VICTOR LUIZ DOS SANTOS LAUS, POR UNANIMIDADE, JUNTADO AOS AUTOS EM 20/10/2022 - grifei)
AGRAVO DE INSTRUMENTO. ADMINISTRATIVO. MILITAR REFORMADO POR DECISÃO JUDICIAL. CONVOCAÇÃO PARA REALIZAÇÃO DE PERÍCIA MÉDICA. LEGALIDADE. ART. 112-A, § 1º, DA LEI 6.880/80, COM A REDAÇÃO DADA PELA LEI 13.954/2019. RELAÇÃO JURÍDICA DE TRATO CONTINUADO. SENTENÇA CUJA FORÇA VINCULATIVA ATUA REBUS SIC STANTIBUS. (...) a) a exigência da Administração Militar de que o impetrante se submeta a inspeção de saúde tem amparo no art. 112-A, § 1º, da Lei 6.880/80, com a redação dada pela Lei 13.954/2019; e no art. 4º, caput, do Decreto nº 10.750/21; (...) d) a realização de prévia inspeção de saúde, pelo impetrante, é o meio legal previsto para que a Administração Militar verifique se as razões que ensejaram a reforma concedida judicialmente ainda subsistem; e e) a exigência, por si, de inspeção de saúde não implica ofensa a direito líquido e certo. (TRF4, AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 5019200-84.2022.4.04.0000, 4ª Turma, Desembargador Federal LUÍS ALBERTO D AZEVEDO AURVALLE, POR UNANIMIDADE, JUNTADO AOS AUTOS EM 22/06/2022)
Na mesma linha o precedente: TRF4, AC 5069997-41.2021.4.04.7100, Quarta Turma, Relatora Ana Raquel Pinto de Lima, juntado aos autos em 20/06/2022.
Cabe esclarecer, ainda, que a aplicação do art. 112-A da Lei 6.880/80 não viola o prazo decadencial de 5 (cinco) anos previsto no artigo 54 da Lei nº 9.784/99. Tal entendimento se dá também em razão de que a reforma militar se caracteriza como relação de trato sucessivo e, nesse sentido, demanda a manutenção dos requisitos que ensejaram a sua concessão. Daí que a modificação desse quadro dá origem a fato novo, e somente a partir da ciência deste é que se inicia a contagem do prazo de decadência.
Nesse sentido já decidiu esta Corte:
ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. INSPEÇÃO DE SAÚDE. PRESUNÇÃO DE LEGITIMIDADE, LEGALIDADE E VERACIDADE. MILITAR REFORMADO. APLICAÇÃO DO ARTIGO 112-A DA LEI 6.880/80. REVISÃO DO ATO DE REFORMA. DECADÊNCIA. INOCORRÊNCIA. RECURSO DESPROVIDO. 1. A melhor interpretação a ser dada à norma prevista no artigo 112-A da Lei 6.880/1980 é no sentido de que a Administração castrense poderá convocar o militar reformado a qualquer momento para revisão das condições que ensejaram a reforma, sendo que a efetiva revisão deve ocorrer no prazo de 05 (cinco) anos a contar da ciência inequívoca da alteração da condição de saúde do revisionando. (...) (TRF4, AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 5023671-46.2022.4.04.0000, 4ª Turma, Desembargador Federal VICTOR LUIZ DOS SANTOS LAUS, POR UNANIMIDADE, JUNTADO AOS AUTOS EM 19/12/2022 - grifei)
Diante do que se expõe, não verifico qualquer ilegalidade quanto ao procedimento de verificação das condições que ensejaram a reforma militar, ainda que o benefício tenha sido concedido em data anterior ao advento do art. 112-A da Lei 6.880/80.
Colocadas tais premissas, passo à análise do caso concreto.
3. No caso dos autos, o impetrante é Soldado do Exército Brasileiro e detinha o benefício previdenciário da reforma com remuneração correspondente ao grau hierárquico imediato (3º Sargento). Dita condição se deu em razão de ter sofrido acidente caracterizado como em serviço, que resultou em quadro de invalidez.
Assim, a reforma do militar foi enquadrada nas condições previstas no art. 108, III; no art. 109; e no art. 110, § 1º e § 2º, alínea "c", todos da Lei 6.880/80 (Estatuto dos Militares).
Os mencionados dispositivos, ao tempo dos fatos, tinham a seguinte redação:
"Art. 108. A incapacidade definitiva pode sobrevir em conseqüência de:
(...)
III - acidente em serviço;
(...)
Art. 109. O militar da ativa julgado incapaz definitivamente por um dos motivos constantes dos itens I, II, III, IV e V do artigo anterior será reformado com qualquer tempo de serviço.
(...)
Art. 110. O militar da ativa julgado incapaz definitivamente por um dos motivos constantes dos itens I e II do artigo 108 será reformado com remuneração calculada com base no soldo correspondente ao grau hierárquico imediato ao que possuir na ativa.
§ 1º Aplica-se o disposto neste artigo aos casos previstos nos itens III, IV e V do artigo 108, quando, verificada a incapacidade definitiva, for o militar considerado inválido, isto é, impossibilitado total e permanentemente para qualquer trabalho.
§ 2º Considera-se, para efeito deste artigo, grau hierárquico imediato:
(...)
c) o de Terceiro-Sargento, para Cabo e demais praças constantes do Quadro a que se refere o artigo 16.
(...)"
Ocorre que o Comandante da 5ª Região Militar determinou a revisão dos processos de reforma no âmbito de seu comando.
Chamado a realizar nova inspeção de saúde para fins de revisão, o impetrante foi submetido a exames e recebeu parecer "Incapaz definitivamente para o serviço do Exército. Não é inválido".
Diante do quadro de não invalidez, foi determinada a concessão de nova reforma, em substituição à anterior, com os proventos referentes à mesma graduação da época do acidente, que era de soldado (
).Analisando-se o contexto dos autos, verifica-se que a administração militar, em obediência à norma vigente, procedeu à revisão da reforma militar anteriormente concedida e, tendo constatado não subsistirem as condições que ensejaram a concessão do benefício previdenciário, procedeu à concessão de novo benefício, compatível com a modificação do quadro de incapacidade.
Conclui-se, nesse diapasão, que o ato administrativo guarda consonância com as normas pertinentes ao caso.
Em caso similar, já decidiu esta Turma:
ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. MILITAR. REVISÃO DE REMUNERAÇÃO DE REFORMA. NOVA INSPEÇÃO DE SAÚDE. SOCIEDADE EM EMPRESA. EXCLUSÃO DA MELHORA DO GRAU HIERÁRQUICO IMEDIATO. 1. A reforma militar não se caracteriza como direito adquirido, mas como relação jurídica de trato continuado, uma vez que o quadro de saúde que lhe deu origem é passível de evolução. 2. A revisão do ato administrativo acerca das condições que motivaram a concessão da reforma militar não depende de previsão expressa, mas da própria natureza jurídica de trato continuado do benefício. 3. A superveniente ausência dos motivos que ensejaram a concessão do benefício justifica sua interrupção. 4. Realizada nova inspeção de saúde fins de revisão da reforma, em foi emitido parecer no sentido de que o agravante é incapaz definitivamente para o serviço do exército, mas não é inválido, atuando inclusive como sócio em empresa, o que importa na alteração do caráter remuneratório de sua reforma, deixando de ser com base no grau hierárquico superior. (TRF4, AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 5027393-54.2023.4.04.0000, 12ª Turma, Desembargador Federal LUIZ ANTONIO BONAT, POR UNANIMIDADE, JUNTADO AOS AUTOS EM 09/11/2023 - grifei)
Assim sendo, deve ser reformada a sentença de primeiro grau para denegar a segurança, mantendo-se hígido o ato administrativo de revisão da reforma militar.
Sem honorários (art. 25 da Lei nº 12.016/2009)
Ante o exposto, voto por dar provimento à apelação.
Documento eletrônico assinado por JOÃO PEDRO GEBRAN NETO, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40004464793v13 e do código CRC 62ac45ee.Informações adicionais da assinatura:
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Apelação/Remessa Necessária Nº 5045725-55.2022.4.04.7000/PR
RELATOR: Desembargador Federal JOÃO PEDRO GEBRAN NETO
APELANTE: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO (INTERESSADO)
APELADO: ADEMILSON MANOEL GONÇALVES (IMPETRANTE)
EMENTA
DIREITO ADMINISTRATIVO. Apelação cível. Mandado de segurança. Militares. Reforma militar. remuneração equivalente ao grau hierárquico imediato. Direito adquirido. revisão de ato administrativo.
1. A reforma militar não se caracteriza como direito adquirido, mas como relação jurídica de trato continuado, uma vez que o quadro de saúde que lhe deu origem é passível de evolução, logo, a superveniente ausência dos motivos que ensejaram a concessão do benefício justifica sua interrupção.
2. A administração tem o poder-dever de verificar - em caso de indícios de incompatibilidade e por amostragem -, realizando nova perícia, se subsistem os motivos que ensejaram a reforma; e, ainda, em caso negativo, de adotar as providências pertinentes.
3. O ato administrativo de revisão das condições que motivaram a concessão da reforma militar não depende de previsão expressa, mas da própria natureza jurídica de trato continuado do benefício.
4. Apelação cível provida.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 12ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar provimento à apelação, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Curitiba, 17 de julho de 2024.
Documento eletrônico assinado por JOÃO PEDRO GEBRAN NETO, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40004464794v3 e do código CRC e13cd102.Informações adicionais da assinatura:
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Data e Hora: 17/7/2024, às 19:35:15
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 19/06/2024 A 26/06/2024
Apelação/Remessa Necessária Nº 5045725-55.2022.4.04.7000/PR
RELATOR: Desembargador Federal JOÃO PEDRO GEBRAN NETO
PRESIDENTE: Desembargador Federal JOÃO PEDRO GEBRAN NETO
PROCURADOR(A): LUIZ CARLOS WEBER
APELANTE: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO (INTERESSADO)
APELADO: ADEMILSON MANOEL GONÇALVES (IMPETRANTE)
ADVOGADO(A): VINICIUS LUCIO DE ANDRADE (OAB PB016406)
MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (MPF)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 19/06/2024, às 00:00, a 26/06/2024, às 16:00, na sequência 100, disponibilizada no DE de 10/06/2024.
Certifico que a 12ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
ADIADO O JULGAMENTO.
SUZANA ROESSING
Secretária
Conferência de autenticidade emitida em 25/07/2024 04:01:06.
EXTRATO DE ATA DA SESSÃO PRESENCIAL DE 17/07/2024
Apelação/Remessa Necessária Nº 5045725-55.2022.4.04.7000/PR
RELATOR: Desembargador Federal JOÃO PEDRO GEBRAN NETO
PRESIDENTE: Desembargador Federal JOÃO PEDRO GEBRAN NETO
PROCURADOR(A): JOÃO GUALBERTO GARCEZ RAMOS
SUSTENTAÇÃO ORAL POR VIDEOCONFERÊNCIA: IANNA DREISSI MENDES DA CUNHA por ADEMILSON MANOEL GONÇALVES
APELANTE: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO (INTERESSADO)
APELADO: ADEMILSON MANOEL GONÇALVES (IMPETRANTE)
ADVOGADO(A): IANNA DREISSI MENDES DA CUNHA (OAB PB032536)
ADVOGADO(A): VINICIUS LUCIO DE ANDRADE (OAB PB016406)
MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (MPF)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Presencial do dia 17/07/2024, na sequência 55, disponibilizada no DE de 08/07/2024.
Certifico que a 12ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 12ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PROVIMENTO À APELAÇÃO.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal JOÃO PEDRO GEBRAN NETO
Votante: Desembargador Federal JOÃO PEDRO GEBRAN NETO
Votante: Desembargador Federal LUIZ ANTONIO BONAT
Votante: Desembargadora Federal GISELE LEMKE
SUZANA ROESSING
Secretária
Conferência de autenticidade emitida em 25/07/2024 04:01:06.